P/1 - Bom dia Flavio, eu gostaria de começar a nossa entrevista agradecendo sua presença aqui com a gente, começar perguntando o seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Meu nome é Flavio Costa Balod, moro no Rio de Janeiro. Endereço completo, precisa?
P/1 - Não. A data de nascime...Continuar leitura
P/1 - Bom dia Flavio, eu gostaria de começar a nossa entrevista agradecendo sua presença aqui com a gente, começar perguntando o seu nome completo, data e local de nascimento.
R -
Meu nome é Flavio Costa Balod, moro no Rio de Janeiro. Endereço completo, precisa?
P/1 - Não. A data de nascimento.
R -
Quatro de setembro de 1960.
P/1 - Qual o nome dos seus pais?
R -
João Walfrit Balod e Lila de Lima Costa Balod.
P/1 - Você poderia falar um pouco sobre eles? Como eles se conheceram?
R -
Papai era gaúcho, e ele veio morar no Rio procurando trabalho, não lembro mais exatamente em que condições, mas certamente foi por isso, buscando trabalho, e ele chegou no fim da vida, no fim da carreira. Ele era operário, uma pessoa simples, terminou, eu creio, o que hoje seria o Fundamental. Eu não lembro se papai tinha o Ensino Médio Completo. Ele se aposentou como chefia de uma sessão da antiga Cruzeiro do Sul, uma empresa de aviação, almoxarifado, chefe de almoxarifado da Cruzeiro do Sul. Ele foi morar numa pensão na Tijuca, a pensão era de uma tia minha, irmã da minha mãe, e ali eles se conheceram. E mamãe é daqui do Rio mesmo. Papai era descendente de Letões, daí esse Balod. Como várias outras levas de imigrantes, os letões se estabeleceram em Santa Catarina principalmente. Papai por acaso nasceu em Porto Alegre, mas a família Balod até hoje, os primos todos estão concentrados em Santa Catarina. Papai era da Colônia mesmo, meus quatro bisavós por parte do meu pai eram da Colônia, família Balod e família Lhipical. Mamãe não, mamãe era puro brasileiro, sangue genuinamente brasileiro. Consta que eu tive uma avó índia, histórias são contadas na família, não sei, nunca vi documento, nada assim, enfim.. Vem de longe aí, da colonização portuguesa por ai.
P/1 - O Senhor já falou um pouquinho, mas o que os seus avós faziam? Como eles trabalhavam? Onde eles trabalhavam?
R -
As mulheres eram pessoas do lar. Mamãe também. A mamãe era enfermeira formada, mas não trabalhava. Há uma diferença de opinião entre meus irmãos mais velhos. Eu tive uma irmã 15 anos mais velha que eu, e ela já faleceu. O meu irmão, Orlando, ela se chamava Magda. O meu irmão Orlando ele é 13 anos e pouco mais velho que eu, bem mais velhos. E minha irmã mais nova Lilian é um ano mais nova que eu, quase exatamente um ano. Eu sou de quatro de setembro e ela é de 27 de setembro, dia de São Cosme e São Damião. As diferenças de opinião são as razões pelas quais minha mãe parou de trabalhar. Minha irmã que tinha uma relação mais forte com meu pai disse que mamãe não fez muita questão para continuar a trabalhar. E o meu irmão que era mais ligado na minha mãe disse que meu pai que a impediu de trabalhar por machismo, porque que teria que ser o provedor. Eu tenho uma prima mais velha que ambos, a gente brinca que é a atual patriarca da família, que é a membro da família com mais idade no momento, que diz que é um misto das duas coisas, que nenhum e nem o outro tem a completa razão. Então mamãe era dona de casa, assim também como também a mãe dela e a mãe do meu pai. A mãe de [papai] era Benedita, e a mãe de minha mãe era Emília. Era isso.
P/1 - E os homens faziam o quê?
R -
Você sabe que eu não sei o que meu avô paterno fazia. Na verdade, não tenho lembranças da profissão, acho que meu avô materno era comerciante. E vovô João, que eu não conheci, na verdade eu não conheci nenhum dos meus avôs. Ao contrário dos meus irmãos mais velhos, eles conheceram vovó Emília, mas não nosso avô porque ele morreu cedo. Teve tifo. Chamava João também.
P/1 - Agora a gente vai entrar na sua infância depois dessa apresentação da origem da família. A gente gostaria de conhecer a sua infância, onde o senhor morava, quais eram suas brincadeiras preferidas, como era o cotidiano?
R -
Me criei na Tijuca, na Rua José Higino. Eu costumo brincar... A rua José Higino, eu brinco que ela é socialmente dividida, porque ela é dividida entre as partes, porque corre transversal a Avenida Maracanã e mais acima a Rua Conde Bonfim na Tijuca. Do lado de lá da Conde Bonfim é a Alto Tijuca, então é onde o pessoal mais endinheirado mora, até agora. Entre as ruas transversais seria uma classe média mais bem resolvida. Abaixo da Rua Maracanã e entre a rua Barão de Mesquita eu brinco que é o pessoal de classe social mais baixa também, que era o nosso caso. Eu estou com 55 anos de idade. Quando eu era garoto mal tinha televisão, porque a televisão era de antena, e nós não tínhamos muitas posses, então as televisões não eram muito novas, a imagem não era muito boa. Longe de ter videogame, videogame começou a aparecer quando eu era adulto. As brincadeiras eram as clássicas, brincadeiras de criança, das quais muitas estão se perdendo hoje em dia, brincar de pique, pique-esconde. Tinha um jogo que a gente chamava taco, que eu tenho a impressão que aquilo na verdade é uma versão popular do Cricket... Pelo que eu vejo dos filmes o pessoal jogando Cricket, lembra muito o taco. Jogar bola... Nos fundos... O muro da parte de trás da minha casa limitava com o terreno de uma Igreja que tinha... Eu morava numa vila, uma vila de casas que existe até hoje, e, ao lado, praticamente, ao lado da vila tem uma Igreja, e esse terreno de Igreja vai para o meio da quadra... E lá no fim do terreno, alguém que não sei quem foi fez um campinho de futebol, e a garotada pulava o muro. Do outro lado do terreno era limítrofe com uma vila de casas, então e os garotos, claro, pulavam o terreno para jogar bola ali, era isso.
P/1 - A vida era, as brincadeiras eram quase todas na rua?
R -
Sim, ou na vila ali.
P/1 - E era com quem? Com primos, familiares, amigos?
R -
Ah, vizinhos...
P/1 - E da época da escola, nessa primeira infância. O senhor tem alguma memória?
R -
Ah, meu antigo primário, que seria hoje o primeiro ciclo do fundamental eu fiz na escola Emília Rosa, aqui mesmo na José Higino, que já não existe mais. A escola fechou, por dificuldade de pagamento lá, enfim, eram duas irmãs que administravam, a Inês, e a Lurdes. A Lurdes morreu recentemente, a Inês está viva até agora, mora em Niterói, eu liguei para ela, há coisa de uns dois meses, porque eu gostaria de visitá-la, e ela está bem, está lúcida. Me pareceu que tá bem de saúde, e eu não liguei de volta ainda, mas pretendo fazer isso logo, eu não sei o quanto é saudável ficar revisitando o passado dessa maneira, mas eu tenho saudade de rever a minha primeira professora, então a gente vai visitá-la. E essa escola fechou, agora está um terreno baldio lá, fechado o terreno. Muito curioso que logo depois que fechou, a casa ainda estava lá, e eu entrei. Passei, porque minha sogra mora ali na José Higino, então não sei se por isso, por estar por ali eu passei na frente e entrei no terreno, para olhar a casa, para matar a saudade, lembranças... E entrei na casa, subi a escada, era uma casa dessas antigas da Tijuca, dentro tinha uma escada que levava para o andar superior. Subi medindo meus passos, porque a casa já estava meio arruinada, tanto que eu não andei muito não, com medo de alguma coisa ceder, e pouco tempo depois que eu fiz essa incursão ali pela casa, a casa realmente se arruinou, veio a baixo. E aí limparam, mas o terreno está baldio lá. E ali eu fiz até o final do primário, que seria hoje o primeiro ciclo do fundamental. Depois eu fiz o antigo ano de admissão, isso tinha, no antigo sistema escolar, no colégio Palas, que é um colégio particular ali na Tijuca também. Agora o Palas tem braços na Muda, até lá no Recreio dos Bandeirantes agora tem uma filial do Palas.
P/1 - Meu irmão estuda lá (risos).
R -
É se estendeu ali. E fiz um ano, e daí fiz o concurso para o Pedro II, onde eu estudei de 72 [1972], eu fiz o antigo Ginásio, que seria o segundo ciclo do Fundamental hoje em dia, até 78 [1978], até o final do Ensino Médio. Creio que na época se chamada escola secundária, ou qualquer coisa do tipo.
P/1 - E desse período, tem algum, você já citou uma professora, teve algum outro professor ou uma professora marcante, uma figura marcante na sua vida escolar? Um amigo?
R -
Ah, eu lembro de alguns dos amigos do primário. Sim, guardei lembranças de algumas pessoas. Uma outra professora, Leila, que era do primário. Eu fui apaixonado por algumas, naturalmente...
P/1 - Sim (risos) E quais?
R -
Eu não fui apaixonado pela Inês (risos). Pela minha professora de desenho no Pedro II, no ensino secundário, também não lembro o nome dela. Mas eu tenho lembrança de alguns professores do ginásio, essa aí, uma professora de história, mas não muito dos outros não. Isso é normal, alguns professores marcam mais a lembrança da gente, por motivos diferentes, ou afetivos... Eu lembro de um professor do Ensino Médio, do secundário, no Pedro II, lá do centro. Eu fiz de 1972, até 1975, no Pedro II da Tijuca, e o Ensino Médio de 1976 até 1978 no centro, na ex-Unidade Centro, atual campus centro, ali na Rua Marechal Floriano. E ali no centro, tinha um professor de matemática muito exigente, professor Portelinha, ele era coronel, não sei se já estava reformado na época, ele era baixinho, mas era exigente. Não chegava a ser bravo exatamente, mas ele botava medo na gente porque ele era muito rigoroso. Eu guardei lembrança de que um dia ele marcou prova oral. Que seria, como é que chama essa parte da matemática que lida com elipses, parábolas, cálculo de raios, essas coisas? Geometria, não sei se é geometria analítica, alguma coisa assim. Aí ele marcou prova oral na frente da turma, no quadro negro, e eu me preparei, estudei com um amigo, vizinho, que já estava começando faculdade, tinha começado a fazer engenharia na UERJ [Universidade Estadual do Rio de Janeiro] e eu, no dia desse teste oral, eu cheguei atrasado. E ele já estava em sala quando eu cheguei, no que eu botei o pé dentro de sala, ele disse “o senhor que chegou atrasado, pode ir para o quadro”. Mas eu estava bem preparado, tirei uma boa nota, então isso aí ficou guardado assim. Bom, o Pedro II continua sendo, guardando muito do que ele sempre foi. Nós temos condições de trabalho no Pedro II, eu sou atualmente, como vocês sabem, professor de lá, e ele guarda condições de trabalho diferentes do ensino público em geral. Nós temos condições de trabalho melhores do que a gente ouve falar. Eu nunca dei aula no Estado, mas das coisas que a gente ouve falar, que os colegas têm que enfrentar, rotina dos colegas, professor nas escolas do Estado, é diferente do que a gente tem no Pedro II.
P/1 - Mas antes de a gente chegar até a atualidade, eu queria ainda continuar nessa parte. Porque você pega todo o período do auge da ditadura militar, como estudante de colégio público. Você tem alguma memória, de algum problema nesse sentido?
R -
Não, não. Eu só fui tomar consciência de problemas políticos na faculdade. Eu fiz o meu primeiro vestibular, foi para astronomia, na UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro], na época era o único curso de graduação em astronomia no país. Não sei se continua sendo, já ouvi dizer que não, que teria outro. Mas a minha procura pela astronomia já era filosófica e eu ainda não sabia, porque eu não tive filosofia. Uma consequência da minha formação escolar, da ditadura militar, foi que em 1971, o regime militar tirou o ensino de filosofia e sociologia da educação básica. Eu não tive filosofia nem sociologia nessa época, antes de entrar na universidade. Já tinha ouvido falar, mas eu sempre fui muito curioso intelectualmente, e eu lia livros sobre astronomia e tal, mas o que me levou para a astronomia, e só depois, claro, que eu tomei consciência, já eram questões mais ligadas à filosofia. O que me fascinava na astronomia era cosmologia, cosmologia é a parte da astronomia relativa à origem do universo, questões macro, digamos assim, macro astronômicas. Só que o curso de astronomia é um curso de formação de cientista, carga pesada de física e matemática, cálculo um, dois, três e quatro; física um, dois, três e quatro. E você só vai pegar em aparelho, em telescópio, essas coisas, lá pro quinto semestre do curso, esse tipo de coisa. Por um lado, o que me levou para a astronomia já eram motivos ligados à filosofia, sobre origem das coisas, sobre a totalidade do mundo, do ser, que a gente pode usar essa palavra, e poéticas, porque céu estrelado é uma coisa muito bonita, quando eu era garoto o céu estrelado no Rio de Janeiro era mais visível do que hoje em dia. Hoje está mais difícil, eu não consigo ver, talvez a minha vista tenha piorado, mas da última vez que eu fui ao médico a miopia tinha regredido, então acho que não posso atribuir a isso. Já não se consegue ver a olho nu uma estrela, na verdade é um aglomerado estelar que fica quase no meio do Cruzeiro do Sul, você já não consegue ver direito aquilo ali, enfim, até estrelas mais brilhantes não se consegue ver, mas antigamente era diferente, é claro que é fascinante.
P/1 - E quando você escolheu a astronomia, tinha a ver com sonho de criança? Tinha alguma relação daquilo que você imaginava que seria quando crescesse? Ou isso foi sendo uma escolha feita já no colegial?
R -
Ah, eu fiz o vestibular para astronomia, então pensava em me tornar...
P/1 - Mas criança, pensava em ser astrônomo?
R -
Antes? Não. Eu queria ser escritor. Parece que a minha primeira manifestação nesse sentido foi de ser escritor. Eu lembro de carregar essa vontade por um bom tempo assim, durante a adolescência e tal. Escrevia alguns poemas, coisa típica de adolescente, eu era um menino meio chato. Eu falei para vocês agora há pouco que eu não gosto de ouvir minha voz gravada, que ela me parece muito pedante, e talvez seja de fato (risos). E eu era o típico nerd, em um certo sentido. Comecei a jogar xadrez, e eu vi uma entrevista do Darcy Ribeiro uma certa vez que me identifiquei muito, ele disse que também era um nerdzinho, ele usou essa expressão “jogava xadrez”, e eu jogava xadrez, e gosto até hoje. Depois eu comecei a frequentar clubes, jogando xadrez, no Tijuca Tênis Clube, tem um salão de xadrez bem bonito.
P/1 - E a fase da juventude, quando você entra na universidade. Como que é entrar nesse universo? Nesse novo universo?
R -
Fiquei um pouco perdido, sabe. Não tive uma passagem da adolescência para a vida adulta, não foi uma passagem muito fácil não, a coisa foi um pouco... O ano que eu cursei astronomia, eu apenas ia às aulas, eu era bem largado mesmo. E no começo também eu pedi transferência para o curso de filosofia, e foi melhor, digamos, mas a coisa só tomou encaminhamento mais sério no final, do segundo ano para diante eu diria. Eu comecei a estudar realmente, seriamente, eu fui atrás de bolsa de pesquisa, ajudando os professores, tive uma bolsa de iniciação científica.
P/1 - E para além da universidade, o que você fazia para se divertir?
R -
Jogava xadrez.
P/1 - Jogava xadrez... Namorava? Saía com os amigos?
R -
Pouco, eu nunca tive muitos amigos. Também nunca tive muitas namoradas. A gente passava os verões... Eu passava os fevereiros em Tramandaí que é uma cidade do Rio Grande do Sul, onde a irmã de meu pai e o marido tinham casa. Era uma casa de praia, de veraneio. Porque isso é típico lá do Rio Grande do Sul, lá eles têm um inverno realmente, então eles têm casa de veraneio. Durante o verão Porto Alegre, hoje em dia já nem tanto porque a cidade cresceu, mas quando eu era adolescente, em janeiro, fevereiro, estava vazia, porque todo mundo estava na praia, no litoral ali, principalmente de Tramandaí para cima, claro, também tem cidade para o sul, mas a maior parte das cidades ficam concentradas no norte ali do litoral do Rio Grande do Sul, que é um grande areal. É uma reta de areia, é impressionante, se você acredita em Deus, você vai dizer que Deus concentrou toda a beleza do litoral em Santa Catarina, e essa parte aqui? “Ah essa parte aqui eu não tenho tempo não, vou deixar para depois” e esqueceu. Porque é um retão de areia, exagerando um pouquinho, mas não muito, do Mampituba que é o rio, da divisa ali, de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, até o Xuí. O que também é interessante, porque antigamente tinha muito mais, mas o comércio clandestino foi acabando com as dunas de areia. Que ainda tem, mais para o sul do Rio Grande do Sul, mais ali em Tramandaí, quando eu era menino, tinha muito próximo de onde a gente ficava. Na verdade, quando o meu tio Rubens, que era o meu tio emprestado, político, cunhado do meu pai... Quando ele construiu a casa, dizem, ele dizia que da porta da cozinha para frente era puro areal, são dunas de areia que pareciam um deserto, se fosse fazer um filme ambientado no Saara, poderia filmar ali, eram dunas enormes. Ainda deve ter lá, paro o sul do Rio Grande, mas o comércio clandestino foi pegando areia e a cidade foi crescendo, Tramandaí foi crescendo para o sul, aí criou-se Tramandaí Sul, Nova Tramandaí. Mas enfim, a gente passava ali os verões, fugindo também do calor daqui. E meu irmão comprou também, acabou por comprar a casa, agora no final do ano a gente vai para lá. Ele vai sempre. E a gauchada brincava muito com a gente, que cariocas deixavam as praias do Rio para se meterem naquelas praias, que não tem nenhum atrativo como praia, era pouquíssimo atrativo mesmo. Mas era o lado afetivo, nós éramos muito ligados à nossa tia Alice, era uma pessoa adorável. As férias, de verão pelo menos, eram lá.
P/1 - O que mais te marcava nesse momento? Nesse período da juventude, faculdade? O que mais te marcou.
R -
Como eu te falei, eu não tinha muita consciência política durante a adolescência. Só fui tomar consciência política de fato mais para a vida adulta, o que se passava politicamente no país, na verdade, a intenção era essa, porque toda ditadura quer dar uma impressão de tranquilidade e de normalidade e as coisas são empurradas para debaixo do pano. Eu estava muito preocupado comigo mesmo nessa época, coisas externas não me chamavam muito a atenção. Eu lembro que quando eu entrei pela primeira vez no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ eu fiquei deprimido. Porque quando eu estava na astronomia eu tinha algumas aulas no museu do Valongo, que fica ali no centro da cidade, nunca mais voltei lá, não sei como é que está aquilo, eu teria curiosidade de conhecer. Mas os morros do Rio de Janeiro se tornaram cada vez mais perigosos de lá para cá, eu creio que não deve ter problema, qualquer dia desse eu vou lá visitar, pelo menos dar uma olhada por fora. E tinha parte das aulas lá no museu do Valongo, e as outras aulas, de física e matemática, como eu já falei, eram dadas no fundão, no Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, e no Centro de Tecnologia. E as condições lá eram melhores, tanto no Valongo, quanto no fundão. E o instituto de Filosofia nessa época estava entregue, era a pintura descascada, banheiros, como vocês sabem que costumam ser frequentemente, olha o caso da UERJ recentemente, como costuma ser o cuidado do poder público com as condições de infraestrutura no que diz respeito à educação, principalmente no que diz respeito às Ciências Humanas, porque nós estávamos no auge da [ditadura], isso foi em 1980, 1979 eu fiz astronomia, e 1980 eu comecei a estudar filosofia. E ainda era o auge do regime militar, é claro que a verba destinada para Ciências Humanas estava muito prejudicada.
P/1 - E você começou a trabalhar no período da universidade? Estagiar?
R -
Sim, eu tinha bolsa de estudo, bolsa de iniciação científica, ajudava, assessorava professores com pesquisa na biblioteca nacional. Ontem me deu inveja porque alguém me falou que atualmente se você quiser acessar qualquer periódico, o correio da manhã, o antigo jornal do Brasil, você entra na internet, já está tudo acessível lá. Quando eu comecei, quando eu fiz pesquisa na biblioteca nacional, era por microfilme, naquelas máquinas antigas. Tinha que localizar no arquivo microfilme, tinha que fazer o pedido, esperar que descesse e toda essa burocracia. Enfim, o pouco dinheiro que ganhava era com isso, basicamente eu estudava. Mas aí minha vida sofreu um descaminho, eu fui trabalhar no Banco do Brasil.
P/1 - Foi seu primeiro emprego?
R -
Sim, para a época eu já estava, já não era cedo. Eu comecei a trabalhar no Banco do Brasil aos 26 anos e fui mandado para São Paulo, morei três anos em São Paulo, trabalhei na agência Campos Elíseos, no bairro do mesmo nome. E ali ficamos por três anos, até que eu voltei. Mas durante esse tempo, eu já comecei o mestrado em filosofia aqui, quer dizer, eu não abandonei a perspectiva de me tornar professor de filosofia. Eu nem posso dizer que eu tinha a ideia, uma vontade enorme de me tornar professor, não posso dizer isso. Eu tinha vontade de estar na filosofia, de alguma maneira, só que quando você estuda filosofia, quando você se insere profissionalmente na filosofia, você vai ser professor, não tem outra coisa. Mas não quis me afastar da filosofia, nunca, enquanto eu estava no Banco do Brasil já comecei o mestrado que eu terminei depois que voltei para o Rio de Janeiro, em 1990 eu voltei para o Rio. Fiquei lá de julho de 1987 a outubro de 1990.
P/1 - E como que foi esse período? De trabalhar no Banco do Brasil, com vontade de estar na filosofia?
R -
No começo foi difícil. Eu nunca me senti bem ali.
P/1 - Você fazia o que ali?
R -
Ah, eu trabalhava em agência, eu lidava com papelada, crédito, débito em conta. Minha primeira função foi controlar pagamentos, papéis que ficavam arquivados e agendados para serem pagos, como se você deixasse um boleto no banco para o banco ir pagando para você o boleto fisicamente e mandado para o caixa no tal dia, isso foi a primeira coisa que eu fiz. E não deu muito certo e depois eu passei para um outro serviço... Era um serviço que não tinha nada a ver comigo, não tinha nada a ver. Pensa bem, eu queria ser escritor, depois eu pensei em ser astrônomo, depois fui fazer filosofia e termino trabalhando em um banco, fazendo serviço bancário. Foi um choque, mas era necessário porque meu pai, eu sou filho de pai velho, papai já tinha 51 anos quando eu nasci, e ele faleceu logo depois que eu entrei para o banco, em 1987 ainda ele faleceu, então digamos, foi num momento mesmo, porque a única fonte de renda da família era a aposentadoria do meu pai. Eu já era um adulto, e antigamente as pessoas entravam no mercado de trabalho mais cedo, começavam a trabalhar mais cedo do que hoje em dia, é claro que havia uma pressão familiar para que eu, enfim, “Como é que é? Não vai começar a trabalhar? ”. E foi um momento, o momento mais adequado mesmo para eu ter um emprego formal. Só que quando eu entrei no Banco do Brasil, já não era o emprego dos sonhos da classe média que foi um dia. Depois que o Banco Central se constituiu, o Banco Central passou a ser o grande emprego, só que com um número muito menor de vagas do que o Banco do Brasil, o Banco do Brasil quando eu entrei já não era tudo aquilo que as pessoas um dia conheceram, o salário já não era tão bom etc., mas eu consegui me manter, me mantinha muito bem, altos e baixos, como é normal no Brasil em qualquer profissão assalariada, inclusive de professor. E todo o tempo eu mantive a ideia de um dia sair dali o que acabou acontecendo alguns anos depois que eu voltei para o Rio [Rio de Janeiro]. Eu voltei para o Rio ainda trabalhando no Banco do Brasil, e fui trabalhar no Andaraí, em um prédio, um complexo do Banco do Brasil que tem ali no Andaraí, na Rua São Francisco Xavier, Andaraí, Vila Isabel, ali naquela região limítrofe entre os bairros, fiquei ali por alguns anos também fazendo trabalho interno etc.
P/1 - E paralelamente fazendo o mestrado?
R -
E terminei mestrado, não lembro exatamente, foi em 1993, não sei se foi mais para o final de 1993... E em 1995 eu ingressei no doutorado, entrei para o doutorado em filosofia, sempre em filosofia. Eu preciso sempre mencionar que o meu orientador no doutorado foi o professor Franklin Trein, que é professor da UFRJ. Ele está ativo até hoje, aliás, eu estou para visitá-lo, a gente tem se desencontrado um pouco, mas eu quero muito rever o Franklin e a esposa dele Eunice. E tem uma história curiosa, a respeito das voltas que a vida dá. Quando eu falei, comentei com a minha tia Alice, irmã do meu pai, que é lá do Rio Grande do Sul, que tinha essa casa em Tramandaí, que eu estava pensando em mudar para filosofia, ela comentou que a filha de uma amiga dela, uma amiga muito próxima, fazia filosofia e lá conheceu um rapaz e ambos tinham ido para a Alemanha, eles se formaram e foram para a Alemanha para estudar, fazer pós-graduação lá. E esse casal era a Eunice e o Franklin, o Franklin que veio a ser meu orientador na universidade depois, só que quando eu comecei a fazer disciplinas com ele e depois ele se tornou meu orientador, eu não sabia absolutamente que eram aquele casal de garotos, aquelas pessoas que minha tia tinha falado. Quando eu comecei a estudar com ele já não era nenhum menino. E o Franklin foi meu professor durante algumas disciplinas da faculdade, como outros também, não sei se é interessante isso que eu mencione, ah, eu tenho lembrança do professor Gilvan Fogel que também até hoje está lá. Eles estão para se aposentar, o que é uma pena, o Gilvan também foi meu professor durante a graduação em filosofia, e a pós-graduação também, o mestrado, eu fiz disciplinas com ele, tenho muito boa lembrança. E do Gilvan eu sempre menciono que ele costumava enrolar seu cigarro de palha durante as aulas, hoje em dia também é impensável esse tipo de coisa, as pessoas se quer aparecem com um maço de cigarro dentro de sala de aula, normalmente. E o Gilvan fazia o próprio cigarro e fumava dentro de sala (risos). Tive aula também com o professor Raul Landim, com o professor Guido de Almeida, ambos se aposentaram, creio também, na UFRJ. E outros professores, professora Maria das Graças Augusto, professora, que por algum motivo, Maria da Graça Schalcher acabou sendo minha orientadora final no doutorado. E eu terminei o mestrado, deixei passar um ano, eu fiz a coisa muito lentamente, principalmente se você comparar com hoje em dia. Hoje em dia as pessoas terminam a graduação, já enveredam pelo mestrado, e fazem um mestrado mais curto que no meu tempo, naquele tempo não era incomum, como eu fiz o mestrado em quatro anos. Hoje em dia as pessoas fazem em um ano e meio, correndo, uma dissertação de cem páginas, o que em filosofia não é muito, porque filosofia e as Ciências Humanas, lidam com texto, as teses, dissertações, são textos escritos, prosa. E as teses, dissertação, costumam ser mais volumosas do que em ciências da natureza, uma dissertação, às vezes até uma tese de 100 páginas em física ou em matemática é coisa corriqueira, mas em filosofia, as teses têm 350 páginas. E a minha dissertação do mestrado tem 150 páginas, mas hoje em dia está por volta de 100 páginas, ou qualquer coisa assim, e as pessoas fazem em muito menos tempo, mas isso é também por pressão das instituições de fomento, que concedem bolsas de pesquisa. Porque as bolsas do mestrado antigamente tinham quatro anos, hoje tem um ano e meio e as de doutorado até cinco anos, então as pessoas se sentiam confortáveis, não tinha a pressão que tem hoje em dia as pessoas terminarem o mais rápido possível. E aí, enfim, em 1995 eu comecei o doutorado, terminei o mestrado em 1993 e em 1995 comecei o doutorado, sempre na UFRJ.
P/1 - E sempre trabalhando no Banco do Brasil?
R -
Ainda trabalhando no Banco do Brasil. Em noventa e cinco, o Banco do Brasil promoveu um, como é que chama isso? PDV, Programa de Demissão Voluntária. E eu fiz que ia, mas acabei não “fondo”. Não é? Fiquei muito tentado, porque eu já estava no doutorado, já estava com uma bolsa de pesquisa da CAPES [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] e tive muita vontade de sair do banco, mas ainda não fui. No começo de 1996 eu descobri que havia a possibilidade de pedir à empresa, que me demitisse, e a empresa demitindo eu teria os recursos, as verbas, o FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço], todas essas coisas, verba indenizatória e eu achei que era a hora, porque se não fosse ali, eu fiquei com medo, de que se eu não saísse ali, eu não sairia mais. E eu não queria ser bancário para o resto da vida, com todo o respeito, mas não era o que eu queria fazer, não era minha ambição. É um serviço necessário, é uma profissão digna, necessária, mas não era o que eu queria fazer. Então eu pedi ao banco que me demitisse e em abril de 1996 eu saí do Banco do Brasil. Nesse meio tempo eu tinha pedido uma bolsa para a Alemanha, tinha pedido uma bolsa ao Deutscher Akademischer Austauschdienst, DAAD, que é uma instituição de fomento alemã, e eu vim a ter resposta em julho de 1996, uma resposta positiva, eu pedi uma bolsa sanduíche, quer dizer, você começa o doutorado em um país, você faz parte no exterior, e retorna para defender a tese no país. Fui então para a Alemanha em outubro de 1996. Primeiro de outubro de 1996, eu pisei no aeroporto de Frankfurt, e isso para mim foi uma realização muito grande, e eu seria uma pessoa muito frustrada hoje em dia se eu não tivesse passado por isso, porque eu já gostava da Alemanha antes de gostar de filosofia, então entrando para a filosofia, naturalmente, eu me liguei na filosofia alemã. Papai, isso veio do papai, porque ele falava alemão e ele estudou em colégio de padres alemães no Rio Grande do Sul, num colégio interno de padres alemães, foi aí que ele aprendeu alemão, enfim, então eu realizei uma vontade muito antiga, de ir para a Alemanha.
P/1 - E você falava alemão, também?
R -
Ah, eu comecei a estudar, no Instituto Goethe, que se chamava Instituto Cultural Brasil Alemanha, ficava ali na Rua Graça Aranha, agora o Instituto Goethe está na Rua do Passeio, ali no Passeio público, junto ao Passeio público. E isso para mim foi uma realização muito grande, mas também não foi um começo muito fácil. Antigamente era muito mais difícil ir para o exterior, hoje em dia você tem o Ciência Sem Fronteiras e outras possibilidades de bolsa, de fomento, faz com que você na graduação já tenha possibilidade de ir para o exterior. Isso na minha época era impensável, hoje em dia tem até mestrado no exterior, a ideia de ir para o exterior era quando você ia para fazer o doutorado, ou você ia para fazer completo ou como no meu caso, ia para fazer uma bolsa sanduíche. E aí enfim, eu fiquei três anos na Alemanha, os primeiros seis meses na cidade de Bremen, ali perto de Hamburgo, uma cidade que me conquistou, porque Bremen é uma graça de cidade, foi muito arrasada na guerra [Segunda Guerra Mundial] como algumas cidades, algumas se preservaram melhor, mas outras ficaram no chão completamente, e Bremen foi muito arrasada, mas o centro histórico se preservou, se preservou talvez por sorte, mas por estar próxima às igrejas, assim, junto à praça de mercado, a Marktplatz de Bremen, tem uma igreja, estilo românico, do Século 11, com aquela coisa típica, duas torres muito altas, e ali próximo tem uma outra igreja também, com suas torres. E hoje em dia a gente sabe que não é à toa que as igrejas se preservaram e o entorno das igrejas na Alemanha se preservou melhor do que, justamente porque os aviões aliados tinham as torres das igrejas como referência, e as igrejas mesmo não havia especial motivo para serem bombardeadas, ou talvez até fossem respeitadas, coisas de antigamente, éticas de guerra que hoje em dia não existem mais. Então a Marktplatz de Bremen se preservou, a praça do mercado se preservou muito bem e é muito bonito. O que seria a Câmara de Vereadores de Bremen é um dos prédios, eu achava na época que era o prédio mais bonito que eu já tinha visto na vida, e eu acho que ainda é um dos mais bonitos, realmente, é aquela coisa barroca, do medieval para o barroco, realmente muito bonito. É adorável ali a praça do mercado de Bremen, e Bremen é uma cidade muito, muito agradável, ela fica há 45 minutos de Hamburgo, ela é uma cidade de 600 mil habitantes, mas naquela cidadezinha de 600 mil habitantes eu assisti duas óperas, alguns concertos, tem uma vida cultural bem boa. E se você enche o saco de estar em uma cidade de 600 mil habitantes, você tem Hamburgo há 45 minutos, que é uma das maiores cidades da Alemanha. Eu fiquei em Bremen por seis meses, morando num alojamento de estudantes do Instituto Goethe, eu fiquei em Bremen estudando alemão intensivamente, apesar de ter começado aqui, eu posso dizer que eu aprendi alemão de fato na Alemanha, então os primeiros seis meses eu fiquei fazendo curso intensivo de alemão e depois fui para Berlim, fiquei de outubro de 1996 a março de 1997 em Bremen, e a partir de abril de 1997 em Berlim. Posso ir falando livremente dessa experiência na Alemanha?
P/1 - Pode.
R -
A minha primeira impressão da cidade foi péssima...
P/1 - De Berlim?
R -
Sim, de Berlim. Porque a reunificação tinha sido há menos de dez anos, foi em 1990, a queda do muro foi em 1989, e a cidade era um campo de obras, era a reconstrução da cidade, toda aquela parte por onde o muro passava, então era andaime, e guindastes e obra é uma coisa muito feia em geral. A cidade inteira era um campo de obras e eu cheguei em Berlim no inverno, você sabe como é a Europa, o norte da Europa no inverno, é cinza, os alemães têm uma expressão sobre isso, eles falavam Grau in Grau que é “cinza sobre cinza”, é o céu, é a neve no chão, é o tempo nublado e aquela cidade toda, andaimes e tudo, minha impressão foi muito ruim. E eu estava muito acolhido em Bremen, porque apesar de ter ido sozinho eu fiquei no alojamento e ali eu conheci gente de todo o lugar do mundo, por isso que eu valorizo, quando eu tenho oportunidade, eu falo para a garotada no Pedro II que essa experiência de estudar no exterior é insubstituível, porque nas olimpíadas os atletas convivem com os seus colegas de outros países por duas semanas, mas se você vai estudar no exterior, você tem a experiência de conviver com pessoas dos mais variados lugares do mundo por meses ou anos, durante o tempo que você estiver estudando lá e no alojamento tinha gente de todo lugar mesmo, tinha indonésio, eu aprendi que a Indonésia teve uma colonização portuguesa, tem palavras no idioma da Indonésia que o Soni, um garoto que eu conheci lá da Indonésia... “Soni, como é que (perguntando em alemão), como é que chama isso em indonésio?” “Sapata”, (risos) esse tipo de coisa. E gente da Romênia, da Austrália, do México, fiz alguns amigos mexicanos que eu tenho referência no Facebook hoje em dia ainda, da Argentina, enfim, todo lugar do mundo. Em Bremen eu estava muito acolhido ali, tinha feito amizades, e quando eu fui para Berlim eu fui sozinho, sozinho mesmo, para me dedicar àquilo que tinha me levado para lá e realmente o começo ali também não foi muito fácil, e a relação com o orientador alemão também não no começo não foi das melhores, um alemãozão meio careca, de 1,90 metros de altura. Eu mudei de tema de estudo quando passei do mestrado para o doutorado, no mestrado meu trabalho foi sobre a dialética da natureza em Marx [Karl Marx] e Engels [Friedrich Engels], e no doutorado foi sobre a filosofia de Martin Heidegger, eu tinha a ideia de fazer uma comparação entre Heidegger e Hegel, sobre a história da filosofia, era uma coisa muito ambiciosa, para a qual eu não estava preparado. E [o meu orientador] sendo alemão, professor alemão, e tendo a experiência que tinha, percebeu isso imediatamente, então no começo também houve uma certa confusão da parte dele com relação ao que me tinha levado lá, eu tenho uma suspeita, que nunca poderei confirmar, naturalmente, que ele me aceitou meio que no impulso por razões um pouco tortas, digamos, porque ele estudava, acho que ainda se dedica a isso, uma história da filosofia meio marginal, a uma coisa que não é a história mais oficial da filosofia, os grandes nomes que a gente houve falar na Idade Média Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, depois entra na Modernidade, Descartes, Leibniz, aí vem para a Contemporaneidade, Kant, Hegel, essa espinha dorsal oficial da história da filosofia. Ele não se dedicava realmente a isso, ele se dedicava a autores meio marginais, importantes, mas gente que a gente no Brasil não ouvia muito falar e tem um poeta, acho que, agora nem sei dizer, acho que era, não sei se era do Helenismo ou já da Idade Média, chamado Higino, acho que era um poeta latino, chamado Higino. E eu morava quando eu pedi na rua chamada José Higino e ele ficou achando, tanto que ele me chamou, creio incialmente, ele achou que eu me chamava Higino (risos). Então eu não sei, na cabeça dele, houve alguma identificação, entre um poeta, acho que deve ter achado legal sabe, “ahh, um orientando chamado Higino”, qualquer coisa do tipo assim, mas isso pode ser pura elucubração da minha cabeça, da minha parte. Mas houve alguma confusão da parte dele, sem dúvida, porque ele expressou isso, ele achou que eu tinha ido para lá, para fazer o doutorado completo, e a ideia não, a ideia desde o início, sempre foi fazer, eu fui para lá fazer um doutorado sanduíche, ele achou que para fazer um doutorado completo, eu não estava com a base necessária. Houve um certo estranhamento de início, mas ele é uma ótima pessoa e me deixou também uma lembrança muito forte, do professor sabe, ele é um dos nomes, é um “professor doctor”, na Alemanha, isso não é pouca coisa. Na Alemanha a formação não é, a gente sabe, não é brincadeira, e para se tornar um “professor doctor” na Alemanha, não basta você ter um doutorado não é só disso que se trata, para você ser professor você tem que entrar para o serviço público e você só entra para o serviço público nesse status se você terminou um outro trabalho posterior ao doutorado, que seria um pós-doc [pós-doutorado], mas lá eles chamam de habilitação, se você termina a habilitação, um trabalho de habilitação é uma coisa maior e mais severa que uma tese de doutorado, na Alemanha já não é brincadeira, se as teses de doutorado da Alemanha, em filosofia, tem 350 para 400 páginas, a habilitação é coisa de 500 para 600. Ele era um acadêmico de peso lá, apesar desse problema eu tenho as melhores lembranças dele e tal, enfim, voltei ao Brasil, mas aí voltei sem emprego aqui.
P/1 - Em 1997?
R -
Voltei ao Brasil em 1999, eu fiquei na Alemanha de abril de 1997 a março de 1999, os últimos seis meses trabalhando, porque a bolsa de estudos terminou. A bolsa era de dois anos, a bolsa do DAAD, dois anos e meio, se você contar a parte inicial, para estudar alemão, que eu tive em Bremen, em Berlim eu tinha que ficar dois anos. Só que chegou no final dos dois anos, isso em março de 1999, eu voltei no final, eu voltei em outubro de 1999, mas era para eu ter voltado em março de noventa 1999. Acabou a bolsa, eu olhei para um lado, olhei para o outro, e pensei “vem cá, se eu voltar para o Brasil, eu não vou ter bolsa, não vou ter emprego, o Banco do Brasil tchau, já foi, também não vou ter bolsa de estudos da CAPES mais... Eu vou ficar por aqui, como é que eu posso ficar por aqui por mais algum tempo?”. E como eu tinha feito uma prova de alemão, que exige mais tempo na universidade alemã, ainda no Goethe Institute, eu tinha prestado essa prova, passei, então eu tinha condições de me matricular na universidade como aluno normal, e na universidade livre de Berlim, tinha uma coisa muito interessante, que aqui no Brasil poderiam imitar, eu não sei porque ainda não fazem, deve ter motivo, não sei se alguém ainda não teve a ideia, ou se não seria praticável mesmo, tinha uma coisa que, ainda tem até hoje, tem em outras universidades alemãs, que se chamava, tinha um escritório, que se chamava Heinzelmännchen. Heinzelmännchen é um duendezinho, de alguma história lá, típica da Alemanha, que quando você sai de casa para ir trabalhar, os Heinzelmännchen fazem o trabalho da casa. Essas coisas folclóricas da Alemanha, os duendes fazem, como se fossem sacis do bem, que ao invés de fazer travessuras, ou esconder suas coisas e coisas assim, fazem o trabalho da casa, então você volta e “oh! Está tudo limpo... A roupa está lavada, quem foi?” “Foram os Heinzelmännchen”. Então o escritório se chama Heinzelmännchen. Qual é a ideia? Você vai mudar de casa, você vai lá no escritório da cidade de Berlim e diz “Olha, eu vou me mudar dia tal, eu gostaria de contratar três estudantes para um trabalho de quatro horas, me ajudando na mudança, eu pago, digo hoje em dia, oitenta euros a hora” e a gente se inscrevia no Heinzelmännchen, nesse escritório, e quando você se inscrevia, você ganhava um número de matrícula, e a carteirinha, você tinha que chegar lá oito da manhã, e um monte de gente, de estudantada pobre lá, de vários países, claro, o que menos tinha era alemão, se é que tinha algum, gente de todo lugar do mundo, que estudavam na universidade de Berlim. E recolhiam as carteirinhas, levavam lá para dentro, e daqui a pouco você escutava no alto falante, que tinham atribuído um número, você é número um, número dois, número cinco, eu número dez. Todo mundo sabe seu número, a porta se abre, você entra, e aí abre um, eram cantados, os Jobs, que estavam sendo oferecidos, um funcionário lá do escritório dizia: “olha, temos uma mudança, no dia tal, três estudantes, paga tanto por hora, começar tal hora, no bairro tal... Do bairro tal, para o bairro tal, quem se interessa?”. Aí você cantava o seu número. A coisa funcionava assim tinha um lado de jogo nisso que também era muito, sei lá, era muito estimulante também, e eu o que eu fiz, durante esses seis meses vivendo através do Heinzelmännchen? Algumas mudanças, que hoje em dia seria impossível, do jeito que minha coluna está, seria impossível viver dessa maneira por seis meses. O primeiro job que eu consegui foi uma mudança de uma juíza, vocês sabem que o pessoal de direito é pior que o de filosofia, tem caixas e caixas de livros, e livros pesam para caramba, então a primeira coisa que fizemos foi ajudar na mudança de uma juíza, e acontece que os prédios em Berlim são mais baixos que aqui, não têm muitos elevadores, e não é normal os prédios de residência terem elevadores, são prédios de até seis andares, e ela tinha se mudado para o último andar, sexto piso. Mas aí aprendi alguns macetes com a garotada mais experiente, a gente se dividia, éramos três, então o primeiro levava do primeiro para o segundo andar, o segundo do segundo andar para o quarto, e o terceiro do quarto andar até em cima, esse tipo de coisa. Cavei buraco em jardim de algumas pessoas. O último emprego que eu tive pelo Heinzelmännchen foi sendo lixeiro de obra, fui contratado por uma firma, eu e outras pessoas, fomos contratados por uma firma que fazia, que tirava o lixo das obras. Uma firma especializada em tirar lixo de obra, um prédio sendo construído, um shopping, na verdade era um shopping, obra faz muito lixo, então tinha que ir lá tirar o entulho das coisas, então a gente fazia isso, limpar o ambiente, varrer, deixar bonitinho, para ser inaugurado, isso foi a última coisa que eu fiz. Lamentei muito que não pude trabalhar, perdi por bobeira, a possibilidade de ir trabalhar no Reichstag que é o Parlamento alemão, que estava para ser inaugurado, perdi a oportunidade, eu vacilei, e outros pegaram, foram na minha frente, conseguiram pegar.
P/1 - E ao retornar ao Brasil, quando que surge o colégio Pedro II? Quando e como surge o colégio Pedro II na sua vida como profissional?
R -
Eu entrei para o Pedro II como professor contratado em 2001, eu fiquei como professor contratado entre 2001 e 2002, entre esses dois anos, o máximo de um contrato temporário. E no segundo semestre de 2002 houve um concurso para professor definitivo e eu fiquei em segundo lugar, minha colega Ana Carolina Rigoni ficou em primeiro lugar e ela logo foi chamada, tinha vaga para um. No segundo semestre de 2003 eu fui chamado pelo colégio, e assumi, no dia dez de dezembro de 2003 eu entrei para o serviço público federal como professor efetivo do colégio Pedro II.
P/1 - E atualmente, a sua atual função é professor e você tem alguma outra função além de dar aula dentro colégio?
R -
Eu fiquei dando aula durante, até coisa de três anos atrás, daí eu saí de sala de aula para ser Diretor Adjunto no campus São Cristóvão III, fiquei durante um ano, de começo de 2012 até setembro de 2013, quando, por convite do reitor atual, o professor Oscar Halac, eu assumi a Pró Reitoria de ensino, onde eu fiquei de outubro de 2013, até agosto do ano passado, e saindo da Pró Reitoria de ensino eu assumi a Assessoria de Relações Internacionais onde eu estou até agora, e eu voltei, esse ano eu voltei para a sala de aula, tenho regência de quatro turmas de primeira série no campus São Cristóvão III.
P/1 - Então agora o senhor está dando aula?
R -
Dando aula e exercendo essa função de Assessoria de Relações Internacionais.
P/1 - Como que surge o AFS, você conhecia o AFS?
R -
Não, eu não conhecia, nunca tinha ouvido falar. Durante os primeiros tempos na Assessoria de Relações Internacionais eu fiquei meio perdido na função, não sabia exatamente o que eu deveria fazer, o que se esperava que eu fizesse, o reitor me deu uma tarefa inicial que não tinha nada a ver com o cargo propriamente dito, mas precisava ser feita, ele pediu que fizesse uma formulação final das propostas de regimento interno do colégio e uma proposta de reformulação do estatuto do colégio, são os dois documentos mais importantes da estrutura da instituição, ele me pediu que desse forma final a esses documentos como proposta, para serem encaminhados ao Conselho Superior da instituição, então eu fiquei fazendo isso durante algum tempo, e depois eu assumi as funções mesmo. Mas aí fiquei meio perdido porque não sabia exatamente o que eu teria que fazer, mas as coisas foram se clareando, e eu fui me dando conta, fui tomando conhecimento de como a internacionalização está em forte crescimento hoje em dia, a impressão que eu tenho é que a instituição, isso deve acontecer em outros lugares, mas eu vou falar no meu ponto de vista, de onde eu estou. A instituição está sendo solicitada a se internacionalizar, eu pouco depois que entrei, eu tomei conhecimento da existência da REARI, que é a Rede de Assessorias Internacionais aqui do estado do Rio de Janeiro, e a própria REARI tem dois anos de existência, é uma Rede que deve se tornar uma associação daqui a pouquinho, é uma rede da qual fazem parte as principais instituições de ensino superior do Rio de Janeiro, e os institutos federais, então ali estão presentes assessorias internacionais da UFRJ, da UERJ, na verdade a presidente atual da REARI é a professora Cristina Russi, que é professora da UERJ. A UFRJ, a UERJ, a PUC [Pontifícia Universidade Católica], é a única instituição privada, que não é pública, não sei exatamente qual é o status da PUC, creio que é uma instituição privada, da igreja católica, a UENF [Universidade Estadual do Norte do Fluminense], a UEZO [Centro Universitário Estadual da Zona Oeste], que é a caçulinha dessas instituições de ensino, porque a UEZO é muito recente, os institutos federais estão ali, o Instituto Federal Fluminense, o Instituto Federal do Rio de Janeiro, a UniRio [Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro], recentemente fizemos convite, e eu não sei se já foi formalizada a inscrição do Instituto Oswaldo Cruz, ele foi convidado e eu creio que já está em via, se já não foi formalizada a inscrição na rede, já está em via de acontecer. A impressão que eu tenho é de que a instituição está sendo fortemente solicitada a se internacionalizar, eu faço parte também, o colégio faz parte, eu represento o colégio em reuniões do fórum, do FORINTER, que é o fórum de relações internacionais do CONIFE, e aí a gente começa a tomar conhecimento de uma selva de siglas, é sigla que não acaba mais. O CONIFE é o Conselho de Reitores do Institutos Federais, da rede de educação profissional e tecnológica do MEC [Ministério da Educação], essa rede ela é formada pelos Institutos Federais que foram criados pelo Lula, pelo segundo governo do Lula, em 2008 a rede foi formada. São as antigas escolas técnicas que foram transformadas em instituições de ensino muito parecidas com os Colleges, com o conceito College, dos países de língua e tradição anglo saxônica, e o Pedro II foi incorporado à rede em 2012 se eu não me engano, o que foi uma decisão acertada do governo Lula, porque o colégio Pedro II ele é a terceira instituição de ensino básico mais antiga do país. Os mais antigos são um colégio do Rio Grande do Sul e outro, se não me engano, de Pernambuco, que eu creio, o do Rio Grande do Sul parecia que não, mas creio que ambos ainda estão funcionando, sendo assim, o colégio Pedro II, que foi fundado em 1807 é a terceira instituição de ensino básico mais antiga do país, esse ano, agora, dia dois de dezembro agora, vai completar 188 de existência.
P/1 - E como que ele conhece o AFS?
R -
Pois então, eu estava, como eu te falei, meio perdido na função, até os primeiros meses desse ano e então eu fui procurado por uma professora de inglês, professora Luciana, professora do campus São Cristóvão III entrou em contato comigo e disse que um antigo aluno dela tinha sido bolsista do AFS, e eu não tinha a menor ideia do que se tratava do AFS, mas que ela me explicou rapidamente, e me disse que eles estavam querendo entrar em contato com o colégio Pedro II para firmar uma parceria, um acordo de cooperação, e enfim, eu marquei hora, pedi à ela que marcasse hora. E vieram, a própria Luciana e a Andreza, e mais duas meninas que eram voluntárias, eram voluntárias do AFS e foram até lá, o prédio da reitoria, a gente conversou, e a Andreza me explicou rapidamente o que seria, do que se trata, apresentou o próprio AFS, num PowerPoint, me apresentou no computador, me explicou o que era a instituição, e enfim, oferecendo esse acordo de cooperação e tal, ao mesmo tempo, isso com a mão esquerda, com a mão direita ela me perguntou sobre a possibilidade de a gente aceitar uma aluna, uma menina alemã que estava vindo como intercambista para estudar no Brasil. E eu tive a impressão de que era uma excelente oportunidade para o colégio, eu levei a Andreza, e todas essas pessoas para conversar com a Pró Reitora de ensino do colégio, a professora Eliana Mira, Eliana nos recebeu na sala dela, explicamos rapidamente do que se tratava, e eu pedi a Eliana, que ia se encontrar numa reunião com o reitor, dali a poucos momentos, o apoio dela, porque eu percebi de imediato que seria interessante para o colégio Pedro II firmar essa parceria e ter essa aluna alemã entre nós.
P/1 - E como é feita essa parceria? Essa é a primeira bolsista que o Pedro II está recebendo? Vocês podem enviar bolsista pelo AFS?
R -
Sim, os nossos alunos têm a possibilidade de se candidatar a bolsas, eles passam por um processo seletivo, junto com outras instituições, parceiras do AFS, não há uma concessão imediata de bolsas de estudo, ou inscrição em programas, eles se candidatam ao concurso, funciona da mesma maneira que para os estudantes estrangeiros, assim como foi para Clara Marrie, que é essa moça alemã, que está agora em São Cristóvão III como ouvinte. Da mesma maneira que funcionou para ela, funcionará para os nossos alunos que agora têm a possibilidade de se candidatar para essas bolsas e entrar para programas financiados pelo AFS.
P/1 - Alguém já foi?
R -
Não, ainda não, eu estou ansioso para que isso aconteça. Mas nós estamos para receber um aluno tailandês, um rapaz da Tailândia, que talvez fique no São Cristóvão III, mas é bem possível que fique no campus centro, vem agora no começo do ano.
P/1 - E como que o senhor avalia a relação dos estudantes com essa estrangeira? Ainda mais com uma língua tão diferente, como tem sido estudar como uma pessoa diferente? Ela fica isolada, ou ela é aceita? Há um estranhamento, um choque de cultura? Como que o senhor vê essa relação?
R -
Quando eu estava na Pró Reitoria de ensino eu tinha o desejo de implementar o intercâmbio, já, antes da Pró Reitoria de ensino, eu sabia que era importante,
pela minha experiência pessoal que eu narrei a vocês, de ter estudado na Alemanha, eu sei como isso é importante para a formação de uma pessoa. Eu queria promover um choque civilizatório mesmo até, coisa pretensiosa talvez, mas o choque como a realidade. Claro que a ideia de fazer intercâmbio não é só chamar aluno da Europa, estamos agora para receber um aluno da Tailândia, mas que também a Tailândia hoje em dia tem um nível de vida muito bom, é um dos países mais desenvolvidos lá do Oriente..., mas assim, possibilitar que os nossos alunos vivenciem uma realidade que tem que sair de casa muito mais cedo que o horário de começar as aulas, porque eles não sabem o trânsito que eles vão encontrar para chegar até lá, um ônibus que eles não sabem que horas vai passar, então, enfim, colocar esses alunos em contato com uma realidade organizada como é a dos países mais desenvolvidos. Já desenvolvidos e já organizados, muito mais bem organizados do que o nosso. Eu queria promover esse choque cultural, eu acho que isso é importante para o país, mostrar para as pessoas desde cedo que a realidade pode ser outra que essa que a gente encontra cotidianamente quando sai para rua. E então o contato com a aluna alemã, eu farejei, quando o AFS veio me perguntar, eu farejei a oportunidade para o colégio Pedro II e tem sido um sucesso completo. Por sorte a coisa deu muito certo, porque a Clara Marrie ela é muito, apesar de ser, e eu digo apesar de ser alemã porque a imagem que a gente tem do alemão é aquela imagem de pessoa muito fechada etc., e corresponde muito à realidade, eu acredito que todo estereótipo tem um ponta de realidade, tem uma ponta, alguma base de realidade ali, positiva ou negativa. Mas a imagem que a gente forma do alemão de ser mais fechado que o brasileiro isso é fato, é real, nós somos uma cultura ainda muito adolescente, para o bem e para o mal. É a melhor definição de Brasil que eu já ouvi, isso foi um professor alemão que falou para um conhecido meu na Europa lá, o professor perguntou para esse conhecido “de onde o senhor é? ” “ah, eu sou do Brasil”, aí o alemão fez assim para ele: “Brasil... esse país ainda adolescente”. É a melhor definição do Brasil que eu já ouvi até hoje, nossa cultura é isso, para o bem e para o mal, somos expansivos, somos alegres, somos jovens nesse sentido, e somos desorganizados, somos inconsequentes, essas coisas. Enfim, eu sempre quis muito promover essa possibilidade de inserção em uma outra cultura, diferente da nossa, e a vinda da Clara Marrie possibilitou isso, de certo modo, está possibilitando. E ela é uma pessoa por sorte muito expansiva, digo, diferente do que se poderia esperar de uma imagem normal do que a gente tem dos alemães, ela é muito expansiva, muito afetiva, a inserção dela na turma foi desde o início muito rápida e muito boa.
P/1 - E os professores e os alunos, aceitaram quando surgiu essa proposta de uma parceria com uma instituição que faz essa inserção de alunos de intercâmbio?
R -
Veja bem, alunos estrangeiros nos institutos federais é coisa com a qual eles já estão acostumados, mas no colégio Pedro II tem uma projeção que tudo o que acontece com a gente, ganha uma relevância maior, porque estudar no colégio Pedro II é ambição que muitos pais têm para seus filhos, por razões óbvias, nós somos a exceção no panorama da educação básica do país, nós temos um corpo docente muito bem formado, mestres e doutores que muitas universidades públicas não têm. Nós temos educação gratuita, sustentada pelos impostos, a gente costuma dizer que é gratuita, mas não é de graça, óbvio, os impostos que pagam. Mas se você tem a sorte que seu filho seja sorteado para ingressar no primeiro ano, na educação infantil, como nós temos atualmente educação infantil lá em Realengo e será expandido para outros campus. Se você tem a sorte que seu filho seja sorteado, você estará tranquilo que seu filho terá educação, e não terá que pagar o um colégio para seu filho até o final do Ensino Médio, e isso não é pouca coisa. O que acontece no Pedro II vira página de jornal. Depois que efetivamos, assinamos o acordo de cooperação com o AFS, agora final de outubro... A Clara Marrie está desde agosto, mas eu não quis dar muita publicidade para isso porque não havíamos ainda assinado o acordo de cooperação, nada nos impedia, não houve nada de irregular, ela entrou como aluna ouvinte, como está agora, foi essa a ideia, ela estará como ouvinte, de agosto deste ano até junho do ano que vem, mas assinamos o acordo com o AFS no final do mês passado e daí saiu nota na coluna do Anselmo Góes, aí O Globo fez uma matéria com ela, com foto no colégio, então “oh, o Pedro II está recebendo alunos estrangeiros” o que nos institutos federais é recorrente, eles têm vários alunos estrangeiros lá. E não é a primeira vez que um aluno estrangeiro está no colégio, mas eu creio que é a primeira vez sim que nós temos uma política de intercâmbio oficializada, institucionalizada, então a Clara Marrie eu diria, é a primeira intercambista dentro dessa nova organização do colégio Pedro II, e para ela é só entrevista-la. Ela está mais feliz que pinto no lixo, como eu costumo dizer.
P/1 - Ah que bom! Então agora a gente está finalizando a nossa entrevista...
R -
Eu espero não ter matado vocês de tédio (risos)
P/1 - Não, imagina, que isso (risos). E vou fazer algumas perguntas ainda de cunho pessoal. O senhor é casado?
R -
Eu tenho uma união estável, sim. Com a Cintia, ela acabou de tirar primeiro lugar na seleção para o mestrado em Política Social da USP [Universidade de São Paulo]. Ela é socióloga, eu a conheci na UERJ, quando eu dei aula da UERJ, foi minha aluna. Eu esqueci de mencionar isso, eu dei aula da UERJ por um ano, como professor contratado, em 2000 quando eu voltei, eu voltei em 1999, em 2000 eu dei aula na UERJ como professor contratado, e em 2001, 2002 eu fiquei como contratado no Pedro II.
P/1 - Tem filhos?
R -
Ela tem dois filhos, são meus enteados. A Gabriela está com 22 anos, e o Leonardo com 18.
P/1 - E agora, para finalizar, nessa parceria do Pedro II com a AFS há algum desafio?
R -
Há uma expectativa da minha parte que os nossos alunos possam então também ir para o exterior, que a gente tenha o primeiro intercambista oficial aluno colégio Pedro II em uma instituição de ensino estrangeira, isso é o que eu gostaria que acontecesse num futuro próximo. Agora, a própria recepção de alunos estrangeiros eu considero de maior importância, colocar essa garotada em contato com estudantes de outros lugares do mundo acho fantástico, uma experiência que todos nós gostaríamos de ter tido na escola, ter contato, quem sabe fazer uma amizade aí para o resto da vida.
P/1 - Agora só duas perguntinhas para finalizar. O que que você acha de contar... Como o senhor se sentiu contando a sua história de vida para o Museu da Pessoa e para o AFS? E da relação da parceria AFS, Pedro II.
R -
Eu acho muito importante que se faça esse registro, para mim, profissionalmente, e para a instituição que eu estou aqui representando, eu acho da maior importância que esse registro seja feito. E eu penso que o AFS cumpre um papel importantíssimo, é uma instituição que promove a educação, promove a educação promovendo a internacionalização e o encontro entre culturas. Isso é uma experiência para as instituições que enviam e recebem os alunos, e para os alunos, extremamente enriquecedora. Me senti um pouco em consulta de terapeuta, tendo que falar de mim e resgatar o meu passado. É um pouco intimidador isso, e nem sempre confortável, mas é importante, eu espero ter de alguma maneira colaborado para o fortalecimento do AFS como instituição, falando desse trabalho com o colégio, que está sendo já do início muito produtivo, não vejo porque não se torne cada vez mais. Parabéns ao AFS, pelo trabalho que desenvolve, pelos seus 60 no Brasil e que sejam muitos mais ainda.
P/1 - Eu gostaria de agradecer o seu depoimento, em nome do Museu da Pessoa e do AFS. Muito obrigada.
R -
Muito obrigado, eu espero que venha a ser interessante de algum modo.
P/1 - Obrigada.Recolher