Projeto: Morro dos Prazeres - Esse Morro tem história
Realização Museu da Pessoa
Entrevista de Olga Maria Miranda
Entrevistado por Neide e José Bernardo
Rio de Janeiro, 26 de março de 2002
Código MP_HV008
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Eloisa Galvão
P/1 – ...Continuar leitura
Projeto: Morro dos Prazeres - Esse Morro tem história
Realização Museu da Pessoa
Entrevista de Olga Maria Miranda
Entrevistado por Neide e José Bernardo
Rio de Janeiro, 26 de março de 2002
Código
MP_HV008
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Eloisa Galvão
P/1 – Tia Olga...
R – [Risos].
P/1 – Dona Olga qual foi a data da sua chegada aqui no morro? Em que data a senhora chegou aqui no morro?
R – A data? Ah, não sei.
P/1 – Não tá lembrada, né?
R – Não dá, né?
P/1 – Por que a senhora veio morar aqui no Morro dos Prazeres?
R – Como é que eu vim?
P/1 – Por quê?
R – Por quê? Porque eu trabalhava ali no __________ o meu primeiro emprego, então aí pela minha sogra, que já foi também há muitos anos, ela trabalhava...
P/1 – Como é que é o nome dela?
R – Faustina.
P/1 – Faustina _____________
R – Faustina. A sua mãe conheceu ela. Ah é, conheceu. Então ela passava lá, e eu lá de cima da janela do meu emprego eu a via passando cá em baixo. Ela usava assim... ela era bem escurinha, então eu conhecia ela, porque usava turbante na cabeça assim. Então lá de cima eu, ela falava comigo cá de baixo, me dava adeus, assim, para mim.
P/1 – Hum, hum.
R – Aí nisso fui conhecendo ela, né? Aí, espera aí. Depois, espera aí, minha ideia me foge. Espera aí. Aí conheci por ela seu tio, né? Meu marido.
P/1 – Hum, hum.
R – Então aí pegamos a namorar, né? Namorar. Mas eu não vinha aqui não. Não conhecia aqui não.
P/1 – Não conhecia o morro não?
R – Não, não, não. Não conhecia não. Ele ia lá e tudo. Ele lá em cima, eu não subia lá em cima, ficava na rua ali conversando. Aí ele, mais de cinco meses, seis meses, ele me convidou para eu vir aqui. Aí levei muito tempo. “Ah, não. Eu não vou subir lá que eu não conheço ninguém lá”. Só conhecia ela. Que eu falava com ela, né? Dava café à ela. Que eu era mesmo que ser dona da casa lá, né? Então, ela me convidou para mim vim aqui. Aí ele também me chamou para vim aqui. E eu nada de querer vim, né? Nada de querer vim. “Não, não, não posso não. Não posso não.” Aí depois passou...
P/2 -
Com o tempo aí a senhora animou e veio?
R – Justamente seu Zé. Aí com o tempo, com o tempo, até hoje a Maria José, sabe a Maria José? Conhece a Maria José?
P/1 – Conheço.
R - Diz que ___________ às vezes falava assim: “Vou trazer a minha namorada aqui. Ela é um pedaço de mulata”. [Risos].
P/1 – Ah, é? Que ele falava? [Risos]
R – [Risos] Pois é. Ainda a Maria José, conhece a Maria José, não conhece?
P/1 – Aham, aham.
P/2 -
Conheço.
R – Então. Até hoje ela fala que ele falou isso um dia lá [riso]. Aí então, depois a minha tia passou quase um ano, e nada de eu querer vim aqui. Aí a minha sogra, foi minha sogra, ela me convidou e tudo: “Olha, tal dia”. Então ela marcou o dia. Cheguei aqui tinha um festão, Neide.
P/1 – É?
R – Que lindo. Não era essa casa aqui não. Era lá em baixo. Aqui mesmo, mas lá em baixo.
P/1 – Hum, hum.
R – Eles me trataram muito bem. Os vizinhos me trataram bem. Então aí foi indo, foi indo, foi indo.
P/1 – Aí qual a impressão que a senhora teve daqui do morro assim que a senhora chegou no dia desta festona? Qual foi a impressão?
R - A impressão?
P/1 – A impressão foi boa, foi ruim?
R – Não, não foi ruim. Mas também não foi boa porque não era sempre como é agora.
P/1 – Aham, ahan.
R – Não tinha água.
P/1 – Não tinha nada, né?
R – Sabe aonde nós apanhávamos água? Não sabe onde seu avô morou?
P/1 – Aham, aham.
R – Tinha uma cacimba ali, tinha uma cacimba que a gente apanhava água ali. Naquela cacimba. Então aí foi indo, foi indo, foi indo. Aí depois, ele pediu consentimento. ________ ele falou: “Eu gosto muito de você”. Aí eu falei: “Mas eu não quero. Eu vim aqui para trabalhar, não para casar.” Aí ele falou: “Não, eu não vou casar agora. Eu não quero casar agora não. Mas eu gostei de você. Que você é uma moça muito dada, muito honesta, né? Eu sei que você é gente boa”. Então aí “fiquemos” namorando. Ficamos namorando. Aí depois ele pediu casamento. Falou com o meu irmão.
P/2 -
Aí foi na casa da senhora lá em Minas? Ele foi pedir casamento lá?
R – Foi. Eu morava... Não, não. Aqui. Meu irmão morava lá em cima.
P/2 -
Morava aqui também?
R – Morava, meu irmão. Pascoal. Então ele foi lá onde eu, ficava no emprego, né? Dormia no emprego. Eu só vinha em casa domingo. Lá em cima. Ali perto da... deixa eu ver quem mora ali agora meu Deus. Ah, eu nem sei quem que mora ali mais. O senhor deve conhecer, mas eu não lembro agora quem é. Mora lá assim, no meio do morro, né?
P/2 -
Sei.
R – Aí ele foi lá, pediu consentimento do meu irmão. O meu irmão falou com ele. Conversou com ele como é que eu era. Que eu...
P/2 -
________________
R - ...que eu não tinha pai, não tinha mãe.
P/2 -
Fez aquelas exigências que antigamente se fazia, né?
R – Então, hum.
P/2 – Aquela
preocupação.
R – Aí _______, seu Zé. Começou. Aí depois ele era muito, não era namorador. Ele era assim que tocava, e gente, as moças, as pessoas chamavam ele para ir tocar lá no...
P/2 -
Que instrumento que ele tocava?
R - Cavaquinho.
P/2 – Cavaquinho, violão, essas coisas?
R – É, viola. Aí então eu não gostava. Não gostava.
P/2 – [Risos].
R – [Risos] Eu não gostava daquele jeito dele. Eu achava que ele namorava elas.
P/2 -
Ahn.
P/1 – Hum, hum.
R – Mas sabe, Neide? O senhor sabe? Aí veio a gravidez da...sem eu casar, hein?
P/2 – Ahn.
R – Estou falando a verdade, né?
P/2 -
Certo.
R – Aí veio a gravidez da Zélia. O senhor não conhece a minha filha mais velha?
P/2 -
Conheço?
P/1 – Zélia.
R – Aí veio a gravidez dela. O senhor sabe que nós ficamos três meses sem falar um com o outro.
P/1 – Caramba.
R – Eu era fogo essa época. Eu era fogo.
P/1 – Tem um gênio, hein?
R – Não, mas qualquer coisa eu estava assim cismada.
P/1 – Aham, aham.
R – Fiquei cismada com ele, pensava que ele tinha outras namoradas. Porque aquelas moças tudo chamando ele para ir tocar, para ir... Aí eu ficava com raiva. Ficava, não gostava.
P/1 – A senhora não ia não tia, quando ele ia?
R – Não ia. Aí...
P/1 – [Risos].
R – [Risos] Aí fiquei três meses sem falar com ele.
P/1 – Sem falar com ele?
R – Aí no dia que a Zélia nasceu a minha sogra estava... chovia muito dentro de casa, aí a minha comadre a Tina...Ela não foi do seu tempo não. A comadre Zefa deve se lembrar. Aí a minha sogra falou assim: “Ô Olga, você vai ter a menina lá na casa da minha comadre”. Que é ali mesmo __________. Onde mora o... aonde é na casa da senhora sua tia.
P/1 – Tia ____?
R – Sim.
P/1 – Ali em cima.
R – É aqui...
P/1 – Hum, hum.
R – ...não.
P/1 – Aqui.
R – Não. A outra, sem ser Genice.
P/1 – Linda?
P/2 -
___________
P/1 – Ceinha?
R – Ceinha.
P/1 – Ahn.
R – A Zélia nasceu ali.
P/1 – Ah, é, nasceu ali?
R – Aí a minha sogra falou assim: “Ó, eu vou arrumar a casa da minha comadre para você ter a sua filha lá. Que aqui está chovendo muito”.
P/1 – Tinha em casa tia?
R – Hum?
P/1 – Não ia para o hospital não?
R – Hum. Em casa.
P/1 – Tinha em casa os filhos?
R – Eu tive a Zélia e o Nelson, nasceram em casa.
P/1 – É mesmo tia?
R – Com ela.
P/1 – Caramba.
R – Então. Aí, Neide, fui para lá de tarde. Sem falar com ele. Três meses sem falar com ele. Por causa dele _________
P/1 – Com raiva dele?
R – Com raiva, é, [risos] não é raiva não. Sabe que...
P/1 – [Risos] Com ciúme tia, estava com ciúmes.
R – Então, Neide aí ela falava: “Olga...” ela também não gostava, “...a Olga vai ganhar um filho, vocês...” Ela não gostava que elas vinham para chamar ele. Por isso que eu ficava com raiva. Que a minha sogra não gostava que elas vinham me chamar porque eu estava esperando neném.
P/1 – Hum, hum.
R – E estava vendo aquela pressão delas. Achava que elas estavam fazendo aquilo de, para me...
P/1 – Para implicar com a senhora.
R – Para implicar comigo.
P/1 – Hum, hum.
R – Ela vinha falar, a finada Ruth, você não, você era pequenininha.
P/1 – É, eu me lembro mesmo.
R -
A finada Ruth dizia assim: “A Olga vai ter o neném, você fica com essa mulherada aqui na porta chamando você”. Brigava com ele, né?
P/1 -
Hum, hum.
R – Aí ele falava: “Não, eu não tenho nada com ela. Eu vou lá porque eu gosto de tocar”. Ele falava assim, né?
P/1 -
Hum, hum.
R – Então, aí bem. A Zélia nasceu 5 horas da manhã. ______________. A minha sogra falou: “Olha, você, a casa é sua”. Ela toda por mim. “A casa é sua. Agora a rua é dele”. É o filho dela, né? Era filho dela, né?
P/1 – Hum, hum.
R – “Agora você vai ficar. Você vai ter sua filha. Seu filho ou sua filha. A casa é sua”. Que é a casa dela aqui.
P/1 – Como é que é o nome do marido da senhora mesmo tia?
R – Nélio mesmo.
P/1 – Ah, o Nélio.
R – É. Irmão do seu pai.
P/1 – Hum, hum.
R – Irmão do seu pai. Então ela falava, a Dalva me dava apoio e achava que ele estava errado. Aí bem. Eu fui consultei a... eu ia na conversa dela, né? Eu pensava: “Não vou ficar de bem com ele porque ela vai ficar falando: Você tem seu emprego lá. A sua patroa não falou para você que a casa era sua ali? Você não precisa nem casar agora”. Foi.
P/1 – É, né?
R – Aí eu fui na conversa dela, né? Aí bem. Tranquilo. Fui para lá de tarde, fui de tarde. Aí a Zélia nasceu cinco horas da manhã. E minha sogra ficou lá comigo, né? Parece que eu estou lembrando coisa que foi hoje. Quando foi cinco horas, que aí ela arrumou tudo, eu estava sentindo a dor já. Ela nasceu. Ela me arrumou tudo. Arrumou tudo assim, assim na sala em um cantinho tinha uma cama assim. E a porta era lá. Quando foi cinco e meia mais ou menos ela botou a Zélia assim, ________________ ficava na beirada da cama. Eu não fui boba não. Aí eu, onde é que eu estava? Ah, a Zélia arrumadinha assim na beirada da cama. Eu lá no canto da cama rolei, quando ela: “Nélio disse que vem aqui.”
Minha sogra.
“Nélio disse que vem aqui ver a filha. Se é filha dele mesmo.”
P/1 – Hum.
R – [Risos] Aí, Neide, aí eu não fui boba não. Sabe que eu apanhei a coberta, joguei a coberta em cima de mim. Enrolei a cabeça e fiquei assim olhando assim. De jeito que ele não me via, né?
P/1 – Hum.
R – Aí eu estou olhando ele chegar. Ele chegou olhando, olhando. Aí olhou assim, sentou assim na beirada da cama. Apanhou a menina, a Zélia. Apanhou. Sabe, seu Zé? Ele olhou dos pés a cabeça ela. Até a unha dela, ela está ainda viva e sã graças a Deus, parece com ele. Ele olhou tudinho o jeito dela. Ela toda ele. Até hoje ela parece com ele. Viu?
P/1 – [Risos]
R – Aí ele olhou, olhou, ______ para ele. Eu fiz que eu estava dormindo, entendeu? Eu fiz que estava dormindo. Aí olhou ela. Os dedos. Olhou os dedos assim. Olhou os dedos. Olhou tudo dela.
P/1 – Ave.
R – Foi. Não estou mentindo não. Estou falando a verdade.
P/2 -
E com isso a senhora agora tem uma boa recordação dos Prazeres por causa disso, né? Uma lembrança, a comunidade ____________________.
R – Seu Zé.
P/2 – Valeu
a pena também ___________
R – Valeu a pena. Valeu a pena. Fiquei sem ele agora. Agora não, tem muitos anos. Deixa eu ver... 31 anos que ele foi.
P/2 -
Mas de qualquer forma a senhora tem uma boa lembrança da comunidade, né?
R – Justamente, seu Zé. Uma boa lembrança que graças a Deus, seu Zé...
P/2 -
Foi aqui que a senhora teve o apoio, né? E para a senhora o que é que melhorou de lá para cá em relação à comunidade?
R – Eu? Seu Zé?
P/2 -
Em relação à comunidade?
R – Aí bem, deixa eu acabar, deixa eu continuar e na...
P/2 -
Hum, hum.
R – Aí ele, aí olhou.
P/1 – Olhou da ponta da cabeça?
R – Foi. Eu estou quieta assim, era assim um pedacinho da coberta eu estava olhando ele, né? E ele não está me vendo. Estava pensando que eu estava dormindo. Aí botou ela lá. Aí: “Olga, Olga.” Me chamando. Aí eu fiz que estava dormindo e custei a responder. Aí quando estava demais com ele chamando, né? [risos] Aí eu respondi. Aí ele: “É, ela parece comigo, não parece?” Eu falei: “Ah, não sei se parece com você não.”
P/1 – [Risos]
R – “Eu sei que é tua...”. Aí eu falei, debaixo da coberta: “Eu sei que é tua filha. Agora se parece com você eu não sei”. Falei com ele assim.
P/1 – [Risos]
R – Desde esse dia menina, mais de três meses, eram uns quatro, cinco meses. Que eu fiquei, é que eu ia pela conversa dela, né? Que era muito uma pessoa, ______, preta, mas era uma preta limpa.
P/1 – Hum, hum.
R – Deus que ponha ela lá, Deus que... eu não sei se a gente diz quando a pessoa morre se acabou, assim, os crentes falam, né? Eu não sei se é verdade. Que depois que a gente morre isso acabou. Você acredita?
P/1 – Ah, não. O espírito está _______, o espírito está por aí, né?
R – Einh? Eu acho...
P/1 – O espírito está aí.
R – Pois é, eu sei que, assim os crente que fala. Diz que a gente morre, diz que acaba tudo. Eu não acredito assim que acaba não.
P/1 – Não.
R – Eu acho...
P/2 -
Sai da memória da gente.
P/1 – O espírito está lá. O espírito está lá.
R – Mas lá, coisa boa, Deus não veio falar com nós mais. Assim como Deus fez nós eu acho que...
P/1 – O espírito não morre não tia.
R – Assim, pois é, mas os crente fala assim que...
P/1 – Não, o espírito não morre não.
R – É, também.
P/1 – O que acaba é o corpo.
R – Justamente.
P/1 – Mas o espírito está lá.
R – Disse que acaba lá com eles lá.
P/1 – Acaba nada.
R – Eu não acredito nisso não seu Zé.
P/1 – Acaba nada.
P/2 -
Acaba não.
R – Está certo, que acaba a carne nossa.
P/1 – A carne acaba.
R – Como é que, como se diz, como é que a pessoa pode, pode, aquela hora Deus não leva o espírito? Porque não deixa a carne, né? por que? Nós não temos espírito? Então.
P/1 – É. O que é que faz? O espírito sai...
R – Justamente.
P/1 – A carne acaba.
R – Mas eu acho que Deus não leva ele não vai deixar ele à toa.
P/1 – Não.
R – Então. Eu acho que não.
P/1 – Vai ajudar ele a se encontrar.
R – Justamente. Aconteceu isso comigo. Aí depois ficamos de bem, seu Zé. Ficamos de bem. Daquele dia em diante.
P/1 – Daquele dia que nasceu a Zélia.
R – Daquele dia que ela nasceu.
P/1 – Hum, hum.
R – Foi.
P/2 -
Precisou ela ...
R – Mas isso... ahn?
P/2 -
Precisou ela vim mesmo para dar a paz para vocês, né?
R – Justamente, seu Zé. Foi uma família muito boa. Porque o pai dela...
P/1 – É.
R - ...muito boa pessoa também. O senhor conheceu a família não conheceu?
P/2 -
Conheci.
R – A _________, a Francisca.
P/2 -
Conheci todo mundo.
R – Lurdes. E o Azeitona. Tratava ele de Azeitona. Então graças as Deus, mas acho, sabe por que é que Deus levou ele mais depressa, seu Zé?
P/2 -
Ahn?
R – Foi o trabalho. Ali nos Arcos? Não era, a ponte dos Arcos não era assim não.
P/2 -
Sei.
R – A ponte dos Arcos era assim. Ela subia assim, assim. Fazia aquela curva. Tinha aquela curva assim. Então ele trabalhava ali. Que ele trabalhava ali.
P/1 – A ponte não era reta não?
R – Não era. Agora é certa assim.
P/1 – Agora é reta. Ela tinha curva?
R – Justo. Tinha. Ela era assim.
P/2 -
Aquela subida, né?
R – É, é, é. Então...
P/1 – A ponte dos Arcos em Santa Teresa.
R – Então, aí o encarregado, que o meu marido era escuro, mas forte, né? E o encarregado qualquer coisa pesada chamava ele. E ele tinha mesmo vontade de trabalhar, ele trabalhava mesmo. Ele aí, abalou o coração.
P/2 – Por causa da força que fez.
R – Aquela ponte hoje está ali.
P/1 – É.
R – Então abalou o coração. Ficou oito anos, seu Zé. Aí sim, foi minha, como se diz, minha vida.
P/2 – Aqui. E sempre esses oito anos que ele ficou doente, sempre morando aqui nos Prazeres?
R – Ah, sempre aqui.
P/2 - ______________
P/1 – Sempre aqui no morro.
R – Aqui embaixo. Aqui aonde é a casa da minha filha aqui em baixo. Então, oito anos aí eu
sofri, seu Zé.
Porque já veio o Nelson. Conhece o Nelson Miranda?
P/2 -
Conheço.
R – Meu filho. Então.
P/1 – A senhora teve quantos filhos tia?
R – Não, eu tive oito filhos. Mas é....
P/1 – Oito filhos.
R - ...oito, mas que vingaram foram só esses três.
P/1 – A senhora teve a Zélia...
R – A Nelma que mora aqui. A Nelma, a Zélia e o Nelson, só.
P/1 – E o Nézio.
R – É.
P/1 – Tinha oito mas só vingaram três?
R – É, é. foi.
P/1 – Todos foram nascidos aqui? Tudo nasceram aqui no morro?
R – Aqui, é. Aqui mesmo.
P/1 – Tudo nascido no morro tia?!
R – Foi, ué.
P/1 – Não foram para o hospital não?
R – Não.
P/1 – Os três?
R – Não, a Nelma que foi.
P/1 – Ah.
R – A caçula.
P/1 – Ah, da caçula, a última foi.
R – É que a minha sogra tinha morrido.
P/1 – Hum, hum.
R – Tinha morrido. Agora os dois nasceram lá na mão dela.
P/1 – E agora quantos netos a senhora tem?
R – Ah [suspira] meu Deus do céu? Quantos netos?
P/1 – Netas. A Zélia tem quantos filhos?
R – A Zélia tem duas filhas.
P/1 – Tem duas. A Nelma tem três.
R – Três. Seis, né?
P/1 – Cinco.
R – E aí agora eu falei, tem uma porção. Tem cinco?
P/1 – É, a Zélia tem duas, né? A Nelma tem três. Cinco. E o Paulo
Henrique?
R – E o Paulo Henrique cinco.
P/1 – Caraca. Dez?
R – Cinco. Agora o Paulo Henrique tem dois sem ser os cinco dele.
P/1 – Ah, tem mesmo.
R – Os primeiros são dois meninos. Então um já vai fazer 15 anos.
P/1 – O que é que a senhora acha tia...
R – Hum?
P/1 - ...dessa vida aqui do Rio de Janeiro?
R – Ainda não acabei de contar. Espera aí. Então seu Zé, aí fiquei oito anos sofrendo. Depois que ele morreu foi que recebi o salário dele. Depois que ele morreu. Oito
anos nós ...
P/1 – Quanto tempo?
R – Ué, oito anos.
P/1 – Depois que ele morreu você foi só... depois de oito anos que a senhora veio receber o dinheiro dele?
R – Dois anos ainda levou para mim poder receber o dinheiro dele, tá?
P/1 – A senhora levou dois anos para poder receber o dinheiro da pensão?
R – Da pensão.
P/1 – Hum, hum.
R – Enquanto ele esteve doente, seu Zé... um dia ele falou assim comigo: “Olga, você...”. Eu que ia com ele porque ele estava com negócio de coração, né? Estava com medo. Eu no emprego, trabalhando para comer, seu Zé. Aí, que ela usava, as portas tinha...não era assim como agora não. Tinha aquele pedacinho. Eu chegava nas campainhas, assim no buraco, olhava assim. Pensava que era e a Nelma estava com 4 meses. E quando ele morreu a Nelma estava com 6 anos.
P/1 – É?
R – Eu sofri muito, seu Zé. Eu sofri muito. Porque eu trabalhava, ela pequena, nova. Ele ficava com ela e eu ia trabalhar de dia com ____________. Tinha a tendinha aí. Não sei se o senhor a...
P/2 -
Lembro.
R – Então, ele tinha a tendinha. Eu ia para comprar feijão, arroz de noite, para comer. Então. E ele, um dia falou assim comigo, aí eu ai com ele, né? Falou: “Olga, você não vai comigo não. Eu acho que você está azarando o nosso pagamento”. Eu ia com a sacola, seu Zé, na mão. Levou oito anos sem receber um tostão para comprar as coisas para dentro de casa? Aí eu falando com ele, ele disse que eu estou azarando. Eu ia com ele, né? Aí voltava com a bolsa pura. [risos].
P/1 – É. Ele achava que a senhora estava...[Risos]
R – Então. “Você não vai não”. “Ah, eu vou sim. Você não vai sozinho não.” Aí eu ia com ele. Dia dele ir lá ver se tinha saído o pagamento. Aí quando foi um dia... eu estou falando eu já tinha mudado de emprego. Estava trabalhando lá na Glória. O meu patrão também muito antigo _____________. Aí ele falou: “Olga, você...”, ele sabia a minha situação, como é que eu trabalhava lá com ele, né? É um casal de estrangeiros. Não, estrangeiros, não... Era... Aí ele falou: “Olga, segunda-feira quando você vier...” sábado eu não trabalhava não. Nem domingo. Aí ele falou: “Você traz os documentos todinhos do seu marido para ver se eu consigo arrumar os documentos dele”. Ele já morrido, né? Quando foi segunda-feira apanhei esse documento dele que estava aí e levei. O senhor sabe que não levou nem um mês e ele conseguiu? O meu patrão conseguiu o meu salário que eu estou ganhando até hoje, tá?
P/1 – Como é que era o nome do patrão da senhora?
R – Ah, agora nem lembro mais. Não lembro mais o nome dele não. Essa daqui, do Quarto Centenário era a Hortênsia.
P/1 – A Hortênsia.
R – É. Meu patrão era Chico Brito. Acho que Chico Brito. Era um negócio de Brito. Agora lá de baixo, esse homem que arrumou meu documento, meu dinheiro, eu não me lembro mesmo. Faz tantos anos que saiu da minha mente. Eu sei como é que eles eram. Era um casal branco já de idade. Ele que arrumou meu dinheiro para poder eu receber. Aí então justamente eu, eu...
P/2 – E que a senhora vive até hoje. É com esse salário...
R – Agora eu não posso mais trabalhar. Agora eu não posso mais trabalhar. Mas trabalhei, seu Zé, trabalhei até, até...
P/1 – Com quantos anos a senhora começou trabalhar?
R – Ah, eu vim para aqui estava com 17 anos. 17 anos.
P/1 – A senhora tem agora quantos?
R – 75.
P/1 - ___________
R – Então, agora vê. Não é mole não. Eu sofri muito. Mas graças a Deus agora eu estou, estou sozinha mas estou mais e...
P/1 – A senhora mora sozinha, né?
R – Bom eu moro aqui sozinha e Deus, né? Você pensa que meus netos vem aqui ao menos ver, saber se eu morri, se eu vivi? Vem ninguém aqui não. Vem quando precisa. Jaime, você conhece o Jaiminho?
P/2 -
Conheço.
R – Vitor? Vitor é um namorador, nunca vi. As meninas vêm aqui procurar ele. Procurar ele aqui dentro aqui em casa. Aqui não, lá em baixo. Não, foi um dia eu briguei com ele. Veio namorar aqui na varanda eu falei: “Você não pode entrar aqui sem falar nada. Eu estou dormindo na minha cama você entra aqui para namorar? Eu não quero isso não”. Isso tem um mês que eu dei uma bronca com ele. Falei sim.
P/1 – Seu neto, né?
R – Falei sim. Não quero mesmo não. Se quiser namorar, vem namorar, então venha até a avó: “Posso entrar aí para eu sentar com a minha ______.”
Agora ainda está namorando no escuro e eu pensando que é... E seu Zé, graças a Deus a te dizer da dona ______. Não tenho nada a dizer de ninguém, seu Zé.
P/2 -
Está certo.
R – Ninguém nunca fez isso não na minha porta. Ninguém eu não posso dizer. Agora a polícia já veio. Teve um dia seu Zé. Eu estava deitada ali que eu arrumei minha cama ali, ó. O Jaiminho veio aqui escovar dente. De manhã cedinho. Então aí deixou...
(Pausa)
P/1 – É. A senhora já foi ao casarão? _______________ no Casarão dos Prazeres?
R – Seu eu já fui lá?
P/1 – Já foi lá?
R – Não, não.
P/1 – Não foi lá não?
R – __________ Já fui lá mas antigamente tinha até, eu ia a missa ali. Antiga...
P/1 – A senhora sabe como é que era o nome dele antigamente?
R – Ah, meu Deus. Não era casarão não. Não era casarão. Não lembro mais como é que era o nome dele.
P/1 – A senhora já ficou lá, já brincou lá no casarão.
R – Não. Não.
P/1 - _________
P/2 -
E na sua infância? Assim na sua infância qual era a brincadeira que a senhora mais gostava?
R – Mas aqui, não. Aqui nunca houve brincadeira.
P/2 -
A senhora nunca teve.
P/1 – É verdade.
R - A única coisa que eu gostava era de carnaval. Gostava. Eu não gostava não. Depois que eu vim para aqui por causa das minhas cunhadas que gostavam de carnaval, aí botavam era fogo em mim. Aí eu também ia, mas agora não. Agora não...
P/1 – Ô tia, a senhora desfilou no Acadêmico dos Prazeres, não desfilou?
R – Sim.
P/1 – A senhora desfilou de quê?
R – Baiana.
P/1 – Baiana.
R - __________
P/1 – E como é que era?
R – Einh?
P/1 – E como é que era o desfile? Era bom?
R – Era bom.
P/1 – Bom.
R – Era.
P/1 – Mandou muito já, desfilou muito já, né?
R – Ah, desfilei. Graças a Deus. __________, justamente, a minha infância sabe o que é que eu gostava? Eu gostava muito de ajudar meu pai.
P/2 -
Certo.
R – Eu tenho meu sinal aqui seu Zé. Sabe o que é que era? Agora já acabou. Sabe o que é que eu estava fazendo?
P/2 -
Hum?
R – Fazendo, furando buraco, porque meu pai fazia, o senhor sabe toda?
P/2 -
Sei.
R – Antigamente falava toda. Botava bananeira, fazia aquele pé de palha.
P/2 -
Palha, é.
R – Não sei se no tempo do senhor tinha.
P/2 -
Tinha.
R – Aqui, seu Zé, sumiu. Aqui. está aqui. Eu furando, ajudando meu pai. Furando buraco para fazer a toda. Eu era criança ainda. Menina. Aqui...
P/1 – Mas o que é toda, tia?
R – Toda...
P/2 -
É uma cobertura de palha.
R – É uma cobertura, Neide.
P/1 – Ah, é? Uma cobertura?
R – Uma cobertura. Então, aí eu cavando. Mas _______, aquele dia eu não fui mais gente. Aqui. Quase que eu tirei. Rachou isso aqui ó. Agora acabou. Aí, ainda tem um sinalzinho aqui. Rachou até a unha aqui assim. Porque a cavadeira bateu assim no meu pé.
P/1 – Nossa.
R – Eu gostava muito de baile. Gostava. Isso eu gostava muito. Gostava muito de, de...
P/1 – Tinha muito baile por aqui, né, tia?
R – Não é aqui não. É lá onde eu morava.
P/1 – Ah, é lá onde a senhora morava.
R – É, com 15 anos.
P/1 – Ahn.
R - Então. Eu tinha, ah, era colega Neide. Agora não se vê mais colega não. Não se vê mais colega, seu Zé.
P/2 -
E aqui o que mais marcou a senhora aqui na comunidade?
P/1 – Mas aqui em cima tinha baile, não tinha? Na casa do Mindinha ali?
R – Aqui? Aqui? Mas eu não gostava.
P/1 – Ah, não gostava não daquele baile de lá não?
R – Não. Não gostava. Eu gostava de ir assim, quer dizer, se tivesse assim um baile em uma casa de família. Eu gostava de vir para aí. Então. Sempre lá no meu emprego. Vinha aqui para...
P/1 – Só para passeio.
R – Agora depois que veio os filhos eu não fui mais mulher para nada.
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Se dedicou inteiramente à família.
P/1 – Hum, hum.
R – Nunca. A minha sogra falava – porque eles deixavam os “filhos tudo” com ela para ir no baile. Porque elas gostava muito de baile, minhas cunhadas. Ela falava: “A Olga é uma mulher que ela nunca deixou os filhos dela comigo para ir para baile”. É. Ela falava.
P/1 - _____________
R – Eu nunca gostei de baile. Até hoje agora não gosto mais. Até carnaval...
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E hoje se a senhora quisesse, assim, e pudesse, o que é que a senhora gostaria que acontecesse para... se a senhora tivesse que mudar hoje? Se a senhora tivesse que mudar aqui nos Prazeres, o que é que a senhora gostaria que fosse mudado para melhorar para a senhora?
R – Para melhorar para mim?
P/2 -
É.
R – Eu, seu Zé. Eu gostava, sabe o quê? É de ter um...é de dar uma melhorada na minha casinha. Eu vou morar com a minha filha. Eu não vou morar aqui não. Eu vou morar lá em baixo. Porque a minha filha falou: “Mamãe...”, ela veio aqui conversar comigo, “...mamãe, a senhora, a idade da senhora não pode ficar muito sozinha. Diz que os filhos mais velhos é que têm olhar para o pai e a mãe quando chegar a idade”. Bem quando, ela quando sentou, nós aqui, eu estou falando com ela, conversando. Quando ela sentou para conversar comigo: “A senhora, o que é que a senhora acha? Quer ir morar comigo?”.
O marido dela chama Souza, mas ela trata ele de Preto. “O Preto falou que vai dar tudo à senhora. Tudo à senhora. A casinha. Vai dar uma casinha. Vai dar a casa com sala quar..., uma salinha com a cozinha e um banheiro para a senhora. A senhora não pode ficar sozinha aqui em cima mais. A idade da senhora já está avançada. A senhora não pode trabalhar mais. Agora ___________ dá alguma coisinha”. Aí bem, ela falou assim: “Então, mamãe, a senhora, nós vamos fazer a casa para nós lá embaixo. Vai fazer um cantinho para a senhora”. Ela veio aqui conversar como nós estamos conversando assim.
P/1 – Hum, hum.
R -
Aqui. Aí: “A senhora, por causa de quê a senhora não dá essa casa? Porque isso aí precisa de muito, muito, muito trabalho. Muito serviço aqui. A senhora não... que a senhora ganha uma mixaria. A senhora não pode arrumar. Vai arrumar uma casa para ficar sozinha?”. Aí, “A senhora, vamos ver se a senhora concorda comigo”. Ela falando comigo. “A senhora dá aí à Vânia...”. Porque a Vânia é a filha do Nelson. Não sei se você conhece ela?
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Conheço.
R – Conhece? Então.“...a senhora dá à Vânia...” , que a Vânia tem uma filha, né? Então “... a senhora dá aqui à Vânia, porque a casa do Nelson é muito pequena”. Que parece que é grande mas não é. Depois que a gente entra lá dentro a casa é pequena. ______ sobe uma escadinha para chegar na tendinha e lá em baixo é um quartinho pequeno. Então ela combinou comigo. Que aqui, eu não faço nada aqui. Igual, eu podia ir devagarzinho. Mas eu não vou acabar o resto da minha vida aqui, seu Zé. Eu não tenho dinheiro para isso. Olha, eu recebo 180 cruzeiros. Centavos ou cruzeiro. Sei lá como é que fala. ó, eu é, pagar luz, é pagar água, é comprar gás. A ____________ que lá uma vez ou outra eu ganho uma bolsinha de compra. Mas que fosse comprar tudo o que eu quero? Não dá seu Zé. Não dá. Mas aí. É isso que eu queria, seu Zé. O resto da minha vida, né? Mas eu não posso. Aí eu vou lá, ficar com ela.
P/1 – O sonho da senhora é melhorar a casa da senhora, né?
R – É. Melhorar. Mas eu não posso ficar sozinha também.
P/1 – É.
R – Então, uma que a vista não está dando mais. Tem que operar. É catarata. Então, é o que eu queria.
P/1 – É.
R – E esse salário até esse salário não dá não. Quanto mais a gente vai passando mais as coisas ________.
P/2 -
Mais difícil fica.
R – Não é difícil seu Zé? O senhor é um chefe de família, o senhor sabe. É mais difícil. A única coisa que eu precisava era isso. Mas, vamos ver até quando Deus me chamar, Deus achar que eu tenho que ir, né?
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Certo.
P/1 – Tia...
R – Mas graças a Deus seu Zé, graças a Deus eu vivo aqui graças a Deus. Eu vivo bem. Vivo bem com todo mundo. Graças a Deus não tenho nada que queixar de ninguém....
(Fim do Lado A)
P/1 - ...de antigamente?
R – Não. Não tenho não.
P/1 – Não tem nenhum documento?
R – Não.
P/1 – É. Então tia, é isso. Muito obrigado por a senhora ter dado o seu depoimento.
R – Eu digo mesmo, do jeito que era, era, aqui é, agora é calmo mas é outros ambiente, né?
P/1 – Já é outro ambiente.
R – mas quando eu vim para aqui era mais calmo. Sofria muito que, ó, seu Zé, nós ia apanhar água lá no Chororó. Finado __________ era vivo ainda.
P/1 – Finado Silvestre, né? Que era do Silvestre.
R – É, é, a casa do Silvestre. É, nós sofremos muito com negócio de água. Isso tudo, isso tudo agora graças a Deus, graças a Deus está melhor. De vez em quando ainda falta água aqui mas não é sempre, né?
P/1 – Não é sempre.
R – Graças a Deus, mas nós vive assim, né?
P/1 – É isso aí.
R – Pois é.
P/1 – Então vamos encerrar. Muito obrigada tia pelo...
R – Nada fia, nada.
P/1 - ...pela essa entrevista, tá? E espero que a senhora consiga o que a senhora quer.
R – Se Deus quiser.
P/1 – Se Deus quiser.
R – Se Deus quiser.
P/1 – Boa tarde.
P/2 -
Muito obrigado por tudo dona Olga.
--- Fim da entrevista ---Recolher