P1 - Boa tarde, Sinval, tudo bom?
R - Boa tarde, Genivaldo, tudo bem.
P1 - Então, pra começar a nossa entrevista, eu vou te perguntar qual o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Meu nome é Sinval Souza de Oliveira, nascido em Campinas (SP), no dia 5 de abril de 1986.
P1 - Qual o nome dos seus pais?
R - O nome da minha mãe é Eliana Aparecida Souza Oliveira e o meu pai, Valdeci Moreira de Oliveira.
P1 - Qual a ocupação dos seus pais, Sinval?
R - A minha mãe é empregada doméstica e meu pai, já falecido, era antenista.
P1 - Você tem irmãos?
R - Eu tenho uma irmã, agora, viva ainda, mas nós éramos em três irmãos, né? Dois meninos e uma menina, mais novos que eu.
P1 - Como era o dia a dia na sua casa quando você era criança, Sinval? Você se recorda como era a movimentação da sua família, um dia comum na sua casa?
R - Ah, meu pai faleceu quando eu tinha 9 anos de idade. Então, praticamente, nós ficávamos em casa; eu, como irmão mais velho, tomando conta dos meus irmãos mais novos. A gente ia no período da escola de manhã e à tarde, ficava em casa mesmo, brincando ali. Brincando entre a gente.
P1 - E você se recorda da casa onde você passou a sua infância, como ela era?
R - Eu tenho uma lembrança boa, assim, da minha casa. A minha mãe mora lá até hoje, na mesma residência onde nós fomos criados, nascidos. Eu frequento a casa. Mas eu tenho as lembranças, assim, daquela talha da vó, de barro, no cantinho, a mesinha vermelha, a geladeira vermelhinha, a penteadeira. Aqueles móveis típicos da época, né? Nada com muito luxo, mas a gente tinha as nossas coisinhas lá. Tenho uma lembrança bem boa. Até porque era onde eu passava a tarde toda com os meus irmãos, né? A gente ficava ali, pra mãe poder trabalhar. Eu tenho uma lembrança bem nítida na minha cabeça sobre a minha residência ali, na época de infância.
P1 - E como que você gostava mais de brincar, nessa época da sua infância?
R - Em frente à...
Continuar leituraP1 - Boa tarde, Sinval, tudo bom?
R - Boa tarde, Genivaldo, tudo bem.
P1 - Então, pra começar a nossa entrevista, eu vou te perguntar qual o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Meu nome é Sinval Souza de Oliveira, nascido em Campinas (SP), no dia 5 de abril de 1986.
P1 - Qual o nome dos seus pais?
R - O nome da minha mãe é Eliana Aparecida Souza Oliveira e o meu pai, Valdeci Moreira de Oliveira.
P1 - Qual a ocupação dos seus pais, Sinval?
R - A minha mãe é empregada doméstica e meu pai, já falecido, era antenista.
P1 - Você tem irmãos?
R - Eu tenho uma irmã, agora, viva ainda, mas nós éramos em três irmãos, né? Dois meninos e uma menina, mais novos que eu.
P1 - Como era o dia a dia na sua casa quando você era criança, Sinval? Você se recorda como era a movimentação da sua família, um dia comum na sua casa?
R - Ah, meu pai faleceu quando eu tinha 9 anos de idade. Então, praticamente, nós ficávamos em casa; eu, como irmão mais velho, tomando conta dos meus irmãos mais novos. A gente ia no período da escola de manhã e à tarde, ficava em casa mesmo, brincando ali. Brincando entre a gente.
P1 - E você se recorda da casa onde você passou a sua infância, como ela era?
R - Eu tenho uma lembrança boa, assim, da minha casa. A minha mãe mora lá até hoje, na mesma residência onde nós fomos criados, nascidos. Eu frequento a casa. Mas eu tenho as lembranças, assim, daquela talha da vó, de barro, no cantinho, a mesinha vermelha, a geladeira vermelhinha, a penteadeira. Aqueles móveis típicos da época, né? Nada com muito luxo, mas a gente tinha as nossas coisinhas lá. Tenho uma lembrança bem boa. Até porque era onde eu passava a tarde toda com os meus irmãos, né? A gente ficava ali, pra mãe poder trabalhar. Eu tenho uma lembrança bem nítida na minha cabeça sobre a minha residência ali, na época de infância.
P1 - E como que você gostava mais de brincar, nessa época da sua infância?
R - Em frente à minha casa, tinha um terreno de uma igreja, né? Então, era fácil a gente atravessar a rua pra jogar futebol, brincar ali de “bets” (jogo de taco), brincar de queimada. Aquelas brincadeiras típicas de menino. Como a gente tinha um bom espaço em frente de casa, uma rua com bastante crianças, na periferia ali, então brincava de tudo um pouco, mas no terreno que tinha na rua, na mesma rua, assim, do outro lado da calçada. Um terreno da igreja lá e a gente brincava de tudo.
P1 - E a sua rua era uma rua tranquila ou era bastante movimentada?
R - Era uma rua no bairro, principal, né? Ela era até bem movimentada, mas uma rua bem larga, com casas só de um lado. Então, como tinha o terreno do outro lado, era muito fácil a gente atravessar e realizar todas as atividades ali. Então, nós não precisávamos brincar na rua, especificamente em si, né? Só quando caía um pouquinho mais a noite, ficava pela calçada. Mas as calçadas eram largas, a rua também, bem larga. E era um movimento, assim, razoável. Era bem movimentado, mas era possível brincar, exercer as atividades de criança ali.
P1 - Você tinha algum sonho nessa época de, por exemplo: “Quando eu for crescer, quero ser tal coisa? Você pensava em alguma coisa assim?
R - Esses dias, eu conversando com um amigo, né, me lembrei dessa pergunta de sonho: “Qual era o meu sonho de criança?”. Eu acho que, quando a gente vem de uma família um pouco mais humilde, né, não tem tanta... Que nem: meu pai era antenista [e] minha mãe, faxineira; a gente não tem muitos sonhos, né, só vivia ali o dia a dia. Brincava na rua, sempre estudamos, mas eu não tinha nada como sonho, nada como meta de ser um professor, de ser um engenheiro, de ser um aviador. Eu acho que até a minha adolescência, até eu chegar numa idade, um pouquinho... 15, 16 anos, eu não tinha muitos sonhos não. Vivia como uma criança mesmo: brincando, mas sem sonhar, sem ter muitas pretensões no trabalho, né?
P1 - A sua família, é, seus pais, avós, são de Campinas mesmo ou eles migraram de algum outro estado ou cidade, pra Campinas?
R - A minha mãe é de Campinas. O meu pai é natural de Pompéia, interior de São Paulo. Mas, também, desde jovem eles residem em Campinas, desde... Meu pai, no caso, desde criança, de adolescente. Se eu não me engano, ele veio pra Campinas com 10 anos, numa família de cinco irmãos, ele sendo o terceiro, né, da família. Temos só duas irmãs mais novas. Mas, pelo que eu me recordo, né, que eu tenho nos registros, meu pai nasceu em Pompéia e minha mãe em Campinas.
P1 - E você tinha contato com os seus avós, com o restante das famílias?
R - Sim, tinha contato com os meus avós, né? Tanto materno, quanto paterno. A minha vó materna morava com a gente, né, ali, um período da nossa infância. Depois, ela veio a falecer um pouquinho depois do meu pai. O meu avô paterno, eu não tive contato, que, quando eu nasci, ele já era falecido. Mas, os meus avós paternos foram os que eu tive mais contato: em encontro de Dia das Mães, do Dia dos Pais. A gente fazia tudo na casa dos avós paternos.
P1 - E as atividades, digamos assim, familiares que vocês tinham, vocês costumavam se reunir em datas festivas? O que vocês costumavam fazer, como família?
R - As reuniões mais comuns eram: Dia dos Pais, Dia das Mães, Natal, Ano Novo, né? Tinha uma tia minha, irmã da minha mãe, que sempre vinha de São Paulo (SP), pra passar Natal e Ano Novo com a gente, vinha com as minhas primas. Minha tia tinha quatro filhas. Então, a casa vivia cheia, ali, naquele período. A gente se reunia, na medida do possível, né, nessas datas especiais.
P1 - E começando um pouco já da sua vida escolar, qual a primeira lembrança que você teve, que você tem atualmente da escola?
R - Eu, na escola, sempre fui aquele ‘aluno problema’, né? Típico daquele menino ‘arteiro’. Mas eu sempre tive facilidade em concluir as tarefas, sempre tive boas notas. Isso também ajudava um pouquinho naquele momento de bagunça. Acabava muito rápido, aí ficava com o tempo ocioso e acabava ficando disperso. Mas as minhas lembranças da escola foram boas. Tive ótimas interações ali, construí muitos amigos. Desde a primeira parte do colégio, Fundamental I, tenho amigos até hoje, né, pra vida. Eu acho que eu tive [um] momento escolar, assim, muito bom. Eu gostava de ir pra escola, não era aquele menino que não queria ir, de ‘matar aula’. Se fosse pra fazer alguma ‘arte’, eu fazia dentro da escola, né? (risos). Eu gostava de ir pra escola.
P1 - E essa escola, pelo menos, no primeiro momento, do ensino fundamental, era próxima? Dava pra ir a pé ou era mais longe?
R - O Fundamental I, que foi até a quarta série, né, era na rua da minha casa. Eu tinha que descer uns 200 metros e estava na escola. Então, era bem tranquilo ali. Quando eu fui pro Fundamental II, já era um pouquinho mais longe, cerca de um quilômetro, mas eu também ia a pé. Era um caminho bem tranquilo, ia pela calçada, nada muito longe. Ia com os meus irmãos. Como a rua era muito movimentada, a gente ia em grupo, né, com os amigos. Tinha, na época, ali, os pais que tinham carro na rua. Quando chovia, que era dia de chuva: “Ah, vamos com o Fulano. Hoje a gente tem que ir de carro, senão a gente não chega”. (risos) Mas era tranquilo. As escolas, graças a Deus, foram próximas de casa, que facilitou bem essa ida pra escola.
P1 - Tinha alguma matéria que você gostava mais, que te chamava mais a atenção? Ou algum professor que marcou você?
R - Tinha algumas matérias... Não era muito... Eu tinha uma facilidade, até, na escola. Não tinha matéria que eu tinha dificuldade, ou gostava mais ou gostava menos. Mas teve alguns professores, sim. No Fundamental I, teve a professora Cristina, de Educação Física, que era uma professora, assim, bem diferente dos outros professores, aquele professor de Educação Física [que é] legal. Mas o que me marcou bastante foi o professor de Matemática, um professor de Matemática que eu tive no Fundamental II, né? Professor Bacha, era o sobrenome dele na época. Professor de Matemática, que ele tentava desconstruir um pouquinho aquele conceito de Matemática da sala de aula e levava mais pra campo. Eu lembro que, na época, ele construiu uma horta na escola, pra gente trabalhar as formas geométricas ali. Ele era um professor bem legal, assim, estava sempre com a gente. Então, me fez gostar um pouquinho das aulas de Matemática, mas não pela Matemática, pelo carisma mesmo do professor. (risos)
P1 - E você se lembra de alguma festa? A escola costumava ter comemorações? Você costumava participar?
R - Eram festas típicas do colégio, né? Festa junina. Eu lembro que, na escola, em uma dessas festas, nós fizemos uma apresentação de teatro, também, assim. Foi bem legal. E a gente teve que ensaiar ali. Chegava um pouquinho antes, saía um pouquinho mais tarde. Ensaiava no período do intervalo. Esse ano foi bem legal. Foi numa festa junina também, era uma semana de apresentações lá e a gente passava lá a interação das salas. Eu me lembro que foi no sétimo ano. Nós fizemos uma apresentação de teatro lá, foi bem legal. Mas as festas eram as festas típicas do colégio, né? Festa junina, essas festas que tinha na época.
P1 - E as aulas de Educação Física já eram um destaque pra você? Você já gostava? Chamavam atenção?
R - Sim, eu gostava bastante das aulas de Educação Física, até por conta dos professores, né? Nessa escola... É que eu comecei o atletismo muito cedo, com 9 anos de idade, então, logo depois que meu pai faleceu... Então, eu já praticava esporte. Nas aulas de Educação Física, os professores já entendiam que eu praticava esporte, né? Mas, na época, quem fazia atividade física no contraturno da escola tinha a possibilidade de levar uma cartinha, pra não fazer Educação Física no colégio. Mas eu fazia Educação Física, gostava. Até participei de uns campeonatos pelo colégio, né? Eu lembro que fui num campeonato, ganhei [e] a professora me deu um tênis. Então, eu era bem ativo nas aulas de Educação Física. Não deixava de fazer, não, só porque eu já praticava o esporte. Eu fazia, sim, com a turma. E todas aquelas aulas que tinha: basquete, vôlei. Jogava os campeonatos da escola. Campeonato interno, campeonato externo. Então, até campeonato de handebol eu já fiz, né, na escola. Não era só o futebol e o atletismo, fazia campeonato de handebol também. Eu participava bem das aulas de Educação Física.
P1 - Me conta um pouco, então, como começou essa sua vida no atletismo. Você disse que começou aos 9 anos. Como isso surgiu pra você?
R - Quando meu pai faleceu, em 1996, era aquele momento que nós ficávamos, como eu já havia dito, muito na rua, né? Minha mãe saía pra trabalhar e eu ficava com os meus irmãos ali. Logo depois, minha vó veio a falecer também. Seis meses depois, minha vó veio a falecer e aí nós ficávamos muito sozinhos. Minha mãe tinha no que trabalhar, não tinha o que fazer. E, na rua, eu era aquele menino ‘arteiro’, brincava, mas sempre estava junto com os meus irmãos. E meu vizinho convidou... Ele praticava atletismo, né, corrida de rua, amador. Na época, a prima dele, a Conceição Geremias, que é uma grande atleta de Campinas, foi aos Jogos Olímpicos. Atleta da época. Tinha um projeto de atletismo no [bairro] São Bernardo. Na Praça do Esporte, aqui em Campinas, em São Bernardo. E ele me convidou pra fazer parte, né? Os meus irmãos ficavam com uma vizinha lá, na época, e eu ia. Eu era um pouquinho mais velho - eles eram mais novos, não tinha como [eles] irem - e eu ia fazer o atletismo, eu fui convidado por um vizinho meu. Comecei a ir com os filhos dele, né? Comecei a gostar e a me desenvolver. Mas, praticamente, o atletismo surgiu através de um convite de um vizinho, que via que eu ficava ali pela rua, perambulando, brincando e me convidou pra fazer parte.
P1 - E você, desde esse período, sempre se manteve nessa prática do atletismo ou houve algum momento que interrompeu, por algum motivo?
R - Eu sempre me mantive, né? Como foi um período mais difícil, assim, pra minha mãe, da criação dos filhos: uma mãe solteira, com três filhos na época. Eu e mais dois - minha irmã é de um outro casamento, que veio depois. Uma prima minha foi morar em casa, né, pra poder ajudar a minha mãe nas tarefas, assim. Então, eu sempre consegui fazer o atletismo e estudar. Eu estudava em um período e fazia o atletismo no outro período, no período da tarde. Desde quando eu comecei, não parei, né? Eram duas, três vezes na semana. Começou com duas, depois três, mas eu não parei. Eu sempre consegui treinar e estudar ao mesmo tempo, graças a Deus, mesmo tendo essa história da mãe solteira [e] o mais velho ter que trabalhar. Minha mãe, graças a Deus, nunca precisou que a gente trabalhasse. Com muito custo, ela conseguiu criar a gente aí, deixar livre pra fazer esporte e outras atividades.
P1 - Caminhando pro seu ensino médio, você mudou de escola? Você utilizou alguma das escolas que estavam perto da sua casa, as anteriores?
R - No ensino médio, eu estudei perto de casa. Ali mesmo, essa que era 200... Um quilômetro, mais ou menos, da minha casa. Não teve muita mudança, né? Quando eu... Não me recordo agora o ano, mas eu fiz um curso técnico também, no Colégio São José, que era um curso certificado pelo Senai. Eu fiz Elétrica, né? Eu fiz um curso de Elétrica no São José, que eram dois anos o colégio [técnico], e foi logo [o] ano que eu mudei pra noite. Era um período, assim, bem cansativo. Era no primeiro colegial. Eu treinava de manhã, ia pro colégio técnico à tarde, fazer o curso de Elétrica, voltava pra casa e ia pro outro colégio, à noite. Esse colégio da noite já era um pouquinho mais longe: eu tinha que ir de ônibus, tinha uma logística. Tinha um amigo, na época, que tinha uma ‘motinha’, que era um ano mais velho, né? Ele levava a gente, me levava de moto, dava carona. Mas também eu nunca deixei de estudar, eu sempre fui... Treinei e estudei, né? Então, você pega... Pra um menino da periferia, que o pai morreu muito cedo e a mãe solteira, eu sempre tive, como falei no começo, sempre gostei de estudar e ir pra escola, tinha facilidade. Então, eu me ‘coçava’ pra não ficar parado: treinava de manhã, fazia o colégio técnico à tarde, de Elétrica, e à noite ia pro colégio regular.
P1 - Você se lembra por que escolheu um técnico em Elétrica?
R - Ah, na verdade, eu tinha três opções: a Mecânica, o Desenho Técnico... Quatro opções... Marcenaria e Elétrica. Eu não quis fazer os outros. Talvez eu queria fazer Mecânica, mas, se eu não me engano, Mecânica era três anos [de duração], o curso. E entre Marcenaria e Elétrica, que eram dois anos... Como eu já treinava e sabia que ocupava bastante o meu tempo - já estava participando de campeonatos ali, nacionais -, eu achei que, naquele momento, fazer o de dois anos seria o mais assertivo ali.
P1 - Nessa época de adolescência, no seu tempo livre, dos treinos e dos dois cursos que você estava fazendo, do médio e do técnico, o que você fazia pra relaxar, pra se divertir?
R - Eu fazia atletismo, né, desde menino. Estudava, ia pra escola. Mas, graças a Deus, era sempre com os meus amigos de infância, ali. Então, na maioria das vezes, nós estávamos juntos em alguns eventos, né? Mas os fins de semanas que eu tinha livre, procurava jogar bola, andava de bicicleta com os meus amigos da rua mesmo, ali no bairro. Fazia essas atividades rotineiras, quando mais adolescente, né? Mas quando [já era] um pouquinho mais velho, eu ia no cinema. O atletismo toma muito do nosso tempo, né? O esporte, quando você começa a competir. E quando chegava o final de semana, nós estávamos em competição. Então, quando tinha esse tempinho livre, eu procurava fazer as atividades alternativas que qualquer jovem da época fazia: jogar futebol aleatoriamente, andar de bicicleta, ir no cinema, ir em uma ‘festinha’ com os amigos na parte da noite, enfim. Mas sempre dormia muito cedo, então eu não conseguia estender uma ‘festinha’ até o amanhecer, porque a gente acaba cansado, né? Os treinos já eram exaustivos e na minha cabeça, eu tinha: “Ah, vou perder uma noite de sono e aí eu vou perder o treino no dia seguinte”. Mas quando tinha um momento livre, quando eu não estava competindo, fazia as atividades comuns ali dos jovens, dos adolescentes.
P1 - Certo. Você chegou a trabalhar com essa área de Elétrica ou algo assim? Ou você já se direcionou completamente mesmo pro atletismo, para as competições?
R - É, eu trabalho. Se precisar de um eletricista aí, eu vou. Tô brincando (risos) um pouquinho. Na verdade, eu fiz o curso [e] depois tive até vontade de progredir em uma área, né, de engenharia elétrica, enfim, mas é como você falou: o atletismo foi tomando uma proporção na minha vida. Fui conquistando campeonatos, já tinha uma condição em 2002 - agora eu lembrei: 2002, que eu concluí o curso - de competir no Campeonato Sul-americano, né? E eu não consegui continuar nessa área de Elétrica. Mas eu fiz alguns trabalhos, assim, pra família mesmo. “Ah, preciso fazer...”. Até recentemente eu fiz a instalação elétrica da casa da minha tia, né? Ela mudou, construiu lá a casa dela e precisava de um eletricista. A gente sabe que é um serviço muito caro, aí eu falei: “Não, tia, vamos lá”. Eu fiz o curso, a gente tem uma noção e aí, vai, dá uma ‘estudadinha’ aqui, pega o livro lá que tinha da época do colégio, dá uma lida [e] uma atualizada. Assim, faço pequenos serviços pra um amigo, pra alguém que pede, mas ganhar dinheiro com isso, trabalhar profissionalmente, não. Nunca cheguei nessa fase, não.
P1 - E depois que você terminou o ensino médio, começou a se dedicar exclusivamente aos treinos?
R - Eu terminei o ensino médio [e] fiquei um pouquinho sem estudar. Não fui logo para a faculdade. Eu acho que um ano, um pouquinho, assim, sem ir pra faculdade. Um ano, um ano e meio. E aí, por incentivo da minha namorada - minha esposa -, na época, eu fui fazer a faculdade em 2005, onde eu iniciei o curso de Educação Física. Mas sempre estudando e treinando [ao mesmo tempo]. Eu me lembro quando fui em um Campeonato Mundial, né, eu estudava nesse formato que eu te contei: de manhã, de tarde e de noite; mesmo assim ainda tive ótimos resultados e conseguia ser o sétimo do mundo, na prova do decatlo, que era a prova que eu fazia. Então, eu nunca fui só exclusivo do esporte, sempre me preocupei em estudar, estar estudando ali, junto com o esporte. Mas, graças a Deus, eu nunca precisei trabalhar pra poder ter uma ‘graninha’, pra poder... Enfim.
P1 - Certo. E como foi o seu primeiro contato com a Orcampi?
R - Em 1997, foi em 1997. Foi logo um ano depois que eu comecei, né, por convite do meu amigo. Eu já treinava nessa escolinha, no São Bernardo. E a Orcampi surgiu em 1997, como uma escolinha, de uma equipe que tinha [a] maioria, que era a Fluminense, de corredores de média e longa distância. E surgiu um projeto chamado Orcampi. Inicialmente treinava os... Era na PUC, nas dependências da Faculdade da PUC, em Campinas. E foi divulgado que ia ser feito teste e tudo. A treinadora nossa, na época, lá, a Conceição, levou a gente pra fazer o teste, né? Eu me lembro bem que o teste era a partir de 10 anos de idade e eu tinha 9. Eu não tinha 10 anos. E aí eu fiz o teste, tive até um destaque no teste, em relação aos meninos, ali, da minha idade. Fiz um teste muito bom, né? Até eram uns meninos mais velhos. Eu lembro que eu caí, fazendo o treino. O teste de 600 metros, eu caí. Levantei, ainda continuei correndo e cheguei na frente, tal. Fiz o teste e falei: “Passei, né?”. Depois eu descobri que eu não tinha a idade, mas a treinadora lá conhecia o pessoal, tinha influência. E me aprovaram no projeto Orcampi, mesmo com um ano mais velho... Mais novo, né, um ano mais novo. Então, a minha história na Orcampi começou em 1997, com 9 anos de idade, quando eu fui fazer o primeiro teste lá e fui aprovado, pra poder fazer parte da escolinha de formação.
P1 - Então, a sua formação foi feita desde o início, praticamente desde o início, na Orcampi, né?
R - Sim, desde o início, na Orcampi. Hoje, aqui na Orcampi, acho que eu sou a pessoa que está aqui por mais tempo, né? Acho que até os próprios, nossos coordenadores aqui vieram um pouquinho depois, estavam em outros projetos. Mas, na Orcampi, eu tô desde 1997 mesmo. Já vai fazer quase 30 anos - não sei se é isso, mas faz bastante tempo. Então, toda a minha formação como atleta, foi dentro aqui da Orcampi e só tenho a agradecer. (risos)
P1 - E como foi pra você quando começou a fazer competições? Como você se lembra [o] que sentiu quando você ganhou a primeira competição?
R - Ah, eu tinha um espírito competitivo enorme. Então, eu queria sempre ganhar, né? Eu não me importava se era maior o menino, se era mais forte. Eu sempre fui baixinho, magrinho, né, mas eu sempre me sentia capaz. Não era um dos atletas mais altos, até pra prova que eu fui fazer, não era um dos mais fortes, mas sempre tive sucesso. Eu era bem coordenado, tinha um desenvolvimento motor muito bom, assim, né? Acho que tudo graças à minha infância, por brincar bastante na rua, fazer diversas atividades, eu tinha um desenvolvimento motor muito bom. Eu lembro, sim, das primeiras competições, onde eu comecei a ganhar medalhas. Eram competições regionais, né, aqui na região, que a gente participava. Encontro de escolinha, eu lembro. Mas eu lembro muito bem, assim, a minha primeira medalha... Não, a minha primeira colocação, não foi nem uma medalha. Foi em quarto lugar em um campeonato brasileiro, da categoria acima da minha. Isso foi em 2001, que ali eu percebi que poderia, realmente, ser... Ter alguns frutos ali em relação ao esporte. Eu fui quarto lugar na prova de Combinados. Fiquei dez pontos atrás do terceiro colocado. Então falei: “Pô, ali eu acho que tenho um potencial pra estar entre os melhores”.
P1 - E a partir dessa primeira, você continuou nas competições e não parou mais?
R - Aí não parei mais, né? Eu lembro que, no próximo ano, já passei a ser o primeiro da categoria. Já bati alguns recordes em campeonato, né? Sempre treinando... Porque, antes desse 2000, antes dessa competição, que eu fiquei em quarto lugar, eu era da escola de formação. Do “grupão” de crianças. Em 2000... No final do ano 2000, eu passei por um grupo de treinamento específico. Eu lembro até hoje que o treinador sentou todo mundo assim, pra discutir qual era o plano pra próxima temporada. E aí, ele olhava lá pro menino ‘magrão’: “Você... O plano é ficar entre os dez do campeonato brasileiro. Você tem a chance de ir pro Sul-americano” e ia apontando cada um. Eu falei: “Pô, quando chegar a minha hora, o que ele vai falar, né?”. Ele olhou pra mim e eu falei: “E eu?”. Aí ele, assim: “Não, você não precisa se preocupar, não. Você é muito novo, vai aí com o pessoal”. Mas eu queria um plano pra mim também. Não aceitei (risos) aquilo como diretriz. Eu falei: “Não, quero também. Fala aí! Nem que for pra ser o vigésimo e tal”. E aí, dentro da minha cabeça eu construí um plano, falei: “Ah, se é aquele ali que ele tinha um plano pra tal coisa. Então, o meu objetivo nos treinos, a partir de agora, vai ser chegar próximo daquele, depois próximo do outro”. Aí eu me desenvolvi muito rápido. E, no ano seguinte, todos os atletas que ele estava com o pensamento de colocação nesse campeonato foram piores que eu. (risos) Então, eu falei... Mas foi bem legal. E por aí eu comecei.
P1 - E aí você disse que entrou - depois do ensino médio, você passou mais ou menos um ano e meio sem estudar - na faculdade de Educação Física. Que lembranças você tem desse período da faculdade? E o que você acha que ela mudou na sua vida, durante esse período e até hoje, os efeitos disso?
R - A primeira situação, que nem você me perguntou lá atrás se eu tinha um sonho, né, há muitos anos, se eu tinha um sonho. Lá atrás eu não tinha, mas, nesse momento que eu já estava como atleta, a gente começa a ter sonhos, né? Sonho olímpico, sonho de estudar, ser um treinador e tal. E aí, eu comecei ver faculdade, falei: “Mas como que eu vou pagar uma faculdade?”. Recebia uma ‘graninha’ lá da equipe pelos resultados que eu tive, mas não era uma ‘grana’, assim, que eu poderia estar pagando uma faculdade, né, de forma integral. E aí, com muito custo, conversando com os amigos, eu consegui uma bolsa na faculdade. Uma bolsa de um pouquinho mais de 70%, quase 80%. Aí o que sobrava, dava pra pagar, né? E aí entrei, pela faculdade. Só que eu tinha que competir pela faculdade. Eu entrei com uma bolsa atleta pela faculdade. Passei esse ano na faculdade estudando, falei: “Pô, o esporte vai me dar uma oportunidade de estudar, né?”. E aí... Só que, no final do ano, não deu certo o processo de bolsa e aquela bolsa que eu ia ter, de 70%, não existiu mais e não consegui pagar o curso, né? Não consegui pagar todas aquelas retroativas que ficaram pra trás e eu tive que parar de novo de estudar. Então, esse foi o meu primeiro contato com a faculdade. Eu queria, mas não tinha condições de estar bancando esta faculdade. Fiquei um pouco sem estudar e depois, novamente, por incentivo da minha esposa, já tinha, na época, uma faculdade um pouco mais barata em Campinas, fiz o vestibular e consegui passar nessa faculdade, mas pagava. Era um valor que ali eu conseguia pagar e fui fazendo o curso. E faltando acho que um ano e meio pra faculdade acabar também, consegui uma bolsa através da equipe aqui de atletismo, da Orcampi, e consegui concluir o curso com 100% de bolsa. Mas, assim, não foi fácil, porque às vezes a gente não consegue ter sonhos por não achar possível, né, pagar uma faculdade. Na época, era caríssimo uma faculdade. Hoje a gente encontra o curso que eu fiz bem mais barato pela internet, “online”. Mas, na época, não era a minha realidade. Hoje, graças a Deus, isso facilitou e está ajudando bastante as pessoas que vêm de uma realidade social um pouco diferente chegar à universidade, através de apoios, de políticas públicas, mas, no começo, ali, eu tive que correr atrás, contar um pouquinho com a sorte e estar no lugar certo, na hora certa.
P1 - Você acha que o que você aprendeu na faculdade mudou um pouco a sua visão sobre o atletismo?
R - Sim, com certeza. Antes eu tratava o atletismo só como uma atividade, né? “Vamos lá! Vamos fazer!”. E aí você vai na faculdade e começa a estudar, fiz cursos depois. Você começa a entender melhor o esporte. Esse entendimento, eu lembro até hoje, o meu treinador na época, o José Vicente, estava passando a técnica pra gente e, como eu estava aprendendo as coisas na escola, ficava falando pra ele: “Ô, capiá – o ‘nome’ dele – isso a gente está fazendo por causa disso, né? É o metabolismo, tal. Aquela técnica do salto em distância, que levanta o joelho”, aí eu já ‘jogava’ pras aulas de Biomecânica. Até no treino ali eu começava a dar umas dicas pros amigos, eu me senti (risos) um treinador, né? Porque aquele conhecimento que você vai aprendendo na faculdade, você vem trazendo pra dentro, né, quer desenvolver e te deixa um pouquinho mais consciente naquilo que você está fazendo. Eu lembro até de perguntar pra ele assim: “Ô, Vicente, você acha ruim de eu falar pro atleta, né, dar dica?” Ele: “Não, você está falando certo, super certo”. Então, era uma forma de eu estar ensinando, orientando o meu companheiro ali, um pouco mais novo que eu. Naquele momento, me ajudava muito no aperfeiçoamento da minha atividade, em si. Então, a faculdade ajudou muito no atletismo como um todo.
P1 - Você já estava treinando pra ser treinador, né, nesse período?
R - Treinando pra ser treinador. Estava treinando pra ser treinador, até porque a minha carreira como atleta, eu consegui alcançar todos os resultados possíveis nas categorias de base, né? Fui a Campeonato Sul-americano, tive recorde, fui a Campeonato Mundial, mas ela foi curta, né? Em 2007, quando eu tive uma lesão no tornozelo, eu decidi parar... Parar, não; treinava mais ou menos. Ela foi curta. A partir de 2011, que eu estava terminando a minha faculdade, que eu parei de vez, né? Então, minha carreira foi curta. Eu consegui seleções na categoria de base, na categoria adulta, mas parei muito cedo. Parei, acho que eu tinha o quê? 25 anos? Nem isso. Agora eu não me recordo, tenho que fazer uma continha, mas parei muito jovem. Hoje, eu tô com 35 [anos] e tem companheiros meus daquela época que estão competindo até hoje.
P1 - E foi uma decisão sua? Ou devido a essa lesão, você percebeu que o rendimento talvez não fosse o mesmo?
R - Foi uma decisão minha, mas muito tomada pela decisão e pelo ego, né? Como eu acabei de citar, eu tive bons resultados nas categorias de base, até então. Competia ali entre os melhores atletas do país, entre os primeiros, segundos [e] terceiros. Sempre estava ali, brigando por uma medalha. E a lesão me atrapalhou muito em um momento que eu estava em ascensão, né, dentro do esporte. Eu não cresci, a altura também me atrapalhou um pouquinho, né, nas categorias adultas. Eu tenho 1,72 [metro]. Mas a minha lesão, mesmo, quando eu rompi o ligamento do pé, ela não me devolveu nas condições que eu era, né, que eu tinha antes. Então, comecei a já não ter mais os resultados que eu tinha. Comecei a fazer marcas piores, perder pra atletas que eu ganhava, assim, com uma certa facilidade. Isso foi me deixando um pouco meio 'pra baixo', né? E aí, comecei a trabalhar já como professor, aqui na Orcampi, no instituto. Já estava trabalhando ali na escolinha de base. Recebi um grupo de atletas pequeno, né, pra trabalhar com as provas de arremesso e lançamento. Eles começaram a ter resultado, aí eu falei: “Pô, eu já não estou tendo [o] resultado que eu espero como atleta e os meus atletas estão evoluindo”, aí eu decidi parar.
P1 - Entendi. E como você começou, como surgiu essa questão de você se tornar treinador na Orcampi?
R - Eu estava terminando meu curso de Educação Física e trabalhando como estagiário em uma assessoria de corrida, aqui em Campinas, onde tinha um treinador que trabalhava aqui. A gente estava conversando lá, sobre isso, e aí eu falei: “Ah, gostaria, sim, de trabalhar com esporte e tal”. Na época, ele veio e comentou com o nosso coordenador aqui. E aí ele me convidou para estar trabalhando na escola de formação, como estagiário. Comecei como estagiário, aqui na Orcampi... Falo dentro do estágio de Educação Física, né? Mas, logo em seguida, me formei e aí ele me inseriu ao grupo de professores aqui do Instituto Orcampi. Eu comecei a trabalhar ali por um ano, um ano e meio, mais ou menos, e a gente começou a perceber que tinha uma demanda dos atletas que ficavam um pouco mais velhos, na transição de sair da formação e ir pro grupo de treinamento. Assim como aconteceu comigo, lá no passado. E como eu fazia provas combinadas, do decatlo, que é uma prova que tem todas as provas do atletismo, naquele momento eles entenderam que era melhor eu ficar com esse grupo intermediário, de transição, onde eu teria condição de trabalhar todas essas provas: prova de salto, arremesso, velocidade, enfim. Eu comecei a trabalhar com essas crianças, que estavam em fase de transição pros grupos de treinamento. Por isso que eu falo que a gente tem que ter um pouquinho de sorte, um pouquinho de estar no lugar certo. E aí, nesse momento, teve um professor que se desligou do instituto, foi pra um outro local e deixou uma área vaga de arremesso e lançamento. O meu treinador, na época, que era treinador de provas combinadas, assumiu esse grupo. Só que, pra ele, ficou muito pesado, que ele trabalhava com dois segmentos: atletas de arremesso e lançamento e atletas de combinados, que é o decatlo e o heptatlo. Ele ficava super atarefado. Em uma reunião nossa aqui, interna, o nosso coordenador falou o seguinte: “Encontrei o nosso treinador de arremesso e lançamento” e aí ele me convidou pra fazer parte da equipe como treinador, não mais como professor. E aí, a princípio, eu falei: “Não sei, vou pensar, né?”, porque eu não queria ser treinador de arremesso e lançamento, que era - dentro das provas que eu trabalhava, nas combinadas - [a prova] que eu tinha mais dificuldade. E aí eu falei: “Pô, eu quero ser treinador de salto. Meu sonho é ser treinador de salto. Treinador de combinadas? Como que eu vou aceitar ser treinador de uma prova que eu era ruim?”, né? Sabia fazer, mas não era a minha melhor performance, né? Aí, fui pra casa com aquilo na cabeça e falei assim: “Não, acho que é uma oportunidade, né, de a gente...”, às vezes nem tudo é como a gente quer, assim como na minha vida. Às vezes, a gente faz alguns planos ali e não acontece. Eu falei: “Vou aceitar”, aí aceitei essa posição como treinador de arremesso e lançamento. Então, a partir desse momento, eu comecei a cuidar de uma área específica aqui dentro do instituto, da Orcampi. Eu ficava com os atletas de arremesso e lançamento. E, por ser específico, né, a especificidade que eu trabalhava exigia uma experiência grande, assim. Na época, nós tínhamos um coordenador da escola de formação, Lázaro Velásquez, ele falou: “Pô, já que você vai pra essa área, eu quero que você aprenda com os melhores”. E aí eu passei a... Aí ele conversou com o pessoal da confederação e conseguiu um "camping" de treinamento de 20 dias pra mim, com um cubano, em Uberlândia (MG). Uberlândia era a cidade que desenvolvia os atletas de arremesso e lançamento do Brasil, os melhores, né? Inclusive, o Darlan Romani - que é o nosso arremessador de peso aí, de muito sucesso, fez parte da Orcampi - treinava lá na época. Então, lá tinha os melhores atletas. Eu falei: Vou aprender...”. Ele falou assim pra mim, lembro até hoje, o Lázaro: “Se você for pra aprender, vai aprender com os melhores", né? Então aí, graças a Deus, eu consegui fazer estágio com grandes treinadores aqui. Outros cursos que eu fiz pelo comitê olímpico também, que tive oportunidade de participar. E aí os meus atletas foram evoluindo muito rápido, né? Eu comecei a ficar bem específico daquela modalidade. Aí eu decidi parar e me dedicar totalmente a ele. Mas, assim, foi através de uma conversa com um amigo, que conversou com o coordenador e eu fui aproveitando as oportunidades, os convites. E, graças a Deus, vem dando certo até aqui, né?
P2- Sinval, como é que você se sente ao treinar um aluno, uma criança e ver que você conseguiu ser um ótimo treinador pra ele?
R - Eu me sinto muito gratificado. É muito gratificante, né, eu pegar um atleta, assim, e ver o resultado. Porque algumas experiências que eu tive como atleta, ajuda muito nessa condução do trabalho. Aquela história: eu vim do meio, sei como que o atleta se comporta. Eu sei as emoções que o atleta sente. Eu tive, recentemente, um atleta que se classificou agora para um Campeonato Sul-americano adulto, que eu tô com ele desde quando comecei a ser treinador. Desde que eu recebi o convite pra trabalhar com arremesso e lançamento. E era um atleta que nunca tinha pegado seleção em nenhuma categoria, nas categorias de base. Sempre 'batia na porta', né, ficava em terceiro lugar. A gente já tinha tido sucesso nos campeonatos nacionais, com medalha. Quando você chega e integra o atleta em uma seleção, que é o que ele sonha, sempre a motivação dele, pra cada treino, é uma situação, assim, muito gratificante. A gente se sente em paz, feliz com o processo e com todo o trabalho. É fantástico isso.
P1 - Bom, e o que você acha também, além dessa evolução que você consegue ver nos seus, nas pessoas que você treina, dos atletas que você treina, o que você consegue enxergar também de evolução pra você mesmo como treinador?
R - Eu acredito que é uma soma de tudo, né? Como eu tinha os meus objetivos como atleta, graças a Deus, consegui seleções categoria menor, juvenil, adulto. Não fui a Jogos Olímpicos, não fui a mundial. E quando você passa a ser treinador, você também cria alguns objetivos, entre colocar o atleta em uma seleção e assim, né, vai. Eu tive o meu primeiro atleta em uma seleção, foi no lançamento do martelo e aí eu já falei: “Pô, eu já tenho condições de colocar um atleta na seleção", é uma soma, né? E aí você fica sempre naquela expectativa: “Qual que é o próximo?”. A gente vem querendo construir coisas. Óbvio, trabalhando, com muito trabalho. Em 2019, eu tive uma atleta no Pan-Americano também, e aí a gente fala: “Pô, as coisas estão acontecendo, né? As coisas, aos pouquinhos, vão acontecendo, os objetivos”. E agora, recentemente, no ano de 2021, eu tive três atletas convocados para o Sul-americano Adulto e eu fui convocado como treinador desse segmento, das provas de arremesso e lançamento. E aí você fala assim: “Pô, agora eu consegui mais um objetivo. Consegui como atleta na seleção, consegui levar os meus atletas e agora tô indo como treinador”. Então, é gratificante. Agora é esperar o próximo passo, próxima temporada, novos desafios. É uma soma do trabalho, né? Desde a época de atleta, até a época de treinador. E também entregar… Agora, as próximas metas, daqui a [alguns] anos, é que os meus atletas se tornem grandes treinadores ou grandes pessoas na vida. A gente não pode pensar só na formação esportiva, né? Tem que também pensar na formação da pessoa, na formação do caráter do jovem. Como era uma coisa que eu sempre fiz, né, que foi estudar e treinar, eu sempre falo com eles. Tem uma atleta minha que chegou há uns anos aqui, ela me perguntava: “Qual que é o treino hoje?". Eu falava: “Entra na biblioteca ali e lê um capítulo do livro”. (risos) E ela brincava, ria, falava: “Pô, eu vim pra treinar, não pra estudar”. Aí eu falava: “Não, mas é importante”. Então, eu acho assim: os objetivos como atleta, a gente tem, traz pra vida do treinador, mas é sempre procurando mudar o jovem, o atleta.
P1 - Certo. E em relação a Orcampi, durante esse período todo que você foi treinado, estudou e também se tornou treinador, você vê uma evolução, um crescimento da Orcampi?
R - Com certeza, sem dúvida nenhuma. Eu, com toda a propriedade, posso dizer que a Orcampi cresceu muito. Desde quando começou, lá em 1997, até hoje. Antes, aqui era um projeto de atletismo, né? Só tinha atividades praticamente esportivas. E hoje, como treinador, eu consigo enxergar a importância que todo esse projeto tem na vida das pessoas, inclusive no meu. A Orcampi cresceu em estrutura, cresceu em "know-how" (habilidade adquirida pela experiência), né? Os professores todos capacitados. Hoje a gente consegue atender os jovens, não só na parte esportiva, mas também na parte social, na parte afetiva, né? É muito gratificante quando os atletas vêm e se sentem em casa aqui. A Orcampi cresceu muito, muito mesmo, em "know-how", de uns anos pra cá... De uns anos não, desde quando começou, em 1997, até hoje.
P1 - Bom, Sinval, indo pro último bloco, né, da entrevista: quais são as coisas mais importantes pra você, hoje em dia?
R - Família. São coisas importantes, né? Tendo aí na família, eu incluo minha mãe. Minha mãe hoje está em uma situação aí que a gente tem que cuidar dela, da saúde da mãe. E dos meus filhos, né? Tenho dois filhos. Eu acho que, pra mim, assim, são os meus motivos, [e] os meus irmãos, família como um todo. Sempre fui aquela pessoa que, por circunstância, tive que ajudar todos em algum momento, né, por ser o irmão mais velho, por algumas vezes fazer a situação de 'chefe de família'. Então, a família, assim, pra mim, é prioridade em tudo.
P1 - E qual é a idade dos seus filhos, Sinval?
R - Eu tenho dois meninos: Cauê, de 14 anos, e o Victor Hugo, de 7 anos.
P1 - E eles têm algum interesse por atletismo? Se atraíram pela profissão do pai ou não?
R - Se eu te contar, você não acredita. O mais velho nunca quis, né? Eu sempre tentei trazer um pouquinho, mais novo, ele nunca queria. E aí, um dia ele aceitou o convite e veio aqui na Orcampi. Hoje, os dois estão aqui fazendo atletismo e o mais velho não larga, né? Ele vem até sozinho, vem de ônibus. Muda os horários dele pra não perder os horários de atividades. E o mais novinho também adora, né? Aqui no projeto, graças a Deus, a gente consegue atender crianças a partir de 6 anos, né? Então, eu consigo trazer os dois pra cá. Como eles estudam em horários diferentes no colégio, devido à rotina da mãe, o mais novo fica comigo no período da manhã e já faz atividade esportiva aqui no instituto, né? Enquanto eu dou o meu treinamento, ele fica por aqui, na Orcampi. E o mais velho... Eu levo o mais novo pra escola, trago o mais velho e o mais velho fica aqui também, fazendo atividade no contraturno. Então, eles estão aí já na mesma rotina minha: estudando e fazendo esportes, estudando e fazendo atletismo.
P1 - E a sua esposa, o que ela acha disso, a mãe deles?
R - Ah, ela gosta! Ela super incentiva, porque também viu a transformação que o esporte, o atletismo, teve na minha vida, né? E ela sempre foi super fã de esporte. Ela não pratica, não é praticante, mas apoia. Ficava até brava quando o mais velho não queria vir, no começo, e eu falava: “Não, deixa, que ele vai ter o tempo dele”, mas ela gosta também muito do que eles fazem.
P1 - E qual o nome dela, Sinval?
R - Mirela.
P1 - Mirela? Tá. Vocês já estão juntos há um bom tempo, né? Você disse que, na época da faculdade, pra entrar na faculdade, ela já estava te dando apoio.
R - Sim. Na época... Na verdade, agora nós nos separamos, né? Mas ela sempre me deu apoio. Eu até falo que ela foi a mulher mais importante na minha vida. A gente separou recentemente, mas ela que me deu apoio nas minhas escolhas aí, tanto como atleta, como profissional. Sempre me apoiou. Nunca... Como a gente tem uma rotina como atleta e como treinador, é muito difícil de quase final de semana estar em casa, por estar no campeonato. Super entendeu, nunca fez questionamento nenhum sobre. Sempre a favor. Ela entende essa linha e essa roda que o esporte de alto rendimento traz, né, essa demanda.
P1 - Quais são os seus sonhos pro futuro?
R - É continuar trabalhando, né? Sempre com honestidade, com vontade de sempre evoluir. E que meus filhos também consigam, aí, mais pra frente, colher frutos do esporte, na vida deles. De terem escolhas, através de oportunidades que hoje, graças a Deus, eles têm um pouco diferente da minha. Consigam traçar seus próprios caminhos, né? E a gente sonha, né, em viver isso em harmonia, com os atletas, com os amigos. Crescer na carreira profissional ainda mais, porque eu acho que não acaba aqui, não para aqui. A gente está sempre aprendendo. Quem sabe aí, no futuro, colocar um atleta nos Jogos Olímpicos, né? Eu já tive um atleta no Pan-Americano. São aqueles degraus que eu falei pra você, de estar alcançando, de estar colocando os atletas. Nunca ficar parado, né? Eu acho que, quando você alcança um sonho, alcança um objetivo, a gente tem que logo correr pra construir outro, né? Eu não gosto muito de ficar tendo muitas ideias, prefiro focar em uma coisa e deixar isso acontecer. Ter dois, três objetivos ali pro futuro e deixar isso acontecer. E, quando acontecer, aí sim ter um próximo plano, nunca ficar parado.
P1 - Sinval, como a pandemia afetou a sua atividade, não só profissional, mas a sua vida em si, a sua rotina? O que foi alterado?
R - A pandemia, é inegável que ela alterou a vida de todos. A gente está aí passando já por dois anos de uma situação muito difícil, né, pro país. A princípio, aqui no esporte, afetou muito o calendário esportivo, onde não poderia ter as atividades e manter os atletas motivados em realizar o treinamento específico, dentro de uma realidade que não existia, né? Não tinha um campeonato, não tinha um futuro, não tinha nada. Ninguém conseguia dizer nada. Então, manter os atletas motivados a treinar, isso foi uma dificuldade muito grande, realizar atividades aqui no trabalho, dentro da Orcampi. Outras atividades paralelas que eu tenho aqui - a Orcampi também -: eu trabalho em uma escola de cadetes, trabalho com o pessoal de Medicina da PUC. Tudo com atletismo. Algumas atividades foram cessadas também, interrompidas nesse período de pandemia. Aí junta crise financeira, enfim. Foi um momento difícil pra todo mundo, mas, graças a Deus, estamos passando aí. Peguei o Covid, não tive nenhum sintoma, graças a Deus, passei ileso, né, mas muitas pessoas se foram por conta dessa doença. E agora é aguardar, esperar um futuro melhor, um ar melhor pra se respirar. Mas, assim, afetou bastante a parte do trabalho e o direcionamento com os atletas.
P1 - Algumas dessas atividades já retornaram parcialmente?
R - Algumas retornaram parcialmente, mas não na mesma intensidade. Os atletas aqui, de alto rendimento, a gente já consegue ter uma rotina, né, melhor. Os calendários estão acontecendo, graças aos Jogos Olímpicos, que anunciaram que ia ter. E aí isso movimentou as federações, as confederações, a realizar atividades, campeonatos. Mas nós não paramos o treino aqui, em si. Não paramos, né? A gente fez um treino adaptado, treinava em casa. Quando tinha possibilidade de ir aos centros de treinamento, dividia o horário. Treinava cada um em um horário. Como o esporte que a gente pratica aqui é ao ar livre, a gente conseguiu se manter ativo, durante toda essa pandemia aí. Mas agora já estamos voltando ao normal, né? Todas as atividades, tanto aqui, quanto as minhas paralelas também, já estão retomando. Já estão aí, vai, uns 80, 90% do normal.
P1 - Então, tem alguma coisa que eu deixei de perguntar, alguma coisa que você gostaria de comentar, que a gente acabou não abordando, nessa conversa?
R - Ah, não sei o que dizer, né? Mas estamos aí, se quiser perguntar mais alguma coisa...
P1 - Eu digo em relação a alguma ocorrência, alguma coisa que te marcou, algum momento que você acha que foi super importante pra você e a gente acabou não falando sobre?
R - Agora eu não vou lembrar, assim, especificamente. A vida é um turbilhão. Na minha vida, acaba acontecendo um monte de coisa, assim, às vezes, que a gente não lembra. Mas eu sou muito grato por tudo que aconteceu, né? Eu lembro na primeira competição que eu fui, internacional, que eu falei assim pro meu treinador... Eu fui pro Sul-americano, em 2002, Paraguai. Fui segundo colocado. E, no ano seguinte, tinha uma competição que era um campeonato mundial, né? Era um campeonato mundial e aí eu falei pra ele: “Pô, Vicente, eu vou te levar pro campeonato mundial”. Aí ele olhou assim: “Vai me levar?”, “Não, eu vou fazer o índice”. Era um resultado bem difícil, né, mas eu consegui treinar, consegui fazer o resultado e deu tudo certo. Fui convocado, né, pro campeonato mundial. O meu treinador também foi. E aí eu falei pra ele: “Eu falei que ia te levar pro campeonato, né?” e ele até se emocionou na hora. E o Vicente, pra mim, também, foi - meu treinador, era como um pai, né? - meu padrinho de casamento. Hoje ele não mora mais aqui no Brasil, não trabalha mais aqui comigo. Mas ele, pra mim, foi como um pai em todo o momento do atletismo. Foi o meu [único] treinador, só tive ele como treinador. E depois, trabalhar junto com ele, no mesmo local, dividir a mesma camisa ali. Foi responsável também por me indicar em outros trabalhos, né? Então, eu acho que ele teve um papel muito importante, assim, na minha vida, como pai, graças a essa cumplicidade que a gente tinha, né? O trabalho que eu tenho na Medicina [da PUC-Campinas], ele que me indicou. O trabalho que eu tenho no Exército, ele que me indicou. E só tenho a agradecer a ele. Hoje, ele não está aqui. Ele é vivo ainda, mora nos Estados Unidos, mas não trabalha mais aqui com a gente. Mas ele foi fundamental, teve um papel de pai em muitos momentos aqui, na minha vida, dentro do instituto. Eu me lembro também [de] uma situação bem legal que, quando eu contei pro meu treinador - falei assim -: “Ah, vou te levar pro campeonato mundial”, era um sonho, né, de um menino e deu tudo certo. E quem foi me levar na rodoviária pra esse campeonato, foi esse vizinho meu que me convidou pra fazer atletismo, né? Eu lembro de estar sentado no ônibus, assim, ele do lado de fora, chorando, emocionado. Depois eu fui conversar com ele e me contou depois, mais velho, ele falou: “Pô, você não sabe como eu sou feliz em ver a transformação que você teve na sua vida, a partir de um convite que eu te fiz, né?”. Então, assim, é fantástico e é uma realidade, né, de muitos jovens. Às vezes, a gente só precisa de uma oportunidade, né? E, naquele momento, ali, ele fez do convite uma oportunidade de me tirar de um ambiente hostil, uma região periférica, um bairro periférico, entre outras oportunidades, que não são adequadas pra um jovem, enfim, de companhias, más influências. Ele conseguiu, por um convite, por uma insistência, me levar e hoje ele vê, os filhos dele, a esposa, me vê formado, trabalhando aqui, dando aula. Eu consigo ver no rosto das pessoas que me ajudaram [em] todo esse processo - não foi só ele - a alegria daquele menino... O instituto, né, que a Orcampi conseguiu entregar pra sociedade, né? Hoje eu tenho um emprego, boas influências, não tô metido naquele caminho ruim. Então, quando vejo as pessoas importantes que passaram na minha vida, felizes, né, pelo que eu sou hoje, isso me alegra muito.
P1 - Então vamos pra última pergunta, Sinval: como foi você contar a história, a sua história de vida pra gente, hoje?
R - É sempre bom, né? É sempre bom, porque a minha história mostra que é possível. A partir do momento que, se você seguir diretrizes, estudar, acreditar, estar perto de pessoas boas. Então, eu me sinto muito bem em contar a minha história, contar da minha família. Eu lembro a primeira vez que fui fazer uma palestra em uma universidade de Medicina, coloquei uma foto da minha família, aquela foto antiga: o pai com a caneca de “chopp” na mão, a mãe com uma criança no braço e um guarda-chuva no outro. Aquela foto típica de família. Então, eu tenho muito orgulho de falar da minha história, falar da minha vida, da minha trajetória. Dentro das possibilidades que a minha família pôde me ajudar, sempre me apoiaram. Eu me sinto muito bem. Me sinto bem, poderia ficar falando aqui até tarde. Obviamente que tem detalhes que, às vezes, a gente acaba passando despercebido. Não é a primeira vez que eu conto a minha história. Até a nossa psicóloga aqui fez a tese dela de doutorado em cima da minha história de vida. Ela tem um material muito rico aí, onde ela conta a minha história de vida um pouco mais detalhada, expondo alguns fatores. Então, sempre quando eu vou fazer alguma palestra ou dar alguma aula, sempre coloco algum elemento da minha história, algum elemento da minha trajetória, porque eu acho que trajetórias e histórias inspiram pessoas, né? Trajetórias e histórias inspiram pessoas. Então, tem uma frase que eu gosto muito, né, que a gente não deve andar com boas companhias: a gente deve ser uma boa companhia. Se a gente for uma boa companhia, as pessoas vão se sentir bem com a gente, o ambiente vai estar mais leve e a gente vai estar sempre perto de pessoas boas. Então, é sempre um prazer falar da minha vida e da minha trajetória.
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