P/1 – Bom, Roberto, primeiro eu queria agradecer por ter vindo até aqui, pela segunda vez, também para contribuir para o projeto, depois do workshop. E pra gente deixar registrado, eu queria que você falasse pra gente teu nome completo, local em que nasceu e a data em que nasceu.
R – Nome co...Continuar leitura
P/1 – Bom, Roberto, primeiro eu queria agradecer por ter vindo até aqui, pela segunda vez, também para contribuir para o projeto, depois do workshop. E pra gente deixar registrado, eu queria que você falasse pra gente teu nome completo, local em que nasceu e a data em que nasceu.
R – Nome completo é Roberto da Silva Fragale Filho. Eu nasci no Rio de Janeiro, em 12 de abril de 1967.
P/1 – E o nome dos teus pais?
R – Nome dos meus pais: meu pai se chama Roberto da Silva Fragale e minha mãe se chama Inês Pereira Nunes Fragale.
P/1 – E o nome dos avós?
R – Meus avós por parte de mãe se chamam: Helvécio Pereira Nunes e Rosita Cardoso Pereira Nunes. Por parte de pai, se chamam Antônio Nocito Fragale e Carlinda da Silva Fragale.
P/1 – E qual que é a história da sua família?
R – São, na verdade, duas histórias bem distintas, né? A família de minha mãe vem de Campos, Campos dos Goytacazes, no norte do Estado do Rio [de Janeiro], onde vovô tinha uma chácara. Cresceu, se estabeleceu e fez seu comércio por lá, trabalhando na indústria da cana, enfim, tinha toda a sua atividade comercial e vovô teve seis filhos: três filhos homens e três filhas mulheres. Mamãe era a mais velha dessas mulheres, fez seus estudos em Campos e, depois, estudou e fez sua faculdade no Rio de Janeiro e depois fez concurso pra ser professora no antigo Estado do Rio de Janeiro, mais especificamente Niterói, ela acabou lecionando durante muitos anos no Instituto Professor Ismael Coutinho, ali no Ingá.
P/1 – Ela fez faculdade de que?
R – Fez faculdade de História, Geografia, na PUC e papai fez uma outra trajetória. Papai é uma outra história: vovô é a primeira geração de italianos imigrantes, que casa em segundas núpcias com vovó, ambos eram viúvos e depois de alguns anos se estabelece definitivamente no Rio de Janeiro e faz lá sua trajetória no Rio, fundando uma alfaiataria que se transformaria, pelo que a gente ouvia, na grande referência de elegância no Rio de Janeiro em termos de roupa masculina. A alfaiataria chamava-se The London Tailors e durante muitos anos vovô tocou a alfaiataria, depois passou pra papai, o vovô frequentava ainda, continuava indo. A Alfaiataria tinha uma oficina bastante razoável, né? Ela tinha mais de 30 operários trabalhando. Até que, no início dos anos 80, papai tomou decisão de fechar alfaiataria e vai se dedicar a Administração Imobiliária, enfim, vai ser uma espécie de síndico profissional, de um grande prédio comercial aqui no centro do Rio, que é o Edifício Avenida Central. E aí, essas duas histórias se cruzam, se juntam, numa situação engraçada. Na Lua de Mel de um irmão de minha mãe, que foi pra Europa de navio, os acompanhou, ao que sempre me soou estranho, mas, enfim, ela os acompanha e meu pai faz uma viagem pra Europa acompanhando o irmão dele, tio Rogério, e numa dessas paradas de navio ele se encontram numa cidade, se conhecem e dali começa uma aproximação que vai resultar num casamento. Papai já separado de um primeiro casamento, mamãe não, mamãe solteira, mas vai resultar num casamento que dele nascem dois filhos: eu e meu irmão. Eu tenho o nome de papai, com o filho no final: Roberto da Silva Fragale Filho, e Antônio, meu irmão, tem o nome de meu avô, chama-se Antônio Nocito Fragale Neto. Essa essa história de como essas famílias se cruzam.
P/1 – Em que bairro eles moravam aqui no Rio de Janeiro que foi sua infância?
R – Papai e mamãe tiveram trajetórias diferentes no Rio, né? Mamãe quando chega no Rio de Janeiro, se instala na Zona Sul, vai morar com parentes em Copacabana. Papai faz uma trajetória de instalação inicial, original, ali no Catumbi e, mais tardiamente, ou seja, quando eu começo a ter consciência de que eu tenho um espaço físico, né? Eu sei que eles fizeram basicamente as suas trajetórias nesses respectivos bairros, mas, a primeira casa que a gente vai morar é ali na Tijuca, Melo Matos. Já no início dos anos 70, meus pais adquirem um apartamento na planta, no Rio Comprido ainda numa imagem idílica de um bairro bucólico, cortado por um rio, é a saída do Rebouças em direção à Praça da Bandeira. Menos de um ano depois começa construção do elevado Paulo de Frontin que é uma grande via, é uma linha vermelha, grande via expressa que sai do Rebouças em direção à Baixada. A gente já tá morando na Paulo de Frontin quando tem o famoso acidente da queda do elevado. O elevado caí a cerca de 200 metros da nossa casa. Embora eu não tenha grandes recordações, eu sempre ouvi as histórias. E a minha infância toda é vivida no Rio Comprido, nesse apartamento onde eu vou morar de 70 e poucos até 1993, minto, até 1985, quando eu saio pra fazer a minha primeira experiência no exterior, que é o ano de AFS. E quando volto, volto a morar no Rio de Janeiro, no mesmo lugar, na Paulo de Frontin até 1993, quando eu saio junto com Cyntia, minha esposa, pra irmos ambos morar em Montpellier, na França, pra realização do meu Doutorado. Quando a gente volta, em [19]95, a gente faz uma transição entre o Rio Comprido e o Largo do Machado, fica um tempinho no Rio Comprido, se mudando pro Largo do Machado, para mais ou menos abril de [19]96, onde a gente vai viver aí um bom tempo, até a Cyntia começar falar em ter filhos, a gente precisar de mais espaço. A gente morava num apartamento de dois quatros, a gente queria ter mais espaço pra criança, a sala era muito pequena, enfim, a gente faz uma mudança em 2001 pra Botafogo, e de Botafogo, nas vésperas do nascimento da Dora, a gente se muda para o Jardim Botânico, que é o local onde a gente mora até hoje. Papai continua morando no Rio Comprido, no mesmo apartamento e mamãe, infelizmente, já é falecida.
P/1 – Roberto, conta pra gente um pouquinho da tua infância, o que você gostava de brincar, como que era?
R – Ah, minha infância era muito caseira, né? A gente teve uma infância urbana, num local com uma mega construção na porta, que era obra de construção do viaduto. Eu me lembro de talvez, um ou dois anos estudando próximo de casa, e aí, a vida era muito ali em frente, o prédio que a gente morava não tinha essa coisa de serviços, não tinha play, a gente brincava na rua, até porque a rua estava fechada em função da obra, então, tinha muito de jogar um futebol na calçada com os vizinhos. E o colégio que eu estudava, era um colégio muito perto, que não existe mais. Ou seja, a gente vivia aquele espaço físico. Depois, em [19]74, eu mudo de colégio, vou estudar no colégio São Bento, que fica justamente aqui perto, na Praça Mauá, né? Onde eu estudo durante dez anos, na minha época, não havia primeiro ano, a gente entrava no São Bento já no segundo ano. Eu entro no São Bento em [19]74, e vou sair em [19]84, né? Eu termino somente em [19]84, faço vestibular e começo a faculdade em [19]85, quando eu saio pra fazer o meu ano de AFS, eu já tinha feito um semestre faculdade, né?. Então, tinha uma sensação esquisita de andar pra trás, de tá voltando pro segundo grau, apesar já tá fazendo faculdade, já ter uma vida de faculdade. E no São Bento, já que você está perguntando sobre a infância, a gente estudava semi interno. Entrava 8 da manhã e saía 5:30 da tarde. A infância acaba sendo, pelo menos essa infância, esse modo de infância, muito uma vida em torno do próprio colégio, né? A gente estudava, e tinha uma rotina muito pré determinada: você entrava às 8 da manhã, tinham sessões de estudo dirigido durante toda manhã, com um pequeno intervalo, às 9:30, de 15 minutos. Aliás, eu to na dúvida, eu acho que nem tinha intervalo de manhã, era direto, porque a gente almoçava cedo, 11 horas, porque tinha o recreio, que era o recreio do almoço que era de 11 ao meio dia. E aí, as aulas começavam em si, meio dia e iam até 5:30 da tarde com um pequeno intervalo de 3 às 3:15 ou 3:30, pra fazer a passagem de primeira primeira parte da tarde pra segunda parte da tarde. Então, as brincadeiras que a gente tinha eram muito brincadeiras dentro do próprio colégio, um colégio com uma especificidade, que até hoje é um colégio só de homens, exclusivamente masculino. Era muito futebol, a gente brincava de garrafão, que era uma brincadeira até relativamente violenta, que você tinha que tentar sair pela tampa do garrafão, que a gente desenhava no chão, pulava carniça, enfim, eram brincadeiras de menino, muito pega-ladrão, polícia, essas coisas, né? Saindo do período escolar, nosso hábito era a gente ir passar as férias sempre em Campos. A gente ia pra Campos normalmente em dezembro ou início de janeiro, e voltava na véspera ou depois do carnaval, pra começar as aulas. Ou seja, a gente passava janeiro e fevereiro, o verão inteiro, em Campos. Nós éramos, por parte de mãe, o total de 15 netos, então havia muita brincadeira, a gente apostava corrida com a bicicleta, jogava futebol, tinha umas brincadeiras de jogar cartas, a gente gostava muito de jogar ludopédio, jogava-se muito futebol de botão. Tinham verdadeiros campeonatos de futebol de botão. O que eu me recordo da infância é essa oscilação entre períodos escolares muito intensos, por conta de uma carga permanente dentro de colégio, de sala de aula. Quando eu saía do colégio, 5:30, 6h, chegava em casa era tomar um banho, dar uma descansada, jantar e a gente já dormia cedo porque no dia seguinte tinha que levantar cedo pra escola. Essa rotina que eu vejo hoje se falar em curso de Inglês, curso disso, daquilo, eu só fui fazer já adolescente, no final da adolescência, depois que mudei a minha rotina de colégio. O que eu me lembro muito é essa oscilação entre colégio e férias – e férias com essa dinâmica de reencontro familiar em Campos. A gente via de vez em quando os primos e primas por parte de pai nos finais de semana ou quando você tinha alguma coisa assim um almoço de família, mas era um contato um pouco mais distante.
P/1 – E uma melhor lembrança dessas de casa de vó, dessas férias em Campos?
R – Melhor lembrança dessas férias de Campos, ah, era a sensação de que você não tem exigências, né? Não tinha cobrança, você acordava de manhã: "Ah, me deu na telha, vou fazer isso, vou fazer aquilo". Pra mim, era muito contraste da rotina predeterminada da escola, com ausência de rotina as férias, né? Então, assim, eu não tenho uma recordação dizendo: "Ah, eu me lembro de um jogo de futebol inesquecível, que eu marquei 18 gols”. O que eu me lembro desse contraste de: "Vou andar de bicicleta", "Vou no mercado acompanhar minha tia que fazia as compras" ou ficar em casa e não fazer nada e tinham os cinemas locais que a gente adorava, frequentava. A sensação que tinha era que tinha menos controle, porque hoje fala em classificação indicativa, na época era filme proibido para menores de 14 anos ou menores de 10 anos, então, assim, você adolescente com 12, 13 anos, você tinha a sensação: "Ah, não vão me cobrar a carteirinha, eu vou poder ver". Ou seja, eu tenho mais recordação dessa maior liberdade, muito mais do que episódios ou de uma circunstância específica.
P/1 – E nessa sua trajetória escolar, como que foi se dando seus interesses por essas matérias? Algum professor te marcou?
R – Ah, eu tive realmente professores muito marcantes, né? Os professores de Português que eu tive, Carlos Mota e José Paulo, foram pessoas muito importantes nesse processo, né? O meu professor de matemática foi cara muito marcante, num determinado momento dessa trajetória, o Braga; o professor de História, o Mário, também, até hoje a recordação do Mário na sala. Bom, enfim, foram professores que marcaram, que talvez ajudaram a direcionar um pouco o que eu iria fazer depois. E me lembro a primeira vez que eu me vi falando de uma profissão, eu dizia que eu queria ser Engenheiro Florestal, o que não faz menor sentido quando eu olho agora pra trás, né? (risos). A ideia, ou pelos a imagem, o que eu consigo imaginar que justificasse esse desejo é uma total idealização de uma prática de montanhismo. Na época, a gente caminhava, a gente é mais jovem e tem a sensação de que a floresta era mais segura ou menos perigosa, né? A gente costumava subir o Pico da Bandeira, Pico da Tijuca, Pedra da Gávea, Pedra Bonita. Então é aquela coisa de você passar o final de semana vivenciando a floresta, a gente normalmente dormia de sábado pra domingo no alto da montanha, em alguma dessas montanhas, né? Eu acho que é a única explicação plausível que eu consigo imaginar, de falar desse desejo que algum dia eu tive de: "Eu vou querer fazer Engenharia Florestal". Dali, mais próximo do vestibular, eu acho que o meu desejo realmente se fortaleceu na ideia de: "Vou fazer faculdade de História". Eu queria fazer História, tinha essa imagem do professor que interfere na realidade, que forma, que dá um saber crítico e tudo mais e eu me lembro de comentar com o Braga, que era professor matemática, e ele reagir, dizendo que era um desperdício. Eu me dava bem com matemática, gostava de matemática, desperdiçar esse talento pra dedicar a outra coisa. Quando eu comentei em casa que eu faria História, foi um pandemônio, né? Minha mãe dizendo: "Já eu sofro com docência, não quero que você tem o mesmo destino", meu pai dizia: "Será que dá pra viver com isso, como é que você vai fazer?". Eu me lembro que foi um período tenso de discussão e meio que se construiu uma solução de compromisso, né? Assim: faz Direito e vê se isso funciona, afinal de contas, eu me lembro de um discurso de minha mãe, dizendo: "Ah, Direito é uma carreira tão ampla, você pode fazer milhões de coisas depois, você não precisa se decidir agora". E na coisa da solução de compromisso, eu acabei prestando dois vestibulares: fiz vestibular pra Direito na UERJ [Universidade Estadual do Rio de Janeiro], na verdade não era UERJ, era o antigo CESGRANRIO, que era um vestibular unificado e me classifiquei para UERJ e fiz o vestibular de História pra PUC [Pontifícia Universidade Católica], onde também passei. E no primeiro semestre de 85, eu cursei as duas faculdades, o que fiz também no segundo semestre de 86, quando voltei do meu ano AFS, da minha experiência na Califórnia. Em [19]87, que foi um ano que seria o meu segundo ano de faculdade, eu acabei trancando a faculdade de História e nunca voltei pra concluir, toquei só a Faculdade de Direito que terminei em dezembro de 90 e depois segui vida profissional, na área do Direito.
P/1 – E Roberto, então você já tinha ingressado na faculdade de Direto, como que se deu essa história do AFS na sua vida, conta pra gente.
R – Ah, o AFS é um pouco mais antigo, né? O AFS surge pela primeira vez, assim no meu horizonte, numa conversa com o marido de uma prima minha por parte de pai, num desses encontros. Carlinda é 10 anos mais velha que eu e José Itaci que é o marido dela comenta: "Ah, porque você não pensa em fazer um intercâmbio? Tem o AFS". Isso se dá no final de [19]81 e início de [19]82, eu faço, entusiasmado pela ideia ou interessado na ideia, sem consultar meus pais, afinal de contas você está postulando sem saber se vai obter, né? Então, eu faço três processos seletivos, na época, o AFS funcionava numa lógica de seleção, que você fazia o seu processo seletivo no ano anterior, pra viajar no ano subsequente, no ano anterior a viagem, ou seja, a seleção de 82 era pra 83. A seleção de 84, enfim, daí por diante. Eu faço três processos seletivos, [19]82, 83 e 84 e quando eu faço o processo seletivo de 84 é a minha derradeira chance, porque eu tô no limite da idade. Na época ainda se aceitava com 17 anos e pouco, 17 anos e meses para poder fazer o intercâmbio, né? Ou na época se aceitava, não sei se, enfim, eu faço essa última seleção e na última seleção eu finalmente sou aprovado, o que na época, tinha a explicação do comitê de que não é necessariamente uma aprovação definitiva, porque depois da seleção local ainda tinha a seleção nacional, que você podia não passar, né? Mas, felizmente o resultado foi positivo. Depois começa o drama que é tentar achar família ou pra onde você vai. Eu me lembro que a gente tinha uma cultura do trote em relação à família, então quando você recebia família, a gente chamava o candidato que ia viajar e fazia sempre uma espécie de trote: "Ah, você vai pra tal lugar" ou "sua família chegou, ela é esquisita do jeito tal, do jeito Y". E tem duas pessoas que eu me lembro de não ter tido trote ou pelo menos, enfim, eu esteja me auto sugestionando mas, tem duas pessoas que eu diria que não eu não me recordo de ter trote: uma foi a Simone, que viaja no meu ano, e que disseram pra ela que não deram trote porque, na verdade, ela foi pro Alaska. Então, chegaram e falaram assim: "Não vamos dar nem trote”, só chegar e falar: "Oh, você vai pro Alasca" (risos) e realmente a reação da Simone foi: "Vocês estão brincando comigo, não é verdade" e no final era verdade: ela foi, se não me engano pra Anchorage ou Fairbanks, agora não me recordo. E o outro foi comigo, porque tinha tido tanto percalço nessa trajetória, tentando três vezes, quase não tendo passado, disseram: "Já sofreu muito, não precisa ter trote". Então, a gente passava por esse processo, tinha a seleção local e seleção nacional e veio o resultado, pouco tempo depois, seis meses depois de fechar, a família chega um mês, dois meses antes de você viajar. Eu recebo um formulário da família com quem eu viria a morar, né? Harold Blake Blinkesteph, Margarite and Jacob Blinkesteph em Crescent Valley, na Califórnia, pro ano 85-86. Eu chego, enfim, tenho experiência difícil, sobretudo no começo, porque a gente morava no meio do nada, no meio da floresta, que talvez, seja a comprovação de que não queria, realmente, ser Engenheiro Florestal. A gente morava no meio da floresta, no meio do nada, eram 30 quilômetros pra ir pra escola. Se a gente fosse de ônibus escolar pra escola, tinha que acordar às cinco da manhã, era um negócio totalmente fora, pra que estava habituado com a vida de Rio de Janeiro, em que tinha uma enorme autonomia pra tudo, fazia o que queria, enfim que vivia já fazendo o primeiro semestre faculdade, ou seja, tinha um horizonte que não tinha nada ver com aquele horizonte, que apareceu naquele primeiro momento, né? Então, os dois primeiros meses foram muito difíceis, até a gente conseguir conversar, acertar mecanismos de minorar um pouco esse impacto e, com o tempo, acabou que o comitê local criou um mecanismo que quando eu queria ir à cidade no sábado ou numa sexta-feira, eu podia dormir na casa de uma outra família do Comitê, que ficava na cidade, que também não era nada gigantesca. A gente tá falando aí de uma população local de três mil pessoas, você lida com uma circunstância. Eu sempre quis que desse muito certo, eu gostava muito das pessoas, eu tinha uma ótima relação com a família hospedeira. A gente manteve contato, na verdade, com o meu retorno o AFS toma dois rumos distintos: um pouco mais pessoal na relação com a família, com a minha família hospedeira, que eu permaneço em contato até hoje, eu vi meu irmão hospedeiro em ciclos de quatro ou cinco anos, a cada quatro ou cinco anos a gente se encontrava. Eu vi meus pais hospedeiros uma vez em 90 e vou voltar a revê-los em 2011, quando eu levo a minha família pra conhecê-los, levo a minha esposa e as minhas duas filhas. Tem uma relação que continua, hoje eu continuo muito próximo do meu irmão hospedeiro, ele mora em Seattle, a gente se vê de vez em quando. Esse ano mesmo eu tive em Seatlle, pra uma conferência de trabalho, e passei alguns dias com ele. No ano passado, eu voltei, fui sozinho, logo depois do falecimento do meu pai hospedeiro, pra ver como é que a minha mãe hospedeira tava, como Margarite estava se sentindo, fui estar um pouco com ela. Depois disso, a gente tem o Skype que facilitou muito a vida, a gente tem alguns contatos, ou seja, tem uma uma trajetória que são quase como parentes que a gente vê de tempos em tempos. E a outra trajetória que eu diria assim, não de um pessoal no próximo família, mas de um pessoal no engajamento com a instituição. Eu me torno um voluntário bastante ativo, participando do comitê e de todas as gestões do comitê Rio e na Direção Nacional, eu me envolvo como diretor, eu não me lembro mais se a palavras diretor, presidente, coordenador, enfim, como coordenador regional responsável pela região Sudeste, na gestão que vai de [19]88 a 90. Em [19]90, tem a sucessão do Pedro, em que eu permaneço. Eu estou querendo fazer um esforço pra não falar bobagem, mas eu acho que eu permaneço como Diretor de Relações Públicas, que é a gestão do Mauricio. E quando acaba gestão do Mauricio em [19]92, eu meio que me afasto do nacional, né? Eu sempre permaneci envolvido com o comitê local, dou ainda um último gás que é a convenção de Miguel Pereira, que é organizada no Rio por mim, digo, no comitê Rio, porque Miguel Pereira fica a uma hora e pouco daqui. Em setembro de 93, eu me afasto e vou França fazer meu doutorado em Ciência Política, em Montpellier. A mesma coisa, né? Os primeiros meses são muito difíceis de viver no exterior, não ter amigos, não conhecer ninguém, é um ambiente universitário que não era tão acolhedor, porque você não tinha laboratório. Na verdade, cada um tava fazendo seu projeto, tocando a sua vida, não tinha um espaço de reunião, e aí, numa dessas buscas de pesquisa de pesquisa em bibliotecas, eu vou na biblioteca de uma representação do consulado americano em Montpellier e encontro um cartaz do: "Vivre Sans Fontière", que é o AFS Francês. E aí, ligo pra representante do comitê local, me apresento, digo que eu gostaria de participar, de tá envolvido, imaginando que é uma ponte pra fazer amizades e ela me diz: "Vai ter uma reunião aqui amanhã, mas você não vai querer vir porque é uma reunião chata, só dos voluntários, administrativa, pra discutir...", e eu falei: "É exatamente essa que eu quero ir, eu adoro reunião administrativa!" E aí, acabei me tornando voluntário do comitê, um ano depois eu fui eleito para a Diretoria Nacional do AFS francês, do corpo de voluntários e aí, durante um ano a gente trabalhou, a Cyntia acompanhando com o AFS local até 95, quando eu volto Brasil. E aí, meu engajamento passa a ser muito mais distante, na verdade, eu não retomo o contato com comitê local, retomo o contato com os amigos que eu tinha, que são oriundos dessa convivência, mas não me reengajo nas atividades do comitê, embora, ocasionalmente, eu seja procurado pelo AFS pra pedir auxílio, sobretudo com procedimentos burocráticos. Na época, tem o Paulo Haus que é um advogado, que é um colega meu de faculdade que tá trabalhando pro AFS, tá trabalhando pra poder recuperar o título de Organização de Utilidade Pública e aí precisa da assinatura de autoridades públicas que corroborem o seu argumento, sua solicitação. O Paulo me procura, pede pra eu assinar os documentos, pra ver se eu indico alguém que possa assinar também, e aí, nós somos dois Juízes aqui do Rio que vamos assinar a declaração, dizendo que o AFS deve ou poderia recuperar – somos eu e o Wagner, que foi presidente do comitê Rio justamente em [19]84, o ano em que eu sou aprovado para poder viajar. A partir de então, o contato é realmente muito episódico, muito circunstancial. No ano passado, houve uma aproximação com o pedido de reflexão sobre os 60 anos: "O que fazer com 60 anos?", e aí, eu participei de duas ou três reuniões, colaborando, tentando sugerir algumas iniciativas. Minha trajetória com o AFS tá num vai e vem permanente, né? Tanto na lógica com a minha família lá, como nessa perspectiva de uma participação institucional. Tem um outra dimensão, inevitável, que é minha esposa é ex- participante (risos), entendeu? Então, assim, o AFS está sempre lá em casa, queira a gente ou não. A gente tem uma história em comum: a Cyntia foi voluntária, volta e meia a gente recebe telefonema, esbarra com gente que a gente conheceu no passado e: "Ah, tô indo no Rio de Janeiro, posso pousar na sua casa". Enfim, a gente tem histórias ótimas desse acolhimento familiar, dessa coisa da hospedagem, da casa, né? Há alguns anos eu estava dando aula, a primeira aula no mestrado, e tinha uma moça do Rio Grande do Sul, dizendo que tinha vindo do Rio Grande do Sul pra fazer o mestrado com a gente, eu falo: "Ah, muito prazer, meu nome é Roberto Fragale, tarará, tarará... ", apresento o curso e no final da aula ela vem e fala assim: "você é o Roberto Fragale? "Você é casado com a Cyntia?", “Sou, sou eu mesmo, por que?" "Há uns três anos, eu acho que eu dormi na sua casa", "Será?" "O Jorge que era presidente do comitê de Porto Alegre ligou pra Cyntia, pediu, eu tava indo pra Dinamarca...", "É verdade, foi você mesma! Muito prazer, que bom te rever", você tem circunstâncias que acontecem, desde uma aluna que um dia no passado, cruzou por conta de um caminho AFS, até outro dia, um colega do Paraná que me ligou, dizendo assim: "A irmã hospedeira que fez AFS na Costa Rica e veio passar uns dias no Brasil, queria conhecer o Rio, você consegue um lugar pra ela ficar?", "Manda ela pra cá, pra casa, não tem problema". Então, a vinculação, o envolvimento com o AFS é permanente, ele tem mil dimensões.
P/1 – Agora, Roberto, nesse período do seu envolvimento como voluntário mais intenso na gestão do Pedro e depois, do Mauricio, acho que foi um período de muita tensão, no sentido de ter um grupo que queria uma coisa pro AFS, outro grupo... Eu queria que você falasse um pouquinho de como que foi viver tudo isso?
R – Ah, foi difícil, foi difícil mas também foi legal, foi prazeroso, né? A gente tinha leituras distintas de qual deveria ser o rumo da organização. Não sei, eu posso estar equivocado, mas eu acho, na minha leitura, eu era mais radical, ou eu tinha uma leitura mais agressiva de que a organização tinha. Eu acho que até chamar assim "a organização", já sinaliza alguma coisa, né? Estávamos aqui pra mudar o mundo, que a gente ia fazer uma diferença que ia ter um impacto, e aí, tinha uma coisa de achar que tinha que ser mais enérgico, tinha que partir para enfrentamentos e, por outro lado, no grupo, tava todo mundo junto, não era um racha entre dois grupos que não se falavam. Você tinha um grupo coeso que tinha perspectivas diferentes, e eu acho que tinha gente com uma leitura mais contemporizadora, né? Talvez, assim, isso tenha ficado muito claro, muito presente na sucessão do Pedro, em que os dois possíveis candidatos, ou pelo menos os dois que se apresentavam como postulantes naquele momento, éramos eu e o Maurício. E a leitura do grupo, foi numa leitura de: "Não é um momento de afrontamentos, é o momento de a gente ainda tentar encontrar soluções concensuadas, né? A crise internacional não passou, ela ainda está presente, a gente tem débito, crédito, tem aquela matriz de transferência de quanto é que está devendo, o que não tá devendo, como vai gerenciar todo esse processo? Acabou que o Mauricio foi, até onde eu me recordo, candidato único, não houve um opositor e eu, da minha parte, participei compondo, permanecendo na diretoria, num cargo ainda do que a gente chamava Comissão Executiva, porque você tinha: quatro diretores nacionais e cinco regionais que, como coordenadores de região, participavam das reuniões nacionais, então, a minha primeira participação foi como coordenador regional do Sudeste e, na segunda, que eu assumo uma função específica na diretoria, no quadro da Diretoria Nacional, que era, se não me engano, Relações Públicas, Presidente, Vice-presidente e tesoureiro. E aí eu participo, tento colaborar com Mauricio. O Mauricio fica dois anos e, curiosamente, em [19]93, a gente toma rumos distintos, cada um vai pro exterior pra perspectivas totalmente diferentes: eu sigo pra Europa, pra França, pra fazer o meu doutorado e o Mauricio segue pra Nova York, pra trabalhar no AFS Internacional, onde, salvo engano meu, ele fica uns três anos, até regressar pro Brasil, aí eu já estava desligado, não sei como é que ficou. A tensão, eu acho, era essencialmente essa: você tinha uma ideia de organização, de intercâmbio, de engajamento, que tava muito no contexto do que era o Brasil do final dos anos 80, e início dos anos 90. A gente que vinha de um engajamento. Nas fotos que eu te mostrei, quando você pega o grupo: Marcos Scarone, Mauricio Dantas, Nisia Krusche, Pedro Menezes, eu, o próprio Álvaro que foi diretor, não me lembro agora o sobrenome, o Álvaro foi diretor dois anos junto com Nisia, ou seja, você tinha um grupo com uma ideia de organização que viveu a emenda das Diretas, que viveu a Redemocratização, a Constituinte, que achava que tinham uma interferência possível com o cenário de Redemocratização do país e que imaginava estratégias diferentes, ou um maior engajamento, um maior confronto e outro: "Vamos tentar contemporizar, até pra não perder o que a gente têm." Enfim, digamos assim, a minha leitura não foi a leitura que acabou vitoriosa naquele momento, mas eu acho que no final das contas, entre leituras possíveis, o AFS sobreviveu, que era o que mais importava e conseguiu se reconstruir, fazer, criar mecanismos que hoje, nas reuniões que eu tenho participado, eu tenho a sensação de que algumas questões que a gente tinha há 20 anos atrás permanecem, mas ainda assim, o que a gente percebe é que é uma organização que conseguiu sobreviver, respirar e ganhar fôlego. Não sei se eu respondi (risos).
P/1 – E aí, eu queria te perguntar, todas essas coisas pujantes, dentro do AFS, qual que é a tua história com a da tua esposa? No meio dessa história, como é que vocês se conheceram?
R – Ah, é uma história longa, são quase bodas de ouro (risos). Cyntia tem versão dela, tem a versão minha. Cyntia diz que no embarque dela, Cyntia foi participante do AFS em 1986, 87. Ela diz que no em embarque dela eu estava presente, ajudando como voluntário, fazendo embarque e que ela teria reparado em mim mas eu não teria reparado nela. Então, já uma reprimenda por aquele momento, mas, enfim, na perspectiva dela, a gente se encontrar e na minha perspectiva a gente se encontra, em [19]88, ou seja, o embarque dela é 86, ela volta em 87 e a gente se encontra em 88, na Convenção Nacional do AFS, em Brasília. Que eu fui numa forçação de barra, porque eu tava no meu processo de recuperação de um acidente de carro, que eu tinha tido no ano anterior, que me deixou mal, eu quebrei bacia, fiquei 60 dias engessado do pé até o pescoço, fiquei de cadeira de rodas, eu acabei fazendo quatro anos de fisioterapia pra me recuperar desse processo, e quando tem a convenção em Brasília, eu tô nesse processo de recuperação, andando de bengala e ia com peso no pé pra poder dar força na perna, né? Então, era o charme que você usava pra se fazer de vítima e dizer: “Olha, como eu tô sofrendo" (risos). E aí, a gente se encontra na Convenção de Brasília, Cyntia tá acompanhada na época, de uma amiga que também era voluntária do Comitê de Porto Alegre e rola um namorico entre mim e a amiga. Então, a gente tem uma coisa, um negócio entre e agosto de [19]88 e final 88, ou seja, não chega a durar seis meses o meu namorico com a Marie. A gente se separa, a Marie que toma a iniciativa, diz que não deseja o namoro e em março de [19]89, tem uma reunião da diretoria no Rio e Cyntia vem como representante da Região Sul, e eu participo dessa reunião como representante da região Sudeste, né? A gente conversa, fala, rola uma aproximação, mas ela resiste, diz: "Não, não me sinto confortável, tem a Marie, não sei o quê," E aí, na reunião subsequente, que é em maio, a gente acaba ficando junto, 20 de maio de [19]89. Desde então, a gente tem múltiplas datas, né? Porque a gente foi morar junto sem casar, depois a gente viajou, pra viajar, casou oficialmente de papel passado, né? Então, a gente tem múltiplas datas, mas a data que a gente, realmente, comemora, considera como sendo a data do nosso encontro, é 20 de maio. A gente namora durante um ano e meio, tem o seu momento de crise, até por uma dificuldade geográfica: Cyntia está em Porto Alegre e eu estou no Rio de Janeiro, em um primeiro momento a gente adota uma estratégia de ou ela vem até aqui ou eu vou até lá, né? O que pra dois estudantes não era muito em conta, até que chega um momento que a gente adota uma estratégia de se encontrar em Curitiba e passar finais de semana, a gente tem uma periodicidade de pelo menos uma vez por mês, pelo menos, né? Chega ao final de [19]90, o impasse: eu tô acabando minha faculdade, me formando. Cyntia tá fazendo faculdade de Direito em Porto Alegre, trabalhando no Berlitz com professora e a gente fica naquela: "O que a gente faz?" "Eu vou pra aí ou você vem pra cá, pro Rio?” A gente pesa todos os prós e contras e ao descobrir que é possível fazer a transferência da faculdade dela pro Rio, e que ela consegue também transferir o emprego no Berlitz, a gente resolve fazer espécie de balão de ensaio, em que ela vem pra fazer prova da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro] e ficar dois ou três meses no Berlitz e vê se dá pra sobreviver, se a gente consegue viver aqui no Rio de Janeiro. E aí, é um período de transição complicado porque ela aparece meio como surpresa para os meus pais, né? Meus pais não tem a menor ideia de que ela existe e nesse momento, aparece alguém de mala e cuia, na porta de casa, minha mãe entra em pânico: "O que é isso? Como é que a gente vai resolver essa história?!". Enfim, faz-se uma adaptação, ela vai ficar um tempo num apartamento que os meus pais têm no mesmo prédio, lá no Rio Comprido, eles têm dois apartamentos, aí no segundo ela fica no quinto andar, e eu permaneço morando no quarto andar com os meus pais, porque é uma solução de compromisso, que dura dois, três meses meses, a até que ela passa. Vem o resultado da aprovação dela na UFRJ, o emprego se apresenta de uma forma bem legal e ela se aproxima de um professor do Berlitz, que também faz aula particular e oferece pra ela de compartilhar a carteira de alunos e eu consigo emprego, num local que não dura muito tempo, eu fico dois meses na Nova América, peço demissão dizendo que é insuportável, que não dou pra isso e acabo aceitando trabalhar, vou trabalhar num escritório de advocacia aqui no centro mesmo, ou seja, junta tudo: eu consigo emprego, ela consegue emprego, ela consegue transferir faculdade, enfim, dá tudo certo e eu tomo a decisão de subir e ir morar no quinto andar, com ela. E a gente fica morando junto nesse mesmo apartamento, no quinto andar do lado do prédio que meus pais moram, de março-abril de [19]91 até setembro 93, que é quando a gente se muda pra França, né? O apartamento nesse período, vira uma espécie de sede do Comitê Rio, então tudo acontece no apartamento: festa, reunião, é um entra e sai permanente de gente, uma grande festa, um grande congraçamento. A gente fica ali durante durante esse período, segue pra França em setembro de [19]93, a gente fica dois anos e pouco, dois anos e quatro meses morando na França e eu sou obrigado voltar pro Brasil em dezembro [19]95, porque nesse meio tempo, em novembro de [19]93, eu tomei posse como Juiz do Tribunal trabalho. Embora eu tivesse uma bolsa de quatro anos pela CAPES [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], o afastamento do serviço público não se pode dar por mais de dois anos, então, eu sou obrigado a voltar, renuncio a bolsa e passo a trabalhar profissionalmente no Tribunal e ao mesmo tempo, redigir a tese, trabalhar na tese, até setembro de [19]97. Nesse intervalo, teve um período grande, eu volto pra morar em Montpellier de janeiro a abril de [19]97, ou seja, eu faço um intensivão de quatro meses sozinho, pra escrever a tese, que eu tava vendo que num não tava saindo, ainda mais escrevendo em Francês aqui, né? E aí, eu me interno lá, faço o intensivão, escrevo e volto em setembro pra fazer a defesa. Nisso, Cyntia já fez um processo de reconversão profissional, porque ela nunca chega exercer o Direito, ela sequer se inscreve na OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], porque quando a gente parte pra fazer o doutorado, ela sai daqui com a ideia de fazer uma reconversão profissional dizendo que ela quer fazer Medicina. E aí, quando chega na França a gente se dá conta que, além da dificuldade da língua, que ela sai daqui com zero, não tem nenhum conhecimento, além da língua você tem uma dificuldade que é o filtro do Numerus Clausus do primeiro ano, ou seja, na faculdade de Medicina na França entra todo mundo no primeiro ano, mas na passagem do primeiro pro segundo só ficam os 100 melhores ou os 50 melhores, tem um filtro intenso, né? E la se dá conta que não vai valer a pena fazer esse processo, seria ilusório achar que sem saber francês, fazendo um processo aprendizado, fazendo uma mudança profissional vai ser possível conseguir entrar nesse número limitado. E aí, o que Cyntia faz é optar por fazer Psicologia, ela insiste na reconversão profissional e faz Psicologia. Ela vai fazer os dois primeiros anos, um ano e meio de faculdade lá e quando a gente volta ela pede reingresso na UFRJ, pra terminar a faculdade de Psicologia. Antes mesmo de acabar a faculdade de Psicologia, já trabalhando na Iniciação Científica com a diretora da Faculdade, a professora Inácia, elas se aproximam, Cyntia se interessa por fazer o mestrado e quando a Inácia descobre que ela tem o diploma de Direito, ela diz que: "Olha, você pode usar o seu diploma de Direito pra ingressar no mestrado", você tem que ter um diploma superior, então ela faz a prova de admissão pro mestrado e vai entrar no mestrado antes de terminar a faculdade de Psicologia. Ela faz esse processo, entra no mestrado e quando ela defende o mestrado, eu estou trabalhando, isso é 2001, eu tô trabalhando com ela, estamos os dois na Academia, né?
Tem mil recortes, mil vai e voltas, né? Em [19]97, eu entro na Federal Fluminense como Professor, então, a gente está ambos trabalhando em 2001, em projetos de pesquisas distintos que tão dialogando com Europa: eu tava trabalhando num projeto em Barcelona e Cyntia na Cátedra da UNESCO [Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura] com a Inácia, com expectativa de, eventualmente, vir a fazer o doutorado. Ela tá em Paris, eu tô em Barcelona, nossas voltas respectivas teriam que ser das respectivas cidades, mas a gente se vê, ela pega um avião e vem me encontrar em Barcelona durante os dias que eu to lá trabalhando. Quando gente se encontra, a gente tem um papo em Barcelona, “Ai meu Deus (risos)...”, ela vira pra mim e fala que ela não quer nada daquilo e eu falei assim: "Mas e a UNESCO?", "Não me interessa, eu quero curtir a maternidade, eu estou grávida!" (emoção). Ela cancela a passagem, não volta pra Paris e a gente, os dois de Barcelona, com Cyntia grávida de Nina. E aí, o papo é a segunda reconversão, começar tudo de novo, do zero. Nina nasce em 28 de maio 2002, Cyntia decide que vai ficar em casa, vai curtir a maternidade, fica um ano em casa, até que resolve que quer voltar a trabalhar e a carreira de Psicologia que até o nascimento de Nina, estava todo voltado pra Academia, né? Ela resolve que vai fazer clínica e aí, faz formação em Terapia de Família e, desde então, vem tocando o seu consultório com satisfação e êxito. Embora, e aí sou eu que tenho defoudre, resolvo que vou fazer um ato mais insano: em 2012 eu digo: "Eu vou sair pra fazer um pós doutorado, que a gente faz?" E aí, a primeira ideia, ela diz: "Eu fico aqui com as crianças", "Não quero fechar o meu consultório, vai ser difícil" Naquele meio tempo, em março de 2012, eu passo um mês em Coimbra com uma bolsa do CES, que é o Centro de Estudos Sociais lá da Universidade de Coimbra, né? E Cyntia fica um mês com as crianças, na verdade ela fica três semanas, porque ela passa uma semana comigo e, quando eu volto, ela diz assim: "Não vou aguentar um ano sozinha com as crianças, então vamos todos". E aí, começa uma operação de guerra pra negociar escola, fechar consultório, apartamento, e, de novo, a gente tem um novo recomeço: pra mim lá, pra ela, duas vezes, porque lá e depois quando volta. A gente volta em julho de 2013 e Cyntia restabelece o consultório, a clínica, leva cerca de um ano pra reconstituir uma clientela igual àquela que ela tinha quando se afastou e o que eu percebo é isso, são 25 anos de uma enorme parceria, um carinho enorme. (Emocionado) É isso.
P/1 – Muito bonita a história de vocês. E Roberto, queria te perguntar o que te motivou a continuar, depois do intercâmbio, com esse envolvimento mais ativo como voluntário, que de alguma forma tá sempre contribuindo. Fala um pouquinho também desse seu carinho pelo o AFS e dessas suas contribuições ao longo dessa história, de formas distintas mais intensas, menos intensas... O que te motiva a estar sempre ligado de alguma forma?
R – Quando eu pego pra ver as fotos, o AFS é parte da minha trajetória, né? Na verdade é a minha trajetória. Desde que eu me dou por adolescente, com algum desejo, é parte da minha trajetória. Em 82, eu estou com 15 anos, vivendo, descobrindo política, descobrindo sexualidade, descobrindo o mundo e aí, isso acho que impregna na gente, fica como uma marca, você quer sempre contribuir, até porque você acha que tem mecanismos pra interferir, produzir uma mudança, pra poder fazer algo legal. Então, assim, eu acho tem esse altruísmo de participar e, ao mesmo tempo, tem circunstâncias em que é um interesse mais rastaquera. Eu contei pra vocês, meu contato com o AFS França foi: "Eu tô aqui perdido, preciso de um apoio, eu quero ter alguém pra conversar, que me permita falar Francês, viver um pouco em Francês". No workshop a gente brincou falando dos interesses naquela época. Minha aproximação como adolescente, eu não posso ignorar, eu vinha de um colégio só de homens, entendeu? Não convivia com mulheres, o AFS era a oportunidade de conhecer meninas, de namorar, de ter um outro tipo de relacionamento. O AFS está impregnado, ele faz parte da trajetória, ele é assim: uma vez que você entra... É lógico que você pode ter um relacionamento distante, dizendo: "Eu fiz, voltei, toquei minha vida." Mas, na medida em que você constrói pontes, laços, que hoje também você liga Facetime, Skype, a pessoa tá do teu lado. Quando eu começo o meu envolvimento, tudo era mais complicado pra você saber o que acontecia do outro lado mundo, né? Você quer um acesso a uma informação, tudo era mais complicado e olha que eu não to nem falando de como é que devia ser lá na época do navio, que o pessoal ia. Quando você pensa na instantaneidade, do conhecer, do conviver, do curtir o outro... Quando eu viajei, pra gente falar com a família aqui no Brasil, era um telefonema por mês com um cronômetro. Depois quando eu fui morar na França pra fazer o doutorado, segunda-feira de manhã era o dia legal porque era o dia que chegava o caderno de esportes da segunda-feira da semana anterior. O AFS te ensina a viver a tolerância, viver o tempo, saber que as coisas têm... [Ele] te dá punch pra recomeçar eternamente, eu acho que é isso. Cyntia tem sido uma super companheira, cúmplice, né? Mas eu acho que essa força de vontade de recomeçar, de refazer, vêm das experiências que a gente teve ao longo da vida e que boa parte foram proporcionadas pelo AFS, de saber que: "Não deu certo aqui, vai dar certo com outra família, vai dar certo num outro momento”. Acho que o AFS é isso.
P/1 – E o que você avalia como a tua maior contribuição para o AFS, nessa jornada?
R – A minha maior contribuição pro AFS? Não sei, porque você tem contribuições materiais sabe? Ah, eu contribui, assinei para um título de utilidade pública, eu contribui pra fazer as contas do orçamento do ano tal. Eu acho que a maior contribuição ela talvez seja imaterial, sabe? A maior contribuição é reconhecer esses laços invisíveis que que fazem com que a gente dialogue, que a gente fale uns com os outros é quase como uma senha: a porta está aberta, você falou AFS a porta abre. Acho que é contribuir pra solidez dessa senha é minha maior contribuição, colaborar pra solidez dessa senha.
P/1 – Roberto, eu queria te fazer uma pergunta, porque a gente gravou 19 entrevistas e a sua é a vigésima, é a última dessa leva aqui do Rio e a gente tem vário pedacinhos, recortes e poucas falaram dessa parte que você mencionou: que a tua casa era o lugar das festas, desse tempo de descontração de criar os laços de amizade. Queria que se você pudesse falar de como que vocês também tinham essa questão se encontrar, de ser amigos. Como que funcionava isso? Além da parte só de sentar e discutir o AFS.
R – Ah, era uma esbórnia! Uma esbórnia, era delicioso! Eu não posso falar pelos outros. Na trajetória do Comitê Rio, o grupo mais velho, mais antigo, quem primeiro foi morar sozinho foi Pedro Menezes. E a gente usava a casa dele como o ponto de encontro e o Pedro na época era comissário de bordo da Varig [Viação Aérea Rio-Grandense], então ainda tinha isso, a gente fazia encontro, ia pra casa dele sem que ele necessariamente lá estivesse. A casa vivia aberta para a gente, havia um compartilhar enorme e as pessoas se encontravam direto. Tinha uma coisa do lado social muito forte, que era: a gente adorava jogar King, que é um jogo de cartas parecido com Bridge, que é um jogo de matemática perfeita – é o meu lado matemática (risos) – em que os pontos positivos são iguais aos negativos e no final tem que dar zero, cada mão tem uma lógica diferente: vazas, rei de copas e a gente se reunia toda semana para tomar um uisque, pra jogar carta tomar, jogar conversa fora, né? Na época havia um boom de quadrinhos, de histórias em quadrinhos, tinha uma coisa de compartilhar o último lançamento: "Saiu o último Calvin and Hobbes", eu to vendo ele ali: Freak brothers foi publicado pela LPM, então: "Quem trouxe?", "Pedro, você está indo pra Miami semana que vem, tá indo pro Estados Unidos, compra favor o livro tal do Silver Surfer?" Você tinha um compartilhar, que era assim, quase de irmandade, de uma fraternidade, né? A gente queria tá junto o tempo todo, e quando o Pedro se afastou um pouco do comitê e o comitê se deslocou um pouco, esse espaço de convivência passou a ser muito lá em casa. Tinha as festas, o pessoal se reunia lá casa pra tomar uma cerveja, ouvir música e tinha a mesma lógica da casa do Pedro, com a diferença que a gente gostava de cozinhar, a gente fazia alguma coisa em casa também, então, assim, algumas pessoas moravam próximas: tinha o Wander que morava ali perto de casa, tinha o Flávio que morava também lá perto, já tinha gente ali da Zona Norte que morava próximo da gente. Então, você pegava o telefone e dizia: "Passa aqui agora que a gente vai fazer um jantar, vem bater um papo, vamos conversar". Enfim, tinha uma convivência social intensa, e nessa convivência social intensa você tinha namoricos, casais que se faziam e se desfaziam, aproximações, histórias que foram feitas. Logo depois que eu voltei, antes mesmo do meu acidente, eu namorei a Diana que era uma irmã de um ex-participante, ela mesma participante, ou seja, você tinha uma sociabilidade que se construía no comitê Rio, que a gente brincava dizendo que tinha o comitê Rio e o comitê festivo do Rio. Esse comitê festivo realmente tinha uma vida intensa enorme. A gente publicou, durante muito tempo, um jornalzinho chamado "Radicaos", que você construía um jogo de palavras que era radicals, com a-o-s, e tinha uma colunista secreta que ninguém sabia quem era, chamada Morgana, então tinha a coluna da Morgana e, o jornal saía de dois em dois meses, o jornal saía com quem ficou com quem, quais são as fofocas do comitê (risos): "O que está acontecendo? Euzinha vi, não sei o quê", era uma diversão, era uma socialização enorme, a gente tava sempre junto: "Vamos ao Circo Voador, assistir a um show", você tinha uma coisa de bando mesmo, de grupo, todo mundo querendo conviver o tempo todo e aí, tem momentos muito legais. Eu acho que as duas grandes referências, eu diria, pra aquele período, aí eu tô pensando [19]87-93, o primeiro foi realmente a casa do Pedro, quando ele foi morar sozinho e, depois, lá em casa: casais se fizeram lá em casa, se desfizeram (risos), tem um pouco de tudo!
P/1 – E o time de futebol? Teve time de futebol?
R – Tinha. A gente jogava algumas vezes, pouco, porque só tinha perna de pau, né? Que aí também, fazendo o trocadilho, era o perna de paos, p-a-o-s, que nem o Radicaos, né? E o perna de paos era muito ruim, era muito ruim... Eu acho que o único que jogava bola direitinho ali era eu, antes do acidente, porque depois do acidente eu não jogava mais nada. Era muito ruim, era divertido, porque você ia chutar bola e chutava a canela (risos), a gente se divertia, tinham várias coisas: tinha o time de futebol, o jornalzinho, os finais de semana que a gente viajava pra fazer uns finais de semana fora do Rio, tinha a festa de Halloween. A festa de Halloween era um negócio genial, a gente fez durante muitos anos, era o nosso maior evento de arrecadação de fundos. Eu me sentia promoter, organizando aquela festa, tinha venda de ingresso antecipado, prêmio para a melhor fantasia, porque era Halloween fantasiado, né? Prêmio de melhor fantasia, tinha de tudo. Quem tem muitas fotos desse esses eventos, desse período, é o Tedim, Marcos Tedim, [teve] viagem pra Teresópolis, a foto mesmo que eu mostrei pra vocês, do pessoal brincando de time futebol lá em Teresópolis, se eu não me engano, é num desses eventos de final de semana que a gente fazia um evento. Eu, se eu fosse pai hoje, eu ficaria preocupado: "Vamos fazer um evento de orientação em Teresópolis, na casa do Fulano", não tem responsável, não tem ninguém (risos), se minha filha chegasse e falasse: “Pai, eu vou passar o final de semana na casa do fulano, não sei o quê...", "Calma, menos!" (risos), enfim, era uma grande diversão, grande diversão. Eu tenho saudade, era muito legal, era muito divertido!
P/1 – Bom, eu vou pra parte final da entrevista, você quer alguma pergunta, Mari?
P/2 – Eu queria saber como é a sua ligação, não sei se você já falou. Como é a sua atuação hoje, seu vínculo, atualmente com o AFS? Se existe algum…
R – Super ténue. Hoje meu vínculo basicamente passa pela presença de amigos que são ligados ao AFS, né? Há alguns anos, a gente fez uma festa de Natal lá em casa, na aquela coisa de vamos chamar os antigos voluntários, as pessoas. E o que talvez tenha de mais próximo de vínculo, foi essa aproximação da comemoração dos 60 anos, em que a sugestão de fazer o projeto memória surgiu numa reunião aqui nessa sala em que eu estava participando, enfim, boa parte dela veio de uma sugestão, um encaminhamento que eu dei, eu acabei me envolvendo um pouco mais, tenho vindo as reuniões, tenho participado, mas hoje ele é um vínculo muito frágil, no sentido de perene, de permanência, de tá atuando diretamente. Se eu comparar com 20 anos atrás, que a gente vivia o cotidiano do AFS, hoje realmente é muito mais distante.
P/2 – Mesmo com essa ligação mais tênue, como você vê o futuro do AFS e da própria participação do voluntário?
R – Difícil, né? Pra eu falar um pouco de futuro, eu precisaria conhecer o presente e eu acho que eu conheço muito pouco o que é o presente, o hoje do AFS. Eu continuo com os meus sonhos de engajamento, transformação, compromisso, que eu acho que o AFS tem um papel a desempenhar. Ao mesmo tempo, eu não sei se são essas as reivindicações, se são esses os desejos dos voluntários atuais, né? Mudou o país, mudaram as pessoas, os cenários, as demandas não são necessariamente as mesmas. Seria, não vou dizer temerário, mas acho que seria, assim, ousado da minha parte dizer: "Eu vejo de tal forma", se eu hoje tenho realmente pouco conhecimento de como a organização funciona, de como ela está estruturada, que tipo de engajamento as pessoas estão desenvolvendo, oferecendo....
P/2 – Bom, Roberto, conta pra gente um pouquinho quais são seus planos e sonhos pro futuro?
R – Trabalhar menos, fazer ginástica (risos), perder a barriga... Não, sério (pausa). Como qualquer pai, o que eu desejo é que as minhas filhas cresçam felizes, com saúde, enfim, eu acho que elas têm um horizonte de possibilidade muito maior do que aquele que eu tinha no começo, né? Viveram fora, tiveram uma experiência, elas são muito mais cosmopolitas do que eu me via aos 11, 12, 13 anos de idade. Mas meu maior sonho é que elas sejam felizes, que eu possa ter aquele orgulho de: "Minha filha se formou", "Minha filha fez aquilo e etc" e ao mesmo tempo, saber que eu tenho essa relação estável, esse casamento que é importante pra mim. Pensar o futuro significa pensar o que a gente quer e não o que eu quero. A maior parceria que a gente tem é reconhecer as necessidades um do outro e fazer concessões, talvez Cyntia tenha feito mais do que eu, mas fazer concessões recíprocas pra que a gente possa obter determinadas coisas. Meus planos são os nossos, eu quero que os nossos planos sejam planos que passam pela felicidade das nossas filhas, por realizações profissionais. Eu vejo que Cyntia está feliz com o que ela está fazendo, ela tem falado de novo em fazer uma outra mudança, enfim, de se dedicar a uma discussão sobre nem sei mais como é o nome, cuidados terapêuticos próximo a morte, enfim, hoje ela vem com uma nova e que não é muito diferente, se eu for pensar. Embora eu esteja numa profissão mais ou menos estável, na Academia, a cada cinco, dez anos, eu tô inventando uma nova agenda de pesquisa, dizendo: "Agora eu quero pesquisar tal coisa", "Agora eu vou voltar o meu olhar pra tal coisa". Eu comecei lá atrás com um trabalho na marginalidade, passei pela Educação, pelo Ensino Superior,
agora tô discutindo poder Judiciário, ou seja, são agendas que vão sendo construídas e eu acho que os planos de futuro passam sempre por esse entremear da parceria, né? O que a gente quer? Aposentadoria pra gente é algo, aparentemente longínquo, 10, 15 anos talvez, se não vier outra reforma mudando tudo de novo, né? Então, assim a gente fala, volta e meia que a gente deseja que o nosso sonho de aposentadoria é a cada seis meses, a gente vai viver num lugar diferente. Nossas filhas já terão crescido, e aí, a gente brinca muito fazendo um jogo de escolha, né? Que cidades entrariam nosso roteiro de vida, que aí não deixa de ser um roteiro de turismo, uma viagem, mas um roteiro de vida mesmo. E a gente fica assim: Hong Kong tá dentro, Miami tá fora (risos), Amsterdã tá dentro, enfim, outro dia a gente estava assim: "A gente não escolheu nenhum lugar na África", eu falei "Cape Town", ou seja, talvez a certeza que eu tenho, assim, o futuro passa certamente pela presença da minha esposa, de Cyntia e das minhas filhas. Como ele vai ser depende muito do roteiro que essas pessoas vão desenhar, e a diferença que esse roteiro não é um roteiro pré constituído, né? Ele é roteiro, que como foi o roteiro da nossa vida, a cada momento: "Vamos fazer diferente?", "Não quero isso, quero aquilo" "Vamos voltar a trás?" "Vamos recomeçar?" "Vamos ter filho?" "Não vamos ter mais filho", enfim, era que você começa a se perguntar como você se adapta as essas incertezas do roteiro. Então, assim, futuro é incerto, é incerto mas se você tem alguma certeza que resta em relação a ele é que as personagens eu sei quais são.
P/1 – E como foi pra você ser pai, Roberto?
R – Bá, ser pai é difícil, eu prefiro ser filho (risos). Ser pai é difícil, ser pai é muito legal, é uma emoção, indescritível, é uma sensação inenarrável. Você tem satisfação, alegria, uma sensação de continuidade, ao mesmo tempo é super difícil, porque do outro lado tem uma individualidade, uma pessoa com desejos, apetites, anseios e que não são coisas que se desenvolvem aos 18, 25, 30, né? Com meses, com poucos anos de idade você já vê alguém, você já vê a sua filha dizendo: "Não, não, sim, tá". Você aprende rapidamente, tem uma coisa tão engraçada: primeiro filho tudo deu certo, funcionava fácil, você dava uma ordem e ela obedecia, aí você diz: "Eu sou bom, eu sei como é que faz", e aí, você vai pra segunda, nada funciona, nada que você manda, igualzinho que você fez com a primeira, nada dá certo, né? E aí, você se dá conta que não é o jeito, que não é você, mas que é a interação com as diferentes personalidades envolvidas nessa interação. Ser pai é aprender a cada dia com essas interações, né? Descobrir como é que escreve arrouba, no e-mail da minha filha, porque ela pegou e escreveu fragale arrouba a-r-r-o-u-b-a (risos), porque tem uma outra compreensão, uma outra linguagem. É descobrir cada dia uma coisinha nova, viver cada de uma coisinha nova, é ser sacaneado pelo filho. Eu tenho uma certa dificuldade, eu me visto despojadamente, aí minha filha outro dia, vira e fala assim: "Você foi trabalhar assim (risos)?". Faz parte, é esse processo que legal, que é divertido. E o que parece ser legal, é que ele parece ser meio sem fim, vai até onde a gente quer que vá.
P/1 – E agora, Roberto, pra gente terminar, eu vou te fazer duas perguntas. Você também faz parte desse grupo de pessoas que pensaram esse projeto de 60 anos, mas fala um pouquinho o que você acha dessa ideia da gente deixas esses registros de memória viva, de vocês que fizeram parte dessa trajetória de 60 anos e gravaram essas histórias de vida...
R – Ah, eu tava vindo pra cá, pensando comigo: eu trabalho fazendo algo muito parecido, talvez com menos recursos, enfim, mas eu trabalho fazendo algo muito parecido. Meu atual projeto de pesquisa, por exemplo, é a Memória Judiciária de São João de Meriti, e é super confortável estar do outro lado, né? Então, eu vim caminhando e me dizendo assim: "Mais que roubada Roberto! Porque que você foi inventar isso, vamos desistir desse depoimento (risos), vamos deixar isso de lado, diz que você passou mal, que teve uma síncope, sei lá, qualquer coisa, mas sai dessa!" Ainda vai ficar registrado, as pessoas vão ver, você é emotivo, você vai chorar, cê vai falar da sua família...”Não sei se eu quero". Então, assim, a primeira primeira coisa que me vem à cabeça é: como é possível transformar esse momento difícil, num momento rico pra organização? Eu acho que tem uma possibilidade de construção, do entrelaçamento dessas diferentes histórias, que a gente não consegue dimensionar, né? E aí, a colaboração, a participação do Museu, eu acho que é importante pra dar esse sentido, pra emprestar esse sentido a atividade e, por outro lado, o que tem talvez de muito legal nesse processo, é poder rever pessoas queridas, reencontrar não pessoas que eu perdi contato, mas que a vida profissional fez com que a gente tivesse muito menos contato do que a gente gostaria. A Nisia é madrinha de casamento da gente, o Pedro é amigo de longa data, amigo permanente, com quem a gente tem atritos, amizade, carinho, proximidades, ou seja, é aquele cara que você quer do seu lado porque você sabe que onde quer você esteja ele vai pensar positivamente a seu respeito, mesmo com todas as dificuldades que a gente possa encontrar. Tem essa chance de reencontrar, de falar de si, de ouvir o outro, de saber o que aconteceu com o outro, que eu acho que ela é ímpar e não podia ser desperdiçada.
P/1 – E agora, fala pra gente como é que foi pra você sentar aí desse lado, nessa cadeira e contar, registrar, essa parte da tua história?
R – Ah, é difícil, né? É sempre difícil. Numa circunstância como essa você se expõe demais, tem uma coisa de vida pública, que você está num determinado contexto de sala de aula, de sala de audiências, seu registro está aí fora. Então, é difícil, não é confortável. Ao mesmo tempo, eu acho que tem algo muito legal que é talvez conseguir falar coisas, que eu fale que outra forma, mas eu não consiga falar de uma forma tão objetiva quando eu tô com a minha mulher, com as minhas filhas, com os meus amigos, enfim, acho que tem um compartilhar objetivamente de sentimentos que no dia a dia, às vezes a gente esquece de falar, né? Quando tiver uma crise conjugal, eu vou dizer: "Vê lá aquele vídeo, que eu tô inteiro naquele vídeo, eu tô super exposto, integral, naquele vídeo". É isso.
P/1 – Bom, Roberto, pra encerrar a gente agradece a tua participação, muito obrigada por ter contado a tua história, dividido...
P/2 – Obrigada!
R – De nada...Recolher