O meu nome é Bruno Ramos e espero que essa história sirva de referência para quem acompanha meu trabalho. Minha história começa aonde começa todo ser humano, na mãe. Minha mãe é bem guerreira, ela fez o papel de mãe e pai em uma casa de cinco irmãos, quando minha casa ainda não tinha vir...Continuar leitura
O meu nome é Bruno Ramos e espero que essa história sirva de referência para quem acompanha meu trabalho. Minha história começa aonde começa todo ser humano, na mãe. Minha mãe é bem guerreira, ela fez o papel de mãe e pai em uma casa de cinco irmãos, quando minha casa ainda não tinha virado uma pensão nós éramos em sete elementos em casa, os cinco filhos, minha mãe e um rato, o Lester, que o saneamento na periferia é complicado, esgoto a céu aberto, esse rato que morou em casa até pegar as trouxas dele e se mandar pra outro canto.
Mas não pense que minha mãe não se preocupava com limpeza, ela lavava roupas para toda a comunidade, mesmo assim o que ela ganhava só dava para o aluguel, e por isso todas as roupas que chegavam para mim vinham dos meus irmãos, então eram bem grandes, no meu irmão caçula parecia coisa de palhaço. Eu olhava os outros meninos e não me sentia aceito pela minha roupa, tinha vergonha de dizer que minha mãe era doméstica, de ter pouca coisa em casa também, então numa vontade de ter minhas próprias coisas eu comecei a trabalhar com sete anos de idade. E eu trabalhei em um lava – rápido, cuidando de carro, vendendo coisa no farol, minha mãe até tentou bloquear, mas daí que vinha também o meu pão de cada dia.
No pouco contato que tive com o meu pai, ele me passou parte da sua cultura: a pancadaria. Cultura bem viva na periferia, presente em várias brincadeiras como no “Saiô Maiô”, aonde quem leva bola debaixo das pernas toma porrada. A clássica brincadeira do “Polícia e Ladrão”, “Mãe da Mula”. Tem também “Mão Negra”, que se você se sentar sem pedir licença toma cascudo na cabeça, a periferia te ensina a se defender e a lutar pelo seu espaço. Então assim eu tinha aprendido a me defender e a me expressar com muita agressividade. Na escola precária que eu tive eu tocava o terror nas aulas, chegaram até a me nomear de líder negativo. Em uma dessas situações eu levei uma advertência, por não concordar muito eu rasguei ela ali mesmo, a diretora veio brigar comigo, e eu achei prudente foi dar umas porradas na diretora e depois quebrar umas coisas da escola, o que acarretou na minha expulsão do colégio.
Nesses tempos também o dinheiro que minha mãe ganhava ou pagava as contas de casa ou pagava o aluguel, pra gente não ser despejado ela optou por pagar o aluguel. Ficar sem luz em casa até que dava, mas sem água é complicado. No começo a comunidade foi solidária, eles faziam gambiarras para encher nossa caixa, mas isso com o tempo estressava as pessoas, imagina ficar seis meses indo no vizinho pedir água pra encher panela, pedir água pra tomar banho, pedir água pra lavar roupa. E lavar roupa também era a fonte de renda da minha mãe, ou seja, essa fonte estava secando e no momento em que a barriga começou a doer de fome eu entrei para o mundo do crime.
O crime, no caso pequenos furtos, foi muito importante na minha formação, pois ele me ensinou a ficar atento ao que estava ao meu redor, aprender o valor da lealdade, enxergar as intenções das pessoas, ele também fez o papel de pai para mim, o pai que eu não tive na vida acabou sendo o crime, espaço além é claro de colocar comida na minha casa. Lá eu não podia errar, eu já vi muitas vezes, na minha frente mesmo, quem errar pagar com a própria vida. Eu nunca deixei os meus irmãos chegarem perto disso. Eu não tinha medo da morte, tinha medo do que minha mãe poderia pensar ao me ver envolvido nisso. E no momento em que eu senti a presença do satanás ali, eu me afastei.
Ao ser expulso da escola, eu fui para a Pastoral do Menor. Eles, quando perceberam o que estava acontecendo, fizeram o máximo que podiam para me profissionalizar. Eu, ao receber outro tipo de renda, me rendi desse mundo e sai do crime. Lá eu também tive contato com a arte, com o teatro, e nisso experimentei outras realidades, era muito bom sair da minha vida, sentir outras coisas, viver outras pessoas.
Dos meus 14 aos 24 anos
eu entregava pizza, primeiro de bicicleta e depois de moto. E isso era o que garantia a pizza de cada dia. Mas um belo, na verdade nem tão belo dia, eu tive um acidente de moto. Nesse acidente eu caí e tive três fraturas, duas expostas entre tantas outras questões que me deixaram seis meses de cama. E esses seis meses mudaram definitivamente a minha vida. Eu saquei que o meu tempo era precioso, e decidi me dedicar ao que realmente queria: a leitura. Nesses 6 seis meses li muito, vi muito documentário pra ver o que seria da minha vida, aí eu lembro que depois desses seis meses, eu levantei da cama, peguei o andador, me dirigi para a garagem, peguei as máquinas e comecei a trabalhar confecccionando as minhas próprias roupas para montar a minha marca.
Só que esse mercado é complicado, né? Muita concorrência também e pra me sustentar precisei fazer o papel de camelô de roupas piratas por um tempo, isso acabou se estruturando como o negócio da minha família, mas teve uma hora que a polícia começou a marcar o meu rosto e eu saquei que poderia ser preso e parti com tudo pra viver da minha marca. Consegui supervalorizar ela, muitos artistas de Funk queriam usar ela. E a “The Prize”, minha marca, acabou sendo conhecida e popularizada como a marca dos artistas. Desde o artista que está no palco até o artista que vai de pé no busão. Durante essas caminhadas foi que eu conheci o Marcelo Galático. O Marcelo Galático ele é produtor de grandes nomes do Funk, e ele teve a seguinte ideia: criar uma base que dê a formação artística para os Mcs de Funk. Eu topei na hora. Entre um ou dois anos depois ele me ligou no dia do meu aniversário, no auge das manifestações de 2013, e me perguntou se eu podia ir a Brasília para reuniões com movimentos sociais. Eu que sempre tive o sonho de ser aviador, agradeci a imensa oportunidade de voar de avião. Quando cheguei lá, fiquei realmente impressionado com o nível de articulação de alguns movimentos e mais ainda com o que me falaram, que a juventude do Funk era a mais importante naquele momento.
Eu voltei e a própria Liga do Funk tomou minha vida por completo, eu comecei a me dedicar mais a ela que a qualquer coisa. E ver muito todo o potencial que ela tinha. Porque o Funk era uma oportunidade enorme na favela. Era uma enorme alternativa ao tráfico. Que no futebol já era muito raro alguém estourar e no Funk não. O Mc da Leste era da rua da minha casa, assim como outros. Então a gente começou a passar a consciência de como eles estruturarem uma carreira depois que estourarem pra não sumirem. De como utilizarem a sua influência pra dar uma consciência política para o jovem. A de não passar uma imagem deturpada da mulher, e a de como respeitar a comunidade.
Uma dessas formas é o Território Funk, onde passamos acampados 3 a 4 três a quatro dias na comunidade, promovendo debates, oficinas, shows aonde acontece a troca direta com a comunidade. Essa também é uma forma de valorizar a periferia. Pois quando o gringo vai pro Rio de Janeiro, ele acaba subindo morro e conhece essa cultura, o mesmo tem que acontecer aqui em Sampa, a periferia, suas mazelas e suas janelas precisam ser enxergadas e valorizadas. A gente se reúne toda quarta-feira e tem aula de cantos de rimas, tem também a cadeira elétrica onde trazemos grandes nomes do Funk para se reunir com a molecada. E essa é a cadeira elétrica em que os jovens interrogam eles mesmo. Eu também sento na cadeira do Conselho Nacional de Juventude pra me mexer com a galera, que agora não ficamos sentados na cadeira esperando, estamos em movimento!Recolher