Quando eu era criança, no final da década de 1960, chamava-me atenção a forma como aquele rapaz, vestido com a farda dos Correios, guiava a sua bicicleta pelas ruas, ou entre os bancos de feira da cidade de Pombal com a desenvoltura de um profissional do ciclismo. Era uma bicicleta Caloi de...Continuar leitura
Quando eu era criança, no final da década de 1960,
chamava-me atenção a forma como aquele rapaz, vestido com a farda dos Correios, guiava a sua
bicicleta pelas ruas,
ou entre os bancos de feira da cidade de Pombal com a desenvoltura de um profissional do ciclismo. Era uma bicicleta
Caloi de varão
curvo na cor cinza ou verde, não recordo-me bem.
Lá ia “Seu” Ribinha, com uma mão no guidão e outra segurando um amarado de cartas, como se as ruas da cidade fossem as linhas da palma das suas mãos. A cidade não era tão grande e
ele conhecia cada morador daquela urbe e de forma que não se dava ao trabalho de se dirigir ao endereço indicado na missiva, pois já sabia aonde encontrar o destinatário, seja em uma loja, em um bar, no seu local de trabalho ou proseando nas esquinas da cidade calorenta de Pombal.
A minha admiração pelo trabalho de “Seu”
Ribinha era tanta que certa vez eu, ao fazer
uma poesia em homenagem a cidade de Pombal, citei em uma estrofe
aquele que, no meu pequeno
mundo de menino do interior, era um verdadeiro herói.
Na poesia eu
descrevia
o seu malabarismo
com a sua velha Caloi:
“Ribinha na bicicleta por entre as panelas de Jubinha,
malabarismos sem igual, bola de meia, sirene anunciando onze e meia.
Bronze da Matriz, Riacho do Bode, Pedra do Sino”. É interessante como a vida aproxima
a história de pessoas que, morando na mesma cidade nunca trocaram sequer uma palavra e que estavam tão distantes e ao mesmo tempo tão ligados nos destinos. Pois bem: anos depois, eu já
morando em João Pessoa, ouvi da minha então esposa que na sua adolescência ela encontrou nas páginas da
revista “Grande Hotel”, na coluna onde a revista patrocinava
a comunicação entre jovens, o endereço de um
adolescente Angolano
que buscava se comunicar com brasileiros,
por conta da facilidade da língua comum aos dois países.
Ela não pensou duas vezes:
redigiu uma
carta e se dirigiu aos Correios para fazer a postagem. Meses depois recebeu das mãos do Carteiro Ribinha a primeira resposta do agora “amigo
e correspondente Angolano”
- Isto foi em 1966.
A carta foi entregue, mas com a seguinte
recomendação de “Seu” Ribinha: “Esta eu estou entregando, mas a próxima carta eu entregarei nas mãos do seu pai”. Ora, estamos falando de uma
cidade perdida no meio do sertão
da Paraíba e em uma cultura
da década de 1960, quando a educação dos jovens era rígida e, mais
do que isso, a obediência e respeito dos
filhos em relação
aos pais era de temor.
Assim,
ela não teve e outra
opção se não cessar a comunicação que mal havia começado.
No entanto, não houve a combinação
com
o amigo distante que foi insistente
em tentar manter o canal de comunicação aberto, de maneira que
16 anos depois em 1979,
na sua formatura no curso de medicina, o seu pai Generino Freire,
entregou em suas mãos umas cinco cartas, todas datadas de 1966,
cujo remetente era um jovem angolano,
com a seguinte pergunta
Você lembra de
“seu”
Ribinha?
Ele me entregou estas cartas há 16 anos.
A
roda do tempo foi girando e
um dia me tornei empregado
dos Correios. Em 2009 recebi a incumbência de organizar a inauguração da reforma da
Agência dos Correios de Pombal. Vi ali uma oportunidade de fazer uma homenagem aquele que em um tempo passado, assim como hoje
ainda o é, foi um exemplo de homem, pai de família e servidor publico dedicado, na minha pequena
cidade e que, para a atual geração que o ver passar na sua bicicleta “Monareta” mal sabe que um dia
“Seu” Ribinha fez história nas ruas de Pombal.
Consegui o seu telefone e liguei. Me identifiquei e pedi
para que ele comparecesse aos
Correios para
participar da entrega das
novas instalações
da Agência,
ele trabalhou boas parte da sia vida.
Seu Ribinha, sem muito entender disse que aceitava mas numa condição: que eu fizesse um crachá dos Correios para ele, pois
sentia a falta de um vínculo com a empresa: algo que o identificasse como empregado dos Correios de Pombal. Mas a minha surpresa e tributo ao velho Carteiro era
bem mais do que isso. No dia da entrega da Agência eu o anunciei aos convidados, como um exemplo de empregado dos Correios e o presenteei com uma placa em reconhecimento aos seus serviços prestados a nossa Empresa, mas para minha surpresa,
o que ele mais valorizou foi mesmo o crachá mostrando que o carinho dos empregados dos correios por aquela empresa transcende ao tempo.Recolher