Projeto Conte Sua História
Depoimento de Gal Alves de Lima
Entrevistada por Carol Margiotte e Laura Garibaldi
São Paulo, 14/06/2018
Realização: Museu da Pessoa
PCSH_HV686_ Gal Alves de Lima
Transcrito por Márcia Rocha de Almeida
Revisado e editado por Viviane Aguiar
P/1 – Gal, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Muito obrigada por estar aqui com a gente hoje. É um prazer recebê-la.
R – Eu que agradeço.
P/1 – E, pra começar, seu nome completo.
R – Gracilene Alves de Lima.
P/1 – Local e data de nascimento.
R – 10 de novembro de 1968, Água Branca, Piauí.
P/1 – Graucilene?
R – Não, Gracilene.
P/1 – E a senhora sabe por que foi batizada como Gracilene?
R – Os meus pais contam que foi um irmão meu que escolheu esse nome, um dos meus irmãos.
P/1 – E não sabe como ele pensou nesse nome, Gal?
R – Não, não, porque eu vim de uma família de 11 irmãos, sete meninos e três meninas. E eu lembro que minha mãe falava que eu fui a caçula, a última, a raspa do tacho, como diz o outro (risos). Então, um dos meus irmãos que cuidavam de mim, ele ficava mais em casa e ele me dava banho. Na época, lá era bicicleta, que não tinha carro, andava de bicicleta. Ele que cuidava mais de mim do que a minha mãe. E foi ele que escolheu esse nome pra mim. Inclusive, esse meu irmão saiu de casa, eu tinha dois anos e meio e eu não conheço ele. Pra você ter ideia, se eu esbarrar com ele na rua aí, não sei quem é! Só tenho notícias que ele mora em Brasília. Mas hoje eu vou fazer, tenho 49 anos, e desde os meus dois anos e meio, eu não conheço ele. Só sei essa história que minha mãe falava. O nome dele é Severino, que ele que cuidava muito de mim. Eu era o xodozinho dele. E um dia ele discutiu com o meu pai – o pessoal antigamente era muito severo, né? E meu pai pegou e falou assim pra ele: “A porta da frente é a serventia da casa”. É a história que eu sei. E, desde então, ele saiu, sumiu e não deu mais notícia. E, às vezes, um outro irmão até chegou a saber onde ele morava, em várias cidadezinhas, e foi atrás. E, quando o meu irmão achava ele, ele mudava de lugar. Meus pais morreram, ele não quis saber. Até hoje. Hoje a gente sabe por alto que ele mora em Brasília, mas eu não conheço ele. Tem irmãos que já morreram também. Então, hoje eu tenho uma irmã que mora no Maranhão, um irmão também, a família é toda espalhada. E é isso.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – O meu pai é Andrelino Ferreira Lima, a minha mãe é Constantina Alves Feitosa. Já morreram também.
P/1 – E a senhora pode falar um pouquinho sobre eles? Como eles eram, o que eles faziam?
R – Então, meu pai sempre foi lavrador, e a minha mãe era costureira.
P/1 – Sabe como eles se conheceram?
R – Não. A minha mãe conta histórias, já chegou a contar história dela, que, como eles não tinham oportunidade – não tinha escola na época dela –, e ela contou várias histórias da vida dela, que tudo era difícil. Quando ela conheceu meu pai, aí teve uma festa e ela começou a dançar com o meu pai. E o pai dela era tão severo que não admitia isso daí. Porque os namoros, antigamente, você sabe como que era, né? Era a distância. Chegava e sentava, ficava o pai ou a mãe ou, então, um irmão vigiando. E ela me contou essa história uma vez, que eles dois começaram a dançar. O pai, quando viu isso aí, arrastou ela pela orelha, que rasgou a orelha dela, que não devia estar dançando com ele. Aí, resolveram, naqueles tempos lá, não era fugir, era roubar. Eles falaram assim: “Vou te roubar e a gente casa”. Ele roubou ela e casou (risos). Aí, casaram e continuaram a vida. E ela conta várias histórias da vida dela, que, por não ter condição, tudo era muito difícil naquela época. Ele, como lavrador, pra se alimentar, você tinha que plantar, colher. E, como ele plantava e colhia, tipo arroz, não tinha maquinário pra descascar o arroz, que fala na época, era a base de... Sei lá, eram uns paus lá, batia. O sal não era que nem hoje, sal era muito grosso, não era nem sal grosso igual hoje, tinha que moer o sal. O café tinha que ser colhido, tinha que ser torrado e moído. Água, ela conta que ela ia lavar roupa... Fala trouxa. Fazia uma trouxa de roupa. E houve uma ocasião de ela estar grávida, um dos meus irmãos pequenos e outro carregando no colo, mais a bacia de roupa na cabeça. E ia atrás de lagos, não é nem lagos, eles falam rios, pra lavar roupa. Então, ela saía cedo com um pequeno arrastando, outro aqui – vou falar as palavras de antigamente, né?
P/1 – Pode falar.
R – Ela fala assim: “Um arrastando na mão e o outro escanchado”, que é aqui, escanchado. E bacia de roupa na cabeça. E a gente ia procurar rios pra lavar a roupa. Quando chegava lá, ela estendia um lençol no chão, colocava o menorzinho pra dormir, o outro maior pra cuidar, e ela ia lavar roupa. Conclusão: o dia dela era esse pra lavar roupa. Voltava pra casa, quando chegava, tinha que cuidar da janta, que o meu pai já ia chegar. Ia pegar água na cacimba – chamava cacimba, antigamente, não era nem poço. Pra pegar água nessa cacimba, ela descia em degraus, porque eles furam um buraco pra achar água. Descia em degraus, pegava a água pra fazer a janta e já deixar água para o meu pai tomar banho, meus irmãos. E ela conta essa história, essa história dela. Aí, depois, quando eu nasci, já estava bem melhorzinho, a gente já morava numa casa melhorzinha. E o que eu lembro é isso daí.
P/1 – Mas, quando eles casaram, nunca mais eles voltaram a ter contato com os pais da sua mãe?
R – Então, eu lembro que eu só conheci a minha avó. A minha avó chegou até a morrer na casa da minha mãe. Eu não conheci meus avós da parte do meu pai e não conheci o avô da parte da minha mãe. Conheci só a minha avó, que o nome dela era Mariana.
P/1 – A senhora sabe o nome de todos?
R – Não, não sei.
P/1 – E onde vocês moravam?
R – Água Branca, Piauí.
P/1 – Que também é a cidade dos seus pais?
R – Não, os meus pais são de Crato, acho que é Maranhão.
P/1 – E a senhora sabe como que eles foram até Água Branca?
R – Não, aí não sei.
P/1 – E todos os filhos são de Água Branca?
R – Acredito que sim. Acho que só não os mais velhos.
P/1 – E, por ordem de nascimento, me fala o nome de todo mundo?
R – Ai, Jesus!
P/1 – (risos) Pode errar, não tem problema.
R – Deixa eu ver: Antônio, que morreu faz uns quatro meses. Era o Antônio... É tanto irmão! Antônio...
P/1 – Se não lembrar na ordem, não tem problema.
R – Na ordem, eu não vou lembrar mesmo. Porque eu saí de casa também muito cedo. Eu saí de casa acho que eu tinha 12 pra 13 anos. Como o pessoal lá do Nordeste, pelo menos antigamente era assim, saía atrás de trabalho, saía muito cedo de casa. Então, eu não vou lembrar o nome de todos os meus irmãos agora também por causa da emoção. Sei que eram Antônio, Francisco, Reizinha, a Graça, que também já morreu. Ai, Jesus... Roberval, este está vivo. Eu, que sou a Gracilene. Não vou lembrar dos outros.
P/1 – O Severino, né?
R – O Severino, que eu não conheço. São sete. Faltam três, quem são os outros três, Jesus?
P/1 – Não tem problema, a gente lembra depois, Gal.
R – Infância, todos nós temos, a gente não tem é brinquedo pra brincar, né? Então, até os meus dez anos, estudei. A partir dos dez anos, comecei a trabalhar de doméstica, cuidando de criança, babá. E teve uma época em que eu ia fazer 11 anos, comecei a trabalhar na casa de uma família que tinha quatro crianças. E eu dava conta dessas quatro crianças. Eu era tão pequenininha, que a dona da casa trabalhava também com roça, lavoura. Então, o marido dela ia para as lavouras, e ela ia junto também. Então, quando eu comecei a trabalhar com ela, eram quatro crianças. Eu chegava lá mais ou menos cinco e meia da manhã, e eles estavam dormindo. Ela estava dormindo ainda, porque ele levantava muito mais cedo pra ir pra roça. Eu fazia o café da manhã. Quando ela levantava, que ela ia cuidar das crianças pra levar na escola, eu já estava com o café pronto, já estava com a mesa posta pra ela tomar café e as crianças, e ela levar as crianças pra escola. Quando ela voltava, ela me dava instrução pra fazer almoço pra 11 pessoas trabalhando na roça. Isso, enquanto ela ia pra escola, eu tinha que varrer o terreiro – que se fala, na frente lá, fala terreiro. E quintal é quintal. Então, quando eu fazia isso aí, o café, e ela saía com as crianças, eu já varria o terreiro e já varria o quintal. Voltava pra cuidar, quando ela voltava, aí já me dava instrução pra fazer comida para os trabalhadores. Ela voltava 11 horas, eu já estava com esse almoço pronto pra ela levar para os trabalhadores dela na roça. E as camas arrumadas também. Eu lembro que eu era pequenininha. Acho que você viu as fotos lá, né?
P/1 – Sim.
R – Eu não era magra, não, era magérrima, sequinha! (risos) Aí, eu subia em cima da cama pra poder dobrar o lençol, porque eu não conseguia dobrar o lençol em pé. Pela altura, eu não conseguia. Eu subia em cima da cama e dobrava o lençol, arrumava as camas. Ela chegava: “Oh, faz isso para o almoço, lá, lá, lá. Tô indo na roça lá”. Ela ia e voltava, 11 horas estava pronta essa comida. Ela levava para os trabalhadores dela. Aí, enquanto isso, eu ia terminar, lavar a louça, terminar de dar uma geral na casa. E assim era meu dia. E eu lembro como se fosse hoje, que foi o meu primeiro emprego. E eu ganhava, vamos dizer hoje, metade de um salário mínimo. E estava próximo do Dia das Mães, e o que eu fiz com esse dinheiro? Esse dia, eu recebi, e o Dia das Mães era amanhã. Aí, eu saí de lá seis horas da tarde, peguei esse dinheirinho e falei assim: “Meu primeiro salário, vou comprar um presente pra minha mãe, que eu nunca dei”. Aliás, irmão nenhum, minha mãe não ganhava nada, que ninguém tinha condição. Ela fumava, eu fui numa mercearia, que fala, nessa época lá, comprei um maço de cigarro Classic, não sei se vocês conhecem (risos), que era o cigarro que ela fumava. E um joguinho de xícaras, com pires, porque, na minha casa, também não tinha isso. Então, foi o meu primeiro salário, eu fiz isso, comprei um presente pra minha mãe. E, quando eu cheguei em casa, já eram mais de sete horas da noite, ela já estava preocupada e brava. Já foi me dando, brigando. “Por que eu não chegava?”, não sei o quê. Eu falei: “Toma aqui, velha!”. (risos) Aí, já viu, né? Ela deu mais valor para o cigarro que para as próprias xícaras, porque ela fumava (risos). Aí, foi assim. A partir disso daí, eu vim pra São Paulo, com 12 anos, 12 pra 13 anos. Aí que começa minha história, né? Vim pra estudar, vim pra ajudar meu irmão, que já estava aqui em São Paulo, pra cuidar de um filho dele, que os dois trabalhavam. E eu sempre tive na cabeça: “Eu vou estudar, vou ser alguém na vida”. E já estava fazendo a sétima serie. Quando eu cheguei aqui, o primeiro dia, não sei... Ah, sei lá, é uma história que eu acho que o destino une as pessoas, sabe? Sabe a história da tampa e a panela, cada um é... O chinelo velho, essas coisas assim. Eu lembro que meu irmão morava nos fundos da casa do meu marido, meu não, ex, né? Quando eu cheguei esse dia, ele estava jogando bola na rua, uma turminha jogando bola na rua. Quando eu cheguei, quando eu entrei na casa, a irmã dele já veio de encontro. Falou assim, cheguei com o meu irmão, e ela falou assim: “Ah, você”’ – que ela fala errado também – “Ah, você que é irmã do Ruberval!”, que é Roberval, né? (risos) E já foi me abraçando, me beijando. Enquanto isso, a bola caiu dentro do quintal. Quem veio pegar a bola? Senhor Gilberto. O Senhor Gilberto correu, nem me viu. Correu lá, pegou a bola onde estava. A irmã dele chamava ele de Bé: “Bé, vem aqui conhecer a irmã do Ruberval”. Ele veio e, em vez de ele falar “muito prazer”... Sabe, moleque, né? Ele: “Meus parabéns, meus parabéns!”. (risos) Pegou a bola e foi jogar. Eu acho que Deus, sei lá, uniu a gente, porque não sei, acho que é alma gêmea, como fala. Porque eu vim do Piauí, nada a ver, ele vem do Paraná, morar em São Paulo, no Parque São Rafael, lá em São Mateus, e acontecer isso daí? Então, foi o meu primeiro namorado, meu primeiro tudo. Fiquei lá, cuidava do meu sobrinho e tinha uma sobrinha minha que trabalhava aqui em São Paulo, também de doméstica. Trabalhava na Casa Verde. E todo final de semana ela ia lá para o Parque São Rafael. E, quando tinha quermesse, a gente começou a ir pra quermesse. Ela toda adolescente, a gente começou a observar que naquela casa de cima tinha muitos rapazes, que a família dele também é grande. A minha sobrinha ficava: “Olhe lá!”, sabe? Tipo cinco horas, chegava e tinha uma escada assim, tinha uma janelinha que dava pra ver o pessoal subir. A gente começou a observar que tinha um monte de rapaz aí. Eu peguei, a gente começou a observar. E fomos na quermesse, via todo mundo. Teve um dia que ela pegou e falou assim: “Olha, aquele dali é mais bonitinho, vamos ver quem pega ele!”, que era o Gilberto. E, como eu morava lá, eu tinha mais oportunidade de ficar com ele do que ela. Fizemos tipo uma aposta. E na época era orelhão, ficha – uma ficha você falava um século! Tinha um orelhão próximo de casa, e toda vez que eu via ele, eu corria lá no orelhão. Eu falava: “Mariazinha” – o nome dela é Maria – “Mariazinha, olha, aquele gatinho lá, lá, lá”. Coisa de adolescente! Ficava a semana toda. Toda vez que eu via ele entrar no quintal, a gente ficava. Mas ela falava: “Não, mas eu vou pegar ele!”. “Não, ele é meu.” Eu sei que passou algum tempo, e ele, sei lá, não lembro como que foi, só sei que ele me pediu em namoro. Eu peguei e falei assim pra ele: “Mas como?”. Eu fiz amizade com a vizinha também, a vizinha, uma menina, eu falava assim: “O Gilberto é maior gatinho, né? E a gente fica se olhando, a gente fica paquerando”. Ela falou: “Mas você é boba, por que você não namora com ele?”. Eu falei: “Eu não!”. Foi quando ele me pediu em namoro. Eu fui lá contar pra ela: “O Gilberto me pediu em namoro”. Só que, quando ele me pediu em namoro, eu falei assim: “Preciso pensar. Não é assim, está pensando o quê?”. (risos) Ele falou: “Quanto tempo você precisa?”. Eu falei: “Ah, um mês, pra pensar se eu quero namorar com você”. Corri lá no orelhão e falei pra Mariazinha: “Olha, ele me pediu em namoro, não sei o quê, eu pedi um tempo pra pensar”. Corri na minha amiga que eu tinha feito amizade, a Andrea, e falei pra ela. Ela pegou e falou assim: “Você é boba? É o mais bonito da família, o mais gato! Um monte de menina querendo namorar com ele, e ele te pede em namoro e você não quer? Dá um mês ainda, com tanta menina atrás dele?”. Eu falei: “É que eu fui criada assim. E eu vim pra cá foi pra estudar, não pra namorar”. Ela falou: “Deixa de ser boba, fala logo!”. Eu peguei, fui na ideia dela porque a minha sobrinha também estava de olho nele (risos). Eu falei: “Tá, vamos logo resolver isso aí e ficar comigo logo!”. A gente se encontrou por acaso, e começamos o namoro uma semana depois que ele tinha me pedido em namoro. A gente começou a namorar e pelo menos eu, da minha índole, sei lá, não sei vocês, que são mais jovens. No meu tempo, a minha mãe, a minha educação, meus irmãos sempre falavam assim. Dos 11 para os 12 anos, já fiquei mocinha, com 12 anos, e na minha cidade lá, quando tinha as festividades, meu irmão, acho que nem lembro, sei que ele está comigo aqui em São Paulo. Ele falava assim: “Quando você for namorar, quando alguém se aproximar de você querendo ficar com você, não deixa pegar aquilo ali, pegar lá”. (risos) “Abraço, muito cuidado!” Ele que me orientava. Quando eu comecei a namorar com o Gilberto, não sei, é diferente na época de vocês, que é um tal do ficar. E na minha época não tinha nada disso. Pra você ver, pedia em namoro, ia pensar, pra depois dar resposta, lá, lá, lá. Então, quando a gente começou a namorar, não que a gente... Não tinha instrução igual hoje, eu não conversava com minha mãe sobre sexo, sobre nem mesmo minha primeira menstruação. Quando aconteceu minha primeira menstruação, eu tive que falar com ela porque eu acordei toda suja e eu não sabia o que era aquilo! Na minha época, também não tinha absorvente, não tinha essas coisas. O que minha mãe me orientou: “Olha, filha, isso está acontecendo porque você está ficando mocinha”. Vou falar...
P/1 – Pode falar tudo.
R – “A gente usa isso daqui”, que era tipo um pedaço de pano. Fica quieto aí, Ivanildo, não escuta isso! (risos) Ela pegou um pedaço. Sabe pano de chão hoje, que a gente limpa o chão? Na época, as pessoas usavam muito, até pra fazer roupa, isso daí. Então, ela pegou aquele pedaço de saco, que na época chamava saco de açúcar. Bem lavadinho, uns quadradinhos, e falou assim: “Acontece isso aí, você vai usando isso aí uns três dias. Você vai ter que ficar lavando, pegar e lavar, põe pra secar e fica trocando”. Porque, mesmo que tivesse absorvente na época, acho que até tinha, só que na minha cidade mesmo não tinha. É interior da capital e acho que nem na capital não tinha. Então, como ela me explicou, eu usava aquilo dali. Não tinha diálogo para falar mais coisa disso daí. Estou voltando a história de novo, né? E, quando a gente começou a namorar, começa, né? Abraça, beija gostoso, maravilhoso. Começa a querer pegar aqui, pegar ali. Eu sei que eu não deixava. O nosso namoro era mesmo namoro assim: beijo na boca e abraço mesmo. Mas, quando ele começava a passar a mão no seio, nessas coisas, eu não deixava. Sexo, a primeira vez, tentava de várias formas. Para você ter ideia, a primeira vez que ele pegou no meu seio, para mim foi assim, sei lá, o fim do mundo. Eu até chorei, porque eu lembrava do que o meu irmão falava. Mas foi liberando aos pouquinhos. Sexo? A gente transou pela primeira vez, foi onde eu engravidei, aí que vem a história da emoção. Eu engravidei com 17 e pouco, já ia para os 18. Eu fiquei grávida do meu filho. Ele trabalhava, e a família dele era bem tradicional, uma família que não aceitava esse tipo de coisa. Se a filha ficasse grávida, era capaz de... Era tudo certinho. Tinha que namorar, noivar. Se não pudesse comprar casa, tinha que alugar. Casar tudo bonitinho, fazer festa de noivado, fazer chá de cozinha. A família dele foi assim. Até então, que eu apareci nessa família, e por eu não ser da família, eu estraguei a família. Engravidei! Só que, na minha cabeça, quando eu falei para ele que estava grávida, ele em nenhum momento, ele não falou que não ia assumir. Só que ia passando o tempo, e eu falava para ele que eu não tinha vindo aqui para São Paulo para casar. “Eu vim para São Paulo para estudar, para ser alguém na vida e por que que tinha acontecido?” Eu não entendia porque que eu tinha engravidado, que foi a primeira vez que a gente teve relação. E eu não deixava, em nenhum momento, ele falar para ninguém. Ele falou: “Agora a gente vai ter que casar. Vou ter que falar para a minha mãe. Vou ter que falar com o meu pai”. E, como todos os irmãos trabalhavam, tinha que ajudar em casa. Então, chegou o momento que eu sempre: “Não, não, não quero casar, não vou casar, não vim para casar”. E a barriga. Você viu que eu era tão magrinha que ninguém percebia minha gravidez. E eu não deixava ele falar de forma alguma para ninguém. E o tempo foi passando. E na mesma época tinha uma irmã dele que estava noiva. Tudo certinha. Irmã não, irmão dele, certinho, namorou tudo bonitinho, fez chá de cozinha, alugou uma casa, comprou móveis, convidados, casamento na igreja, tudo certinho, civil. Virgem, sem ter relacionamento. Então, quer dizer que eu cheguei na família, estraguei a família. Só sei que eu estava mais ou menos de três para quatro meses, e ele falou: “Olha, não dá!”. E toda vez que ele tocava no assunto: “Eu vou ter que falar”. E eu fiquei muito enjoada, enjoei dele, a cara dele eu não podia nem ver. Quando ele vinha falar de casamento, eu falava: “Eu já falei para você que eu não vim para São Paulo para isso”. Eu queria estudar, sabe? Só sei que ele, de tanta pressão, ele pegou, ele mesmo falou. Chamou a família dele, e eu fiquei sabendo por alto. Até hoje eu não sei se é verdadeira essa história, que também a gente não chegou a conversar. Ele pegou, reuniu a família dele e falou que eu estava grávida. Não, não falou que eu estava grávida. Ele falou assim: “Eu vou ficar noivo com a Gal”. Quando falou assim, que ele ia ficar noivo comigo, uma das irmãs pegou e falou assim: “Você não vai ficar noivo dela, você não vai casar com ela”. E, no mesmo dia, esperou meu irmão chegar à noite, desceu lá embaixo e falou assim: “Você trate de mandar a sua irmã de volta para o Piauí, porque ela não vai casar com o meu irmão, porque ele merece coisa melhor”. Só que ninguém sabia que eu estava grávida. E o casamento do irmão dele andando, no mesmo mês. Conclusão: como ia sair um irmão da família, que já não ajudava mais nas despesas de casa, era menos um. O Gilberto casando, também ia ser menos um. Então, ele decidiu falar. Ele falou assim: “Eu vou ter que falar, porque não dá para eu ficar ajudando em casa, e como a gente vai casar? Como que a gente vai comprar nossos móveis e nossas coisas?”. De um lado, ele estava sendo supercorreto. Então, a indignação da família dele era porque ia ficar menos um para ajudar em casa. Quando falou que ele ia ficar noivo, e ninguém sabia de nada, ficaram indignados. Ela foi lá e falou para o meu irmão: “Você trate de mandar a Gal de volta para o Piauí, porque ela não vai casar com o meu irmão, porque ele merece coisa melhor”. Aí, tudo bem. O nosso noivado foi esse. Diferente de tudo. Uma das irmãs dele, a mais nova, ficou indignada porque falou assim: “Como pode? Na nossa família nunca aconteceu isso. Por que vocês fizeram isso?”. Isso quando a gente decidiu falar, né? Tudo bem. Ele falou que a gente ia ficar noivo. Já estou um pouquinho misturando.
P/1 – Fica tranquila.
R – A gente decidiu ficar noivo. O nosso noivado oficial foi esse porque os outros não, chamavam a família, aquela coisa toda. E nós não. Foi no supetão. Então, não fui aceita na família porque ele merecia coisa melhor. A partir do momento que ele ficou noivo comigo, ele não podia mais dar dinheiro em casa. O que a gente fez? Acho que vocês não vão lembrar também, era uma loja que fazia uma promoção assim: para quem vai casar, você compra os móveis, e eles guardam os móveis até três meses. Porque não tinha casa, essas coisas assim. Decidiu onde a pessoa ia morar. É um marketing eu acho de loja para vender móveis. A gente foi nessa loja, que na época era chamada Taurus, acho que nem existe mais, até um tempo atrás existia no Brás. Uma loja Taurus. Tinha essa promoção, sei lá: “Compre os móveis aqui, a gente guarda até três meses”. A gente ganhou um tempinho. Ele passou a comprar... Móveis não. A gente foi lá escolher os móveis. O que a gente pensou em comprar em primeiro lugar? Uma cama, um guarda-roupa e um armário de cozinha, que, na época, também é coisa bem simples, que chamava Kit. Era um armário, acho que vocês nem nunca viram falar disso. Era uma marca de móveis chamada Kit. Kit é um armarinho, quadradinho, com três portas em cima, um espaço, mais três portas embaixo. Então, aquilo dali chamava Kit. Então, foi nosso primeiro móvel. Um guarda-roupa, uma cama sem colchão, e o Kit, que é pra guardar mantimento na cozinha. Ele começou a pagar e parou de dar dinheiro em casa. Tinha que pagar os móveis. Foi passando o tempo, três meses. Nesses três meses, a gente tinha que casar e arrumar uma casa para morar. E a barriga crescendo e ninguém sem saber. Quando soube, quando decidiu mesmo... Nesse meio-termo, meu irmão conseguiu comprar um apartamento na cidade, onde que foi, meu Deus? José Bonifácio, Cohab [Conjunto Habitacional] 1. Meu irmão conseguiu comprar um apartamento, e a gente foi morar lá, nesse apartamento, de São Mateus para Cohab 2. Não era distante, era contramão, na época, porque os ônibus eram tudo contramão. Tanto que, para você ter uma ideia, do Parque São Rafael para Cohab 2, a gente pegava três conduções, porque era contramão. Tinha que descer em um lugar e ir para outro. Pegar outra condução, que vai para outro bairro até chegar lá. Então, eu fui morar nessa Cohab 2. E até então ninguém sabia da minha gravidez. E já estava se passando o tempo. E a gente, quando foi morar na Cohab 2, meu irmão trabalhava, ele era alfaiate e trabalhava na Galeria do Rock, numa loja lá no subsolo. Meu irmão decidiu que eu não ia mais ficar em casa cuidando do filho dele. Queria que eu trabalhasse com ele. Eu fui trabalhar com ele na Galeria do Rock. Então, o Gilberto, a gente só podia se ver no final de semana. A cada 15 dias, que ele folgava – porque ele trabalhava de ajudante de padeiro, não era nem padeiro. Ou seja, ganhava o mínimo dos mínimos. Depois, passou a trabalhar no balcão, lá na frente da padaria, fazendo lanche. Passou a ganhar um pouquinho mais. Eu fui para a Cohab 2, e grávida, sem saber. Meu irmão falou: “Você vai trabalhar comigo”. Eu ia. Quando começaram os enjoos mesmo, já estava de quatro meses, que ele chegava para me ver no final de semana, eu brigava com ele. Enjoei da cara dele. Não queria saber dele. Nisso, essa minha irmã, que já morreu também, estava morando com a gente. Teve um dia que eu briguei tanto com ele, que ele chegou – a nossa briga é que ele queria falar que eu estava grávida, para a gente casar logo. E eu não deixava. Não sei por quê. Não sei explicar o porquê. Porque, na minha cabeça, eu vim para São Paulo para estudar. Não para acontecer isso, para falar para os meus pais que eu estava grávida. Não era isso que eu queria para a minha vida. Ele pegou e, por decisão própria também, e essa última vez que a gente brigou, que eu pus ele para fora do apartamento, a minha irmã ouviu tudo, pegou e me deu um tapa e falou assim: “Você deixa de ser sem vergonha. Você acha que o rapaz honesto desse sai lá de São Mateus, pega três, quatro ônibus para vir te ver. Quando chega aqui é assim que você trata ele? Como é que você vai valorizar um rapaz desse, trabalhador, não sei o quê?”. Mas mal ela sabia... Ele foi embora. Ela falou assim: “Esse daí não volta nunca mais aqui”. Nesse dia, ele decidiu falar para a família. O que eu sei, que é por alto também, que eu não sei que é certeza, ele falou para a família que eu estava grávida. Isso eu já estava de oito meses. E eu era magríssima, magérrima, você pode olhar na foto aí. Usava uma roupa, acho que grávida eu estava assim, ninguém percebia. Eu passei a usar até umas camisas do meu irmão também para disfarçar, que eu ia trabalhar com ele. Passava mal. Antigamente, os ônibus eram lotados, hoje é lotado, mas antigamente era muito mais, filha, nossa! Quando ele decidiu falar para a família, todo mundo ficou horrorizado. E uma das irmãs dele, que é a mais nova, falou assim: “Como que poderia ter acontecido isso? Envergonhar a família?”, porque na família não acontecia nada disso. Não podia. “Por que vocês não esperaram para casar direito?”, igual o Dito, que é o irmão dele, que casou na igreja, de vestido de noiva. Só sei que foi uma indignação só na família. E não aceitavam. Não aceitavam de jeito nenhum, mesmo sabendo da gravidez, não aceitavam. Eu não sei se é verdade, que eu nunca perguntei para ele. Eu fiquei sabendo que ele falou assim: “Se eu não casar com ela, eu vou me matar”. Eu nunca cheguei a perguntar isso para ele. A gente nunca conversou. Eu fiquei sabendo que ele falou isso. Foi quando abriram mão e aceleraram o casamento. O pai dele falou: “Tem que casar, tem que casar. Não pode deixar a moça assim. Você tem que assumir”. Ele: “Mas eu nunca deixei de falar que ia assumir meu filho”. O pai dele deu a maior força para a gente, arrumou uma casa, uma casa de dois cômodos, lá mesmo no Parque São Rafael. E, na época, dois cômodos, ninguém alugava para quem tinha filho. Nos fundos da casa da pessoa. Estava lá no contrato. Foi bem conversado que não poderia ter filhos mais, porque o marido da mulher trabalhava à noite. Ela foi bem clara: “A gente não aluga para quem tem filhos. Meu marido trabalha à noite e, se tivesse criança, ia fazer barulho e meu marido dorme de dia”. “Não, a gente vai casar agora, como que eu vou ter filho? Não tem filho.” Escondemos isso da mulher também. Conclusão. Móveis: guarda-roupas, uma cama sem colchão e uma Kit. Não tinha fogão, não tinha geladeira, não tinha botijão de gás, não tinha nada. Esse irmão dele que casou, tudo o que eles ganharam em dobro deu para a gente: louças, talheres, essas coisas que ganham em dobro, que era repetido, eles deram para a gente. Menos mal. Nos dias de ganhar, e a dona da casa não sabia que eu estava grávida porque não podia, a gente comprou 40 fraldas de pano, que a gente... Já tinha fralda descartável, mas a gente não tinha dinheiro para comprar. Eu comprei 40 fraldas de pano e tinha que lavar. Ganhei duas roupinhas usadas da minha cunhada, de filho do meu irmão. “Tem que lavar essas fraldas. E como eu vou lavar, se a mulher não sabe que tem um filho?” A gente escondeu isso dela até a última hora. E não tinha. Não tinha. Minha cunhada pegou e comprou um colchão. Na época – é que vocês também não sabem nada disso –, um colchão de palha. Colchão de mola, mas o recheio dele é palha. Não é espuma, né? Veio aquele colchão, colocou em cima da cama lá, e o colchão era assim. Fazia assim uma volta. Eu lembro como se fosse hoje. “Esse é o meu presente de casamento para vocês, de acordo com a noiva”, porque a noiva já estava barriguda (risos). Aquele colchão, que é alto assim no meio. Ela falou: “Ah, vai usando e vai baixando”. Uma outra deu o botijão de gás, e nessa época também teve uma crise de eletrodoméstico, que não tinha, sumiram com os eletrodomésticos. Acho que vocês não lembram, mas, se vocês pesquisarem, vocês vão ver que teve uma época, final de 1986 mesmo, teve uma crise que ninguém achava geladeira, essas coisas para comprar. Eu não sei explicar por quê. Eu não lembro também. A gente mudou lá para casa, não tinha geladeira, não tinha fogão. Alguém deu o fogão, minha outra cunhada deu o botijão, a outra deu o colchão. E roupa para o neném? Quarenta fraldas de pano. Não podia lavar porque não podia pôr lá fora para secar, porque a dona da casa ia ver. Duas roupinhas usadas. E, quando a gente conseguiu essa casa, ele conseguiu arrumar um emprego melhor, que foi na Santista, também não sei se vocês lembram. Moinhos Santista, uma fábrica de tecido. Deus abençoou que ele foi trabalhar nessa fábrica. Passou a ganhar um pouquinho mais de dinheiro também. E começou a trabalhar à noite também. E eu, trabalhando com o meu irmão. Então, levantava cedinho. Não, minto! É, trabalhava com meu irmão. Às vezes, tinha dia que eu me encontrava com ele no portão. Ele estava chegando para dormir, e eu estava saindo para trabalhar. Aí, menina, chegando os dias do nenê nascer, o meu pré-natal já foi bem no final também. Não fiz pré-natal porque era tudo escondido, não tinha como. Parei de trabalhar nos dias de o nenê nascer. O meu sogro era uma pessoa muito generosa, que já morreu também. Meu sogro e minha sogra. Teve um dia, ele me chamava de Fia, ele falou assim: “Fia!”. Não sei se vocês sabem também um parque ali na Jacu Pêssego, chama Aquarius, é um parque bem antigo, que vende flores, peixes, essas coisas. Ele falou: “Fia, vamos no Aquarius, comprar umas plantas para você pôr nessa casa?”. Um sábado. Eu falei assim: “Ah, vamos!”. A gente marcou direitinho. O Gilberto ia sair do serviço tal hora, a gente marcou um lugar para a gente se encontrar, os três, para ir para esse Aquarius comprar plantas. Antes disso, eu fui na feira, peguei o carrinho, fui na feira comprar alguma coisa e comecei a sentir umas dores. Mas eu também não sabia de nada. Sentia uma dor nas costas, umas cólicas, mas até então para mim era normal. E arrastando aquele carrinho na feira, encontrei com uma pessoa que ficou conversando comigo: “Está tudo bem?”. E eu, sentindo umas dores, mas não sabia explicar. E eu ficando tudo vermelha. Comecei a ficar vermelha. “Você está bem?” Eu falei: “Não. Está tudo bem. Deixa eu ir embora”. E fui para casa. Quando eu cheguei em casa, que coloquei o carrinho dentro de casa, senti as dores muito mais fortes. A dona da casa, mesmo lá, ela veio e viu que eu estava passando mal. “O que é que foi, o que é que foi?” Eu falei: “Eu não sei, eu não sei, me leva para o hospital”. E ninguém tinha telefone. Não tinha celular. Não tinha telefone fixo. Não tinha nada disso essa época. Ela mesma deu um jeito. Chamou um carro, me levou para o hospital. Nem sabia que eu ia ganhar neném. Não tinha lavado as fraldas do neném. E só tinha duas roupinhas já usadas. Ela mesma chamou um carro do vizinho lá. E mandou alguém avisar na casa da minha sogra. E, enquanto isso, meu sogro já tinha ido para o encontro, que a gente tinha marcado um lugar para se encontrar. O meu sogro, Gilberto e eu, para ir nesse Aquarius. Está lá o meu sogro, esperando o Gilberto, o Gilberto chega no local, e eu não chegava. E eu, indo para o hospital, porque não tinha comunicação. Qual foi a nossa comunicação? Ela me levou para o hospital, e alguém foi na casa na minha sogra, que era pouco distante, vamos dizer que, sei lá, seis quilômetros, eu acho. Ela mandou alguém: “Avisa lá que a Gal está passando mal, estou levando ela para o hospital”. E não sabia que era neném. Alguém avisou na casa da minha sogra. Quando alguém chegou lá: “Ah, mais o pai...” – deve ter sido a Maura, sei lá – “O pai está esperando ela lá não sei onde, o Gilberto também”. Vai até alguém pegar um ônibus, ir até o local lá para avisar para os dois que eu estava no hospital, demorou o quê? Umas duas, três horas. Nisso, eu estava lá no hospital. Ela me deixou lá no hospital e eu fiquei lá, andando para lá e para cá, sentindo as dores. Só que o médico já sabia que era gravidez, que já ia nascer o neném. Mas a dona da casa veio saber esse dia.
P/1 – Nossa!
R – Sei que me contaram depois que, quando o Gilberto soube, se encontrou com o pai dele lá e foi alguém ao encontro dos dois falar que eu tinha ido para o hospital ganhar nenê. Ele ficou desesperado, não sabia o que fazer, porque a primeira coisa que ele pensou foi na roupa do neném. Não tinha berço, não tinha roupinha, não tinha nada. Diz que eles pegaram o ônibus, desesperados. Conversou com uma das irmãs dele. Antigamente, as pessoas confiavam muito, compravam as coisas, não precisavam de muita coisa. Então, eles foram numa loja que confiavam, a família conhecia. Essa irmã dele comprou o berço, comprou algumas coisinhas, e não deu tempo de comprar a roupa ainda. Providenciou o berço. Levou o berço. Montaram o berço, e ele ficou correndo, e eu sozinha lá no hospital. Quando nasceu, ele foi lá ver o neném. Estava o quê? Sem roupa, embrulhado no cobertorzinho de hospital. Depois, me contaram também, todo mundo, que foi de cortar o coração porque na família não tinha isso também. Quando uma ficava grávida, fazia chá de bebê, todo mundo ajudava. Então, acabei que eu esculhambei a família toda (risos). Quando ele chegou lá, viu o filho dele daquela forma. A família toda, quando viu, ficou todo mundo revoltado. Todo mundo procurou ajudar. Foram no Brás, compraram roupinha nova, saída de hospital. Eu vim para casa. Passaram-se os anos, eu fui morar na... A gente conseguiu comprar um terreno, com um amigo, dividimos o terreno no meio. E eu morava no Parque São Rafael e nos finais de semana ele saía, ele ia lá construir a casa. Comprou o terreno, dois amigos, e dividiu o terreno no meio. Ele falou: “O que a gente pode estar fazendo? A gente vai de final de semana, eu ajudo você a construir sua casa e depois você ajuda a minha”. Assim fizeram. E eu tinha que fazer comida e levar para eles lá. Então, na hora que ele saía, de manhã cedo no sábado, que ele não trabalhava, e no domingo, eu cuidava de fazer comida e pegava três ônibus para chegar lá. Não é que eram distantes os lugares. Eram os ônibus que eram. Tinha que ir no Terminal São Mateus, Terminal São Mateus tinha que pegar outro. E fora o que você tinha que andar a pé. O que eu fazia? Ele saía para fazer um cômodo para a gente morar, ele e o amigo dele, fizeram um cômodo de um lado e depois fizeram um cômodo do outro, para o outro amigo. E eu já levantava e já ia cuidar do almoço, fazia o básico, comida básica: arroz, feijão, bife e prato. Às vezes, chamava as pessoas para ajudar, um irmão, quem pudesse ajudar. Às vezes, tinha três, quatro pessoas ajudando. Então, eu levava o prato, colher, numa sacola, e a panela cheia de arroz, e a panela cheia de feijão. Não tinha negócio de marmita, essas coisas, não tinha. Então, eu já levava numa vasilha só os dois, arroz, feijão, bife e pratos para todo mundo. Então, colocava numa sacola e meu filho pequenininho. Pegava três conduções para chegar lá na Terceira Divisão, não tinha dinheiro para pagar a condução dele. Ele passava por baixo, pequenininho, ou passava por baixo, ou eu colocava ele aqui na minha frente e empurrava a catraca para passar. Assim, a gente começou a construir a nossa primeira casa. A gente fez dois cômodos, e a gente foi morar lá. Até eu te mostrei as fotos dele lá, com sete anos de idade. Ele, meu marido também passou a trabalhar em outra empresa. Saiu do Moinho Santista e foi trabalhar na Liquigás, distribuidora de gás, que um cunhado dele chamou. Ele foi trabalhar na distribuição de gás, e a gente fez esses dois cômodos, passou a morar em dois cômodos. E na época o gás, eu lembro, o gás era dois reais e dez. Era muito barato. Eu tenho fotos de faixas que a gente colocou em depósitos, dois reais e 60. E nessa época teve um, vocês não vão lembrar também, é um negócio de URV [Unidade Real de Valor], sei lá. Pegava o dinheiro e trocava por URV, e as pessoas ganhavam mais dinheiro. E o gás era assim. Aumentava praticamente todo dia: dez centavos, o que fosse, mas aumentava, tipo uma semana, a cada 15 dias aumentava. Então, a gente ganhava muito dinheiro. E, quando ele trabalhava, começou como ajudante de caminhão de gás, ele ganhava muita caixinha. Ele chegava a tirar de caixinha mais do que o salário dele. Foi onde a gente conseguiu construir uma bela de uma casa, dez cômodos. E meu filho já tinha quatro anos nessa época, na Terceira Divisão. Ele nunca deixou eu trabalhar, e eu sempre fui de querer trabalhar, trabalhar. E chegou um dia que a irmã dele trabalhava de faxineira diarista. Eu peguei e falei para ela: “Eu quero trabalhar, pode arrumar uma faxina para mim”. E ele não deixava. Quando ela arrumou uma faxina para mim, eu peguei e falei: “Eu vou!”. O moleque já era grandinho. E naquela época não tinha tanta violência igual hoje. Eu arrumei a vizinha do lado e falei: “Vou ter que trabalhar amanhã. O Gilberto não sabe, e ele está no prezinho, na rua de baixo. Então, o que que eu quero que você faça: você vai lá de manhã, ajuda ele, tipo oito horas da manhã” – porque, quatro horas da manhã, eu já estava indo trabalhar. Ele saía, na hora que ele saía, quatro horas da manhã, eu já levantava e já ia também. Foi a primeira vez que eu trabalhei depois que eu casei, porque ele não deixava. Combinei com a menina direitinho. E assim a menina fez. Falei: “Oito horas, você vai lá, ajuda ele tomar café. E ele mesmo vai para a escolinha dele sozinho, que era na rua de baixo, era só descer a rua, já estava na escolinha dele. E, quando ele voltar, você ajuda ele a entrar também. Tranca o portão e pode deixar ele em casa sozinho”. E assim eu fiz. Fui trabalhar sem ele saber. Primeira faxina da minha vida, como faxineira diarista, uma casa de dez cômodos. Em Santo André. Era uma mansão. Quando eu cheguei nessa casa, para mim foi moleza. Eu levantei praticamente na mesma hora que ele levantou e fui trabalhar. Cheguei lá oito horas. Das quatro e meia da manhã, para chegar no serviço oito horas, imagina quanto que eu não andei, quantas conduções, quanto que eu não andei a pé. Cheguei lá na casa da mulher, ela me explicou como fazia, minha cunhada também já tinha explicado, porque ela tinha trabalhado lá. E rapidinho eu limpei a casa, e porque casa de rico não é tão difícil assim. Limpei a casa das oito, umas três e meia eu já tinha terminado e ia embora. Foi a minha primeira faxina. Fiquei mais ou menos três semanas. Uma vez por semana nessa casa, sem ele saber. Chegou uma hora que não dava mais. Eu falei: “Oh, a Isolina arrumou uma faxina para mim e eu estou trabalhando”. “Você é louca? E o Harold vai ficar com quem? Que você está fazendo com o menino? O menino fica sozinho?” Falei: “Não. Arrumei a menina aqui do lado, e ela vem ajudar ele a levar para a escola e depois deixa ele aí dentro”. E instruía ele: não mexe no fogão, essas coisas. Não deixava ele mexer no fogão, com medo. Trancar o portão, tudo certinho. Fui contra a vontade dele. A gente foi indo, foi indo, comecei a trabalhar de faxineira diarista a semana toda. Quando ele viu que o meu dinheiro, o salário dele, mais as caixinhas, a gente estava conseguindo já construir a parte de cima da casa. Chegava quatro horas da tarde – no verão as tardes são claras –, ele falava assim: “Amanhã, na hora, quando eu chegar, a gente vai encher as colunas. Então, você peneira a areia, coloca lá, faz tudo devagarzinho”. Eu fazia. Quando ele chegava, quatro horas, quatro e meia da tarde, a areia que ele pedia para peneirar já estava peneirada, o cal e tudo certinho. E, quando ele chegava, eu segurava a mangueira para molhar aquela massa lá, e ele enchia as colunas e assim a gente construiu uma casa. Quando o paredão estava tão alto, porque era um terreno em declive que fala. Declive? Aclive é para cima, né? O paredão era tão alto, que estava seis metros o paredão, do terreno. Nós dois. Só nós dois. A partir do momento que a gente começou a construir a parte de cima, a história era eu e ele. Que aí o amigo dele fazia a mesma coisa, ao mesmo tempo, do outro lado. Ele chegava, já tinha providenciado tudo isso daí. Ele fez um andaime, colocou uma roldana, e eu não aguentava muito, colocava duas pás de cimento que ele mexia, porque eu não aguentava mexer também, colocava duas pás numa lata e eu puxava. Ele levava lá para cima. Enchia as colunas. Outro sábado, rebocava a parede. Eu preparava tudo antes, os mais leves, e ele fazia os mais pesados. Subia, puxava porque fica leve. Puxando, ele enchia o negócio lá para colocar na parede. Eu subia para ajudar ele. Eu jogava massa na parede. Enquanto eu jogava massa na parede, ele estava do outro lado, que eu já tinha jogado, ele ia lá acertar, alisar com aqueles negócios lá de pedreiro. Aquele pau lá que eu não sei como é que chama. A gente fazia isso aí. Conclusão: eu sei que a gente conseguiu construir uma casa de dez cômodos, boa, com acabamento. Com o meu dinheiro de faxineira e mais as caixinhas e o salário dele. Foi onde apareceu a oportunidade dele, a Liquigás queria terceirizar o gás. Ele pediu a conta, chamou o cunhado dele para montar um depósito. A gente conseguiu montar um depósito, e começou com um depósito. E não tinha caminhão, não tinha carro, a gente não tinha nada. Eu morava na Terceira Divisão. Pra chegar em Guaianazes, era também um transtorno, que era tudo contramão. Os ônibus eram muito poucos. Então, você tinha que pegar um ônibus até um certo lugar, descer, pegar outro. A gente começou com esse depósito, não tinha botijão nenhum. O que é que ele fez? Ele comprou dez botijões de gás vazios, de um amigo. Nessa época, já tinha perua também, de transporte. O amigo pegou esses dez botijões, levou até o depósito, e a gente começou um negócio com dez botijões. Em Guaianazes. Passou-se algum tempo, apareceu a oportunidade de fazer mais um depósito. Não dava mais para ele tomar conta sozinho. Eu tinha que ir junto. Ele chegou em mim e falou: “Eu tenho que abrir um depósito, e não tem”. O Nivaldo, que é cunhado dele, que era sócio dele, tinha que ficar num depósito e ele noutro. E no começo não tem como pagar ninguém, então, tínhamos que ser nós mesmos, né? Ele falou: “A gente vai ter que morar num desses depósitos, porque o Nivaldo vai tomar conta de um e a gente vai ter que tomar conta de outro”. Eu falei: “Eu vou!”. Eu parei de trabalhar de faxineira diarista e fui morar nesse depósito na Cidade Tiradentes. Dois cômodos. Dois cômodos, chão rústico, aquela telha Brasilit, as paredes não tinham reboco, era só bloco, banheiro também. Não tinha nada. Eu peguei o mínimo, geladeira, só coisa básica da minha casa. Enquanto a minha casa ficou linda, maravilhosa, toda acabadinha, com piso do melhor, na época era Portinari, que fala, um dos melhores pisos. Larguei a minha casa para lá e fui morar nesses dois cômodos. Eu, ele e meu filho. Eram dois cômodos. Meu filho dormia com a gente num quarto. Eu peguei e falei assim para ele: “Eu vou. Eu largo o meu serviço se você arrumar alguma coisa para eu fazer”, que o meu sonho também era ter uma bombonière. Eu peguei e falei para ele: “Se você arrumar um lugar, nem que seja uma barraquinha lá na frente...”. Isso ele já tinha ido me levar lá para ver o depósito, os dois cômodos. Falei: “Largo o meu serviço, mas você tem que me fazer pelo menos uma barraquinha para eu poder ficar trabalhando aqui, porque eu não vou ficar sem fazer nada. Não consigo”. Como eu já tinha visto lá o local, era passagem de muito pedestre, tinha uma escola na rua de cima. Ele pegou e falou assim: “Não, pode ficar tranquila. A gente faz uma barraquinha aqui para você”. “Então, tá.” O dono do terreno era uma pessoa também muito generosa, muito boa. Ele conversou com ele e falou: “A Gal quer que eu faça alguma coisa, uma barraca aqui na frente para ela trabalhar, você deixa?”. “Não, Gilberto, faz o que você quiser”. “Então, posso pegar cinco metros do canto do terreno e fazer uma bombonière para ela?” “Pode.” Ele fez, ele mesmo. De bloco, levantou. Cinco, do tamanho de uma garagem. Pegou 150 reais, foi no Brás. Essa loja ainda existe lá no Brás, chamada Manos. De ônibus, foi lá, comprou 150 reais de doce, salgadinho. E meu irmão, como trabalhava na Galeria do Rock, fechou a loja dele, que era de roupa, e tinha deixado algumas prateleiras em casa, de montar, que são uns quadradinhos que você monta, uns nichos. Só que eram umas gradinhas de ferro. Ele me deu essas, para a gente fazer um balcão. A gente fez um balcão, colocou os doces ali e a roleta do gás do lado. Saía na porta aqui. Se aparecesse um cliente para comprar o gás, eu atendia. Ele comprou 150 reais de doce, e começamos assim. Primeiro dia que eu abri esse negócio, meu primeiro cliente: chegou um cara bêbado, caindo aos pedaços, entrou na bombonière. Olhou e falou assim: “Moça, eu quero gibi”. Bêbado! Sabe bêbado, bêbado, bêbado? “Moça, eu quero gibi.” Gibi, na minha terra, é revistinha de quadrinhos. Não sei se vocês sabem disso também. Na minha terra, lá no Piauí, era gibi. Eu conhecia como gibi. E aqui em São Paulo, gibi, lá na Cidade Tiradentes, era doce de amendoim. E o cara estava muito bêbado, falou assim: “Me dá um gibi”. Eu falei: “Moço, eu não tenho gibi. A banca de jornal é do outro lado” (risos). Ele: “Mas eu quero gibi”. “Moço, aqui eu só vendo doce, não tem gibi, a banca de jornal é lá embaixo.” Ele apontou para o doce, que eu vi que gibi era isso daí. Dei o doce para ele. Acho que eram cinco centavos, sei lá. Foi meu primeiro dinheiro do caixa. Só sei que foi um negócio que deu certo que aí, como era passagem de muita criança, então, as crianças compravam. Dez centavos, cinco centavos, dois centavos. Aliás, até hoje, uma bala acho que custa dois centavos. Você paga dois centavos numa bala e vende três por dez. Está ganhando. Ninguém vê isso daí. Eu comecei vendendo doces nesse lugar. E o pessoal começou a pedir coisa. “Ah, traz isso. Ah, traz aquilo.” E a gente foi trazendo. “Ah, por que você não põe sorvete?” A gente viu que estava dando, e ele ia trabalhar e, à tarde, ele ia no outro depósito também. Quando a gente viu que o negócio estava dando mesmo: “Ah, vamos comprar um freezer”. E ele sempre foi assim, doido! E ele foi sempre de falar assim: “Ah, vamos comprar um carro?”. “Vamos!” Não pensava se tinha dinheiro ou não. Então, como a gente já estava com dois depósitos, e ele é uma pessoa assim. Ele não é um bom administrador. Ele trabalha com o bruto. Sempre trabalhou com o bruto. Ele nunca trabalhou com lucro. E homens, os homens em geral são machistas. Quando você tem uma esposa, às vezes, você tem que ouvir ela. Então, ele nunca foi de ouvir. Se falar assim: “Ah, vamos comprar isso?”. Se eu falasse assim: “Eu acho que não tem necessidade de a gente comprar isso, não precisa comprar isso agora, vamos deixar para comprar depois”. Ele só comunicava. Nunca quis saber da minha opinião e se era certo ou não. Então, ele metia a cara e comprava, usando o bruto do dinheiro. Ele não separava nada. Só que nessa época decidiu comprar um freezer para vender sorvete, que o pessoal estava pedindo muito. A gente comprou o freezer, parece que foi nas Casas Bahia. As Casas Bahia entregavam em três dias. Ele falou assim: “Ah, entrega em três dias, então, a gente comprou hoje, daqui a três dias, a gente começa a vender sorvete”. “Ah, o freezer vai chegar tal hora.” Ele correu numa distribuidora de sorvete e comprou o sorvete. Chegou os três dias, cadê o freezer? Não chegou o freezer. Atrasou. E a gente ia acumular cem sorvetes de palito onde? Na nossa geladeira não coube. A gente enfiou lá de qualquer jeito. Perdemos metade. “Ah, o freezer vai chegar.” Mesmo assim, chegando o freezer, você não pode chegar e já ligar. Ele não media. Ele queria fazer e fazia e pronto. A gente perdeu um pouco desse sorvete, porque tinha que ligar o freezer, esperar a carga lá do freezer. E no outro dia a gente começou a vender sorvete. E foi crescendo o negócio, e a gente prosperou tanto que estava dando, meu negócio, minha bombonière estava dando mais que o gás. Eu cheguei até a pegar do nosso dinheiro para pagar coisa do gás. Pegar emprestado para pagar boleto do gás. Foi prosperando tanto que ele conversou novamente com o proprietário do terreno, que tinha mais um terreno do lado, e falou assim: “Olha, não cabe mais. O pessoal está pedindo mais coisa. Não tem uma cadeira, não tem uma mesinha para o pessoal sentar. Você não deixaria a gente construir do outro lado ali, a gente paga aluguel”, que ali a gente não pagava. O dono do terreno pegou e falou: “Não, Gilberto, pode fazer. Vai lá, constrói, você fica um ano e depois você começa a pagar aluguel”. Ele meteu as caras. Eu falei do meu irmão, que era pedreiro. E que poderia estar vindo fazer isso para a gente, que ia ser mais barato do que a gente contratar alguém aqui. A gente arrumou o dinheiro da passagem e mandou o meu irmão vir. Meu irmão veio e fez essa construção do lado. Bem maiorzinho. Um espaço maior. A gente comprou freezer, mais freezer, enchemos mais de coisas. Cada vez mais, prosperando cada vez mais. E, não satisfeito, e o sonho dele era ter uma padaria. Não satisfeito, ele falou assim: “Ah, vamos, já que está dando o negócio, vamos fazer uma padaria”. Falei: “Gilberto, mas está bom assim”. E, quando a gente passou para esse salão, não dava mais conta de atender sozinha. Porque era muito mais gente, tinha que contratar uma pessoa. Conversando com uma, não é cliente, é freguês, ela falou assim: “Eu vou te arrumar uma menina muito boa, para trabalhar com você”. Arrumou essa menina. Essa menina começou a trabalhar comigo. Ela falou: “Os pais dela são evangélicos, então, vai trabalhar com você”. A menina começou a trabalhar comigo. Aí, eu engravidei. E a menina continuou trabalhando comigo. E a gente não dava mais conta. Tinha que contratar mais uma pessoa por causa da Elaine. Quando chegou, como a menina trabalhava comigo, alguém precisava cuidar da Elaine. Apesar que a Elaine foi assim. Desde a minha barriga, ela era tão querida por todos, que os cômodos que a gente morava lá eram assim: você entrava no quarto, tinha um guarda-roupa aqui, a cama aqui, o berço dela aqui, não tinha mais espaço para nada. O dia que ela nasceu, como eu já tinha essa sorveteria, era muita criança que passava por ali. Todos adoravam a minha barriga, passavam a mão na minha barriga, queriam porque queriam. Quando ela nasceu, foram lá ver ela. Conclusão: eu comprei uma saída de hospital para ela – também não sei se vocês sabem disso, que é uma coisa muito comum comprar uma saída de hospital. E na caixinha tinha uma foto de uma menininha. Só sei que eu pus a roupinha nela e pus ela na cama, e as crianças queriam porque queriam ver ela. Acho que umas dez crianças. Entraram, e a caixinha ficou assim, na cama. As crianças em volta da cama e ficavam adorando a Elaine. Adorando a Elaine. Uma falou assim: “Oh, tia, por que que ela está na caixinha?”. Porque era igualzinha. Bem fofinha. Aquelas bochechonas. E eu também, quando eu fiquei grávida da Elaine também, depois do primeiro, eu me planejei, eu falei: “Eu só quero ficar grávida quando o meu filho tiver 15 anos”. Só que a Elaine veio sem ser planejada também. Mesmo eu tomando anticoncepcional. Sabe, as “bencinhas” dos homens de vez em quando falam: “Não, vamos fazer sem!”. Eu sei que eu parei de tomar o anticoncepcional, para descansar o organismo, passei no ginecologista: “Ah, fica sem tomar um mês”. Começa a usar preservativo. “Ah, não, vamos fazer sem. É ruim.” Homem, né, homens! Foi aí que aconteceu a Dona Elaine. Fiquei grávida da Elaine. Aí, a gente ficava, eu não queria saber o sexo. Eu falei: “Eu não quero saber!”, que eu tinha certeza que era uma menina. Eu ficava assim: “Deus!”. Eu converso com Deus 24 horas por dia. Eu ficava assim, quando estava grávida dela. Toda criança que entrava na bombonière, eu falava assim: “Deus, eu quero uma menininha de olho azul. Loirinha de olho azul”. Eu ficava. Toda criança que entrava, eu pegava no colo e olhava no olho daquela criança: “Minha filha vai ser assim. Quero minha filha assim”. Eu falava para Deus. E o pai dela falava: “Eu quero ela bochechuda. As bochechonas para eu morder” (risos). Quando ela nasceu, que eu tive que contratar essa menina, essa menina falou assim: “Minha irmã está sem fazer nada, se você quiser, ela pode te ajudar a cuidar da Elaine”. Eu e essa menina trabalhávamos na bombonière, e o Gilberto no gás. Só que a Elaine foi criada ali, dentro do comércio. Então, amamentava ela ali, sentava para amamentar ela, colocava no carrinho, chegavam os fregueses lá, pegavam ela no colo, para lá e para cá. Conheci uma moça que tinha, acho que terreiro de macumba que fala. Negócio de macumba, do lado. A minha sorveteria na esquina, tinha a viela para a rua de baixo, e ela do outro lado. Centro espírita. Essa moça começou a ir lá na bombonière, que já era sorveteria, se apaixonou pela Elaine e pronto. O que ela fazia? Chegava de manhã, encostava o carro na frente da sorveteria, pegava a banheira da Elaine, fralda, e levava para lá. Cuidava dela o dia inteiro. Não precisava mais da irmã da menina. Na hora de mamar, ela trazia ela. Amamentava. Ela levava ela de novo. E a minha vida foi tão corrida de trabalhar, às vezes, chegava de final de semana, ela pegava a Elaine, tipo sexta-feira, levava a Elaine para a praia, um monte de lugar. Às vezes, quando eu saía com a Elaine de ônibus, era mais conhecida do que eu. Todo mundo conhecia a Elaine. Passou-se o tempo. Meu filho já com 11 anos, a Nani ia fazer dois anos e meio, e tinha uma sobrinha minha que estava morando comigo e tinha uma filhinha também. Ela decidiu ir embora, a minha sobrinha. E ele, por não conhecer a minha terra, o Piauí, ele falou assim: “Agora é a oportunidade que a gente tem para conhecer a sua terra”. E foi mês de junho, esse mês agora, já no finalzinho. Ele falou assim: “Vamos conversar com a professora do Harold, e pedir para ele ir com a gente, antes das férias”. A gente combinou tudo direitinho. Ele tinha um Gol. Vendeu esse Gol e comprou uma caminhonete. Preparamos tudo. Ele fez uma capota atrás para eu viajar atrás com ela, nós duas. E ele, como já ia fazer 11 anos, ele podia viajar na frente. A gente foi. Só ele dirigindo. Foram quatro dias de viagem. Foi tranquilo. Quando a gente chegou na casa da minha cunhada, que já não tinha mais meus pais, meus pais não eram mais vivos, tinha irmãos, mas eu preferi ir para a casa dessa minha cunhada. O carro deu um problema no caminho. Faltou freio, sei lá. Sei que a gente conseguiu chegar lá. Ele foi descansar porque ele dirigiu quatro dias sozinho. Descansou e falou para a Luíza, minha ex-cunhada, falou assim: “Eu preciso arrumar o carro”. Levou lá para arrumar o carro. À tarde, a minha cuinhada pegou e falou assim: “Vamos”, enquanto isso meu filho ficou brincando com a criançada na rua. E lá é uma cidadezinha assim: bem no centro, uma praça e a rádio, e as caixas de som na rua. O meu filho brincando com um monte de criança, sentado assim. E as crianças começavam a conversar com ele, como ele era paulista, ele fala “porta”. As crianças falavam assim: “Fala ‘porta’. Fala ‘porta’”, que lá fala assim. Ele falava: “Porta”. Todo mundo dava risada. “Fala ‘porco’.” Ele falava: “Porco”. Todo mundo dava risada. A minha cunhada falou assim: “Vamos na casa do meu pai, pegar lá umas galinhas, umas frutas”, já numa outra cidadezinha. O Gilberto falou: “Não vou porque eu estou muito cansado. Chama o Aislan, seu filho, e vão vocês”. “Está bom.” E nisso a Elaine não parava de chorar um minuto. Não sei o que deu nessa menina que ela não parava de chorar. Chorava, chorava. E lá um calor terrível. A gente dava banho nela. Faltava paciência, brigava com ela. Fazia de tudo. Levei na rádio, passava de lá para cá, e nada de a menina, não parava de chorar. Não estava com febre, não estava doendo o ouvido, não estava nada. Chorando, chorando, chorando. E o moleque brincando lá na rua. Na frente da casa da minha cunhada, tinha uma funerária. E a Elaine chorando, chorando, chorando e eu andando para lá e para cá. Todo mundo não sabia o que a menina não parava de chorar, por nada. Eu atravessei a rua, com ela no colo, bem na frente da casa da minha cunhada, a funerária. Entrei lá com ela no colo, e ela chorando. Não parava. Entramos, querendo fazer alguma coisa para ela parar de chorar. Entrei, e ficamos lá olhando os caixões, para lá e para cá. Nisso, ele sai correndo e entra na funerária. Ele olhou para todo o lugar assim, e falou: “Ah, mãe, esse é bonito” (choro). A minha cunhada chamou: “Vamos lá na casa do meu pai?”. Falei: “Vamos”. Todo mundo entrou no carro. Eu e ela na frente, e meu filho entrou atrás, mais as crianças que estavam com ele. A gente foi para a casa do pai dela numa cidade vizinha. Quando chega lá, o pai dela não estava. Ela queria pegar um porco também, umas galinhas e umas frutas. Eu tinha uma filmadora e não levei lá para a casa do pai dela. Ela falou: “Meu pai não está aqui. Vamos no riozinho, vamos no riacho ali na frente com as crianças?”. Eu falei: “Vamos voltar lá na sua casa e eu vou pegar a filmadora”. Porque meu filho se encantou com tudo aquilo, subir numa árvore, as crianças correndo, pegaram um pintinho e ficaram jogando um para o outro. Eu falei: “Eu quero filmar. Vamos voltar lá na sua casa e pegar a filmadora. Eu quero filmar isso aí”. O pai dela já era bem de idade também, mas bem ativo. “Eu quero filmar seu pai subindo na árvore também para pegar fruta para a gente.” Ela falou: “Então, vamos”. E o meu sobrinho era menor, só que já dirigia. Fomos eu e ela na frente, e a criançada atrás. E entrou o irmão dela também junto para ir buscar a filmadora, enquanto o pai dela voltava. Quando a gente entrou no carro, ele usava um, na época chamava bombeta, hoje chama boné, sei lá. O pai dele deu essa bombeta para ele, do Piu-Piu. Tinha essa, de couro. Às vezes, ele gostava tanto dessa bombeta que ele não tirava. Às vezes, ele estava no chuveiro, esquecia de tirar. Não tirava um momento. Era essa bombeta e uma camiseta do Corinthians. A gente entrou no carro, entrou o irmão dela também adulto com as crianças, na caminhonete, atrás. Nisso, criança não para. Ele pôs a cabeça para fora da janela e a bombeta dele voou. Quando voou, ele falou assim: “Minha bombeta, minha bombeta!”. E a caminhonete abre assim atrás, na cabine. Olhei para trás, ele só falava: “Minha bombeta, minha bombeta”. E não esperou parar o carro. Ele pôs o pé para fora da caminhonete, e a caminhonete, a placa é no meio. Eu acredito que ele não conseguiu colocar o pé no estribo – é estribo que fala, né? Só sei assim, quando eu olhei para trás, ele falando: “Minha bombeta, minha bombeta”. Eu só vi ele rolar assim. Eu olhei para a frente (choro), eu lembro como se fosse hoje, o mundo parou. Parece que o céu parou. Parece uma cena de novela. Essas cenas de novela que, sei lá, para mim foi assim. Eu olhei para trás e só vi... E era estrada de chão batido, eu só vi ele rolar assim. E, quando eu olhei para trás, que vi ele rolar, que eu olhei para a frente e só vi o céu parado, meu sobrinho, eu vi que não estava nem a 40 por hora. Ligou o carro, 20, no máximo 40. Você acelera, vai no máximo 40. Ele deu ré, pegamos ele, jogamos ele dentro da caminhonete e saímos para a próxima cidade mais próxima possível, que tinha um posto de saúde. Nisso a gente estava indo. Estava vindo um carro. Meu sobrinho falou assim: “Mãe, manda ele parar! Mãe, manda ele parar”. Era o médico dessa cidade que a gente ia, próxima cidade, para socorrer meu filho”. O médico já entrou junto na caminhonete, falou: “Vamos, vamos, vamos. Leva para o posto!”. Posto não tem recurso nenhum. Quando chegou lá no posto, entrou no posto, ele fez uns testes. Pegou uma chave do carro e fica passando no pé dele assim e perguntando para ele. Fazendo algumas perguntas. E a gente ali junto. Passava a chave no pé dele e fazia algumas perguntas. Ele só resmungava. O médico falou: “Sinto muito. Se vocês quiserem levar para a capital, vocês levam, mas não tem jeito”. Não pensamos duas vezes. Jogamos ele dentro da caminhonete de novo, e na minha cidade tinha hospital já mais equipado. Nisso, nesse posto, já ligaram lá para nossa cidade. Então, já espalhou na cidade inteira que tinha acontecido um acidente com o sobrinho da Luíza. E, quando a gente chegou no hospital da minha cidade, já tinha um monte de gente. Pessoal da cidade já estava tudo lá esperando. A gente entrou no hospital, mas mesmo assim não tem tanto recurso. O médico, no caminho, do jeito que ele estava só agonizando, morreu praticamente nos meus braços e nos braços da minha cunhada. A gente entrou no hospital, e o médico falou: “Não está mais vivo”. A gente chegou lá na quarta-feira, na quinta de noite, isso aconteceu na quinta durante o dia. Quando foi meia-noite, a gente voltou para São Paulo. O moleque, o meu sobrinho era menor, como eu trabalhava, antes de eu ir, eu trabalhava de doméstica na casa da filha do delegado. O delegado amenizou um monte de coisa. Porque o menino era menor, não podia estar dirigindo, eu estava presente na situação. Então, amenizou um monte de situação, não teve multa, não precisou prender ninguém, eu estava junto. A gente já ligou aqui para São Paulo, todo mundo ajudou, e voltamos para São Paulo com ele já morto. E a Elaine tinha seus dois anos e meio. Daí para cá, a gente seguiu a vida. Aí, vieram os golpes da vida. Com um mês que o meu filho tinha morrido, fiquei sabendo, descobri que ele estava me traindo, um mês só. Isso que dói também. E com quem? Justamente com a única funcionária que trabalhava para mim. Uma menina, uma mocinha. Ele já tinha, na época, o Gilberto já tinha 28 anos. A menina tinha 16 anos. Descobri isso, foi para mim um mês de sofrimento por ter perdido meu filho e por não ter ninguém. Eu não tinha ninguém, só tinha o meu irmão, lá morando comigo, que ajudou a construir as coisas. E não podia contar com ninguém. Não tinha vizinho, não tinha nada. Sofri sozinha. Só tinha ele e só. Aconteceu de o meu filho morrer e um mês descobrir isso daí. Para mim, foi fatal. A família dele também morava distante. Distante assim, um bairro distante, mas ninguém tinha carro. Todo mundo dependia de condução para ir na casa dos outros. Também não tinha essas condições todas. Então, quer dizer que eu sofri muitas coisas mesmo sozinha, sozinha. A escola do meu filho era na rua de cima. Não precisava levar ele. Então, cada momento, não desejo isso para o pior inimigo que seja, perder um filho. Uma mãe que perde o filho. Eu perdi meu pai, perdi minha mãe, perdi irmão, perdi sobrinhos, mas a dor de perder um filho não é, é inexplicável. Uma dor assim que não tem. A mãe da gente é sagrada para todos. A mãe e o pai também. Mas a mãe é mais especial de tudo. O pai também. Mas você perder um filho, não tem explicação. É dor que você supera. Mas é dor. Dor inexplicável. Não desejo para ninguém perder um filho. Como não tinha ninguém, ninguém, ninguém, a vida tem que continuar. Eu tinha que trabalhar, ele também. Cada momento, cada momento que passa depois que você perde um filho, tudo, tudo, cada momento, você vai, chega a hora de ir para a escola, o que é que eu fazia? Pegava ele, acompanhava até a esquina e só ficava olhando. Ele subia. Ia na vielinha. Ele subia a escada, quando ele subia a escada lá, eu sabia que ele estava na escola. Então, voltava trabalhar. Quando tocava o sinal lá, eu sabia que ele já estava vindo. Então, eu só ficava aqui na esquina, olhava para cima, já via ele descendo a escada, já estava chegando em casa. Então, imagina quando ele morreu? Cada momento desse que passava, na hora de lavar a roupa, a comida que ele mais gostava, que era a coxa do frango, quando eu ia fazer a comida, aquele momento, eu chorava lá. Sozinha, porque o Gilberto ia trabalhar. Meus parentes, todo mundo foi cuidar da sua vida. Na hora de ele dormir, era a mesma coisa. E outra, ele passou a cuidar da minha filha, cuidava, ajudava, dava banho nela, já conseguia trocar a fralda dela, quando ela não estava lá com a menina. Cada momento desse é um sofrimento para qualquer mãe. Em tudo. Na hora de lavar a roupa, você lembra, na hora de fazer comida, na hora da escola. Na hora de tudo, você lembra. Passou um mês, descubro a traição dele com essa menina. Quando eu descobri, a menina, tinha um freguês lá que chegava e, a partir de um momento, ele começou a comprar fiado. A gente não vendia fiado. O Gilberto autorizou ele a pagar depois. E esse cara chegava e pedia as coisas e só queria ser atendido por essa menina. E chegou uma situação que ela falava para mim que não queria mais atender ele. Ele chegava, ela tinha que ir lá servir ele, e para mim era normal. Ela é funcionária e tem que atender o cliente da forma que o cliente quer. Só que aí era fiado. O Gilberto autorizou. Até aí, tudo bem, não tem nada demais. Quando eu fui ver, o cara estava chantageando o Gilberto, porque sabia da traição. E como que o Gilberto me traiu? Ele sempre foi um marido que nunca passou uma noite fora de casa, nunca. Como que tem uma traição dessa? Você sabe uma coisa assim de novela? Tem lógica! Ele ia lá cuidar do outro depósito, mas meio-dia ele estava em casa para almoçar. Ele almoçava, voltava para o depósito, no máximo sete horas da noite, ele estava em casa. A menina trabalhando comigo. Como que eu ia desconfiar disso? Agora, vocês imaginam como é que eles me traíam? E esse cara começou a, cada vez mais, frequentar a sorveteria e só queria que ela atendesse. Eu percebi que ela ficava muito perturbada. Era uma menina, uma menina. Ficava muito nervosa, e eu cheguei a conversar com ela. Ela falou assim: “Olha, não quero atender esse cara. Esse cara é muito chato”. E ela tinha namorado. “Esse cara é muito chato.” Mas acho que o cara pegava e chantageava ela também. Só sei que chegou um dia, que ela não foi trabalhar. A mãe dela chegou lá em casa, toda desesperada, com uma carta que ela escreveu que, até hoje, não sei o que está escrito nessa carta. Só sei que ela saiu de casa. Pegou as coisas e saiu de casa. E eu descobri que ele estava me traindo, mas não sabia com quem. Aí, como que ele me traía? Uma coisa que vocês vão entender. Eu comecei ir à igreja, a desculpa dele: levantava cinco horas da manhã, ela entrava oito horas da manhã no serviço, então, de cinco horas da manhã, eles se encontravam. Ele saía cinco horas da manhã. “Ah, hoje tem campanha na igreja.” Cinco horas da manhã, levantava e ia. “Você vai?” “Não!” Às vezes, eu fechava o comércio era meia-noite. Sem contar que criança dá trabalho também. Quando era para se encontrar com ela, ela ia até um ponto de ônibus. Ele saía de casa cinco horas da manhã, pegava ela. Foi onde que o cara viu. Ficou assim. Cada dia que passava, ele ia mais, dizendo que ele ia para a igreja. Foi assim que ele me traiu. Cara que nunca passava nenhuma noite fora de casa. Sempre foi um marido super, não tinha defeito nenhum. Foi quando eu descobri essa traição. A menina sumiu de casa, deixou uma carta. A gente não ligava as coisas. Fiquei doida. Eu não sei como eu descobri. E, uns dias antes, ele chegou em casa. E essa menina era assim, ela conversava muito comigo e ela começava a perguntar: “Como que vocês casaram?”. Olha, para você ver como são as pessoas. Eu contei minha história, ela falou: “Qual era o seu sonho?”. Eu falei para ela: “Ele foi meu primeiro namorado, meu primeiro tudo. Meu sonho era casar de véu e grinalda, passar a lua de mel em Campos do Jordão, ir num motel”, que eu nunca tinha ido num motel. Até o meu filho já tinha onze anos, eu nunca tinha ido num motel com ninguém. Nem com ele. Ela começou a fazer um monte dessas perguntas. E perguntava do que o Gilberto gostava. As músicas que a gente curtia na época. Ela começava a ouvir as músicas. Começou a vender muito CD pirata, e passava um cara, e eu comprava um monte de CD das músicas que eu gostava, das músicas que ele gostava. Os carros nessa época não tinham CD, só tinham fitinha. Então, ela fazia essas perguntas. Qual música que a gente curtia, nós dois? O que ele gostava? E eu fui falando. E passava o cara vendendo CD, eu comprava, e a gente ficava curtindo lá. Trabalhando e curtindo as músicas. Ela pegava, gravava essas músicas na fitinha, na fita, fita cassete, e, às vezes, ele chegava em casa ouvindo essas músicas. Eu chamava ele de Bem. “Nossa, Bem, como você conseguiu essas músicas?”. “Ah, foi” – ele falava – “o Tourinho”, que é um funcionário. “Ah, foi o Tourinho que gravou para mim.” Nada demais, né? Chegou um dia, ele chegou em casa para almoçar. Quando ele chegava para almoçar, eu ia “coisar” o almoço para ele. Ele chegou chorando, desesperado, pegou a carteira, jogou em cima da mesa e falou assim: “Eu vou embora. Estou indo embora”. E chorando. “Está aqui minha carteira, está aqui o cartão do banco, você sabe a senha, vou embora”. E não explicava por quê. Só chorava. Isso foi uma vez que ele fez. Bem antes, até antes de o moleque morrer. E eu não entendi. E eu perguntava o porquê, o porquê, o porquê. Ele pegou o carro, foi trabalhar, à noite voltou. Passou. Depois que o moleque morreu, ele fez a mesma coisa. De novo, a mesma cena. Chegou em casa... Hoje, eu acho que entendo um pouco. Acho que era o cara que ficava chantageando ele, ou ela pressionando ele, sei lá. Um dia, ela falou assim para mim. Como eu tinha falado para ela que meu sonho era ir para Campos do Jordão, que eu não conhecia, ela falou assim: “Ah, minha mãe, a igreja da minha mãe está fazendo uma excursão para Campos do Jordão. Você não quer ir com o Gilberto? Eu, você, a Nani, a minha irmã?”. Falei: “Vê o dia direitinho, que eu falo com o Gilberto, a gente vê. Quanto que é?”. Ela falou: “Ah, vou ver com a minha mãe?”. No outro dia, ela falou assim: “As passagens são tanto”. “Está bom. Eu já falei com o Gilberto, o Gilberto falou que a gente vai sim. Então, vamos eu, você, a sua irmã, a sua mãe e o pessoal da excursão?” Beleza. Só que foi se aproximando o dia da excursão, ela pegou e falou assim para mim: “Gal, não precisa me dar mais o dinheiro da excursão não, porque o pessoal desistiu da excursão”. Também não entendi nada. “Está bom.” Ela falou assim: “Por que a gente não vai de carro?”. Eu falei assim: “Vou falar com o Gilberto. Pode ir de carro”. A gente combinou direitinho de ir de carro. Foi quando eu descobri a traição, só que eu não sabia que era ela. Ele deu uma desculpa que não dava para ir nesse lugar. Acho que ela bolou isso. Eu imagino na minha cabeça, depois que aconteceu tudo isso. Eu imaginei assim: ela inventou uma excursão, que não deu certo. Inventou, pôs na cabeça da gente para ir de carro. Quando eu descobri a traição, que ela sumiu, eu fiquei imaginando. Isso, depois. Porque, quando eu descobri que ele estava me traindo, eu só não sabia com quem. Nisso, a última vez que ele chegou em casa chorando, desesperado, e fez a mesma coisa: “Está aí minha carteira, os cartões, a senha do banco você sabe, estou indo embora”, e só chorava, chorava, chorava, não falava o porquê. E saiu de casa. Eu descia para a sorveteria. Nesse dia, o fornecedor do sorvete viu que eu estava igual estou aqui hoje. O rosto assim todo vermelho, que tinha acabado de chorar. Que eu chorei porque não tinha, não falava nada. O Josué falou assim: “Gal, você me desculpa, mas eu estou vendo que você está um pouco triste. O que é que foi?”. Eu falei: “Não foi nada. Estou lembrando do meu filho”. Ele falou: “Eu posso vir à noite, com a minha esposa, orar por você e sua família?”. Eu falei: “Pode, Josué. Oração é sempre bem-vinda”. Ele deixou o sorvete. Ele morava lá em Ferraz. À noite, umas seis e meia da tarde, ele chegou. Falou assim: “Que hora que o Gilberto chega?”. Eu falei: “Ele chega umas sete, sete e pouco é o horário normal de ele chegar”. “Então, vamos esperar o Gilberto chegar.” Deu sete horas, o Gilberto não chegou. “Eu só vou pedir para você, se tiver freguês na sorveteria, você fecha, tá?” Eu falei: “Está bom”. Eu baixei as portas e liguei para o Gilberto. Quando eu liguei para o Gilberto, não desconfiava de nada. Não sabia de nada. Eu liguei para ele e falei assim: “Bem, o Josué está aqui com a esposa dele, um pastor, mais um casal que veio fazer uma oração para a gente. Você está vindo para casa?”. Ele pegou o telefone e falou: “Manda o Josué se foder”. Falou desse jeito. E bateu o telefone. O Josué viu a minha expressão e falou: “Mas o que é que está acontecendo?”. Eu falei: “Ah, Josué, eu não sei o que está acontecendo. O Gilberto chegou aqui hoje, largou a carteira dele aí com o cartão de banco e falou que estava indo embora. E estava chorando, desesperado, e eu não sei o porquê”. “Ah, vamos orar, então.” Já tinha baixado as portas, a gente ficou na cozinha assim, numa roda, orando. Aí, o Gilberto chega. Entra na roda também e ficou de frente para mim, orando. Todo mundo orando, orando. Quando parou de orar, eu olhei na cara dele e falei: “O que está acontecendo, Gilberto? Por que você está desesperado? Estava chorando, saiu de casa chorando dessa forma, eu não sei o porquê, que você não explicou. O motivo que você está dessa forma, querendo ir embora de casa, é outra mulher?”. Ele olhou na minha cara e falou: “É outra mulher”. A reação de uma mulher sabendo que está traída? Na hora, eu já comecei chorar também, desesperar, eu queria saber quem era, quem era. Ele não falava. Eu falei que a gente ia se separar. Ele falou que não queria se separar. O pastor começou a orar, orar, e querer que a gente fizesse as pazes ali, na hora. Eu sei que demoramos tanto, que eu falei, eu mesma, na minha cabeça: “Eu vou fingir que aceitei”. Enquanto eu não aceitasse a situação, a gente não se abraçasse, se perdoasse, prometesse que ele não ia sair de casa, essas coisas, o pastor não ia sair de lá. Então, já eram oito, nove horas da noite, sei lá. O pastor... “Vou fingir, para esse pastor ir para os quintos.” Na minha cabeça (risos). Eu, pensando na minha cabeça: “Ele vai para os quintos logo que eu quero resolver”. Tudo isso, do jeito que eu estou falando, eu pensava: “Eu quero que esse pastor vá para os quintos, porque eu quero saber quem é essa vagabunda”. Bolei na minha cabeça, pensando. Fingi. Beijei ele. Abracei ele. Pronto! Estou de boa. O pastor foi embora. A gente morava no terreno do lado. Nessa época, passamos a morar em cima. Fizemos uma casa, em cima, maior. Tinha uma escada. A gente subia. Quando o pastor saiu: “Tchau, bênção, está tudo bem. Amanhã, a gente volta aqui”. “Tá. Vai com Deus.” Ele subiu na frente. Eu subi a escada, olhei na janela. O carro do pastor saiu. Eu entrei no quarto, ele estava no quarto. Eu não sei com que força que eu peguei esse homem pelo colarinho dele, levantei ele na parede. Peguei ele assim, com uma mão só. Falei: “Você vai me falar quem é essa vagabunda agora. Eu não quero saber se ela é mais bonita que eu, o que ela é, ela é mais rica, ela tem dinheiro, é o quê? Você vai me falar agora”. Ele só chorava, chorava. Não falava nada. Começamos a discutir. E vi que ele não ia me falar nada. A gente dormiu na mesma cama. Quando amanheceu o dia, peguei a Nani, joguei ela dentro do carro, peguei fraldas, peguei água, na altura desse campeonato, a gente já tinha mais comércios. Já estava acho que com quatro comércios. Além de ter os outros comércios, a gente vendia para os barzinhos, que era como vender gás em barzinho. Quando dava quatro horas da tarde, ele saía recolhendo o dinheiro nos comércios e nos barzinhos. Eu peguei a Elaine e joguei dentro do carro. Eu, bolando tudo na minha cabeça, falei: “Eu vou descobrir quem é essa vagabunda. Você não vai falar, eu vou descobrir”. Levantei primeiro que ele. Tomei banho. Fiz mamadeira dela. Peguei fralda. Joguei dentro do carro e entrei no banco de trás, enquanto ele estava tomando banho. Quando ele chegou no carro: “Onde você vai?”. Falei assim: “Você vai me falar quem é essa vagabunda, eu quero saber quem é? Eu não vou destruir meu casamento por causa de vagabunda nenhuma”. Ele entrou no carro e foi direto para o outro depósito. Na época, não tinha celular. Era bip. Quando eu cheguei lá no depósito, fiquei só observando. Ele tinha colocado um caminhão na mecânica para arrumar. E eu não dava sossego para ele um minuto. Ele ia no banheiro: “Deixa a porta aberta”. Tinha o telefone fixo e tinha o bip. Eu peguei o bip. Falei: “Pode me dar esse bip aqui”. “Vou no banheiro.” “Deixa a porta aberta.” Falava desse jeito. O telefone tocava, eu fazia ele atender para ver a expressão dele. Quando ele atendia, quando era cliente pedindo gás ou alguém, eu ia saber pela expressão dele. Umas duas vezes, o telefone tocou. Quando ele começava a falar, ele mudava de expressão, eu pegava o telefone, desligava. Eu falei: “Então, é a vagabunda que está ligando para você”. Ele não respondia. E o bip comigo. Eu falei: “Qualquer hora, ela vai passar mensagem no bip”. Ele falou: “Vamos ali no mecânico. Eu vou no mecânico”. Eu falei: “Como ‘eu’ vou? ‘Vamos’ no mecânico”. Eu falei: “Deve ser alguém de lá”. Cheguei na mecânica lá, só tinha homem. Isso o primeiro dia, né? Passei o dia dessa forma. Lá no depósito, e vendo a reação dele atendendo telefone e com o bip na mão. Chegou a hora de a gente ir para casa, a gente foi para casa. Levantamos no outro dia, eu falei com a minha cunhada, para não ficar andando com a Nani. Passei a andar com ele sozinha. Toda vez, a mesma coisa. Ele lá na mesa lá e eu aqui vendo a reação dele atendendo telefone. Às vezes, quando eu via que era ela, que eu pegava o telefone, ela desligava. Ele saía para os barzinhos para pegar o dinheiro, e eu junto. Quando entrava num barzinho, já olhava. Se tiver alguma... Eu deixava ele ir na frente. Porque, como ele não falava, eu tinha que descobrir de alguma forma. Quando entrava num barzinho, eu já olhava. Aparecia uma velha, um velho, ou não tinha nada de mocinha nem nada. Eu falava: “Não é aqui”. Então, uns dez lugares a gente passou no segundo dia. Quando foi no terceiro dia, foi quando a mãe dela apareceu e a sorveteria fechada, que eu fiquei junto com ele. E, como eu saía de manhã cedo, não tinha quem abria a sorveteria, estava fechada. Dois dias fechada já. Quando foi no terceiro dia, foi que a mãe dela chegou com uma carta, dizendo que ela tinha saído de casa e desaparecido. Ela estava preocupada e queria saber se ela tinha vindo trabalhar. Foi quando eu liguei. Falei: “Só pode ser”. Nesse terceiro dia que a mãe dela apareceu com essa carta lá, foi onde que eu deduzi que seria essa moça. Eu peguei e falei para ele: “Eu vou te dar essa chance. Eu não vou destruir meu casamento por causa de vagabunda nenhuma. Ainda mais por uma merda dessa aí”, que era uma menina. Não sendo racista, mas era uma menina de cor. Eu falei com essas palavras mesmo, eu falei: “É uma negrinha de nada, 16 anos”. Eu falei: “Eu não vou acabar com o meu casamento. Eu vou te dar essa chance. Eu não vou acabar com o meu casamento porque, desde o começo, eu não vim aqui para São Paulo, eu vim aqui para estudar, eu vim para ter uma vida melhor, casei com você e não vou destruir meu casamento por uma negrinha, vagabunda, que nem essa daí”. Falei dessa forma. Na raiva, a gente fala mesmo. A menina era bem feia também. Aquele cabelinho tóim nhóim nhóim dela, o meu tóim nhóim nhóim também (risos). Mas uma menininha feia. Perdoei ele. Foi a primeira traição que eu descobri. A gente seguiu a vida. E até hoje eu não sei o que estava escrito na carta que ela deixou para a mãe dela. Não sei se ela engravidou dele. Eu não sei. Não quis saber. Perdoei. Falei assim: “Ponto final. Vamos viver nossa vida daqui para frente”. Comércio indo a todo o vapor, os dois lados do comércio. Só que passou algum tempo, ele fez amizades no comércio e começou a jogar baralho. Lá dentro do comércio, com os amigos. A gente ficava aberto, acho que era a melhor sorveteria da região. Nós que começamos na região com o self-service, que não tinha antigamente. A minha sorveteria, nossa! Fazia filas e filas. Para você ter ideia, eu vendia, por dia, dez baldes de sorvete. Eram 50 centavos duas bolas de sorvete. Tinha o self-service, que era novidade, foi novidade na época na Cidade Tiradentes. Quem começou lá foi a gente. Então, fazia fila na rua.
P/1 – Qual era o nome do restaurante?
R – Era... Eu tenho o cartãozinho lá. Eu mando para vocês. Era sorveteria e bombonière. A gente desenhou um bombom na frente, na calçada. Era só sorveteria e bombonière. Aí, continuamos a vida, continuamos a vida. E ele decidiu que o sonho dele também era ter uma padaria. Pôs na cabeça de fazer sorveteria e padaria. Fez essa bendita dessa padaria. Fazendo a padaria, a gente tem que contratar mais funcionário. Contratamos mais funcionário. Ele decidiu que também tinha que ter uma pizzaria. Pronto! Vamos fazer pizza também. A gente fez um forno. Ele é assim: “Vamos fazer um forno, vamos fazer pizza”. Fez o forno, e o forno não poderia ser usado de imediato. Tem um procedimento lá que tem que fazer, esquentar o forno, não sei o que lá. Só sei que, no dia da inauguração da padaria e pizzaria, não estava funcionando o forno. É até uma parte engraçada. O pessoal começou a pedir pizza e não tinha pizza. O que a gente fez? Pegava pizza pronta, pegava os discos prontos, a gente fazia o recheio e colocava no forno normal, comum. Levamos lá para a mesa de um cliente, o cliente começou a reclamar que a pizza não estava boa. Os clientes não sabiam que não tinha forno. A gente fez propaganda de pizza no forno a lenha. E a pizza não era. O cliente começou a reclamar. O que a gente fez? Fizemos outra pizza lá atrás, não sei o que aconteceu, que começou a pegar fogo na caixa do fogão. Trocamos a caixa da pizza e levamos para o cliente de novo lá na mesa. Ele falou: “Ah, agora essa pizza aqui está boa. Essa está com sabor de lenha!”. Eu falei: “Não falei para o senhor? É que o forno não estava bem quente” (risos). O forno não estava quente. Mas foi a Kátia que queimou e deu sabor de fumaça na massa. A inauguração da pizzaria foi isso daí. Teve uma outra passagem também, que, não contente, a Cidade Tiradentes começou a evoluir bastante, tinha muita construção, terminal. Veio o pessoal, empreiteira. Ele pôs na cabeça que tinha que fazer, servir comida. Pronto! Sorveteria, padaria, pizzaria e restaurante. A gente comprou o negócio lá de self-service. O pessoal das empreiteiras da região, tudo, das escolas vinha almoçar ali. E, quando foi um dia, outra história engraçada também. Quando foi um dia, a gente colocou a comida lá no self-service. O pessoal começou a vir. Já era, servia 180 refeições por dia. Meio de semana, uma pessoa chegou lá, uma moça, um rapaz, acho que mais uma moça, sentaram na mesa, se serviram e começaram a reclamar. Pediu um bife a cavalo, que é um bife com aquele ovo em cima. Pediu, a menina levou na mesa. Era self-service, mas ele, esse prato, que podia ser servido à parte. Serviu lá para ele. Ele falou que não estava bom. O ovo, pôs defeito. Começou a falar alto: “Chama o gerente”. Como não tinha gerente, foi meu irmão. Reclamou, reclamou, reclamou. Só escutava. Meu irmão levou o prato lá atrás, fez de novo, levou de novo, ele começou a reclamar e falando alto. E o restaurante cheio. Chamou a dona: “Não tem a dona? Eu quero falar com a dona ou com o dono”. Eu fui lá, pedindo desculpa, ele alterado, falando alto. E a gente não podia falar nada, cliente tem sempre razão. Pegava o prato, levava lá de novo, pela terceira vez, chamou a cozinheira. A cozinheira foi lá. Mesma coisa! O pessoal já começou a ficar olhando aquela situação e pagar e sair, porque o cara já estava fazendo escândalo, bem na hora de pico. O que a cozinheira fez? Então, vocês nunca reclamem em restaurante, em lugar nenhum. Sejam discretas. Se tiver que reclamar, vai lá no gerente, paga e pronto. Ela pegou o prato dele, levou lá no fundo, pegou esse bife dele, na hora de pico, a cozinha não fica limpa, não tem jeito. Jogou no chão, pisou, cuspiu, pôs na chapa, pegou o ovo, fez na chapa, cuspiu no ovo também. Fez o prato, levou lá. Ela mesma, a cozinheira mesma. Pôs na mesa lá. Ele olhou, começou a cortar, começou a comer. Aí, estava bom. A partir desse dia, ele virou cliente, trouxe mais gente, que é um absurdo. Pela terceira vez, não estava bom, e a cozinheira, vendo isso daí lá de dentro, o escândalo que ele estava fazendo, a ponto de todo mundo querer sair sem pagar porque ele falava coisa que não devia, alto. Então, vamos resolver o problema do homem. Ela fez isso. Então, eu tenho isso como lição e não reclamo. Já aconteceu, a semana passada mesmo, fui no teatro com a minha filha, e o pessoal chamou para ir na pizzaria. A gente foi na pizzaria superchique lá, pediu a pizza, comecei a comer, tinha um pelo no prato. Eu olhei, não falei nada. Deixei todo mundo comer. A menina que convidou a gente, falei para ela. Mostrei. Até contei essa história para ela. E falei assim: “Eu não reclamo”. Chamei o gerente e, discretamente, falei. “Só que nunca mais eu ponho os pés nessa pizzaria. Não faço escândalo. Vou pagar.” Não é que a gente não quer pagar, a gente pagou a conta primeiro, não foi nem eu, o pai da menina. Pagou a conta, a gente chamou o gerente e mostrou. Falei: “Só que nunca mais eu ponho os pés nessa pizzaria e vou passar para frente esse problema aí”. Então, não reclamem. Façam isso educadamente. Principalmente, suco, filha. Você reclamar do suco, que voltarem com o suco bonitinho para você, não toma, não. Não façam escândalo em restaurante, em lugar nenhum. Lanchonete nenhuma. O que vem de errado, paga. Só que não volta mais lá, e fala o que aconteceu para os outros.
P/1 – E, Gal, só para a gente pensar na continuidade da história, teve algum momento em que você colocou um basta na relação com seu marido?
R – Sim. Vai fazer sete anos. A gente viveu 25 anos, que foi agora. Em 2010, teve eleição. Voltando ao assunto que ele começou a jogar muito baralho com os amigos. Baixava as portas dez horas da noite e ficava jogando baralho lá com os amigos. E, de manhã, ele levantava e ia trabalhar. Sei que chegou uma hora que eu não estava aguentando mais também. De levantar cedo, sete horas da manhã, enfrentar o comércio, não ter hora para fechar. E ele se divertia, ele jogava baralho com os amigos dele, tomava cerveja. Apesar de estar dando lucro para a gente mesmo, ele ganhava também dinheiro, mas não estava sendo justo. Chegava na sexta-feira, com esses amigos, ele ia jogar numa quadra de society. Chegou um dia... E eu nada! Só trabalhando, trabalhando, trabalhando. Quer dizer que ele trabalhava, ele se divertia, embora seja ali dentro mesmo, ele podia ir numa quadra de society, e eu tinha que ficar ali. Chegou um dia, eu falei para ele: “Hoje eu vou ver se você está jogando mesmo nessa quadra de society”. “Você não vai que lá não é lugar de mulher.” “Como não é lugar de mulher?” E eu voltava no passado, quando a gente era namorado, a gente ia para todo lugar, que é o normal. Quando é namorado, é diferente. Não desgruda. Namora em qualquer lugar. Beija em qualquer lugar, que sirva de exemplo para vocês também. Te levam para qualquer lugar, você vai junto. Seja onde for, o teu namorado quer te levar. Quando casa, as coisas mudam bastante. Então, eu não aceitava isso. Quando a gente era namorado, não podia dar um passo, até mesmo muitos anos de casado, que a gente ia na casa da mãe dele, como a gente não tinha carro, a gente ia a pé. Se eu soltasse da mão dele aqui, ele falava: “Por que você soltou minha mão? Você está vendo algum paquera seu aí? Tem amante?”. Então, quando ele passou a fazer isso daí, na sexta-feira ia para a quadra de society. Quando foi um dia, eu falei: “Eu vou!”. “Você não vai.” “Então, tá!” Ele foi. Eram seis horas da tarde. Eu pedi licença para os clientes que estavam. Fechei e fui. Cheguei lá, sentei numa mesa lá, peguei uma cerveja, ele não estava me vendo. Quando ele me viu... E tinha várias mulheres, homem, mulher. Normal! Ele só não queria que eu fosse. Sentei, pedi uma cerveja e fiquei lá olhando ele jogar. Quando ele me viu, ele saiu, foi lá falar comigo e perguntou o que eu estava fazendo ali. Falei: “Nada! Vim aqui ver você jogar, e faça um gol lá para mim”. “Aqui não é lugar de mulher.” “O que aquelas vagabundas lá estão fazendo aqui?” Falei desse jeito. “Olha lá, quanta vagabunda ali.” Tinha umas dez moças, mulher com marido, só eu que não podia? Esse homem ficou doido. Sabe quando ele fica com raiva e não pode fazer nada? “Vamos para casa.” “Não, você vai fazer um gol lá para mim. Você não pode se divertir? Eu também posso!” Voltou lá a jogar. Quando acabou o jogo, a gente voltou para casa. Chegou um tempo que eu não estava mais aguentando mais mesmo de “desgastamento” de trabalho. E conversei com ele. Falei: “Você dá um jeito na nossa vida, ou comércio, ou nosso casamento, porque eu não quero mais ficar trabalhando dessa forma. Você, jogando todas as noites aí dentro, às vezes, para quatro horas da manhã, vai trabalhar e na sexta-feira sai também com os amigos? Eu não aguento mais. Pode dar um jeito aí”. Conversando numa boa, nós dois. Ele falou: “Então, o que você quer que eu faça?”. Falei: “Não sei. Você faz o que você quiser. Eu é que não vou ficar aqui me matando, trabalhando da forma que eu estou e só você se divertindo. Então, vamos dar um jeito aí. Ou o casamento, ou o comércio”. E a cozinheira era a irmã dele. Eu fui e conversei com ela e falei também o que estava acontecendo. Só sei que ele decidiu que a gente tinha que sair dali. Só que, para montar esses negócios do gás, a gente vendeu a nossa casa e investiu no gás. Então, como a gente morava no depósito, a gente não tinha mais casa. Ele falou: “A gente vai para onde?”. E esse meu irmão que é pedreiro, e todos os comércios ele que fazia os muros, essas coisas assim, estava morando num depósito. E nesse depósito tinha um quartinho separado lá. Eu falei: “A gente vai. Como a gente não tem casa, você vê o que precisa fazer com o comércio, vende ou sei lá”. Ele falou: “Eu conversei com um amigo que se interessou e quer arrendar”. Falei: “Então, arrenda, porque eu não quero ficar nessa vida, não. Eu valorizo o nosso casamento, a minha vida”. Ele falou: “Então, está bom. Vamos arrendar, e a gente vai morar lá junto com o seu irmão, naquele quartinho lá, por um tempo, para a gente achar uma casa”, porque não tinha móvel, morava ali, mas tudo meio que no improviso. A gente foi morar nesse quartinho, no meu irmão. Passou um tempo, ele começou de novo. Aí, não foi mais chorando nem nada. Chegou em mim e falou que queria a separação. Esse quartinho era tão pequeno, que era um quartinho e um banheiro. Só cabia nossa cama e o guarda-roupa, e a minha filha teve que dormir na casa do meu irmão, porque não cabia ela lá dentro. Como ela já estava grandinha, então, não tinha como. A minha cunhada falou: “A Nani dorme aqui. Tem espaço para a Nani aqui”. É tudo junto mesmo, tudo parente, e era por pouco tempo que a gente programou. Passou um tempo, ele falou que queria separar. E, engraçado, que ele começou com a ideia de separar e foi direto falar com o meu irmão, dar satisfação para o meu irmão. E começou a se distanciar de mim. Ele chegava, como a gente não tinha cozinha, já não almoçava mais em casa, porque era longe dos outros comércios em que ele ia. Então, ele almoçava fora e vinha só para jantar. Então, quando ele chegava, ele jantava e já não ia mais me ver lá no quarto – que eu já tinha jantado, já estava lá no quarto. E foi ficando indiferente. Ele jantava na casa do meu irmão e ficava por lá. Às vezes, ele ia para o quarto, já tinha dormido. E foi passando o tempo e uma indiferença, uma indiferença. Conversou com o meu irmão, que queria se separar de mim, conversou com ele. Chegou um dia, eles foram convidados para... Eu nunca quis saber também de dirigir. Porque a gente era um casal que sempre viveu tão junto, levantava junto, 24 horas junto. Então, chegou um dia que já estava esse clima meio distanciado um do outro. A minha cunhada foi convidada para um casamento. Ele conversou com o meu irmão, falou que ia se separar de mim. Só que não falava para mim também. Só ficou indiferente e falou para o meu irmão que a gente ia se separar. E foi me desprezando. E a minha filha dormindo lá. Essa minha cunhada foi convidada para um casamento. E nesse dia eu fui na igreja com a Nani, tudo a pé. Como eu não dirigia, eu fui nessa igreja, até Igreja Universal. Quando eu voltei, quando eu cheguei, eram umas três horas da tarde. Todo mundo tomado banho, arrumado, eu falei: “Nossa, para onde vocês vão?”. “Ah, vamos para um casamento de um fulano lá do Piauí.” “Ah, que legal!” E o meu irmão não dirige, não tinha carro. Tudo bem. O Gilberto chega, entra lá no quarto, não fala comigo. Toma banho, se troca. “Para onde você vai?” “Você não está vendo, não? Vou no casamento com o seu irmão. Foram convidados e me convidaram.” Então, simplesmente eles me ignoraram, me subiu o sangue na cabeça. Eu peguei as roupas dele e, com o decorrer da indiferença dele, a gente ia discutindo, brigando, cada vez ele ficava mais tempo na casa do meu irmão, vendo televisão até que eu dormisse, e ele voltasse para o quarto. Estava ficando tão insuportável que, quando chegou esse dia, eu não aguentei. Eu peguei todas as coisas dele, do nosso quarto, e joguei para fora. Falei: “Já que a gente não tem uma casa, a gente não tem nada, você está com essa indiferença comigo, você vive lá mais com o meu irmão, você chega do serviço só vem para o quarto meia-noite, uma hora da manhã, já que é assim, a minha filha já está dormindo lá, então...”. Joguei todas as coisas dele para fora. Peguei no guarda-roupa roupa, perfume, sapato, joguei. “Vai para lá. Não é com o meu irmão e com a minha cunhada que você quer morar? Então, vai!” Ele foi. Foi quando ele falou que queria se separar. Eu joguei todas as roupas dele para fora. Peguei a Nani, que a gente tinha acabado de vir da igreja, a Nani tinha comido, estava com a roupinha toda suja. Do jeito que eu estava, do jeito que ela estava, entrei dentro do carro. Não fui convidada, mas entrei dentro do carro. Joguei a Nani no banco de trás e sentei no banco da frente. Meu irmão, a mulher dele e o filho. E a Nani no banco de trás. “Para onde você pensa que vai?” Eu falei: “Não fui convidada, mas eu vou! Qual é o problema?”. Entrou no carro e foi indo. Foi indo. E eu comecei a brigar com ele, brigando, brigando, brigando, e, no caminho, só sei que ele pegou sentido Mogi, era um sítio. Eu brigava com ele, e o pessoal atrás não falava nada. A Nani pequenininha não entendia de nada. Tinha quatro anos. Não entendia de nada. Só sei que chegou nesse sítio, eles entraram lá para o casamento. A minha cunhada falou: “Desce, você não vai entrar?”. Eu falei: “Não. Eu não fui convidada. Já que eu não fui convidada, eu não vou. Eu vou ficar aqui. Olha o jeito que a Elaine está, com as roupas todas sujas. Você acha que eu vou entrar num casamento chique desses com a minha filha toda suja? Vou ficar aqui”. Eles desceram e foram. Ela foi e falou com a moça do casamento, que me conhecia também, não tinha me visto há muitos anos. A moça veio. Quando a moça veio, eu tranquei a porta do carro, não deixei. A moça queria falar comigo, não deixava, ficava lá dentro. Só sei que passou um tempo, trouxeram comida para mim, trouxeram água para mim e para a Nani, sei lá. Só sei que a gente voltou para a casa. Estava declarado que a gente ia se separar. Como a gente não tinha mais casa, ele pegou e falou assim: “Você acha uma casa, aluga, a gente vai numa loja, mobilha a casa e você vai morar com a minha filha”. Eu falei: “Não. Eu quero uma casa própria para mim”. Eu tinha a minha casa, a gente investiu no comércio: “Agora, você vai ter que comprar uma casa para mim. Eu só separo de você se for assim. Eu quero a minha casa. Quem vai me garantir que, daqui um ano, dois anos, você vai ficar pagando o aluguel para mim? Quem que vai garantir que, daqui um ano, você vai pagar o aluguel, e como é que eu vou sustentar a minha filha?”. Nisso, um dos irmãos dele estava morando na praia, lá em Peruíbe. Ele falou: “Onde você quer morar?”. Eu falei: “Se você não comprar uma casa para mim, eu vou embora”. Não pensava nem em bens, essas coisas assim. Eu falei assim para ele: “Se você não comprar uma casa para mim e mobilhar, eu vou embora para o Piauí, e vai ficar mais difícil de você ver sua filha”. Ele falou: “Então, tá. Onde você quer morar?”. Eu falei: “Também não quero morar aqui em São Paulo. Quero morar distante de você também”. Então, ele falou: “Onde você quer morar?”. Como eu sabia que o irmão dele estava na praia, eu conhecia lá o lugar, eu falei: “Vamos ver se a gente acha uma casa na praia”. A gente foi, esse dia a gente foi até... Não, a gente foi sozinho, quando chegou lá, conversamos com o irmão dele. O irmão dele falou: “Tem uma casa na rua de cima que está vendendo”. A gente foi olhar a casa, a gente gostou da casa, ele falou: “É isso mesmo que você quer?”. Eu falei: “É!”. “Então, tá. Semana que vem a gente volta e fecha negócio.” Procuramos a dona da casa lá. Na outra semana, a gente voltou. Fechou negócio. Já voltou com advogado, tudo, fez o negócio da casa. Ele reformou essa casa, mobilhou. E a casa lá é um ponto comercial. Montou uma sorveteria para mim lá. Fiquei lá, sozinha com a Nani, morando com a Nani. E, até então, não tinha mulher. Não era mulher, sei lá se era. Também não quis saber. Já tinha ultrapassado tudo. Falei: “Não!”. Conclusão: fiquei morando lá, em questão de dois meses ele fez tudo. Reformou, meu irmão é pedreiro. Foi lá e fez a reforma que tinha que fazer e montou essa sorveteria, e eu fiquei lá trabalhando. A sorveteria, como sempre, dá um bom lucro, precisando de uma pessoa para ajudar de novo. Chamo minha cunhada, a cunhada dele, aliás. A cunhada dele começou a trabalhar comigo. Primeiro mês, eu tirei um lucro de 600 reais livre. Como não pagava aluguel, então, paguei todas as despesas da sorveteria e tirei 600 reais livre. Eu vi que dava para pagar uma pessoa para me ajudar. Eu chamei essa minha cunhada para trabalhar comigo. Ela veio. Eu pagava, sei lá, eu falava: “Está tirando uns 600 reais livres”. Conversei com ela: “Você pode me ajudar?”. Ela: “Posso!”. “Só que eu não posso pagar muito.” Ela veio, pagava um pouquinho para ela. Enquanto isso, a desculpa dele de vir, de ver a filha, vinha todo o final de semana. Ou seja: nessa época, eu virei amante dele.
P/2 – Nossa!
R – Ele vinha, falava que vinha. Toda semana. Todo sábado ele vinha. Só voltava na segunda. Ele trazia mercadoria, levava mercadoria daqui que era mais barato para mim. Levava pra lá. Eu só comprava sorvete lá. Só sei que a gente virou amante. Passaram uns seis meses, a gente ficou namorando. Ele vinha todo o final de semana. Não tinha opção, ficava junto. E a família crente que a gente estava separado. Todo mundo achava que a gente estava separado. Uma vez, acho que umas duas vezes só que ele não pôde ir, ele falava: “Você vem para cá”. Eu vinha para cá, a gente ficava em motel, depois ele voltava. Eu vinha de ônibus, ele voltava e me levava. Eu vinha no sábado, dormia no motel, domingo de manhã, ele me levava para a praia de novo. Quando foi no final do ano, a família inteirinha dele estava lá em casa. A maioria, passar o Natal lá. Veio uma turma, ficou o Natal. Passou o Natal. E todo mundo achando que a gente estava separado. Normal. Ele pegou e falou: “Vamos voltar. Vamos falar para o pessoal que a gente vai voltar”. Eu falei: “Não, vai falar para quê? Deixa do jeito que está”. “Não, mas eu preciso de você lá” – que eu que cuidava das finanças, eu que fazia tudo com ele. “Não, que eu estou precisando de você.” “Então, tá.” “Vamos juntar a família e falar.” Falei: “Acho que não. Acho que a gente já é adulto suficiente para assumir qualquer coisa. Vai falar para quê?”. Chegou à noite, nós levamos a mãe dele na praia, quando voltou, a mãe dele foi dormir, eu falei para ela: “Olha, Dona Dita, eu vou namorar com o seu filho, tá?”. A gente saiu, voltamos, todo mundo já percebeu que a gente tinha voltado. Falei: “Você quer que eu volte?”. “Quero.” “E a gente vai morar onde? Vai morar de novo num quartinho de comércio? Morar na casa de alguém? Não vou!” “Não, a gente aluga.” “Não vou. Se você não comprar uma casa, não vou. Se vira, compra uma casa. Só vou morar no que é meu.” Ele comprou uma casa aqui em São Paulo, a gente veio morar aqui. Os comércios sempre, graças a Deus, indo tudo bem. Ele se tornou um dos maiores revendedores de gás da região. Como que eu vou explicar para vocês? O gás é assim: acho que tem sete empresas de gás na região, em São Paulo, que são Minasgás, Ultragaz, Consigaz, sete empresas. Então, você imagina, você pegar, vamos ver se vocês entendem, você pegar um bolo aqui e desse bolo você comer 75% desse bolo. O que é que vai sobrar? 25%, para seis concorrentes. Então, ele se tornou esse maior revendedor da região. Então, o concorrente não fica satisfeito. O que o concorrente faz? O concorrente vende mais barato, denuncia, e o nosso comércio sempre prosperando cada vez mais e mais. E a gente dava festa, festa para o povo na rua, nas datas comemorativas, Natal, Ano Novo, não. Natal, Dia das Crianças, Dia dos Pais, Dia das Mães. A gente fechava uma rua e contratava pessoas para cantar e passava a tarde. Dava brinquedo para as crianças, uma festa comunitária. Nós mesmos que bancávamos. Quando foi em 2010, a gente fez uma festa no Dia das Crianças que juntou, teve que fechar, a CET [Companhia de Engenharia de Tráfego] foi lá e fechou duas ruas de frente. A avenida que era a principal teve que desviar o trânsito porque era muita gente. Nesse dia, a gente distribuiu dez mil brinquedos. Então, caiu nos ouvidos dos políticos, que o Gilberto seria um bom candidato para a região. Nesse dia, chegou lá o senhor Geraldo Alckmin, 2010. E participou da festa, falou alguma coisa lá. E conversou com o Gilberto e convidou ele para se candidatar. O Gilberto se candidatou. Só que puseram na cabeça dele que ele tinha que ser candidato a deputado federal. Mas por quê? Que eu acho assim: tudo o que você tem que começar, você tem que começar por baixo. Se não tiver um alicerce, não tem como. Começar por alto, o tombo é mais alto. É maior. Então, ao ver a cabeça de todo mundo, ele tinha que começar por vereador. Que a eleição na época acho que era vereador, deputado federal, estadual e governador? Acho que era. Só sei que o Geraldo Alckmin foi lá e fez esse convite para ele. Ele aceitou. Ele aceitou e começou a campanha. E todo o vapor. Em 2010. E outras coisas acontecendo na nossa vida. E com tudo o que já estava acontecendo, o casamento vai desgastando. Muito trabalho desgasta tudo. Só sei que a nossa vida conjugal não estava mais lá essas coisas. A gente se afastou da igreja também, que eu acho que igreja ajuda muito. Uma religião, se você puder seguir, seja ela qual for, não aplaca, mas você seguir uma religião te ajuda bastante. Só sei que aconteciam coisas no depósito. Teve um dia de manhã, que a gente chegou, tinham jogado um pedaço de pano vermelho dentro do depósito, com o nome dele escrito. E estava escrito assim: “Esse homem vai ser meu”. Além do nosso casamento já estar desgastado, vêm as “macumbarias”, essas coisas, que existem. Não sei se vocês acreditam ou não, eu acredito, no meu ponto de vista. O casamento que eu tive com ele, por ele, sei lá, tivemos nossas brigas, nossas desavenças, mas a gente já estava vivendo há 25 anos. E um dia apareceu isso aí no depósito. E, a partir desse dia, também foi ficando ruim. A vida conjugal foi ficando, não estava legal. E entrou na política. E colocaram na cabeça dele que ele tinha que ser deputado federal. E eu não entendi. Quando foi um dia, eu perguntei a uma pessoa: por quê? Os assessores lá. Por que que ele tinha, porque ele não poderia começar de vereador, que era o certo? “Não, porque o Gilberto tem um potencial de ser deputado federal. Além disso, deputado federal é menos concorrido”. Porque, como é que fala, vereador tem mais concorrência, tinha mais vereador para ser concorrido na época. E mais deputado estadual. Então, o certo, pelo potencial dele, seria federal. Colocaram na cabeça dele isso daí. Então, ele entrou. Veio a campanha para ser trabalhada, a gente contrata pessoas, desculpa, a gente contrata pessoas e faz comitê. E o comitê dele era tão grande, tinha tanta gente trabalhando para ele, que a gente montou uma cozinha para fazer comida para o povo. Para o pessoal que trabalhava na campanha. Era muita, muita, muita gente. A gente gastava mil reais de comida por dia. O pessoal trabalhando na campanha, na rua. Contratamos pessoas para cozinhar a comida, faziam as marmitas, as pessoas iam e distribuíam nos pontos que estavam fazendo a campanha para ele. Era muita gente. Gastava mil reais por dia de refeição. Sem contar que essas pessoas todas eram contratadas para trabalhar na campanha. E, nessa época, apareceu uma moça, que está com ele hoje. Ela tem duas filhas. Uma na idade da minha filha, uma mais novinha. E o histórico dela é esse. Acho que eu vou até querer que vocês cortem isso depois. Só vou contar. O histórico dela é esse de mulher vagabunda mesmo. Não é porque aconteceu comigo. São as pessoas que conhecem ela, do bairro dela, sabem, falam até hoje: “Por que Seu Gilberto largou a Dona Gal por Alessandra, que é uma vagabunda?”. É uma japonesa loira. Ela casou com um japonês, teve duas filhas. Esse japonês, a história que eu sei dela, esse japonês foi viajar para o Japão e pegaram ele com porte de arma. Ele ficou preso no Japão. Ela ficou aqui em São Paulo, morava no Jardim Helena com a mãe e as duas filhas dela. E o marido dela estava preso lá. Então, o que ela fez? Além de ela dar em cima de tudo quanto é homem, ela estava junto com um cara, na época. Um cara de perua, perueiro. E entrou para trabalhar na campanha. E, até então, eu não participava da campanha, porque eu cuidava das finanças da empresa, junto com a sobrinha dele. A gente que cuidava de tudo. Ele já se desligou da empresa para cuidar da campanha eleitoral. Então, essa moça apareceu assim. Não digo que foi ela que destruiu o meu casamento, porque já estava desgastado. Eu acredito que foi “macumbaria”. Sei lá, já estava desgastado. Não vou falar para você. Ela só foi assim a gota-d’água. De vez em quando, eu ia lá no comitê, e o moço que conhecia ela, uma vez, me chamou a atenção. Falou: “Dona Gal, por que a senhora não vem na campanha? Por que a senhora não participa mais da campanha? Por que a senhora não vai no comitê?”. “Mas por quê?” “Porque a senhora é a esposa do Seu Gilberto. É bom a senhora vir. Olha, não sei o quê.” E, uma vez, duas vezes, eu não sou boba. Não sou trouxa. Comecei a perceber algumas coisas. Eu passei a ir mais, alguém me dava um toque, outro me dava um toque, eu comecei a participar mais da campanha, a andar mais com ele. Quando foi um dia, ele patrocinava muitos shows para esses cantores famosos. Quando foi um dia, a gente foi num show, e ela passou a ser, coordenar um grupo de pessoas para trabalhar na rua. Ela já passou a ser coordenadora. E uma pessoa sempre me alertando. “Olha, essa moça, ela é assim, assim, assim.” Falava com todas as letras: “Ela é vagabunda, ela é caçadora de macho”. Falava assim para mim. Tá bom. Comecei a andar com ele. Nesse dia, nesse show, acabou o show – inclusive, nesse dia, tinha até um padre junto. O Gilberto tinha que dar carona para esse padre. Eu fui para o carro. O padre sentou na frente, eu sentei atrás com a minha cunhada e a Nani. Sabe quando você senta atrás do motorista? Quando ele sentou no banco, o telefone dele toca. Quando o telefone dele toca, ele atende, mas sem perceber, ele pega o telefone e fala assim: “Alô?”. Ele falou: “Sem encontrar”. Quando ele falou: “Sem encontrar”, ele olhou no retrovisor e percebeu, viu que eu estava. Quando ele falou assim: “Sem encontrar”, ele levantou o olho e viu pelo retrovisor, ele me viu lá trás. Eu fingi que não ouvi nada. Ele desligou o telefone e falou assim: “Eu vou deixar o padre em tal lugar e eu vou ter que ir buscar um pessoal lá no aeroporto, e você pega...”. Aí, eu já dirigia, comecei a dirigir, por um problema que aconteceu com a minha filha, eu decidi dirigir. E, por meu casamento estar desgastado, por a gente estar convivendo com um “desgastamento” de casamento, eu saí da empresa e fui para casa. E aconteceu um acidente com a minha filha, eu me desesperei, decidi ir dirigir. Aprendi a dirigir. Eu já sabia dirigir nesse tempo. E à tarde ia ter um show de um grupo que eu não lembro. Sei que essas meninas enlouqueciam por causa desses moleques. Não lembro mais o nome do grupo. E as filhas dela junto. Ele pegou e falou assim: “Eu vou ter que ir no aeroporto pegar um pessoal lá à tarde. A Nani quer porque quer ver esse show”, que ele que estava patrocinando. Então, ela ia ter a oportunidade de entrar no camarim, tirar foto, porque ela era doida pelos caras, coisa de jovem, nessa época, igual a Menudos, lembra? O pessoal era doido por esses grupos.
P/2 – Restart?
R – Esse daí, pronto! Essa coisa aí. Esse Restart. Pergunta para ela, depois ela te conta essa história. Nossa, ela era louca por esse grupo. E as meninas dela também. Coisa de jovem. Ele falou: “À tarde, vai ter um show lá, em tal lugar, e eu vou para o aeroporto pegar esse pessoal e você pega seu carro e leva as meninas para assistir esse show, porque elas querem. Porque a Nani quer tirar foto com os caras, porque eu que estou pagando, patrocinando”. Então, tá. Fui. Ele me deixou em casa, combinamos direitinho, e peguei a Nani, as filhas dela, e ela foi junto com ele para o aeroporto, diz ele, a história que ele me falou. Que ele ia pegar esse pessoal, e ela foi junto. Então, levei as meninas dela para o show, entramos no camarim, tiramos foto, voltei para casa. Quando foi de manhã, eu estava em casa – como que eu descobri essa traição sem ninguém me falar nada também? Eu estou em casa, fazendo o almoço. Levei a Nani na escola. Ele levou. Ele ia trabalhar de manhã, que eu tinha decidido não trabalhar mais, ficar um tempo em casa, devido ao “desgastamento” do casamento. Fiquei em casa. Levantava de manhã, levava ela na escola. Eu estou lá, fazendo almoço. E, do nada... E a campanha rolando. E eu fazendo campanha também lá onde a gente mora. E eu já comecei a desconfiar dessa moça, de traição. Eu falei: “Mas eu pego”. E sempre pedindo a Deus para me dar direção nas coisas. E fazendo o almoço lá. Eu tinha que buscar a Nani. Eu coloco o arroz. O arroz começa a secar, tampo o arroz lá, o telefone toca. O telefone fixo. O telefone fixo toca, eu vou lá, atendo. Não, estou mentindo. Eu liguei. Eu falei assim: “Eu vou pegar esses dois!”. Peguei, liguei para a secretária, falei assim: “O Gilberto está aí?”. Ela falou: “Não”. “Fala para ele, vê se você consegue falar para ele que eu marquei uma reunião aqui com o pessoal do condomínio, para a campanha, umas senhoras aqui, para a gente fazer um café da tarde com essas senhoras.” Nisso, ela falou que ele não estava, ela falou: “Não, Dona Gal, está aqui, está aqui, está aqui”. Eu ouvi ele falar assim: “Deixa que eu ligo para ela”. Ele ligou no celular. Ele, falando comigo, eu falei assim: “Amanhã, marquei um, eu vou marcar um horário com o pessoal aqui do condomínio, será que dá para você vir? Dá uma olhada na sua agenda” – porque tinha um monte de compromisso, um monte de reunião com o pessoal. “Mas que horas?” Eu falei: “Vou confirmar com o pessoal esse horário”. E desliguei o telefone. E fui lá abaixar o fogo do arroz. E bolando na cabeça. Não sei onde eu arrumava todas essas ideias. Eu pego, vou lá, disfarço, estou sozinha, retorno a ligação. Quando eu retorno a ligação... Não, minto. Eu coloquei o telefone no gancho e volto para disfarçar que eu tinha já arrumado o horário para ele vir nessa reunião. Eu pego o telefone no gancho e escuto, só escutei assim: “Ei, psiu, aqui, aqui”. Parece que eu estou vendo. E eu tinha conversado com ela, ela falou: “Amanhã, não vou poder trabalhar na campanha porque minha mãe está no hospital”. No telefone, tinha acabado de falar com ele, coloquei o telefone no ganho, voltei para marcar a reunião com ele, o telefone não desligou. Ele entrou no carro, e ele tem mania de colocar o celular aqui. Acho que o celular dele não desligou. E, do depósito para o hospital em que a mãe dela estava, eram umas três ruas de onde ele estava. Eu escutei. Peguei o telefone no gancho e escutei. “Oi, oi, psiu, psiu, aqui, aqui”. Ele foi até o hospital onde a mãe dela estava, que ela tinha me falado. Eu escutei a porta do carro bater, escutei cumprimentar ela beijando. Quando eu escutei isso, caiu a ligação. Eu me desesperei. Sozinha em casa, quase na hora de buscar a Nani. Eu tenho um sobrinho que trabalha lá no depósito, que é como se fosse meu filho. E tudo o que eu falar para ele, se eu ligar para ele e falar assim: “Nelton, estou precisando de você aqui, agora”. Ele fala: “Tia, onde você está? Estou aí daqui a dez minutos”. Pega uma moto e vai onde eu estiver. Eu, desesperada, chorando, sozinha, porque eu liguei as ideias, escutei os dois se cumprimentarem, e ela começou a falar no carro: “Ai, que a minha mãe não está bem, que não sei o quê”. Começou a falar, falou mal da irmã dela. “A Paula, não sei o quê, não sei o que mais lá. Vamos tirar a Paula da campanha.” A Paula virou até secretária, que é a irmã dela. “Vamos tirar a Paula da campanha. Não sei o quê.” Falou do show das meninas. Então, quem era a amante? Descobri que era ela. Quando a ligação caiu, eu liguei para o meu sobrinho, desesperada. Ele: “O que é que foi tia? Por que você está chorando?”. “Nelton, vem para cá agora, eu preciso de você agora.” “Onde você está?” “Eu estou em casa.” “Mas me fala, tia, o que é que está acontecendo?” “Filho, vem aqui.” “Tia, mas o que que é?” “Vem agora.” “Não, tia, dá 20 minutos que eu estou aí.” Pegou a moto, 40 minutos, ele estava lá em casa. Quando ele chegou, eu estava desesperada, não sabia o que fazer, falei: “Nelton, descobri que seu tio está me traindo com aquela vagabunda da Alessandra”. Ele: “Mas como, tia?”. “Vamos, vamos.” Na minha cabeça, eu ia pegar os dois lá no lugar. Como ela falou que a mãe dela estava no hospital, e falou do show, então, confirmou tudo. Eu pego, na minha cabeça dava tempo. O moleque demorou o quê? Trinta minutos de São Miguel para Arujá. Quando ele chegou lá, na minha cabeça, dava para eu pegar a moto e ainda pegar os dois juntos. “Não tia, calma, calma, calma, que não é assim. Olha, já se passaram mais de 40 minutos, vai levar mais uns 30, 40 minutos para chegar lá no Tide Setúbal. Eles não vão estar mais lá, tia”. Aí foi que eu caí na real e me acalmei. Fiquei calma e falei: “Está certo”. Pronto. Fiquei sozinha em casa. Fui buscar a Nani. Não falei nada e fiquei sem saber o que fazer. Eu peguei e falei assim – sempre orando e pedindo a Deus para me dar direção e sei que me acalmei. Quando ele chegou à noite, eu fingi que não estava acontecendo nada, mas o homem pode trair mil vezes, desde que você não saiba. Pelo menos comigo foi assim. Quando eu descobri isso daí, quando ele chegou à noite, eu não suportava olhar para a cara dele, com nojo. Eu sabia que ele foi se encontrar com ela, e chega à noite para me beijar, chega à noite para ficar comigo na mesma cama. Eu suportei por Deus. E fiquei três dias indiferente com ele, fingindo que não estava acontecendo nada. Quando foi no terceiro dia, eu peguei e falei assim, levantei de manhã. Como ele levava a Nani, eu me troquei, ele falou: “Você vai para onde?”. “Vou lá para São Miguel. Nós deixamos a Nani na escola e vou para São Miguel.” Entrei no carro. E, no caminho, era mês do aniversário dele. Estava chegando o aniversário dele, eu falei assim, vêm as ideias na minha cabeça, e eu ponho para funcionar. Eu falei. Deixamos a Nani. Ele falou: “Você vai ficar onde?”. Eu não sabia o que responder. “Você vai fazer compra?” Eu falei: “Não”. E estava indo, estava indo, estava chegando perto do depósito. “Onde que eu vou te deixar?” “Vamos lá para o depósito mesmo.” Chegando no depósito, eu falei assim: “Sabe o padre tal? Não era para eu te falar, mas não está tendo como eu esconder, então você vai fingir que não sabe de nada. O padre está bolando uma surpresa para você. Vai reunir o pessoal lá no depósito, como é seu aniversário”. Só ideia minha. “Ninguém sabe de nada. Mas você finge que não sabe de nada. Porque não tem como. Você finge que não sabe.” “Tá bom.” Chego lá no depósito, do depósito, a gente foi lá para o comitê. Quando eu chego lá, não era normal eu estar lá. Todo mundo estranha. Chegava, me cumprimentavam. Eu peguei e falei assim: “Paula, marca uma reunião, quero falar com todo mundo da campanha. Todos os coordenadores da campanha, quero conhecer, quero saber quem é, quero saber quanto que o Gilberto está pagando para cada um. A partir de hoje, eu vou participar mais da campanha. Vou andar mais junto com ele. Quero saber de tudo”. Ela me obedeceu e chamou todo mundo. Como ele achava que era surpresa, então, ele não estava nem aí. O pessoal estava chegando, ele fingiu que não estava sabendo de nada. Nem o padre. Chamou todo mundo. Eu ainda fui bem explícita com ela: “Principalmente a sua irmã, chama a sua irmã, não deixa ela faltar”. “Não, Dona Gal, acho que não vai dar.” “Vai, filha, faço questão que ela venha.” A gente voltou para o depósito. Como eu que fazia banco junto com ele, fomos para o banco, voltamos. Ele falou: “Será que o pessoal já está lá?”. “Está, mas finge que não sabe de nada, está bom?” Chegamos no depósito, ele foi ver outro negócio, do outro lado, eu falei: “E está todo mundo aí?”. “Está.” “Então, manda todo mundo subir lá para cima.” Ela não tinha chegado ainda. “Filha, e sua irmã?” “Ela não chegou ainda, mas está chegando.” “Então, está bom.” Não deu dois minutos, ela chegou. Ela veio toda sorridente para o meu lado. Pegou uma foto das filhas dela e do cara, que ela estava morando com ele, falou: “Ah, Dona Gal, a minha família como é linda! As minhas filhas, meu esposo”. Eu falei: “Nossa, que lindo, parabéns! Por que seu esposo não vem trabalhar na campanha?”. “Não, porque ele trabalha com perua, então, não dá para vir.” “Legal! Mas seria bom que ele trabalhasse junto com a gente. Vamos subir?” “Vamos.” “Vamos subir, vamos subir, vamos, Paula.” A Paula: “Não, Dona Gal, não posso deixar a recepção aqui, não”. “Está bom. Mas na hora que o Gilberto chegar, você dá um toque que o pessoal vai estar todo lá em cima.” Tinha mais ou menos umas 25 pessoas. Inclusive, padre, advogado, dois policiais que trabalhavam na campanha também. Tinha uma mulher policial. Chamei a sobrinha dele, que era braço direito da empresa, éramos nós duas que cuidávamos de tudo enquanto ele estava fora. E esse meu sobrinho, que era braço direito, que cuida da parte de baixo do gás, do pesado. Eu expliquei a situação para o meu sobrinho, que ele já sabia de tudo. Eu falei: “Eu faço questão que você esteja lá”. Para a Karina, eu não falei nada. Falei: “Karina, eu estou fazendo uma reunião lá, e falei para o seu tio que era uma surpresa para ele. Faço questão que você vá, para você ver o tipo de tio que você tem, que não é justo o que ele está fazendo comigo e nem com você. Porque ele largou, abandonou a empresa, e nós duas que estamos carregando nas costas. Você deixou de estudar, e se mantando. E não tem hora para sair da empresa. Então, vou te mostrar quem é seu tio”. Falei assim para ela. Ela já achou estranho. Ela: “Não, tia, mas eu não posso ir”. “Pode! Fecha! Estou mandando. Você vem sim!” Aí, está aquela mesona assim, ele sentou na cabeceira, meu sobrinho não subiu, a Karina sentou do lado esquerdo dele, eu sentei do lado direito, e o pessoal na mesa, bem grande. Ela foi ao banheiro. Eu sentei do lado direito, tinha uma pessoa aqui, que era policial, e ela sentou na terceira cadeira. Começou a reunião. Ele pegou e falou, fingindo que achava que era alguma coisa do aniversário dele, falou: “Bom, pessoal, o motivo de marcar essa reunião é que a Gal falou para mim que...” – ele sempre falava Dona Gal também – “A Dona Gal queria conhecer também vocês, e eu trouxe ela para apresentar todo mundo a vocês, a ela. Vou passar a palavra para ela”. Eu levantei, e ela tinha ido ao banheiro. Quando ela abriu a porta, eu falei: “Alessandra, faz o favor”. Ela veio. Nisso, eu falei para a moça que estava do meu lado: “Vai para o outro lado, deixa a Alessandra ficar aqui?”. Eu peguei ela pelos cabelos, puxei o cabelo dela assim para trás, fiquei segurando. Enquanto ela foi ao banheiro, eu falei: “É, pessoal, o motivo dessa reunião é realmente que eu queria conhecer vocês. Mas tem um motivo principal”. Quando eu falei isso, foi que ela entrou. Eu mandei ela ficar do meu lado. Quando eu peguei no cabelo dela, levantando a cabeça dela assim para trás, eu falei assim: “O motivo maior dessa reunião é só para mostrar para todos vocês o que a vagabunda, safada, sem vergonha e o safado do patrão de vocês estão fazendo comigo”. Quando eu ia pegar e dar um cacete nela mesmo, o pessoal me tirou. Separou a gente. A bolsa dela tinha ficado assim. Falei: “Você some da minha vida, some das nossas vidas. A rua em que eu estiver, você não atravessa. Se eu estiver do outro lado, você some”. Peguei a bolsa dela e joguei. Ela saiu, ninguém falava nada. Todo mundo assim: “Que é isso? O que está acontecendo?”. Ele bateu a mão na mesa e falou: “Acabou a reunião”.
P/1 – Ah, vá! (risos)
R – Todo mundo saiu sem ninguém falar nada, questionar, nem perguntar nada. Todo mundo ficou assim de boca aberta. Do nada. Aí, acabou a reunião. Todo mundo saiu. Ele teve a cara de pau, nós dois sentados na mesa, só nós dois, ele olhou e falou: “Não dava para você ser mais discreta e conversar comigo antes, não?”. Falei: “Não. Tinha que ser assim. Você não tem vergonha na sua cara, não? Em plena campanha política. E não pense que eu vou sair, não. A partir de agora, eu vou ser tudo seu. Secretária, amante, vagabunda 24 horas, o que você quiser. Não desgrudo um segundo”. E eu fiz isso.
P/1 – Por quê?
R – Não sei. Fiz.
P/2 – E a Nani? Como ela reagiu?
R – A Nani, como ela estudava... E para pra pensar. Uns três dias antes, olha como ele é. A primeira vez que, a segunda vez que ele resolveu separar de mim, ele foi conversar com quem? Com o meu irmão. Essa já é a terceira vez. A terceira vez, três dias antes, ele conversou com a Nani. E a Nani não me falou nada. Não entendi até hoje. Nunca nem conversei isso com ela. Depois que eu fiquei sabendo. Eu falei para ele: “Tinha que ser assim. A gente conversa em casa, minha conversa com você é em casa”. Passaram uns dias, e ficamos nessa. Eu falei: “Eu não desgrudo mais, e vou e pronto. Você querendo ou não, eu vou 24 horas no seu pé, e essa vagabunda não trabalha mais na campanha”. Fiquei. Quando foi um dia, estava tudo normal, eu deixava meu carro lá no depósito, só voltava com o meu carro quando ele tinha alguma reunião, que eu tinha que ir com o meu carro, ou não. Nesse dia, ele levantou de manhã – foi um dia que aconteceu de o carro estar em casa –, ele falou assim: “Amanhã, eu tenho reunião, você vai com seu carro”. “Está bom.” A gente fez o que tinha que fazer, foi ao banco, tudo direitinho. Quando foi quatro horas da tarde, ele pegou e falou assim: “Vai para casa”. Eu falei: “Mas por quê?”. “É que eu vou passar num lugar, então, você vai com o seu carro.” “Está bom.” A gente não tinha brigado, nem nada, já tinha passado aquela situação toda. Peguei e fui com o meu carro. Quando eu cheguei em casa, ele já estava lá. Ele saiu na minha frente, já estava lá. Ele estava sentado na sala, a Nani estava na sala de jantar conversando, fazendo trabalho com uma amiga dela. Eu falei: “Ué, você não ia passar em outro lugar?”. Já veio a indiferença. Ele falou: “Eu queria falar com você”. Falei: “Mas como falar comigo?”. “Vamos subir?” “Vamos!” Nisso, é uma história assim tão bizarra, parece coisa de novela. Nisso, uns dias atrás, ele precisou contratar um consultor. E esse consultor, a gente conhece ele há muitos anos. Ele trabalhou para várias empresas de gás e estava desempregado, e a gente chamou ele para trabalhar com a gente. E ele tem fama de ser gay. Esse cara começou a trabalhar com a gente e todo delicado. A pasta dele, “detalhinho” rosa, tênis rosa, camiseta rosa, canetinha rosa, tudo dele, sabe? Mas também nunca ninguém provou que ele é gay eu deixa de ser gay. Nunca vi. Nunca ninguém falou assim: “Fulano é casado”. Nunca ninguém viu ele com mulher, nunca ninguém viu. Só gostava de ser delicado, sei lá. Mas um cara já maduro também. Aí, o cara entra numa empresa de gás, com 75 funcionários, tudo homem, a maioria homem, só tinha mulher no escritório, poucas mulheres. Aquele cara, andando para cima e para baixo com canetinha rosa, sapatinho rosa, camisinha rosa, cada dia um detalhe rosa numa coisa, o pessoal começa a falar merda. E por ele ser consultor, às vezes, ele tinha que sair junto com o Gilberto. E eu, marcação cerrada, não deixava. Só quando ele tinha que sair com esse consultor que eu sabia que ele ia e voltava junto, no mesmo carro, que ia resolver algum problema que aconteceu na rua com um carro, preço de gás, essas coisas assim. O pessoal começava a falar merda. Não falava direto: “Seu Gilberto, fulano, não sei, não, cuidado, Dona Gal, não sei o quê”. Eu fiquei só observando. Nessa semana, era a semana da Parada Gay. Quando aconteceu isso, que ele chegou em casa, sentou lá no sofá. Ele falou assim: “Eu quero conversar com você”. Eu falei: “Mas como?”. “Vamos subir.” E a Nani lá, fazendo trabalho com a amiguinha dela. A gente subiu. Sentamos na cama. Esperei. Ele falou: “Não dá mais, nosso casamento está bem desgastado, você sabe disso, melhor a gente se separar”. Olhando, pegando na minha mão, sentados os dois na cama. E eu escutei. “Eu vou pegar umas roupas. Eu vou para a casa do meu pai.” Me subiu um sangue na cabeça, levantei, ele levantou também, pegado na minha mão, um de frente para o outro. Eu falei: “Você está saindo de casa para você ir na Parada Gay com fulano?”. Desse jeito. Menina, esse homem, sabe quando você vê subir o sangue? Ficou todo vermelho. Ele soltou minha mão. Eu falei: “O que você quer que eu faça? Quer que eu te ajude a fazer mala, quer que eu jogue tuas roupas para fora, pela janela? O que você está fazendo aqui ainda? Vai embora!”. Ele entrou no closet, pegou uma mochila, jogou umas peças de roupa e foi para a casa do pai dele. Esses cômodos, em que eu morei muitos anos atrás com o meu irmão, estavam vazios. Ele ficou lá. Passou uma semana. Ele achou que, se a gente decidisse separar ali naquele dia, eu não ia mais na empresa. Só que eu levantei de manhã, passei a noite inteira com ela, não sabia explicar, ele desceu chorando também, deu um abraço nela e saiu. Ela subiu e perguntou. Falei: “O pai foi embora. Disse que não vai mais morar com a gente”. “Mãe, ele conversou comigo faz três dias.” “E por que você não me falou nada, Elaine?” Não teve explicação e ficou por isso mesmo. Só sei que esse dia eu passei a noite chorando. Ela dormiu comigo. Passou uma semana, e ela foi visitar ele e realmente ele estava na casa do pai dele. Morando na casa do pai dele. Antes de uma semana. No outro dia, eu levantei, cheguei lá no depósito, e o funcionário que cuidava da portaria, que era o braço direito mesmo – era um rapaz que um dia até ele me desrespeitou e o Gilberto não falou nada, e eu fiquei com bronca desse menino. O Gilberto não mandou ele embora, então, eu achei ruim. Quando aconteceu isso, eu levantei de manhã, e acho que ele achou que eu não ia mais porque: “Separamos, ela não vai mais”. Cheguei no depósito, ele já tinha chegado. Ele estava no meio do pátio lá, o pessoal carregando os caminhões, eu só gritei. Chamei meu sobrinho, bem alto, no meio do depósito. O nome dele é Onelton, mas o pessoal chama ele de Xarope. E o rapaz que cuidava da portaria é Elderson, o nome do moleque, e tem o apelido de Meia. Eu gritei o meu sobrinho, falei: “Xarope!”. Todo mundo já... Sabe um barulho de botijão? Quando eu gritei pelo Onelton, estava lá no meio do pessoal, que era motorista, todo mundo parou. E o Gilberto estava no meio. “Vem cá!” Eu gritei bem alto também: “Meia, vem aqui”. Os dois perto de mim. Falei: “Meia, a partir de hoje você não trabalha mais aqui, depois você conversa com o Seu Gilberto. Pode ir embora”. Gilberto veio de lá com tudo. Porque ele, o menino, era igual o meu sobrinho hoje. Toma conta de tudo, de todos os caminhões, do dinheiro que entra e sai da portaria, não tinha hora nem para entrar nem para sair, é um braço direito o rapaz. O moleque me obedeceu. O moleque saiu. E, quando ele viu isso aí, que eu mandei o menino embora, ele se aproximou de mim e só não me bateu porque o Onelton estava junto, perto de mim. Eu falei: “Você, Onelton, cuida daquela portaria agora! A partir de hoje, você vai tomar conta da portaria”. E subi lá para o escritório. A partir desse momento, a gente só foi para fazer separação mesmo, e estou aqui contando a história hoje.
P/1 – E quem é a Gal depois da separação? Voltando, Gal.
R – A partir desse momento, que eu subi para o escritório, a gente começou a cuidar da separação. Sentamos, conversamos de novo, falei: “Melhor mesmo, não aguento mais, chega, vamos nos separar, beleza, amigavelmente”. A essa altura do campeonato, já entendia mais de finanças, de partilha de bens, a gente tinha adquirido um belo de um patrimônio, e tem partes também que eu não contei, que ele foi sequestrado, depois da eleição.
P/1 – Então, e a eleição, qual foi o resultado? Faltou!
R – (risos) Faltou! Então, menina, a eleição, como ele, pra deputado federal, ele precisava acho que de 90 mil, 97 mil votos. Para, como é que fala?
P/1 – Vereador?
R – Vereador acho que é bem menos, 17 mil votos, uma coisa assim. Só sei que ele não foi eleito. Ele teve quase 15 mil votos. Lógico! Só sei que ele não foi eleito. E sem contar as crises do comércio, que estava cada vez pior, por várias crises do comércio. Faltou gás. Vai ter tempo, pode contar? Pode?
P/2 – Pode!
R – Com tudo isso, com o “desgastamento” do casamento, com tudo isso acontecendo, a gente gerou dívidas, estava devendo. A gente gerou uma dívida com a Liquigás, porque teve uma crise, acho que em 1999, assim que começou o gás, teve uma crise de gás, acho que vocês não vão lembrar, que não tinha gás. Não tinha gás de jeito nenhum. Quando aparecia um caminhão de gás na rua, o pessoal saqueava. Então, nessa época, devido a isso daí, a gente pagava os boletos, a gente tinha 20 dias para pagar o boleto. Como não tinha gás, a gente gerou uma dívida. Só sei que essa dívida foi negociada. A gente, e acho que em 2000, 2000, 2000, aconteceu outra crise do gás, que a Liquigás é uma das engarrafadoras mais... O gás mais correto que existe. A Liquigás e a Ultragaz. São os dois concorrentes mais fortes do Brasil. Tem a Copagaz, as outras, mas não é tão correto igual a essas duas. E a Liquigás é a número um em ser correta. Ela tem o seu próprio vasilhame. Todas as outras empresas não têm o seu próprio vasilhame. Nenhuma delas. Vocês podem observar que o Liquigás está lá escrito no vasilhame. Só sei que acho que foi em 2000, aconteceu de os vasilhames da Liquigás sumirem. Então, se o vasilhame sumir, não tinha como envasar porque tinha que esperar fabricar o botijão, não fabrica que nem pastel. Então, só sei que foi descoberto que a concorrência estava pegando os botijões da Liquigás e mandando para fora. Foi descoberto, milhões de botijões da Liquigás enterrados na Bolívia. Enquanto isso, a Liquigás estava sofrendo porque ela não tinha, não pega o botijão de outra empresa para envasar. Prejudicou a gente dessa forma. Os boletos foram acumulando, gerou uma dívida em cima da outra, vinha denúncia, assaltos, vários assaltos, roubo de caminhão. Ele chegou até a ser preso por uma denúncia, ficou uma semana preso. Foi sequestrado, ficou quatro dias na mão de bandidos. Os bandidos queriam sequestrar a minha filha, para você ter ideia. Nessa época, quando eu voltei da praia, a gente morava no mesmo bairro do principal depósito. Umas seis ruas para frente. Conclusão: a gente tinha um funcionário na portaria, e ele não sei por que mandou o menino embora. O menino foi embora. Uns três dias depois, o menino ligou para o Gilberto e falou: “Olha, Seu Gilberto, eu estou ligando do orelhão, porque eu gosto muito do senhor, apesar de o senhor ter me humilhado” – porque, às vezes, ele é muito ignorante com as pessoas, ele humilha as pessoas, principalmente os funcionários – “Apesar de ter acontecido, estou ligando para o senhor, para alertar o senhor que estão querendo sequestrar a sua filha ou a Dona Gal”. Ele: “Mas como?”. E a gente já tinha observado que, na frente do depósito, apareceu uma barraquinha com um pouco de banana e um pouco de verdura. Do outro lado da rua. Até aí, normal, qualquer um faz o que quer. Então, a gente chegava, o menino abria o portão, e eu não dirigia, entrava junto com ele. Subia, ficava o dia inteiro trabalhando, e aquela barraquinha lá uma semana. Todo dia trocava. Ficavam dois rapazinhos ou três, todo dia trocava de rapazinho ali. Quando mandou esse menino embora, os caras abordaram ele na rua e, como eles não me viam, porque eu entrava no carro, o carro filmado, eu entrava e subia lá para o escritório e não saía. Ficava lá. Só voltava à noite com ele. Antes de acontecer tudo, essas coisas, que eu perseguia ele, ficava 24 horas com ele. Eles abordaram o menino na rua e perguntaram quais eram as minhas características. Porque iam sequestrar eu ou a filha. O menino falou: “Eu falei que a Dona Gal era uma moça baixinha, dos cabelos enroladinhos”. “Mas como que a gente, que horas?”, perguntando. “Ela entra com o Seu Gilberto e sai com o Seu Gilberto.” Foi isso que o menino falou. A gente começou a observar. Aquela barraquinha lá. O dia inteiro, o sol quente, banana e alface. No outro dia, às vezes tinha um ou dois moleques. E a gente morava próximo do depósito, tinha empregada, a Nani estudava, ela estava estudando. A partir desse momento que o menino avisou, a gente passou a ter mais cautela. Na frente da casa que a gente morava, eram três sobradinhos e os dois rapazes são policiais. Então, os dois filhos e a mãe. Sobrados. A mãe morava no meio. Os dois policiais, um em cada lado. O que a gente fez? Como a gente faz amizade, e a velhinha, sabe aquelas velhinhas fofoqueiras que ficam o dia inteiro na rua e sabem de tudo? E esse sobrado ficava bem na esquina, na frente da minha casa era um terreno baldio. Ali naquele terreno baldio, na esquina da casa desse sobradinho, junta o pessoalzinho para fumar, aquela coisa assim. A partir desse momento, a gente começou a pegar mais precaução. Tinha um orelhão na mesma calçada da minha casa. E sempre a gente via, começou a observar aquela barraca, começou a observar o orelhão, que tinha sempre um rapaz no orelhão. Quando o rapaz não estava no orelhão, o rapaz estava na esquina com uma moça, namorando. A gente já falou: “Não é normal”. A gente conversou com a Dona Maria, que ficava toda a tarde, sabia de tudo da rua, ficava ali à tarde. A gente falou para ela o que estava acontecendo. E falamos para a empregada não abrir o portão em hipótese alguma, nem para lavar a calçada. Ela não podia fazer mais isso. E, quando a gente chegava, a gente ligava para a empregada: “Olha, você liga a luz que a gente está chegando”. Ligava para a Dona Maria: “E aí, Dona Maria, está tudo bem? Como é que está a rua aí, está beleza? Não tem ninguém na rua?”. A Dona Maria: “Deixa eu dar uma olhada. Tá aqui, meu filho, não tem”. A gente chegava. Conclusão: para a gente entrar na nossa casa, ele sempre entrava de ré, e o portão automático. Então, ele entrava mais ou menos no terreno, dava a ré e entrava. Quando ele entrou, o portão, baixava o controle, aí o portão. E esse dia a gente não conseguiu falar com a Dona Maria, porque estava garoando. Ligamos, ligamos para ela, não conseguimos falar com ela para ver se a rua, se não tinha ninguém, não tinha alguém se drogando na “ruinha” lá. Quando a gente entrou, que o portão começou baixar, vieram dois moleques de lá do terreno. Dois moleques seguraram o portão, que era automático. Dois entraram por baixo, dois não, três. Dois foram do lado do Gilberto, e um foi do meu lado. O que estava do meu lado colocou a arma aqui na minha cintura, já me pegou: “Sua filha, sua filha”. E dois lá com a arma na cabeça do Gilberto. E dois segurando o portão. Tipo umas sete e meia, oito horas da noite. Esse que estava comigo: “A sua filha, a sua filha, a sua filha”. E tinham três degraus para subir, para entrar na minha porta. E eu estava com uma blusa e estava com a chave da porta aqui na minha blusa, e celular. E a gente já tinha instruído a empregada para não abrir a porta, que a gente abria. Só acender a luz, não abrir portão, que a gente abria. O cara com a arma aqui na minha cintura, só falava assim: “Sua filha, sua filha, sua filha”. Eu fui para a porta. Quando eu bati a mão na maçaneta, a porta trancada. Quando eu fiz assim, ele viu que a porta estava trancada: “Que porra!”. Falou desse jeito. Ele olhou para baixo, a gente ouviu um tiro. Quando eu ouvi um tiro, um cara desceu. Sabe uma coisa mais ou menos assim? Ao mesmo tempo, eu peguei o celular que estava no meu bolso e joguei numa plantinha assim. Joguei na plantinha, e o cara desceu. O que eu fiz? Eu corri no corredor, que foi o tempo que eu ouvi o tiro, o outro que estava comigo, entraram no carro e levaram o Gilberto. Então, eu corri no corredor, lá no final, e a minha porta da cozinha é uma porta de vidro que tinha uns vãos de vidro. Então, se eu olhasse, eu via quem estava na cozinha. De acordo com o que aconteceu, a empregada estava parada, e a Nani estava estática. Desse jeito assim. Eu olhei no buraco, quando eu vi que as duas estavam lá dentro, reação da gente, voltei para o corredor, olhei no vão, falei. Não vi sangue, não vi nada, corri para fora e comecei a gritar. Até então, não sabia, não entendia o que estava acontecendo. O que aconteceu? Coincidiu da hora de um dos policiais estar chegando do serviço, sei lá, uns quatro metros de distância da minha casa, tinha um poste, que era um orelhão também. Ele viu dois caras segurando o portão, ele pegou e atirou. Quando atirou, foi onde eles entraram e levaram o Gilberto. O que o policial fez? Seguiu o Gilberto, seguiu o carro, seguiu dois quarteirões. Depois, ele contou que viu os caras com a arma na cabeça do Gilberto, porque os caras perceberam que ele estava seguindo. E, como ele é policial, ele falou: “Não vou mais seguir porque é capaz de eles matarem o Gilberto”. Ele voltou. Quando ele voltou, eu já tinha começado a gritar. A esposa dele saiu fora e viu. Falei: “Socorro, pelo amor de Deus, chama o Dan. Cadê o Dan? Chama a polícia. Levaram o Gilberto. Queriam sequestrar minha filha”. O Dan já estava voltando. Já ligou para a viatura, a viatura veio. Falou assim: “O que que você tem que fazer agora, de imediato, vamos tirar sua filha daqui, porque, se eles queriam sequestrar sua filha ou você, o primeiro passo dos ladrões é esse: a esposa ou filho. Porque, com a esposa, eles conseguem alguma coisa. Com o filho, eles conseguem muito mais. Tira sua filha daqui agora”. Eu levei ela para a casa do policial na frente. E liguei para a família dele. Falei o que estava acontecendo. E o policial falou: “Tira, tira ela daqui, que pode haver troca de cabeça”, que eles falam. Eles podem ligar e querer trocar o pai pela filha. Como não deu certo o plano deles, então, eles podem querer trocar. Peguei a minha filha, e a irmã dele chegou, pegamos ela e levamos para um outro bairro. Ela ficou lá, e eu voltei. Ficamos a noite inteira esperando contato. O policial falou: “Não se preocupa, não, que esses malandros têm hora para tudo. Pode ter certeza que ligar hoje, eles não vão ligar. Vão ligar para você amanhã por volta de dez horas”. E esse meu sobrinho, ele tem... E quem tem comércio lá na região tem que ter amizade com ladrão, com polícia, com tudo. Se não tiver, filha, não sobrevive. E esse meu sobrinho conhece todo mundo lá na região. Tem amizade com o pessoal lá das facções. Não vou falar o nome. Meu sobrinho chegou, viu o que estava acontecendo, meu sobrinho já ligou para um dos cabeças lá da facção e falou: “Sequestraram o meu tio. O que está acontecendo? Onde meu tio está?”. O cara veio até a minha casa, falou: “Não, mano! Não fomos nós daqui, não. Como a gente ia sequestrar o seu tio, que a gente conhece? Inclusive, a gente até ajudou o cara uma vez?”. Ele mesmo pegou meu sobrinho, e esse cara, bateram todas as favelas lá. Aí é assim. Facção é assim. Sequestrou? Se não é, que eles são superorganizados. Eles planejam tudo. Quanto que vai cobrar, quanto que não vai cobrar. É tanto para fulano, tanto para sicrano. Quando acontece, ele falou: “Não, como não fomos nós...”. Bateram todas as favelas, viram todos os caras que mexem com sequestro e não era. Ele falou: “A gente vai correr atrás. Sequestrou um daqui, a gente vai querer a nossa parte também”. Correram, não estava. Falou: “Não é nosso. Não é daqui”. Conclusão: no final era uma quadrilha de moleque, eram 14 moleques, tudo menor. Só tinham dois maiores. Estavam formando uma quadrilha, moravam nas proximidades do depósito e resolveram sequestrar o Gilberto. Por que resolveram sequestrar o Gilberto? Além de ele dar essas festas no final do ano, que juntavam 10 mil pessoas, 12 mil pessoas, todas as datas comemorativas, chama muito a atenção. E as vendas em que ele estava. E outra, antigamente, as carretas de gás que entravam eram de mil “gás”. Então, a gente pedia três mil “gás”. Três carretas entravam por dia. Então, os caras fizeram isso e viram que entrava três mil “gás” dentro do depósito. Todo dia, isso não é uma vez por mês. São três mil “gás”. Então, como eles sabiam que eram mil “gás” por carreta, porque não existiam carretas menores, era só de mil “gás”. De mil “gás” e de quinhentos. Então, a gente pedia de mil “gás”, aí os caras acharam assim: “O cara vende três mil ‘gás’ por dia, então, vamos pedir um milhão de resgate”. Só que, quando eles ligaram, duas horas da manhã, alguém ligou. A gente atende o telefone. A polícia tinha achado o carro do Gilberto numa garagem na rua tal. Fui lá reconhecer. Era o carro do Gilberto mesmo. Estava dentro de uma garagem de uma pessoa. Não se sabe, não sabe nem quem é. Sabe esses bairros que não têm portão? Encostou lá, e levaram ele para outro lugar. Ele ficou na mão dos bandidos três dias. E o irmão dele começou a negociar com os caras. E, no decorrer do sequestro, ele foi trocado de cativeiro, depois o Gilberto contou. Os caras pegara o óculos e enrolaram fita preta, colocavam nele, mandavam ele deitar virado para a parede, ele não podia falar nada. Quando ele quisesse alguma coisa, ele levantasse a mão, não podia falar: “Quero fazer xixi”. “Não, levanta a mão.” “O que você quer?” “Quero fazer xixi. Quero fazer cocô.” O que o Gilberto fez? Ficou com medo de comer comida, passar mal. Não comeu, se restringia. Uma hora, ele levantou a mão. “O que você quer?” “Quero água.” Outra hora: “O que você quer?”. “Quero fazer xixi.” Pegaram uma lata, sabe essas latas de construção? E ele não podia ficar em pé. Como que um homem vai fazer xixi de joelho, numa lata? Virou e fazia, sei lá, ele falou que fez. E ele ficou com medo de comer comida porque trouxeram comida para ele no primeiro dia, ele falou que não queria. Quando ele falou que não queria, o Gilberto falou que eles chutaram a comida perto dele e xingaram ele: “Então, você vai ficar com fome, seu filho da puta”. Ele falou: “Quero só água”. E ficou só à água, e deitava lá. E ficavam dois menores. Isso era uma casa na frente. Isso foi o terceiro dia. No domingo para segunda. Na segunda-feira, esses menores, o Gilberto falou que, na madrugada, eles começaram a brigar porque acabou a droga de um e queria pegar a droga do outro. Porque não tinha ninguém para buscar droga para esse um. Começaram a brigar, disparou a arma. E o tiro acertou bem onde o Gilberto estava, na parede em que o Gilberto estava. Amanheceu. Quando amanheceu, esse um que estava sem droga falou que ele ia sair, o outro ia ficar sozinho, que ele ia buscar droga. A porta ficou entreaberta. Tinha gente morando no fundo. O Gilberto falou que escutava as pessoas falarem no fundo. Escutou uma mulher falar assim para o filho dela: “Vai buscar pão e leite na padaria”. Moleque, o molequinho foi. O Gilberto estava só com um. O molequinho passou e disse que viu, quando voltou da padaria. O Gilberto falou que escutou o moleque falar assim: “Mãe, tem um homem deitado no chão e o outro com a arma ali dentro”. E, como o Gilberto é superconhecido na região, a gente acha que a mulher foi e denunciou. Foi no orelhão e denunciou. A polícia veio, rondou para lá e para cá, não viu nada de estranho. Achou que era trote. Não fez nada. A mulher, deve ter sido a mulher, a gente não sabe até hoje também, ligou de novo. A polícia veio. Quando veio, o que tinha saído estava chegando. Acho que pelo jeito, a expressão dele, a polícia desconfiou. Quando a polícia desconfiou do moleque, deu voz de prisão para ele, ele saiu correndo. Quando ele saiu correndo, o outro que estava lá dentro também saiu correndo. O Gilberto, deitado, levantou e disse que não sabia o que fazer. Saiu correndo por cima dos telhados. O Gilberto falou que tinha uma tábua perto de um tanque, que ele ficou todo desorientado, se escondeu atrás daquela tábua. Os policiais, outros policiais correndo atrás dos dois, e veio um também entrou lá. E viu o Gilberto atrás da tábua. Já deu voz de prisão para o Gilberto. O Gilberto: “Não. Eu sou vítima. Eu sou vítima”. Graças a Deus, a gente não teve que pagar...
P/1 – Resgate.
R – Resgate. Enquanto isso, eu chamei advogado, chamei gerente da Liquigás, gerente de banco. A gente fez uma reunião e, sabendo o que estava acontecendo, todo mundo apoiou, porque o Gilberto é um empresário de grande importância para a empresa. Ele falou assim: “Você sabe que a gente não tem esse dinheiro”. Todo mundo apoiou. O gerente falou assim: “Está aqui o telefone da minha casa, a hora que você precisar, a gente levanta esse dinheiro”. O gerente da Liquigás falou assim. Eu falei: “E agora? A gente vai continuar pedindo gás? Vendendo gás? Vamos parar? Como é que é?”. Ele falou: “Não. Não pode parar. Você vai fazer o seguinte: todo o dinheiro que você arrecadar, você vai guardar. Se, caso precisar, a gente dá um jeito de arrumar o resto do dinheiro, e fala com o gerente”. Todo mundo apoiou. Em três dias, eu consegui juntar 350 mil reais. E a Liquigás liberou o gás sem pagar. Estava liberando, porque a gente já estava num ponto também de crise, uma dívida tão grande com a Liquigás, que a Liquigás não estava liberando mais gás sem pagar. A gente tinha que pagar a dívida e pagar o gás à vista. Então, aconteceu isso aí, eles liberaram o gás para ver. Se acontecesse de pagar o resgate, ter dinheiro. Eu sei que a gente arrecadou 350 mil reais. O Gilberto foi liberto, passaram dois dias, a gente fez reunião com a Liquigás. O Gilberto falou assim: “Não dá mais. Vou embora daqui com a minha família. Não quero saber mais de gás. Mas tem uma dívida para pagar”. Aí, a Liquigás: “Você não pode”. O Gilberto fez uma dívida tão grande com a Liquigás, que eles chamavam o Gilberto de mal necessário. É o câncer. Chegou a falar isso para ele. O câncer que não tem cura e tem que ficar com aquele câncer para sempre. Está até hoje. Só sei que eles liberaram o gás para a gente, e eu juntei esse dinheiro e, quando ele voltou, passou dois dias para descansar, a gente reuniu, conversou, ele falou: “Vou sair daqui. Não quero saber mais de gás. Vou ver o que é que faz com essa dívida aí. Vocês tomam”. Pegou a chave de todos os depósitos, falou: “Vocês podem tomar conta, põe alguém, paga a dívida”. “Não, porque não, porque não, você tem que ficar.” “Então, tá, você há de concordar que, para eu ficar nesse ramo do gás, eu preciso morar num lugar com mais segurança, vou precisar de um carro blindado e vou precisar de segurança.” A Liquigás: “Concordo!”. A gente morava próximo do depósito, a gente andava com carro normal, comum, e a gente tinha que se mudar. Ficamos procurando uma semana casa para morar. Foi onde um amigo achou uma casa em Arujá, num condomínio, e falou: “Vem morar aqui, que aqui é seguro”. A gente pegou esse dinheiro e deu entrada numa casa, comprou um carro blindado e contratou dois seguranças. A partir desse momento, só andava com segurança. Tanto eu quanto ele. Estamos aqui hoje. Entrou na política, gastou, tirou dinheiro da empresa. Está lascado. Está fodido.
P/1 – Mas hoje vocês não moram mais juntos?
R – Não.
P/1 – Então, eu quero saber quem é essa Gal do presente? O que essa Gal faz hoje?
R – Então, aí, a gente fez a partilha dos bens, separamos amigavelmente. Tudo o que ele propôs, como foi amigavelmente, eu concordei. A pensão, muitos bens, devido à fiscalização, a dívida, os bens que a gente adquiriu depois de tudo isso. Não podia mais comprar coisa no nosso nome. Tinha que pôr no nome de alguém, um parente, sabe? Só sei que sentamos, conversamos com o advogado, concordei com tudo, e ele falou assim... Alguns carros já tinham sido, como é que fala? Não é arrolado que fala. A fiscalização já tinha pegado. E só as coisas que estavam com o nome de outras pessoas, ou coisas que estavam em contrato que não podia pegar. Ele falou: “O que for de melhor eu vou deixar para você e para minha filha”. Conclusão: beleza, tá, concordei com tudo o que ele falava que era para bem comum de nós dois. Separamos, fiquei com uma casa, uma casa boa no condomínio em Arujá, carro bom, uma casa na praia e dois terrenos. Só que tinham outras coisas por fora, que a fiscalização nem ninguém sabia. Hoje, sobrevivo do aluguel desses dois terrenos que ele usa, que é no depósito mesmo. Ele me paga um aluguel, paga pensão da menina, até ela estudar ou até quando ele quiser, que ela vai parar a faculdade dela agora, acho que no mês que vem. E sobrevivo dessa forma. Fiquei três anos trabalhando junto com ele. Não deixei de ir lá com ele de jeito nenhum, trabalhando na mesma sala. Assumiu que... Depois da política, passou um ano, foi que aconteceu de a gente se separar, e ele assumir de ficar com ela mesmo. E morava em outro condomínio. Nesse mesmo condomínio, a gente tinha uma outra casa. E essa casa estava hipotecada, eu nunca deixei ele reformar a casa, ele reformou essa casa. Hoje, ele mora nessa casa hipotecada, com ela. Gastou! Ele é tão burro. Gastou um milhão e 200 para reformar uma casa hipotecada. Hoje, moram ela, duas filhas e a sogra. A sogra morreu. Hoje, ele paga quase dois mil reais de condomínio. Sabe homem burro, coisa burra? Porque eu acho que é burrice. Eu não entendo. Gastou um milhão e 200 para reformar essa casa, mais umas dívidas que ficaram da política, porque ele gastou quase três milhões na política. Tirou dinheiro da boca dos funcionários, foi à beira da falência e está vivendo com ela. Hoje, tem dois filhos. Para mim, na minha opinião, vive de aparência. Porque eu não pagaria dois mil reais de condomínio, sendo que ela, a mãe dela tem casas no lugar em que ela morava. Ele reformou a casa da mãe dela um tempo. É uma casa de bairro, mas é uma casa boa. Dá para morar. Então, a burrice. Dá uma de madame, num condomínio luxuoso. Não sei se você conhece, é o condomínio quatro, é um luxo total. A casa dele reformou, é muito boa. A minha casa hoje vale um milhão e 100. A casa dele vale três milhões e meio. Só que não é dele, é hipotecada. A hora que vender, ele vai ter que sair de lá. Passamos tudo isso daí, uma história bem lá do comecinho. Se for contar, a gente vai ficar aqui a noite inteira. Eu só sei que esses terrenos que a gente comprou, a gente teve que passar um terreno desses para o irmão dele. Porque aconteceu, a gente tinha, precisou de... Não é de avalista, como é que fala? Quando você faz contrato de aluguel?
P/1 – Fiador?
R – Fiador. A gente pediu para o pai dele ser o fiador. E, devido às dívidas que a gente gerou, o pai dele, como fiador, correu o risco de perder a casa. Então, a gente conversou com esse irmão dele e falou a situação. E eu falei: “Vamos pôr esse terreno no seu nome, você vende e tira a casa do pai do fogo”. O pai dele só tinha uma casa. Não era justo a gente fazer isso. Aí, a gente fez isso. Só que, com o decorrer do tempo, tudo o que aconteceu, a gente conseguiu tirar a casa do pai dele do fogo, e o terreno não foi vendido, ficou no nome do irmão dele. Só que chegou numa situação, ele deve milhões para a Liquigás, deve milhões para a Federal, a Federal não dispensa nada. Esse terreno, o irmão dele é superbem de vida, foi vender um apartamento. Foi quando o irmão dele descobriu que o nome dele estava sendo, estava negativado por causa desse terreno nosso, que estava no nome dele. Que a Federal foi em cima e viu, sei lá. Aí, conclusão: o irmão dele foi obrigado a entrar na empresa, porque, senão, o irmão dele perdia até o que ele tinha. O irmão dele entrou, está até hoje tentando levantar a empresa. Investiu, investiu, e está lá sobrevivendo. Está vivendo a vida. Devido ao irmão dele ter ido lá, o irmão dele chegou em mim, conversamos, conversamos, conversamos, ele falou: “Está na hora, não há mais necessidade de você ficar aqui”. E eu, sabendo toda a situação, e, com o decorrer do tempo também, eu sabendo de tudo, já tinha separado dele, já tinha divorciado tudo certinho, ele precisou fazer um empréstimo no banco, para pagar gás, pediu para eu assinar de avalista. Então, lá se vai eu, assinei de avalista, porque eu estava vivendo toda a situação, assinei, 100 mil reais. Hoje, o meu nome é sujo por causa disso. O irmão dele veio, falei: “Acho que está na hora. Vou sair!”. Saí. Fui para casa. Nessa altura do campeonato, devido ao que aconteceu com a minha filha, já estava dirigindo, já ia para baixo e para cima com o meu carro. Já tenho meu carro. E, acostumada a vida inteira, 25 anos trabalhando direto, sem parar. Já teve época em que a gente trabalhava, passar Natal, passagem de Natal, de Ano Novo, na rua, porque saía do depósito para ir, sabe? Cheguei em casa, começou. Para eu não cair numa depressão, e lá é um condomínio de luxo, tem tudo lá dentro. Academia maravilhosa, tudo de bom. Eu comecei, fui na academia, andava, fazia caminhada, bicicleta. Chegava em casa, cuidava da casa. Mas você não aguenta. Não dá. Falei: “Já enjoei. As pessoas lá são muito metidas. Não dá, não dá”. Comecei a ir para os bairros vizinhos, fazer amizade com outras pessoas, no Cras [Centro de Referência de Assistência Social], não sei se vocês sabem o que é Cras. Tem o pessoal da terceira idade. Eu comecei a fazer ginástica com o pessoal da terceira idade, ajudar um pessoal da terceira idade. Um belo de um dia, chegou uma moça lá, a coordenadora lá do Cras, com duas fichas na mão, e falou assim: “Quem se interessa de fazer um curso tal, que está acontecendo na Defensoria Pública de Itaquá?”. Aí, a minha colega, ela falou: “Só tem duas fichas. Quem quiser me procura depois”. A filha dessa minha amiga lá estava do meu lado, falou: “Vamos fazer?”. Eu falei: “Vamos!”. A gente foi lá conversar com ela. O curso chama: Promotoras Legais Populares. Não sei se você já ouviu falar. A gente preencheu a ficha e começou o curso. A gente foi na defensoria, tinha 70 mulheres. É um curso que fala sobre violência doméstica, racismo, com orientação, sabe? A gente fez. Estou lá, fazendo esse curso com a minha amiga. Ela parou, pelo serviço dela, e eu continuei. Foi onde que eu não entrei em depressão. Comecei nesse curso todo sábado, fiz mais amizade. O curso foi de nove meses, e só nesse curso eu aprendi muito, muito. Se vocês tiverem oportunidade de fazer, vocês façam. Vocês entram no site do Geledés [Instituto da Mulher Negra], vocês vão ver o que eu estou falando. Então, aprendi muito. Eu vi, nesse curso, eu descobri quanta violência doméstica eu passei, dentro da minha casa, com o meu próprio marido. Uma vez, é o que eu te falei, está aqui na rua, solta a mão: “Você soltou a mão por que?”. Um dia, eu estava em casa, uma sainha curta. “Tira essa saia aí!” “Por que tirar a saia? Eu ando do jeito que eu quero.” “Não vai tirar, não?” Pegou a tesoura e cortou a saia. Jogou fora. Só depois de 25 anos de casada, separada, já três anos, fiz esse curso, que eu descobri quanta violência doméstica eu passei dentro da minha própria casa, com o meu próprio marido, quanto ele é machista, descobri muita coisa. A gente concluiu esse curso. E através desse curso eu fiz muitas e muitas amizades. A prefeitura oferece muitos cursos. E, quando eu comecei lá atrás, morando lá no fundo da casa dele, eu comecei a fazer unha, fazia unha das minhas cunhadas. Quando a gente casou e foi mudando de bairro, mudando de bairro, parei de fazer unha. Apareceu curso depois disso, da prefeitura, falei: “Quer saber, eu vou ver se eu sei fazer unha ainda”. Fiz o cursinho na prefeitura, de graça, fiz. Estou eu lá em casa, sozinha, de repente, como eu sou muito conhecida, o pessoal, oito anos morando num condomínio, uma amiga bateu na minha porta. Duas amigas. Essa moça tem um salãozinho no fundo da casa dela, dentro do condomínio. E tem uma filhinha de Síndrome de Down. E essa menininha, ela chama todo mundo de “bicha véia”. Elas duas bateram na minha porta, porque eu tinha sumido. Eu não aparecia mais. “Bicha Véia, está fazendo o quê que você sumiu? Está doente?” Eu falei: “Não, eu estou em casa. Estou indo na academia. Mas eu apareço. Entra, senta, toma um café, vamos conversar”. Ela falou: “O que você está fazendo?”. “Fiz um curso de manicure.” Ela falou: “Então, você vai trabalhar comigo”. Eu falei: “Não. O pessoal do condomínio é muito chato. Muita madame”. “Você vai, você vai, você vai.” Eu falei: “Então, tá. Eu vou fazer a unha de vocês, se vocês verem que eu sei fazer, a gente continua”. Eu fui. Fiz a unha das duas. Elas falaram: “Está bom. Vamos que vamos”. Já tinha o materialzinho do curso, comecei com alicate, cinco esmaltes. Hoje, eu tenho uma bela de uma clientela, tenho mais de 200 esmaltes, atendo a domicílio, e estou vivendo a vida. Porque, se não fosse isso, se não fosse esse curso, é sério, eu hoje teria caído em depressão. Não pela separação, e sim pela minha vida de trabalhar, de ser inútil. Eu fui inutilizada. Eles me deixaram uma pessoa inútil, me senti inútil. Então, para mim, como eu fui forte, eu resolvi levantar a cabeça e sofrer, mas não deixar, e aprendi muito. E hoje, nesse curso, a gente fez esse curso através do Geledés, e decidimos fazer a gente mesmo, fazer a segunda etapa. O nosso grupo reuniu as mulheres, e a gente fez a segunda etapa e já estamos na terceira etapa. Inclusive, foi sábado agora que foi a formatura de 45 meninas. Maravilhoso. E sou tesoureira do grupo, que a gente está fazendo um centro. Chama-se Centro Tereza de Benguela, para a gente ajudar as pessoas, orientar, contra racismo, contra violência doméstica, mas principal, a gente faz trabalho nas delegacias. Tem reportagem. Se vocês abrirem, vocês veem. Uma vez por semana, a gente ia numa delegacia, três meninas, e a gente tem uma sala, chamada “sala rosa”, nas delegacias. E nós, como promotora legal popular, para orientar essas pessoas, porque, se você sofre uma violência doméstica, seja ela qual for, principalmente de apanhar, o que você faz? Você chega lá toda quebrada, com o olho roxo, com a perna, os dentes quebrados, chega numa delegacia, só tem homem. Aquele monte de gente para fazer boletim. O que acontece? Você fica lá exposta, você tem que esperar a sua vez. E nós, com esse trabalho, com uma “sala rosa” separada, e as promotoras legais para orientar, quando chega esse tipo de pessoas assim, a gente pega ela, leva ela lá para cima, acolhe, dá um café, um chá, uma água, escuta. Ouve ela. Depois que a gente faz tudo isso, ela não precisa mais passar por aquilo, fazer boletim lá embaixo. O delegado já faz o boletim para ela, orienta da melhor forma possível. Hoje, o que eu faço é isso. Eu faço unha e ajudo.
P/1 – E, Gal, eu tenho mais duas últimas perguntas para a gente encerrar nosso encontro de hoje. Mas, antes, Laura, você tem alguma questão?
P/2 – Eu queria saber como que a senhora, olhando dessa perspectiva de tudo o que a senhora passou, depois dessa formação, como que a senhora leva esse depoimento a essas pessoas que sofrem violência doméstica ou que também tenham uma história de vida de luta realmente?
R – Eu chego até a orientar. Hoje, eu até que falei muito em frente de uma câmera, eu mudei tanto depois desse curso, que eu não conseguiria, jamais eu conseguira estar falando tudo o que eu falei, da forma que eu falei aqui para vocês. De jeito nenhum. Pegar no microfone, falar com as pessoas, de jeito nenhum. Então, hoje, eu sou outra pessoa. Completamente diferente. Quem me conheceu antes e vê agora fala: “Essa é a Gal empoderada”. Apesar de muitas coisas, eu não saber me expressar, muitas coisas eu não saber falar, quando eu me vejo em frente das pessoas, eu estou falando, acho que porque eu estou me sentindo bem com vocês. Não tem aquele monte de gente. Começar a falar, eu já gaguejo. Não falo coisa com coisa. Durante a fase do meu curso, que eu falava alguma coisa. E, às vezes, quando dá oportunidade, eu começo a falar, mas começo a ficar vermelha, não dá, parou, todo mundo já sabe. É isso daí. Com certeza, é a primeira vez que eu estou conseguindo falar mesmo.
P/1 – Que honra! Muito obrigada, então, Gal.
P/2 – Eu tenho mais uma pergunta. Eu acho que toda essa história refletiu de alguma forma na formação do ser, da sua filha, da Eliane.
R – Elaine.
P/2 – Elaine, desculpa. E como a senhora vê o que a Elaine se tornou: uma mãe Gal antes desse curso, dessa formação, e uma Gal agora?
R – A Elaine, quando tudo estava acontecendo, acho que foi na pior fase da vida de qualquer adolescente. Porque eles não estão nem aí, tanto que o pai dela falou sobre a separação e qual era a obrigação dela? Era ela falar comigo. Ela não falou nada. E a Elaine é uma menina assim. Ela é muito assim, ela é muito, como é que eu posso te falar? Ela pensa muito só em estudar, trabalhar e o sonho dela é viajar. Então, eu não sei porque, se nessa época ela estava naquela fase de “aborrecência”, não tinha diálogo, eu passei por tudo isso praticamente sozinha. Que eu cheguei até a falar para ela, vendo tudo desmoronar: “Filha, por que você não vai trabalhar com a mãe lá no escritório?”. Ela não ouvia, não sei nem te explicar o porquê. O que ela fez? Em meio de tudo a isso daí, ela queria fazer faculdade, numa faculdade lá em Santo Amaro. Tanto que, olha o que ela fez: ela foi nessa faculdade em Santo Amaro. Para chegar nessa faculdade de Arujá até Santo Amaro, que é uma faculdade, eu esqueci o nome da faculdade, ela teria que gastar no mínimo cinco horas, não, quatro horas, para ir e quatro horas para voltar. Se fosse o caso dela ir. E ela já estava ciente de tudo o que estava acontecendo na empresa. O pai dela não ia poder bancar ela dessa forma, ela ir para uma faculdade dessas, ela ia ter que morar lá. Então, a gente sentou e conversou: “Filha, não dá. A gente não está podendo. Você não vai poder morar sozinha. Lá lá lá, lá lá lá”. Então, ela queria porque queria fazer faculdade, queria fazer nesse lugar. E, nessa época, ela estava estudando e conseguiu fazer um bico numa loja de roupa. Pois ela teimou. Ela pegou o dinheiro que recebeu, dois mil, mil e pouco, dois mil, e eu falando para ela que ela não poderia fazer. “Não, porque eu posso.” Eu: “Filha, quatro horas para ir, quatro horas para voltar, você não vai aguentar”. Mas não me ouviu. “Eu conheço gente aqui em Arujá que estuda lá.” Falei: “Mas não é assim”. Pois ela meteu as caras, foi com o namorado dela, fez a matrícula, e quando ela viu que não dava mesmo, perdeu o dinheiro. Veio, fez a matrícula aqui na Vila Mariana, na FMU [Faculdades Metropolitanas Unidas], e nesse meio-termo decidiu que ia viajar. Queria fazer intercâmbio. Pôs na cabeça do pai dela, o pai dela pagou esse intercâmbio para ela, tudo recentemente da separação. Conclusão: sofri sozinha. Porque, morando num condomínio, hoje, eu me considero sozinha. Eu tenho ela. Só ela. Tenho um irmão que mora lá em São Miguel. Mas, se eu der um grito, não tem ninguém do meu lado. Só eu e Deus e ela. E ela é dessa forma aí. Decidiu fazer esse intercâmbio. Eu falei: “Filha, ao invés de você fazer isso aí, seu pai não está podendo gastar, por que você não vai para a empresa, trabalhar comigo?”. “Não porque eu tenho que fazer intercâmbio, tenho que fazer faculdade, é importante.” É importante, mas para um pouco. Não quis nem ouvir. Sei que ela fez da vidinha dela. Ela é meio um pouco do pai dela. Decide, mete a cara e faz. Mesmo que der errado depois, mas faz. E o resto assim. Ela é uma menina maravilhosa, em outros termos. Primeiro namorado, hoje ela tem 22 anos. Namora com um rapaz fez cinco anos. Primeiro namorado também. E está aí. E é toda carinhosa comigo. O sonho dela é viajar. Está fazendo a faculdade que ela quis. E sempre falou: “Mãe, o meu sonho é viajar e, para onde eu for, eu te levo”. E as surpresas que ela faz para mim são todas maravilhosas. E é isso aí.
P/1 – Posso ir para as duas últimas perguntas, Gal?
R – Sim, senhora.
P/1 – A primeira é como foi contar sua história hoje para a gente?
R – Para mim, foi meio que até um desabafo. Porque nunca tive uma oportunidade de contar minha história desde o começo para ninguém. Conto algumas partes. Oportunidades, como eu te falei, do curso, falei um pouco, conversando com alguém. Mas sentar e conversar com duas pessoas que eu nunca vi da minha vida, desde o princípio até o fim... Esse fim hoje, que a gente mora praticamente no mesmo condomínio. Hoje, ele tem dois filhos, um menino e uma menina. No começo, ele ia muito ver minha filha, saía muito com ela. Agora, já estão se distanciando. Uma coisa que me deixa triste. Às vezes, até me sinto culpada porque, na época, por saber da traição, por acontecer tudo isso, chamei os dois, sentei, conversei, falei para ela. Falei: “Olha, filha” – os dois – “O que eu não aceito é você dentro da casa do seu pai com a família dele. Seu pai não vai deixar de ser seu pai”. E não tinha nenhum filho ainda. “Seus tios não vão deixar de ser seus tios nunca. Então, a hora que você quiser ir para a casa de seus tios, você vai, sair com seu pai, seu pai pode ir lá em casa tranquilo.” Só que passou uma época, a mulher ou ele tentaram fazer a cabeça dela. Parece que eu sou a culpada. Eu que tentou sair com ela e armar. Por exemplo, tem a Feira das Nações lá agora. Ele liga para ela: “Filha, vamos na Feira das Nações?”. Só que a mulher vai junto, então, ela está junto. E o que eu mais pedi foi isso. Aos pouquinhos, eles estavam tentando, e eu não aceitei no começo. No começo, eu não aceitava. No meu ponto de vista, não aceitava. Por que? Autoproteção. A minha filha vai conviver com aquelas pessoas, eu falava mesmo: “Com aquela vagabunda, que não vale nada, uma mulher com o currículo que ela tem”. Uma coisa que eu ia até falar. Ela tentou destruir o casamento da própria irmã, e quem a conhece no bairro dela se refere a ela assim: “A Alessandra é vagabunda”. No bairro dela lá. E outra: ela tem uma menina da idade da Nani. Outra menina acho que é dois anos mais nova. A menina começou a chamar ele de pai. E essas coisas que eu estou te falando aqui, agora, eu nunca cheguei a conversar com a Elaine. Na minha cabeça, que eu acho que é de proteger ela de passar algum tipo de constrangimento, sei lá. Não sei se eu agi errado, sei lá, não sei. A gente às vezes nem conversa. A gente não conversa sobre isso, mas é o meu ponto de vista. Não sei se eu estou errada ou não.
P/1 – E, Gal, nossa última pergunta. Pode pensar um pouquinho se for difícil para responder, tá?
R – Tá.
P/1 – Quais são seus sonhos hoje?
R – Meu sonho, devido a tudo isso, é que a minha filha seja muito feliz. Ela é tudo para mim. É tanto que, por eu ter perdido, perdido não, Deus levou meu filho, ela é tudo, tudo, tudo, tudo para mim. Para você ter ideia, hoje, dia de quinta-feira, ela faz curso de canto. Lá no condomínio mesmo. E ela está fazendo um bico dando aula de inglês no outro condomínio. E ontem ela deixou a moto dela lá porque eu tive que levar ela na rodoviária. Hoje de manhã, ela levantou na loucura dela, na correria dela, pegou e falou assim... Ela tinha até esquecido que a moto dela não estava em casa. Quando ela saiu lá fora, ela: “Ai, mãe, como é que eu vou? Como é que eu vou? A minha moto está lá na Tati”, onde ela dá aula. Falei: “Filha, vai de carro, né?”. Ela falou: “Então, tá. Eu vou de carro”. Não. Quando ela saiu, que não lembrava da moto, ela falou assim: “Meio-dia lá na Tati. Você me pega”. Eu falei: “Está bom, filha”. Aí, ela voltou: “Ah, mãe, estou sem moto”. “Vai de carro, filha, pelo amor de Deus.” Eu sempre esqueço que ela está fazendo aula de quinta, ela foi para aula. Quando foi daí cinco minutos, que hoje ela tinha uma aula de inglês, dar aula para a menina, a Tati me liga. Quando a Tati me liga: “Oi, Tati”. Ela: “Cadê a Nani, que não chegou aqui ainda? Está atrasada”. Eu falei: “Como assim? Você é louca?”. Meu coração já subiu. Como eu não lembrava que ela tinha aula dentro do condomínio mesmo, e ela saiu com o meu carro, já me passou mil coisas pela cabeça. Falei: “Pronto, a menina saiu com o carro, como, Tati, não chegou aí? E ela foi com o meu carro”. Já me passou que ela foi sequestrada. Aconteceu alguma coisa. E a Tati: “Faz cinco minutos que estou ligando no celular dela, não atende”. Falei: “Não, pelo amor de Deus, Tati. Não me fala uma coisa dessas. Meu coração já está a mil. Vamos atrás da minha filha. Eu quero saber da minha filha agora”. E, falando com a Tati e fui entrando para o lado da cozinha, e vi ela chegando. “Ah, Tati, pelo amor de Deus, ela está aqui.” Mas, se ela atrasa, não sei se é paranoia minha, ou por já ter perdido um filho, aquela coisa assim, de acontecer alguma coisa com ela. Quando ela vai para a faculdade e atrasa, não atende o celular, não me passa mensagem, eu fico com o coração na mão. Não sei se vocês entendem. Mas a minha pessoa é essa.
P/1 – Mais alguma coisa, Gal?
R – Não.
P/1 – Mesmo? Então, eu tenho uma coisa para falar com a senhora: muito obrigada! Foi lindo ouvir sua história. Muito obrigada mesmo.
R – Só tenho a agradecer. A minha filha também, que é linda, maravilhosa, e me apronta essas coisas. Quinta-feira, a gente vai lá, naquele lugar.
P/2 – Gostou da surpresa?
R – É legal.
P/1 – Obrigada, Gal, obrigada mesmo.
R – Então, está bom.
Projeto Conte Sua História
Depoimento de Gal Alves de Lima
Entrevistada por Carol Margiotte e Laura Garibaldi
São Paulo, 14/06/2018
Realização: Museu da Pessoa
PCSH_HV686_ Gal Alves de Lima
Transcrito por Márcia Rocha de Almeida
Revisado e editado por Viviane Aguiar
P/1 – Gal, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Muito obrigada por estar aqui com a gente hoje. É um prazer recebê-la.
R – Eu que agradeço.
P/1 – E, pra começar, seu nome completo.
R – Gracilene Alves de Lima.
P/1 – Local e data de nascimento.
R – 10 de novembro de 1968, Água Branca, Piauí.
P/1 – Graucilene?
R – Não, Gracilene.
P/1 – E a senhora sabe por que foi batizada como Gracilene?
R – Os meus pais contam que foi um irmão meu que escolheu esse nome, um dos meus irmãos.
P/1 – E não sabe como ele pensou nesse nome, Gal?
R – Não, não, porque eu vim de uma família de 11 irmãos, sete meninos e três meninas. E eu lembro que minha mãe falava que eu fui a caçula, a última, a raspa do tacho, como diz o outro (risos). Então, um dos meus irmãos que cuidavam de mim, ele ficava mais em casa e ele me dava banho. Na época, lá era bicicleta, que não tinha carro, andava de bicicleta. Ele que cuidava mais de mim do que a minha mãe. E foi ele que escolheu esse nome pra mim. Inclusive, esse meu irmão saiu de casa, eu tinha dois anos e meio e eu não conheço ele. Pra você ter ideia, se eu esbarrar com ele na rua aí, não sei quem é! Só tenho notícias que ele mora em Brasília. Mas hoje eu vou fazer, tenho 49 anos, e desde os meus dois anos e meio, eu não conheço ele. Só sei essa história que minha mãe falava. O nome dele é Severino, que ele que cuidava muito de mim. Eu era o xodozinho dele. E um dia ele discutiu com o meu pai – o pessoal antigamente era muito severo, né? E meu pai pegou e falou assim pra ele: “A porta da frente é a serventia da casa”. É a história que eu sei. E, desde então, ele saiu, sumiu e não deu mais notícia. E, às vezes, um outro irmão até chegou a saber onde ele morava, em várias cidadezinhas, e foi atrás. E, quando o meu irmão achava ele, ele mudava de lugar. Meus pais morreram, ele não quis saber. Até hoje. Hoje a gente sabe por alto que ele mora em Brasília, mas eu não conheço ele. Tem irmãos que já morreram também. Então, hoje eu tenho uma irmã que mora no Maranhão, um irmão também, a família é toda espalhada. E é isso.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – O meu pai é Andrelino Ferreira Lima, a minha mãe é Constantina Alves Feitosa. Já morreram também.
P/1 – E a senhora pode falar um pouquinho sobre eles? Como eles eram, o que eles faziam?
R – Então, meu pai sempre foi lavrador, e a minha mãe era costureira.
P/1 – Sabe como eles se conheceram?
R – Não. A minha mãe conta histórias, já chegou a contar história dela, que, como eles não tinham oportunidade – não tinha escola na época dela –, e ela contou várias histórias da vida dela, que tudo era difícil. Quando ela conheceu meu pai, aí teve uma festa e ela começou a dançar com o meu pai. E o pai dela era tão severo que não admitia isso daí. Porque os namoros, antigamente, você sabe como que era, né? Era a distância. Chegava e sentava, ficava o pai ou a mãe ou, então, um irmão vigiando. E ela me contou essa história uma vez, que eles dois começaram a dançar. O pai, quando viu isso aí, arrastou ela pela orelha, que rasgou a orelha dela, que não devia estar dançando com ele. Aí, resolveram, naqueles tempos lá, não era fugir, era roubar. Eles falaram assim: “Vou te roubar e a gente casa”. Ele roubou ela e casou (risos). Aí, casaram e continuaram a vida. E ela conta várias histórias da vida dela, que, por não ter condição, tudo era muito difícil naquela época. Ele, como lavrador, pra se alimentar, você tinha que plantar, colher. E, como ele plantava e colhia, tipo arroz, não tinha maquinário pra descascar o arroz, que fala na época, era a base de... Sei lá, eram uns paus lá, batia. O sal não era que nem hoje, sal era muito grosso, não era nem sal grosso igual hoje, tinha que moer o sal. O café tinha que ser colhido, tinha que ser torrado e moído. Água, ela conta que ela ia lavar roupa... Fala trouxa. Fazia uma trouxa de roupa. E houve uma ocasião de ela estar grávida, um dos meus irmãos pequenos e outro carregando no colo, mais a bacia de roupa na cabeça. E ia atrás de lagos, não é nem lagos, eles falam rios, pra lavar roupa. Então, ela saía cedo com um pequeno arrastando, outro aqui – vou falar as palavras de antigamente, né?
P/1 – Pode falar.
R – Ela fala assim: “Um arrastando na mão e o outro escanchado”, que é aqui, escanchado. E bacia de roupa na cabeça. E a gente ia procurar rios pra lavar a roupa. Quando chegava lá, ela estendia um lençol no chão, colocava o menorzinho pra dormir, o outro maior pra cuidar, e ela ia lavar roupa. Conclusão: o dia dela era esse pra lavar roupa. Voltava pra casa, quando chegava, tinha que cuidar da janta, que o meu pai já ia chegar. Ia pegar água na cacimba – chamava cacimba, antigamente, não era nem poço. Pra pegar água nessa cacimba, ela descia em degraus, porque eles furam um buraco pra achar água. Descia em degraus, pegava a água pra fazer a janta e já deixar água para o meu pai tomar banho, meus irmãos. E ela conta essa história, essa história dela. Aí, depois, quando eu nasci, já estava bem melhorzinho, a gente já morava numa casa melhorzinha. E o que eu lembro é isso daí.
P/1 – Mas, quando eles casaram, nunca mais eles voltaram a ter contato com os pais da sua mãe?
R – Então, eu lembro que eu só conheci a minha avó. A minha avó chegou até a morrer na casa da minha mãe. Eu não conheci meus avós da parte do meu pai e não conheci o avô da parte da minha mãe. Conheci só a minha avó, que o nome dela era Mariana.
P/1 – A senhora sabe o nome de todos?
R – Não, não sei.
P/1 – E onde vocês moravam?
R – Água Branca, Piauí.
P/1 – Que também é a cidade dos seus pais?
R – Não, os meus pais são de Crato, acho que é Maranhão.
P/1 – E a senhora sabe como que eles foram até Água Branca?
R – Não, aí não sei.
P/1 – E todos os filhos são de Água Branca?
R – Acredito que sim. Acho que só não os mais velhos.
P/1 – E, por ordem de nascimento, me fala o nome de todo mundo?
R – Ai, Jesus!
P/1 – (risos) Pode errar, não tem problema.
R – Deixa eu ver: Antônio, que morreu faz uns quatro meses. Era o Antônio... É tanto irmão! Antônio...
P/1 – Se não lembrar na ordem, não tem problema.
R – Na ordem, eu não vou lembrar mesmo. Porque eu saí de casa também muito cedo. Eu saí de casa acho que eu tinha 12 pra 13 anos. Como o pessoal lá do Nordeste, pelo menos antigamente era assim, saía atrás de trabalho, saía muito cedo de casa. Então, eu não vou lembrar o nome de todos os meus irmãos agora também por causa da emoção. Sei que eram Antônio, Francisco, Reizinha, a Graça, que também já morreu. Ai, Jesus... Roberval, este está vivo. Eu, que sou a Gracilene. Não vou lembrar dos outros.
P/1 – O Severino, né?
R – O Severino, que eu não conheço. São sete. Faltam três, quem são os outros três, Jesus?
P/1 – Não tem problema, a gente lembra depois, Gal.
R – Infância, todos nós temos, a gente não tem é brinquedo pra brincar, né? Então, até os meus dez anos, estudei. A partir dos dez anos, comecei a trabalhar de doméstica, cuidando de criança, babá. E teve uma época em que eu ia fazer 11 anos, comecei a trabalhar na casa de uma família que tinha quatro crianças. E eu dava conta dessas quatro crianças. Eu era tão pequenininha, que a dona da casa trabalhava também com roça, lavoura. Então, o marido dela ia para as lavouras, e ela ia junto também. Então, quando eu comecei a trabalhar com ela, eram quatro crianças. Eu chegava lá mais ou menos cinco e meia da manhã, e eles estavam dormindo. Ela estava dormindo ainda, porque ele levantava muito mais cedo pra ir pra roça. Eu fazia o café da manhã. Quando ela levantava, que ela ia cuidar das crianças pra levar na escola, eu já estava com o café pronto, já estava com a mesa posta pra ela tomar café e as crianças, e ela levar as crianças pra escola. Quando ela voltava, ela me dava instrução pra fazer almoço pra 11 pessoas trabalhando na roça. Isso, enquanto ela ia pra escola, eu tinha que varrer o terreiro – que se fala, na frente lá, fala terreiro. E quintal é quintal. Então, quando eu fazia isso aí, o café, e ela saía com as crianças, eu já varria o terreiro e já varria o quintal. Voltava pra cuidar, quando ela voltava, aí já me dava instrução pra fazer comida para os trabalhadores. Ela voltava 11 horas, eu já estava com esse almoço pronto pra ela levar para os trabalhadores dela na roça. E as camas arrumadas também. Eu lembro que eu era pequenininha. Acho que você viu as fotos lá, né?
P/1 – Sim.
R – Eu não era magra, não, era magérrima, sequinha! (risos) Aí, eu subia em cima da cama pra poder dobrar o lençol, porque eu não conseguia dobrar o lençol em pé. Pela altura, eu não conseguia. Eu subia em cima da cama e dobrava o lençol, arrumava as camas. Ela chegava: “Oh, faz isso para o almoço, lá, lá, lá. Tô indo na roça lá”. Ela ia e voltava, 11 horas estava pronta essa comida. Ela levava para os trabalhadores dela. Aí, enquanto isso, eu ia terminar, lavar a louça, terminar de dar uma geral na casa. E assim era meu dia. E eu lembro como se fosse hoje, que foi o meu primeiro emprego. E eu ganhava, vamos dizer hoje, metade de um salário mínimo. E estava próximo do Dia das Mães, e o que eu fiz com esse dinheiro? Esse dia, eu recebi, e o Dia das Mães era amanhã. Aí, eu saí de lá seis horas da tarde, peguei esse dinheirinho e falei assim: “Meu primeiro salário, vou comprar um presente pra minha mãe, que eu nunca dei”. Aliás, irmão nenhum, minha mãe não ganhava nada, que ninguém tinha condição. Ela fumava, eu fui numa mercearia, que fala, nessa época lá, comprei um maço de cigarro Classic, não sei se vocês conhecem (risos), que era o cigarro que ela fumava. E um joguinho de xícaras, com pires, porque, na minha casa, também não tinha isso. Então, foi o meu primeiro salário, eu fiz isso, comprei um presente pra minha mãe. E, quando eu cheguei em casa, já eram mais de sete horas da noite, ela já estava preocupada e brava. Já foi me dando, brigando. “Por que eu não chegava?”, não sei o quê. Eu falei: “Toma aqui, velha!”. (risos) Aí, já viu, né? Ela deu mais valor para o cigarro que para as próprias xícaras, porque ela fumava (risos). Aí, foi assim. A partir disso daí, eu vim pra São Paulo, com 12 anos, 12 pra 13 anos. Aí que começa minha história, né? Vim pra estudar, vim pra ajudar meu irmão, que já estava aqui em São Paulo, pra cuidar de um filho dele, que os dois trabalhavam. E eu sempre tive na cabeça: “Eu vou estudar, vou ser alguém na vida”. E já estava fazendo a sétima serie. Quando eu cheguei aqui, o primeiro dia, não sei... Ah, sei lá, é uma história que eu acho que o destino une as pessoas, sabe? Sabe a história da tampa e a panela, cada um é... O chinelo velho, essas coisas assim. Eu lembro que meu irmão morava nos fundos da casa do meu marido, meu não, ex, né? Quando eu cheguei esse dia, ele estava jogando bola na rua, uma turminha jogando bola na rua. Quando eu cheguei, quando eu entrei na casa, a irmã dele já veio de encontro. Falou assim, cheguei com o meu irmão, e ela falou assim: “Ah, você”’ – que ela fala errado também – “Ah, você que é irmã do Ruberval!”, que é Roberval, né? (risos) E já foi me abraçando, me beijando. Enquanto isso, a bola caiu dentro do quintal. Quem veio pegar a bola? Senhor Gilberto. O Senhor Gilberto correu, nem me viu. Correu lá, pegou a bola onde estava. A irmã dele chamava ele de Bé: “Bé, vem aqui conhecer a irmã do Ruberval”. Ele veio e, em vez de ele falar “muito prazer”... Sabe, moleque, né? Ele: “Meus parabéns, meus parabéns!”. (risos) Pegou a bola e foi jogar. Eu acho que Deus, sei lá, uniu a gente, porque não sei, acho que é alma gêmea, como fala. Porque eu vim do Piauí, nada a ver, ele vem do Paraná, morar em São Paulo, no Parque São Rafael, lá em São Mateus, e acontecer isso daí? Então, foi o meu primeiro namorado, meu primeiro tudo. Fiquei lá, cuidava do meu sobrinho e tinha uma sobrinha minha que trabalhava aqui em São Paulo, também de doméstica. Trabalhava na Casa Verde. E todo final de semana ela ia lá para o Parque São Rafael. E, quando tinha quermesse, a gente começou a ir pra quermesse. Ela toda adolescente, a gente começou a observar que naquela casa de cima tinha muitos rapazes, que a família dele também é grande. A minha sobrinha ficava: “Olhe lá!”, sabe? Tipo cinco horas, chegava e tinha uma escada assim, tinha uma janelinha que dava pra ver o pessoal subir. A gente começou a observar que tinha um monte de rapaz aí. Eu peguei, a gente começou a observar. E fomos na quermesse, via todo mundo. Teve um dia que ela pegou e falou assim: “Olha, aquele dali é mais bonitinho, vamos ver quem pega ele!”, que era o Gilberto. E, como eu morava lá, eu tinha mais oportunidade de ficar com ele do que ela. Fizemos tipo uma aposta. E na época era orelhão, ficha – uma ficha você falava um século! Tinha um orelhão próximo de casa, e toda vez que eu via ele, eu corria lá no orelhão. Eu falava: “Mariazinha” – o nome dela é Maria – “Mariazinha, olha, aquele gatinho lá, lá, lá”. Coisa de adolescente! Ficava a semana toda. Toda vez que eu via ele entrar no quintal, a gente ficava. Mas ela falava: “Não, mas eu vou pegar ele!”. “Não, ele é meu.” Eu sei que passou algum tempo, e ele, sei lá, não lembro como que foi, só sei que ele me pediu em namoro. Eu peguei e falei assim pra ele: “Mas como?”. Eu fiz amizade com a vizinha também, a vizinha, uma menina, eu falava assim: “O Gilberto é maior gatinho, né? E a gente fica se olhando, a gente fica paquerando”. Ela falou: “Mas você é boba, por que você não namora com ele?”. Eu falei: “Eu não!”. Foi quando ele me pediu em namoro. Eu fui lá contar pra ela: “O Gilberto me pediu em namoro”. Só que, quando ele me pediu em namoro, eu falei assim: “Preciso pensar. Não é assim, está pensando o quê?”. (risos) Ele falou: “Quanto tempo você precisa?”. Eu falei: “Ah, um mês, pra pensar se eu quero namorar com você”. Corri lá no orelhão e falei pra Mariazinha: “Olha, ele me pediu em namoro, não sei o quê, eu pedi um tempo pra pensar”. Corri na minha amiga que eu tinha feito amizade, a Andrea, e falei pra ela. Ela pegou e falou assim: “Você é boba? É o mais bonito da família, o mais gato! Um monte de menina querendo namorar com ele, e ele te pede em namoro e você não quer? Dá um mês ainda, com tanta menina atrás dele?”. Eu falei: “É que eu fui criada assim. E eu vim pra cá foi pra estudar, não pra namorar”. Ela falou: “Deixa de ser boba, fala logo!”. Eu peguei, fui na ideia dela porque a minha sobrinha também estava de olho nele (risos). Eu falei: “Tá, vamos logo resolver isso aí e ficar comigo logo!”. A gente se encontrou por acaso, e começamos o namoro uma semana depois que ele tinha me pedido em namoro. A gente começou a namorar e pelo menos eu, da minha índole, sei lá, não sei vocês, que são mais jovens. No meu tempo, a minha mãe, a minha educação, meus irmãos sempre falavam assim. Dos 11 para os 12 anos, já fiquei mocinha, com 12 anos, e na minha cidade lá, quando tinha as festividades, meu irmão, acho que nem lembro, sei que ele está comigo aqui em São Paulo. Ele falava assim: “Quando você for namorar, quando alguém se aproximar de você querendo ficar com você, não deixa pegar aquilo ali, pegar lá”. (risos) “Abraço, muito cuidado!” Ele que me orientava. Quando eu comecei a namorar com o Gilberto, não sei, é diferente na época de vocês, que é um tal do ficar. E na minha época não tinha nada disso. Pra você ver, pedia em namoro, ia pensar, pra depois dar resposta, lá, lá, lá. Então, quando a gente começou a namorar, não que a gente... Não tinha instrução igual hoje, eu não conversava com minha mãe sobre sexo, sobre nem mesmo minha primeira menstruação. Quando aconteceu minha primeira menstruação, eu tive que falar com ela porque eu acordei toda suja e eu não sabia o que era aquilo! Na minha época, também não tinha absorvente, não tinha essas coisas. O que minha mãe me orientou: “Olha, filha, isso está acontecendo porque você está ficando mocinha”. Vou falar...
P/1 – Pode falar tudo.
R – “A gente usa isso daqui”, que era tipo um pedaço de pano. Fica quieto aí, Ivanildo, não escuta isso! (risos) Ela pegou um pedaço. Sabe pano de chão hoje, que a gente limpa o chão? Na época, as pessoas usavam muito, até pra fazer roupa, isso daí. Então, ela pegou aquele pedaço de saco, que na época chamava saco de açúcar. Bem lavadinho, uns quadradinhos, e falou assim: “Acontece isso aí, você vai usando isso aí uns três dias. Você vai ter que ficar lavando, pegar e lavar, põe pra secar e fica trocando”. Porque, mesmo que tivesse absorvente na época, acho que até tinha, só que na minha cidade mesmo não tinha. É interior da capital e acho que nem na capital não tinha. Então, como ela me explicou, eu usava aquilo dali. Não tinha diálogo para falar mais coisa disso daí. Estou voltando a história de novo, né? E, quando a gente começou a namorar, começa, né? Abraça, beija gostoso, maravilhoso. Começa a querer pegar aqui, pegar ali. Eu sei que eu não deixava. O nosso namoro era mesmo namoro assim: beijo na boca e abraço mesmo. Mas, quando ele começava a passar a mão no seio, nessas coisas, eu não deixava. Sexo, a primeira vez, tentava de várias formas. Para você ter ideia, a primeira vez que ele pegou no meu seio, para mim foi assim, sei lá, o fim do mundo. Eu até chorei, porque eu lembrava do que o meu irmão falava. Mas foi liberando aos pouquinhos. Sexo? A gente transou pela primeira vez, foi onde eu engravidei, aí que vem a história da emoção. Eu engravidei com 17 e pouco, já ia para os 18. Eu fiquei grávida do meu filho. Ele trabalhava, e a família dele era bem tradicional, uma família que não aceitava esse tipo de coisa. Se a filha ficasse grávida, era capaz de... Era tudo certinho. Tinha que namorar, noivar. Se não pudesse comprar casa, tinha que alugar. Casar tudo bonitinho, fazer festa de noivado, fazer chá de cozinha. A família dele foi assim. Até então, que eu apareci nessa família, e por eu não ser da família, eu estraguei a família. Engravidei! Só que, na minha cabeça, quando eu falei para ele que estava grávida, ele em nenhum momento, ele não falou que não ia assumir. Só que ia passando o tempo, e eu falava para ele que eu não tinha vindo aqui para São Paulo para casar. “Eu vim para São Paulo para estudar, para ser alguém na vida e por que que tinha acontecido?” Eu não entendia porque que eu tinha engravidado, que foi a primeira vez que a gente teve relação. E eu não deixava, em nenhum momento, ele falar para ninguém. Ele falou: “Agora a gente vai ter que casar. Vou ter que falar para a minha mãe. Vou ter que falar com o meu pai”. E, como todos os irmãos trabalhavam, tinha que ajudar em casa. Então, chegou o momento que eu sempre: “Não, não, não quero casar, não vou casar, não vim para casar”. E a barriga. Você viu que eu era tão magrinha que ninguém percebia minha gravidez. E eu não deixava ele falar de forma alguma para ninguém. E o tempo foi passando. E na mesma época tinha uma irmã dele que estava noiva. Tudo certinha. Irmã não, irmão dele, certinho, namorou tudo bonitinho, fez chá de cozinha, alugou uma casa, comprou móveis, convidados, casamento na igreja, tudo certinho, civil. Virgem, sem ter relacionamento. Então, quer dizer que eu cheguei na família, estraguei a família. Só sei que eu estava mais ou menos de três para quatro meses, e ele falou: “Olha, não dá!”. E toda vez que ele tocava no assunto: “Eu vou ter que falar”. E eu fiquei muito enjoada, enjoei dele, a cara dele eu não podia nem ver. Quando ele vinha falar de casamento, eu falava: “Eu já falei para você que eu não vim para São Paulo para isso”. Eu queria estudar, sabe? Só sei que ele, de tanta pressão, ele pegou, ele mesmo falou. Chamou a família dele, e eu fiquei sabendo por alto. Até hoje eu não sei se é verdadeira essa história, que também a gente não chegou a conversar. Ele pegou, reuniu a família dele e falou que eu estava grávida. Não, não falou que eu estava grávida. Ele falou assim: “Eu vou ficar noivo com a Gal”. Quando falou assim, que ele ia ficar noivo comigo, uma das irmãs pegou e falou assim: “Você não vai ficar noivo dela, você não vai casar com ela”. E, no mesmo dia, esperou meu irmão chegar à noite, desceu lá embaixo e falou assim: “Você trate de mandar a sua irmã de volta para o Piauí, porque ela não vai casar com o meu irmão, porque ele merece coisa melhor”. Só que ninguém sabia que eu estava grávida. E o casamento do irmão dele andando, no mesmo mês. Conclusão: como ia sair um irmão da família, que já não ajudava mais nas despesas de casa, era menos um. O Gilberto casando, também ia ser menos um. Então, ele decidiu falar. Ele falou assim: “Eu vou ter que falar, porque não dá para eu ficar ajudando em casa, e como a gente vai casar? Como que a gente vai comprar nossos móveis e nossas coisas?”. De um lado, ele estava sendo supercorreto. Então, a indignação da família dele era porque ia ficar menos um para ajudar em casa. Quando falou que ele ia ficar noivo, e ninguém sabia de nada, ficaram indignados. Ela foi lá e falou para o meu irmão: “Você trate de mandar a Gal de volta para o Piauí, porque ela não vai casar com o meu irmão, porque ele merece coisa melhor”. Aí, tudo bem. O nosso noivado foi esse. Diferente de tudo. Uma das irmãs dele, a mais nova, ficou indignada porque falou assim: “Como pode? Na nossa família nunca aconteceu isso. Por que vocês fizeram isso?”. Isso quando a gente decidiu falar, né? Tudo bem. Ele falou que a gente ia ficar noivo. Já estou um pouquinho misturando.
P/1 – Fica tranquila.
R – A gente decidiu ficar noivo. O nosso noivado oficial foi esse porque os outros não, chamavam a família, aquela coisa toda. E nós não. Foi no supetão. Então, não fui aceita na família porque ele merecia coisa melhor. A partir do momento que ele ficou noivo comigo, ele não podia mais dar dinheiro em casa. O que a gente fez? Acho que vocês não vão lembrar também, era uma loja que fazia uma promoção assim: para quem vai casar, você compra os móveis, e eles guardam os móveis até três meses. Porque não tinha casa, essas coisas assim. Decidiu onde a pessoa ia morar. É um marketing eu acho de loja para vender móveis. A gente foi nessa loja, que na época era chamada Taurus, acho que nem existe mais, até um tempo atrás existia no Brás. Uma loja Taurus. Tinha essa promoção, sei lá: “Compre os móveis aqui, a gente guarda até três meses”. A gente ganhou um tempinho. Ele passou a comprar... Móveis não. A gente foi lá escolher os móveis. O que a gente pensou em comprar em primeiro lugar? Uma cama, um guarda-roupa e um armário de cozinha, que, na época, também é coisa bem simples, que chamava Kit. Era um armário, acho que vocês nem nunca viram falar disso. Era uma marca de móveis chamada Kit. Kit é um armarinho, quadradinho, com três portas em cima, um espaço, mais três portas embaixo. Então, aquilo dali chamava Kit. Então, foi nosso primeiro móvel. Um guarda-roupa, uma cama sem colchão, e o Kit, que é pra guardar mantimento na cozinha. Ele começou a pagar e parou de dar dinheiro em casa. Tinha que pagar os móveis. Foi passando o tempo, três meses. Nesses três meses, a gente tinha que casar e arrumar uma casa para morar. E a barriga crescendo e ninguém sem saber. Quando soube, quando decidiu mesmo... Nesse meio-termo, meu irmão conseguiu comprar um apartamento na cidade, onde que foi, meu Deus? José Bonifácio, Cohab [Conjunto Habitacional] 1. Meu irmão conseguiu comprar um apartamento, e a gente foi morar lá, nesse apartamento, de São Mateus para Cohab 2. Não era distante, era contramão, na época, porque os ônibus eram tudo contramão. Tanto que, para você ter uma ideia, do Parque São Rafael para Cohab 2, a gente pegava três conduções, porque era contramão. Tinha que descer em um lugar e ir para outro. Pegar outra condução, que vai para outro bairro até chegar lá. Então, eu fui morar nessa Cohab 2. E até então ninguém sabia da minha gravidez. E já estava se passando o tempo. E a gente, quando foi morar na Cohab 2, meu irmão trabalhava, ele era alfaiate e trabalhava na Galeria do Rock, numa loja lá no subsolo. Meu irmão decidiu que eu não ia mais ficar em casa cuidando do filho dele. Queria que eu trabalhasse com ele. Eu fui trabalhar com ele na Galeria do Rock. Então, o Gilberto, a gente só podia se ver no final de semana. A cada 15 dias, que ele folgava – porque ele trabalhava de ajudante de padeiro, não era nem padeiro. Ou seja, ganhava o mínimo dos mínimos. Depois, passou a trabalhar no balcão, lá na frente da padaria, fazendo lanche. Passou a ganhar um pouquinho mais. Eu fui para a Cohab 2, e grávida, sem saber. Meu irmão falou: “Você vai trabalhar comigo”. Eu ia. Quando começaram os enjoos mesmo, já estava de quatro meses, que ele chegava para me ver no final de semana, eu brigava com ele. Enjoei da cara dele. Não queria saber dele. Nisso, essa minha irmã, que já morreu também, estava morando com a gente. Teve um dia que eu briguei tanto com ele, que ele chegou – a nossa briga é que ele queria falar que eu estava grávida, para a gente casar logo. E eu não deixava. Não sei por quê. Não sei explicar o porquê. Porque, na minha cabeça, eu vim para São Paulo para estudar. Não para acontecer isso, para falar para os meus pais que eu estava grávida. Não era isso que eu queria para a minha vida. Ele pegou e, por decisão própria também, e essa última vez que a gente brigou, que eu pus ele para fora do apartamento, a minha irmã ouviu tudo, pegou e me deu um tapa e falou assim: “Você deixa de ser sem vergonha. Você acha que o rapaz honesto desse sai lá de São Mateus, pega três, quatro ônibus para vir te ver. Quando chega aqui é assim que você trata ele? Como é que você vai valorizar um rapaz desse, trabalhador, não sei o quê?”. Mas mal ela sabia... Ele foi embora. Ela falou assim: “Esse daí não volta nunca mais aqui”. Nesse dia, ele decidiu falar para a família. O que eu sei, que é por alto também, que eu não sei que é certeza, ele falou para a família que eu estava grávida. Isso eu já estava de oito meses. E eu era magríssima, magérrima, você pode olhar na foto aí. Usava uma roupa, acho que grávida eu estava assim, ninguém percebia. Eu passei a usar até umas camisas do meu irmão também para disfarçar, que eu ia trabalhar com ele. Passava mal. Antigamente, os ônibus eram lotados, hoje é lotado, mas antigamente era muito mais, filha, nossa! Quando ele decidiu falar para a família, todo mundo ficou horrorizado. E uma das irmãs dele, que é a mais nova, falou assim: “Como que poderia ter acontecido isso? Envergonhar a família?”, porque na família não acontecia nada disso. Não podia. “Por que vocês não esperaram para casar direito?”, igual o Dito, que é o irmão dele, que casou na igreja, de vestido de noiva. Só sei que foi uma indignação só na família. E não aceitavam. Não aceitavam de jeito nenhum, mesmo sabendo da gravidez, não aceitavam. Eu não sei se é verdade, que eu nunca perguntei para ele. Eu fiquei sabendo que ele falou assim: “Se eu não casar com ela, eu vou me matar”. Eu nunca cheguei a perguntar isso para ele. A gente nunca conversou. Eu fiquei sabendo que ele falou isso. Foi quando abriram mão e aceleraram o casamento. O pai dele falou: “Tem que casar, tem que casar. Não pode deixar a moça assim. Você tem que assumir”. Ele: “Mas eu nunca deixei de falar que ia assumir meu filho”. O pai dele deu a maior força para a gente, arrumou uma casa, uma casa de dois cômodos, lá mesmo no Parque São Rafael. E, na época, dois cômodos, ninguém alugava para quem tinha filho. Nos fundos da casa da pessoa. Estava lá no contrato. Foi bem conversado que não poderia ter filhos mais, porque o marido da mulher trabalhava à noite. Ela foi bem clara: “A gente não aluga para quem tem filhos. Meu marido trabalha à noite e, se tivesse criança, ia fazer barulho e meu marido dorme de dia”. “Não, a gente vai casar agora, como que eu vou ter filho? Não tem filho.” Escondemos isso da mulher também. Conclusão. Móveis: guarda-roupas, uma cama sem colchão e uma Kit. Não tinha fogão, não tinha geladeira, não tinha botijão de gás, não tinha nada. Esse irmão dele que casou, tudo o que eles ganharam em dobro deu para a gente: louças, talheres, essas coisas que ganham em dobro, que era repetido, eles deram para a gente. Menos mal. Nos dias de ganhar, e a dona da casa não sabia que eu estava grávida porque não podia, a gente comprou 40 fraldas de pano, que a gente... Já tinha fralda descartável, mas a gente não tinha dinheiro para comprar. Eu comprei 40 fraldas de pano e tinha que lavar. Ganhei duas roupinhas usadas da minha cunhada, de filho do meu irmão. “Tem que lavar essas fraldas. E como eu vou lavar, se a mulher não sabe que tem um filho?” A gente escondeu isso dela até a última hora. E não tinha. Não tinha. Minha cunhada pegou e comprou um colchão. Na época – é que vocês também não sabem nada disso –, um colchão de palha. Colchão de mola, mas o recheio dele é palha. Não é espuma, né? Veio aquele colchão, colocou em cima da cama lá, e o colchão era assim. Fazia assim uma volta. Eu lembro como se fosse hoje. “Esse é o meu presente de casamento para vocês, de acordo com a noiva”, porque a noiva já estava barriguda (risos). Aquele colchão, que é alto assim no meio. Ela falou: “Ah, vai usando e vai baixando”. Uma outra deu o botijão de gás, e nessa época também teve uma crise de eletrodoméstico, que não tinha, sumiram com os eletrodomésticos. Acho que vocês não lembram, mas, se vocês pesquisarem, vocês vão ver que teve uma época, final de 1986 mesmo, teve uma crise que ninguém achava geladeira, essas coisas para comprar. Eu não sei explicar por quê. Eu não lembro também. A gente mudou lá para casa, não tinha geladeira, não tinha fogão. Alguém deu o fogão, minha outra cunhada deu o botijão, a outra deu o colchão. E roupa para o neném? Quarenta fraldas de pano. Não podia lavar porque não podia pôr lá fora para secar, porque a dona da casa ia ver. Duas roupinhas usadas. E, quando a gente conseguiu essa casa, ele conseguiu arrumar um emprego melhor, que foi na Santista, também não sei se vocês lembram. Moinhos Santista, uma fábrica de tecido. Deus abençoou que ele foi trabalhar nessa fábrica. Passou a ganhar um pouquinho mais de dinheiro também. E começou a trabalhar à noite também. E eu, trabalhando com o meu irmão. Então, levantava cedinho. Não, minto! É, trabalhava com meu irmão. Às vezes, tinha dia que eu me encontrava com ele no portão. Ele estava chegando para dormir, e eu estava saindo para trabalhar. Aí, menina, chegando os dias do nenê nascer, o meu pré-natal já foi bem no final também. Não fiz pré-natal porque era tudo escondido, não tinha como. Parei de trabalhar nos dias de o nenê nascer. O meu sogro era uma pessoa muito generosa, que já morreu também. Meu sogro e minha sogra. Teve um dia, ele me chamava de Fia, ele falou assim: “Fia!”. Não sei se vocês sabem também um parque ali na Jacu Pêssego, chama Aquarius, é um parque bem antigo, que vende flores, peixes, essas coisas. Ele falou: “Fia, vamos no Aquarius, comprar umas plantas para você pôr nessa casa?”. Um sábado. Eu falei assim: “Ah, vamos!”. A gente marcou direitinho. O Gilberto ia sair do serviço tal hora, a gente marcou um lugar para a gente se encontrar, os três, para ir para esse Aquarius comprar plantas. Antes disso, eu fui na feira, peguei o carrinho, fui na feira comprar alguma coisa e comecei a sentir umas dores. Mas eu também não sabia de nada. Sentia uma dor nas costas, umas cólicas, mas até então para mim era normal. E arrastando aquele carrinho na feira, encontrei com uma pessoa que ficou conversando comigo: “Está tudo bem?”. E eu, sentindo umas dores, mas não sabia explicar. E eu ficando tudo vermelha. Comecei a ficar vermelha. “Você está bem?” Eu falei: “Não. Está tudo bem. Deixa eu ir embora”. E fui para casa. Quando eu cheguei em casa, que coloquei o carrinho dentro de casa, senti as dores muito mais fortes. A dona da casa, mesmo lá, ela veio e viu que eu estava passando mal. “O que é que foi, o que é que foi?” Eu falei: “Eu não sei, eu não sei, me leva para o hospital”. E ninguém tinha telefone. Não tinha celular. Não tinha telefone fixo. Não tinha nada disso essa época. Ela mesma deu um jeito. Chamou um carro, me levou para o hospital. Nem sabia que eu ia ganhar neném. Não tinha lavado as fraldas do neném. E só tinha duas roupinhas já usadas. Ela mesma chamou um carro do vizinho lá. E mandou alguém avisar na casa da minha sogra. E, enquanto isso, meu sogro já tinha ido para o encontro, que a gente tinha marcado um lugar para se encontrar. O meu sogro, Gilberto e eu, para ir nesse Aquarius. Está lá o meu sogro, esperando o Gilberto, o Gilberto chega no local, e eu não chegava. E eu, indo para o hospital, porque não tinha comunicação. Qual foi a nossa comunicação? Ela me levou para o hospital, e alguém foi na casa na minha sogra, que era pouco distante, vamos dizer que, sei lá, seis quilômetros, eu acho. Ela mandou alguém: “Avisa lá que a Gal está passando mal, estou levando ela para o hospital”. E não sabia que era neném. Alguém avisou na casa da minha sogra. Quando alguém chegou lá: “Ah, mais o pai...” – deve ter sido a Maura, sei lá – “O pai está esperando ela lá não sei onde, o Gilberto também”. Vai até alguém pegar um ônibus, ir até o local lá para avisar para os dois que eu estava no hospital, demorou o quê? Umas duas, três horas. Nisso, eu estava lá no hospital. Ela me deixou lá no hospital e eu fiquei lá, andando para lá e para cá, sentindo as dores. Só que o médico já sabia que era gravidez, que já ia nascer o neném. Mas a dona da casa veio saber esse dia.
P/1 – Nossa!
R – Sei que me contaram depois que, quando o Gilberto soube, se encontrou com o pai dele lá e foi alguém ao encontro dos dois falar que eu tinha ido para o hospital ganhar nenê. Ele ficou desesperado, não sabia o que fazer, porque a primeira coisa que ele pensou foi na roupa do neném. Não tinha berço, não tinha roupinha, não tinha nada. Diz que eles pegaram o ônibus, desesperados. Conversou com uma das irmãs dele. Antigamente, as pessoas confiavam muito, compravam as coisas, não precisavam de muita coisa. Então, eles foram numa loja que confiavam, a família conhecia. Essa irmã dele comprou o berço, comprou algumas coisinhas, e não deu tempo de comprar a roupa ainda. Providenciou o berço. Levou o berço. Montaram o berço, e ele ficou correndo, e eu sozinha lá no hospital. Quando nasceu, ele foi lá ver o neném. Estava o quê? Sem roupa, embrulhado no cobertorzinho de hospital. Depois, me contaram também, todo mundo, que foi de cortar o coração porque na família não tinha isso também. Quando uma ficava grávida, fazia chá de bebê, todo mundo ajudava. Então, acabei que eu esculhambei a família toda (risos). Quando ele chegou lá, viu o filho dele daquela forma. A família toda, quando viu, ficou todo mundo revoltado. Todo mundo procurou ajudar. Foram no Brás, compraram roupinha nova, saída de hospital. Eu vim para casa. Passaram-se os anos, eu fui morar na... A gente conseguiu comprar um terreno, com um amigo, dividimos o terreno no meio. E eu morava no Parque São Rafael e nos finais de semana ele saía, ele ia lá construir a casa. Comprou o terreno, dois amigos, e dividiu o terreno no meio. Ele falou: “O que a gente pode estar fazendo? A gente vai de final de semana, eu ajudo você a construir sua casa e depois você ajuda a minha”. Assim fizeram. E eu tinha que fazer comida e levar para eles lá. Então, na hora que ele saía, de manhã cedo no sábado, que ele não trabalhava, e no domingo, eu cuidava de fazer comida e pegava três ônibus para chegar lá. Não é que eram distantes os lugares. Eram os ônibus que eram. Tinha que ir no Terminal São Mateus, Terminal São Mateus tinha que pegar outro. E fora o que você tinha que andar a pé. O que eu fazia? Ele saía para fazer um cômodo para a gente morar, ele e o amigo dele, fizeram um cômodo de um lado e depois fizeram um cômodo do outro, para o outro amigo. E eu já levantava e já ia cuidar do almoço, fazia o básico, comida básica: arroz, feijão, bife e prato. Às vezes, chamava as pessoas para ajudar, um irmão, quem pudesse ajudar. Às vezes, tinha três, quatro pessoas ajudando. Então, eu levava o prato, colher, numa sacola, e a panela cheia de arroz, e a panela cheia de feijão. Não tinha negócio de marmita, essas coisas, não tinha. Então, eu já levava numa vasilha só os dois, arroz, feijão, bife e pratos para todo mundo. Então, colocava numa sacola e meu filho pequenininho. Pegava três conduções para chegar lá na Terceira Divisão, não tinha dinheiro para pagar a condução dele. Ele passava por baixo, pequenininho, ou passava por baixo, ou eu colocava ele aqui na minha frente e empurrava a catraca para passar. Assim, a gente começou a construir a nossa primeira casa. A gente fez dois cômodos, e a gente foi morar lá. Até eu te mostrei as fotos dele lá, com sete anos de idade. Ele, meu marido também passou a trabalhar em outra empresa. Saiu do Moinho Santista e foi trabalhar na Liquigás, distribuidora de gás, que um cunhado dele chamou. Ele foi trabalhar na distribuição de gás, e a gente fez esses dois cômodos, passou a morar em dois cômodos. E na época o gás, eu lembro, o gás era dois reais e dez. Era muito barato. Eu tenho fotos de faixas que a gente colocou em depósitos, dois reais e 60. E nessa época teve um, vocês não vão lembrar também, é um negócio de URV [Unidade Real de Valor], sei lá. Pegava o dinheiro e trocava por URV, e as pessoas ganhavam mais dinheiro. E o gás era assim. Aumentava praticamente todo dia: dez centavos, o que fosse, mas aumentava, tipo uma semana, a cada 15 dias aumentava. Então, a gente ganhava muito dinheiro. E, quando ele trabalhava, começou como ajudante de caminhão de gás, ele ganhava muita caixinha. Ele chegava a tirar de caixinha mais do que o salário dele. Foi onde a gente conseguiu construir uma bela de uma casa, dez cômodos. E meu filho já tinha quatro anos nessa época, na Terceira Divisão. Ele nunca deixou eu trabalhar, e eu sempre fui de querer trabalhar, trabalhar. E chegou um dia que a irmã dele trabalhava de faxineira diarista. Eu peguei e falei para ela: “Eu quero trabalhar, pode arrumar uma faxina para mim”. E ele não deixava. Quando ela arrumou uma faxina para mim, eu peguei e falei: “Eu vou!”. O moleque já era grandinho. E naquela época não tinha tanta violência igual hoje. Eu arrumei a vizinha do lado e falei: “Vou ter que trabalhar amanhã. O Gilberto não sabe, e ele está no prezinho, na rua de baixo. Então, o que que eu quero que você faça: você vai lá de manhã, ajuda ele, tipo oito horas da manhã” – porque, quatro horas da manhã, eu já estava indo trabalhar. Ele saía, na hora que ele saía, quatro horas da manhã, eu já levantava e já ia também. Foi a primeira vez que eu trabalhei depois que eu casei, porque ele não deixava. Combinei com a menina direitinho. E assim a menina fez. Falei: “Oito horas, você vai lá, ajuda ele tomar café. E ele mesmo vai para a escolinha dele sozinho, que era na rua de baixo, era só descer a rua, já estava na escolinha dele. E, quando ele voltar, você ajuda ele a entrar também. Tranca o portão e pode deixar ele em casa sozinho”. E assim eu fiz. Fui trabalhar sem ele saber. Primeira faxina da minha vida, como faxineira diarista, uma casa de dez cômodos. Em Santo André. Era uma mansão. Quando eu cheguei nessa casa, para mim foi moleza. Eu levantei praticamente na mesma hora que ele levantou e fui trabalhar. Cheguei lá oito horas. Das quatro e meia da manhã, para chegar no serviço oito horas, imagina quanto que eu não andei, quantas conduções, quanto que eu não andei a pé. Cheguei lá na casa da mulher, ela me explicou como fazia, minha cunhada também já tinha explicado, porque ela tinha trabalhado lá. E rapidinho eu limpei a casa, e porque casa de rico não é tão difícil assim. Limpei a casa das oito, umas três e meia eu já tinha terminado e ia embora. Foi a minha primeira faxina. Fiquei mais ou menos três semanas. Uma vez por semana nessa casa, sem ele saber. Chegou uma hora que não dava mais. Eu falei: “Oh, a Isolina arrumou uma faxina para mim e eu estou trabalhando”. “Você é louca? E o Harold vai ficar com quem? Que você está fazendo com o menino? O menino fica sozinho?” Falei: “Não. Arrumei a menina aqui do lado, e ela vem ajudar ele a levar para a escola e depois deixa ele aí dentro”. E instruía ele: não mexe no fogão, essas coisas. Não deixava ele mexer no fogão, com medo. Trancar o portão, tudo certinho. Fui contra a vontade dele. A gente foi indo, foi indo, comecei a trabalhar de faxineira diarista a semana toda. Quando ele viu que o meu dinheiro, o salário dele, mais as caixinhas, a gente estava conseguindo já construir a parte de cima da casa. Chegava quatro horas da tarde – no verão as tardes são claras –, ele falava assim: “Amanhã, na hora, quando eu chegar, a gente vai encher as colunas. Então, você peneira a areia, coloca lá, faz tudo devagarzinho”. Eu fazia. Quando ele chegava, quatro horas, quatro e meia da tarde, a areia que ele pedia para peneirar já estava peneirada, o cal e tudo certinho. E, quando ele chegava, eu segurava a mangueira para molhar aquela massa lá, e ele enchia as colunas e assim a gente construiu uma casa. Quando o paredão estava tão alto, porque era um terreno em declive que fala. Declive? Aclive é para cima, né? O paredão era tão alto, que estava seis metros o paredão, do terreno. Nós dois. Só nós dois. A partir do momento que a gente começou a construir a parte de cima, a história era eu e ele. Que aí o amigo dele fazia a mesma coisa, ao mesmo tempo, do outro lado. Ele chegava, já tinha providenciado tudo isso daí. Ele fez um andaime, colocou uma roldana, e eu não aguentava muito, colocava duas pás de cimento que ele mexia, porque eu não aguentava mexer também, colocava duas pás numa lata e eu puxava. Ele levava lá para cima. Enchia as colunas. Outro sábado, rebocava a parede. Eu preparava tudo antes, os mais leves, e ele fazia os mais pesados. Subia, puxava porque fica leve. Puxando, ele enchia o negócio lá para colocar na parede. Eu subia para ajudar ele. Eu jogava massa na parede. Enquanto eu jogava massa na parede, ele estava do outro lado, que eu já tinha jogado, ele ia lá acertar, alisar com aqueles negócios lá de pedreiro. Aquele pau lá que eu não sei como é que chama. A gente fazia isso aí. Conclusão: eu sei que a gente conseguiu construir uma casa de dez cômodos, boa, com acabamento. Com o meu dinheiro de faxineira e mais as caixinhas e o salário dele. Foi onde apareceu a oportunidade dele, a Liquigás queria terceirizar o gás. Ele pediu a conta, chamou o cunhado dele para montar um depósito. A gente conseguiu montar um depósito, e começou com um depósito. E não tinha caminhão, não tinha carro, a gente não tinha nada. Eu morava na Terceira Divisão. Pra chegar em Guaianazes, era também um transtorno, que era tudo contramão. Os ônibus eram muito poucos. Então, você tinha que pegar um ônibus até um certo lugar, descer, pegar outro. A gente começou com esse depósito, não tinha botijão nenhum. O que é que ele fez? Ele comprou dez botijões de gás vazios, de um amigo. Nessa época, já tinha perua também, de transporte. O amigo pegou esses dez botijões, levou até o depósito, e a gente começou um negócio com dez botijões. Em Guaianazes. Passou-se algum tempo, apareceu a oportunidade de fazer mais um depósito. Não dava mais para ele tomar conta sozinho. Eu tinha que ir junto. Ele chegou em mim e falou: “Eu tenho que abrir um depósito, e não tem”. O Nivaldo, que é cunhado dele, que era sócio dele, tinha que ficar num depósito e ele noutro. E no começo não tem como pagar ninguém, então, tínhamos que ser nós mesmos, né? Ele falou: “A gente vai ter que morar num desses depósitos, porque o Nivaldo vai tomar conta de um e a gente vai ter que tomar conta de outro”. Eu falei: “Eu vou!”. Eu parei de trabalhar de faxineira diarista e fui morar nesse depósito na Cidade Tiradentes. Dois cômodos. Dois cômodos, chão rústico, aquela telha Brasilit, as paredes não tinham reboco, era só bloco, banheiro também. Não tinha nada. Eu peguei o mínimo, geladeira, só coisa básica da minha casa. Enquanto a minha casa ficou linda, maravilhosa, toda acabadinha, com piso do melhor, na época era Portinari, que fala, um dos melhores pisos. Larguei a minha casa para lá e fui morar nesses dois cômodos. Eu, ele e meu filho. Eram dois cômodos. Meu filho dormia com a gente num quarto. Eu peguei e falei assim para ele: “Eu vou. Eu largo o meu serviço se você arrumar alguma coisa para eu fazer”, que o meu sonho também era ter uma bombonière. Eu peguei e falei para ele: “Se você arrumar um lugar, nem que seja uma barraquinha lá na frente...”. Isso ele já tinha ido me levar lá para ver o depósito, os dois cômodos. Falei: “Largo o meu serviço, mas você tem que me fazer pelo menos uma barraquinha para eu poder ficar trabalhando aqui, porque eu não vou ficar sem fazer nada. Não consigo”. Como eu já tinha visto lá o local, era passagem de muito pedestre, tinha uma escola na rua de cima. Ele pegou e falou assim: “Não, pode ficar tranquila. A gente faz uma barraquinha aqui para você”. “Então, tá.” O dono do terreno era uma pessoa também muito generosa, muito boa. Ele conversou com ele e falou: “A Gal quer que eu faça alguma coisa, uma barraca aqui na frente para ela trabalhar, você deixa?”. “Não, Gilberto, faz o que você quiser”. “Então, posso pegar cinco metros do canto do terreno e fazer uma bombonière para ela?” “Pode.” Ele fez, ele mesmo. De bloco, levantou. Cinco, do tamanho de uma garagem. Pegou 150 reais, foi no Brás. Essa loja ainda existe lá no Brás, chamada Manos. De ônibus, foi lá, comprou 150 reais de doce, salgadinho. E meu irmão, como trabalhava na Galeria do Rock, fechou a loja dele, que era de roupa, e tinha deixado algumas prateleiras em casa, de montar, que são uns quadradinhos que você monta, uns nichos. Só que eram umas gradinhas de ferro. Ele me deu essas, para a gente fazer um balcão. A gente fez um balcão, colocou os doces ali e a roleta do gás do lado. Saía na porta aqui. Se aparecesse um cliente para comprar o gás, eu atendia. Ele comprou 150 reais de doce, e começamos assim. Primeiro dia que eu abri esse negócio, meu primeiro cliente: chegou um cara bêbado, caindo aos pedaços, entrou na bombonière. Olhou e falou assim: “Moça, eu quero gibi”. Bêbado! Sabe bêbado, bêbado, bêbado? “Moça, eu quero gibi.” Gibi, na minha terra, é revistinha de quadrinhos. Não sei se vocês sabem disso também. Na minha terra, lá no Piauí, era gibi. Eu conhecia como gibi. E aqui em São Paulo, gibi, lá na Cidade Tiradentes, era doce de amendoim. E o cara estava muito bêbado, falou assim: “Me dá um gibi”. Eu falei: “Moço, eu não tenho gibi. A banca de jornal é do outro lado” (risos). Ele: “Mas eu quero gibi”. “Moço, aqui eu só vendo doce, não tem gibi, a banca de jornal é lá embaixo.” Ele apontou para o doce, que eu vi que gibi era isso daí. Dei o doce para ele. Acho que eram cinco centavos, sei lá. Foi meu primeiro dinheiro do caixa. Só sei que foi um negócio que deu certo que aí, como era passagem de muita criança, então, as crianças compravam. Dez centavos, cinco centavos, dois centavos. Aliás, até hoje, uma bala acho que custa dois centavos. Você paga dois centavos numa bala e vende três por dez. Está ganhando. Ninguém vê isso daí. Eu comecei vendendo doces nesse lugar. E o pessoal começou a pedir coisa. “Ah, traz isso. Ah, traz aquilo.” E a gente foi trazendo. “Ah, por que você não põe sorvete?” A gente viu que estava dando, e ele ia trabalhar e, à tarde, ele ia no outro depósito também. Quando a gente viu que o negócio estava dando mesmo: “Ah, vamos comprar um freezer”. E ele sempre foi assim, doido! E ele foi sempre de falar assim: “Ah, vamos comprar um carro?”. “Vamos!” Não pensava se tinha dinheiro ou não. Então, como a gente já estava com dois depósitos, e ele é uma pessoa assim. Ele não é um bom administrador. Ele trabalha com o bruto. Sempre trabalhou com o bruto. Ele nunca trabalhou com lucro. E homens, os homens em geral são machistas. Quando você tem uma esposa, às vezes, você tem que ouvir ela. Então, ele nunca foi de ouvir. Se falar assim: “Ah, vamos comprar isso?”. Se eu falasse assim: “Eu acho que não tem necessidade de a gente comprar isso, não precisa comprar isso agora, vamos deixar para comprar depois”. Ele só comunicava. Nunca quis saber da minha opinião e se era certo ou não. Então, ele metia a cara e comprava, usando o bruto do dinheiro. Ele não separava nada. Só que nessa época decidiu comprar um freezer para vender sorvete, que o pessoal estava pedindo muito. A gente comprou o freezer, parece que foi nas Casas Bahia. As Casas Bahia entregavam em três dias. Ele falou assim: “Ah, entrega em três dias, então, a gente comprou hoje, daqui a três dias, a gente começa a vender sorvete”. “Ah, o freezer vai chegar tal hora.” Ele correu numa distribuidora de sorvete e comprou o sorvete. Chegou os três dias, cadê o freezer? Não chegou o freezer. Atrasou. E a gente ia acumular cem sorvetes de palito onde? Na nossa geladeira não coube. A gente enfiou lá de qualquer jeito. Perdemos metade. “Ah, o freezer vai chegar.” Mesmo assim, chegando o freezer, você não pode chegar e já ligar. Ele não media. Ele queria fazer e fazia e pronto. A gente perdeu um pouco desse sorvete, porque tinha que ligar o freezer, esperar a carga lá do freezer. E no outro dia a gente começou a vender sorvete. E foi crescendo o negócio, e a gente prosperou tanto que estava dando, meu negócio, minha bombonière estava dando mais que o gás. Eu cheguei até a pegar do nosso dinheiro para pagar coisa do gás. Pegar emprestado para pagar boleto do gás. Foi prosperando tanto que ele conversou novamente com o proprietário do terreno, que tinha mais um terreno do lado, e falou assim: “Olha, não cabe mais. O pessoal está pedindo mais coisa. Não tem uma cadeira, não tem uma mesinha para o pessoal sentar. Você não deixaria a gente construir do outro lado ali, a gente paga aluguel”, que ali a gente não pagava. O dono do terreno pegou e falou: “Não, Gilberto, pode fazer. Vai lá, constrói, você fica um ano e depois você começa a pagar aluguel”. Ele meteu as caras. Eu falei do meu irmão, que era pedreiro. E que poderia estar vindo fazer isso para a gente, que ia ser mais barato do que a gente contratar alguém aqui. A gente arrumou o dinheiro da passagem e mandou o meu irmão vir. Meu irmão veio e fez essa construção do lado. Bem maiorzinho. Um espaço maior. A gente comprou freezer, mais freezer, enchemos mais de coisas. Cada vez mais, prosperando cada vez mais. E, não satisfeito, e o sonho dele era ter uma padaria. Não satisfeito, ele falou assim: “Ah, vamos, já que está dando o negócio, vamos fazer uma padaria”. Falei: “Gilberto, mas está bom assim”. E, quando a gente passou para esse salão, não dava mais conta de atender sozinha. Porque era muito mais gente, tinha que contratar uma pessoa. Conversando com uma, não é cliente, é freguês, ela falou assim: “Eu vou te arrumar uma menina muito boa, para trabalhar com você”. Arrumou essa menina. Essa menina começou a trabalhar comigo. Ela falou: “Os pais dela são evangélicos, então, vai trabalhar com você”. A menina começou a trabalhar comigo. Aí, eu engravidei. E a menina continuou trabalhando comigo. E a gente não dava mais conta. Tinha que contratar mais uma pessoa por causa da Elaine. Quando chegou, como a menina trabalhava comigo, alguém precisava cuidar da Elaine. Apesar que a Elaine foi assim. Desde a minha barriga, ela era tão querida por todos, que os cômodos que a gente morava lá eram assim: você entrava no quarto, tinha um guarda-roupa aqui, a cama aqui, o berço dela aqui, não tinha mais espaço para nada. O dia que ela nasceu, como eu já tinha essa sorveteria, era muita criança que passava por ali. Todos adoravam a minha barriga, passavam a mão na minha barriga, queriam porque queriam. Quando ela nasceu, foram lá ver ela. Conclusão: eu comprei uma saída de hospital para ela – também não sei se vocês sabem disso, que é uma coisa muito comum comprar uma saída de hospital. E na caixinha tinha uma foto de uma menininha. Só sei que eu pus a roupinha nela e pus ela na cama, e as crianças queriam porque queriam ver ela. Acho que umas dez crianças. Entraram, e a caixinha ficou assim, na cama. As crianças em volta da cama e ficavam adorando a Elaine. Adorando a Elaine. Uma falou assim: “Oh, tia, por que que ela está na caixinha?”. Porque era igualzinha. Bem fofinha. Aquelas bochechonas. E eu também, quando eu fiquei grávida da Elaine também, depois do primeiro, eu me planejei, eu falei: “Eu só quero ficar grávida quando o meu filho tiver 15 anos”. Só que a Elaine veio sem ser planejada também. Mesmo eu tomando anticoncepcional. Sabe, as “bencinhas” dos homens de vez em quando falam: “Não, vamos fazer sem!”. Eu sei que eu parei de tomar o anticoncepcional, para descansar o organismo, passei no ginecologista: “Ah, fica sem tomar um mês”. Começa a usar preservativo. “Ah, não, vamos fazer sem. É ruim.” Homem, né, homens! Foi aí que aconteceu a Dona Elaine. Fiquei grávida da Elaine. Aí, a gente ficava, eu não queria saber o sexo. Eu falei: “Eu não quero saber!”, que eu tinha certeza que era uma menina. Eu ficava assim: “Deus!”. Eu converso com Deus 24 horas por dia. Eu ficava assim, quando estava grávida dela. Toda criança que entrava na bombonière, eu falava assim: “Deus, eu quero uma menininha de olho azul. Loirinha de olho azul”. Eu ficava. Toda criança que entrava, eu pegava no colo e olhava no olho daquela criança: “Minha filha vai ser assim. Quero minha filha assim”. Eu falava para Deus. E o pai dela falava: “Eu quero ela bochechuda. As bochechonas para eu morder” (risos). Quando ela nasceu, que eu tive que contratar essa menina, essa menina falou assim: “Minha irmã está sem fazer nada, se você quiser, ela pode te ajudar a cuidar da Elaine”. Eu e essa menina trabalhávamos na bombonière, e o Gilberto no gás. Só que a Elaine foi criada ali, dentro do comércio. Então, amamentava ela ali, sentava para amamentar ela, colocava no carrinho, chegavam os fregueses lá, pegavam ela no colo, para lá e para cá. Conheci uma moça que tinha, acho que terreiro de macumba que fala. Negócio de macumba, do lado. A minha sorveteria na esquina, tinha a viela para a rua de baixo, e ela do outro lado. Centro espírita. Essa moça começou a ir lá na bombonière, que já era sorveteria, se apaixonou pela Elaine e pronto. O que ela fazia? Chegava de manhã, encostava o carro na frente da sorveteria, pegava a banheira da Elaine, fralda, e levava para lá. Cuidava dela o dia inteiro. Não precisava mais da irmã da menina. Na hora de mamar, ela trazia ela. Amamentava. Ela levava ela de novo. E a minha vida foi tão corrida de trabalhar, às vezes, chegava de final de semana, ela pegava a Elaine, tipo sexta-feira, levava a Elaine para a praia, um monte de lugar. Às vezes, quando eu saía com a Elaine de ônibus, era mais conhecida do que eu. Todo mundo conhecia a Elaine. Passou-se o tempo. Meu filho já com 11 anos, a Nani ia fazer dois anos e meio, e tinha uma sobrinha minha que estava morando comigo e tinha uma filhinha também. Ela decidiu ir embora, a minha sobrinha. E ele, por não conhecer a minha terra, o Piauí, ele falou assim: “Agora é a oportunidade que a gente tem para conhecer a sua terra”. E foi mês de junho, esse mês agora, já no finalzinho. Ele falou assim: “Vamos conversar com a professora do Harold, e pedir para ele ir com a gente, antes das férias”. A gente combinou tudo direitinho. Ele tinha um Gol. Vendeu esse Gol e comprou uma caminhonete. Preparamos tudo. Ele fez uma capota atrás para eu viajar atrás com ela, nós duas. E ele, como já ia fazer 11 anos, ele podia viajar na frente. A gente foi. Só ele dirigindo. Foram quatro dias de viagem. Foi tranquilo. Quando a gente chegou na casa da minha cunhada, que já não tinha mais meus pais, meus pais não eram mais vivos, tinha irmãos, mas eu preferi ir para a casa dessa minha cunhada. O carro deu um problema no caminho. Faltou freio, sei lá. Sei que a gente conseguiu chegar lá. Ele foi descansar porque ele dirigiu quatro dias sozinho. Descansou e falou para a Luíza, minha ex-cunhada, falou assim: “Eu preciso arrumar o carro”. Levou lá para arrumar o carro. À tarde, a minha cuinhada pegou e falou assim: “Vamos”, enquanto isso meu filho ficou brincando com a criançada na rua. E lá é uma cidadezinha assim: bem no centro, uma praça e a rádio, e as caixas de som na rua. O meu filho brincando com um monte de criança, sentado assim. E as crianças começavam a conversar com ele, como ele era paulista, ele fala “porta”. As crianças falavam assim: “Fala ‘porta’. Fala ‘porta’”, que lá fala assim. Ele falava: “Porta”. Todo mundo dava risada. “Fala ‘porco’.” Ele falava: “Porco”. Todo mundo dava risada. A minha cunhada falou assim: “Vamos na casa do meu pai, pegar lá umas galinhas, umas frutas”, já numa outra cidadezinha. O Gilberto falou: “Não vou porque eu estou muito cansado. Chama o Aislan, seu filho, e vão vocês”. “Está bom.” E nisso a Elaine não parava de chorar um minuto. Não sei o que deu nessa menina que ela não parava de chorar. Chorava, chorava. E lá um calor terrível. A gente dava banho nela. Faltava paciência, brigava com ela. Fazia de tudo. Levei na rádio, passava de lá para cá, e nada de a menina, não parava de chorar. Não estava com febre, não estava doendo o ouvido, não estava nada. Chorando, chorando, chorando. E o moleque brincando lá na rua. Na frente da casa da minha cunhada, tinha uma funerária. E a Elaine chorando, chorando, chorando e eu andando para lá e para cá. Todo mundo não sabia o que a menina não parava de chorar, por nada. Eu atravessei a rua, com ela no colo, bem na frente da casa da minha cunhada, a funerária. Entrei lá com ela no colo, e ela chorando. Não parava. Entramos, querendo fazer alguma coisa para ela parar de chorar. Entrei, e ficamos lá olhando os caixões, para lá e para cá. Nisso, ele sai correndo e entra na funerária. Ele olhou para todo o lugar assim, e falou: “Ah, mãe, esse é bonito” (choro). A minha cunhada chamou: “Vamos lá na casa do meu pai?”. Falei: “Vamos”. Todo mundo entrou no carro. Eu e ela na frente, e meu filho entrou atrás, mais as crianças que estavam com ele. A gente foi para a casa do pai dela numa cidade vizinha. Quando chega lá, o pai dela não estava. Ela queria pegar um porco também, umas galinhas e umas frutas. Eu tinha uma filmadora e não levei lá para a casa do pai dela. Ela falou: “Meu pai não está aqui. Vamos no riozinho, vamos no riacho ali na frente com as crianças?”. Eu falei: “Vamos voltar lá na sua casa e eu vou pegar a filmadora”. Porque meu filho se encantou com tudo aquilo, subir numa árvore, as crianças correndo, pegaram um pintinho e ficaram jogando um para o outro. Eu falei: “Eu quero filmar. Vamos voltar lá na sua casa e pegar a filmadora. Eu quero filmar isso aí”. O pai dela já era bem de idade também, mas bem ativo. “Eu quero filmar seu pai subindo na árvore também para pegar fruta para a gente.” Ela falou: “Então, vamos”. E o meu sobrinho era menor, só que já dirigia. Fomos eu e ela na frente, e a criançada atrás. E entrou o irmão dela também junto para ir buscar a filmadora, enquanto o pai dela voltava. Quando a gente entrou no carro, ele usava um, na época chamava bombeta, hoje chama boné, sei lá. O pai dele deu essa bombeta para ele, do Piu-Piu. Tinha essa, de couro. Às vezes, ele gostava tanto dessa bombeta que ele não tirava. Às vezes, ele estava no chuveiro, esquecia de tirar. Não tirava um momento. Era essa bombeta e uma camiseta do Corinthians. A gente entrou no carro, entrou o irmão dela também adulto com as crianças, na caminhonete, atrás. Nisso, criança não para. Ele pôs a cabeça para fora da janela e a bombeta dele voou. Quando voou, ele falou assim: “Minha bombeta, minha bombeta!”. E a caminhonete abre assim atrás, na cabine. Olhei para trás, ele só falava: “Minha bombeta, minha bombeta”. E não esperou parar o carro. Ele pôs o pé para fora da caminhonete, e a caminhonete, a placa é no meio. Eu acredito que ele não conseguiu colocar o pé no estribo – é estribo que fala, né? Só sei assim, quando eu olhei para trás, ele falando: “Minha bombeta, minha bombeta”. Eu só vi ele rolar assim. Eu olhei para a frente (choro), eu lembro como se fosse hoje, o mundo parou. Parece que o céu parou. Parece uma cena de novela. Essas cenas de novela que, sei lá, para mim foi assim. Eu olhei para trás e só vi... E era estrada de chão batido, eu só vi ele rolar assim. E, quando eu olhei para trás, que vi ele rolar, que eu olhei para a frente e só vi o céu parado, meu sobrinho, eu vi que não estava nem a 40 por hora. Ligou o carro, 20, no máximo 40. Você acelera, vai no máximo 40. Ele deu ré, pegamos ele, jogamos ele dentro da caminhonete e saímos para a próxima cidade mais próxima possível, que tinha um posto de saúde. Nisso a gente estava indo. Estava vindo um carro. Meu sobrinho falou assim: “Mãe, manda ele parar! Mãe, manda ele parar”. Era o médico dessa cidade que a gente ia, próxima cidade, para socorrer meu filho”. O médico já entrou junto na caminhonete, falou: “Vamos, vamos, vamos. Leva para o posto!”. Posto não tem recurso nenhum. Quando chegou lá no posto, entrou no posto, ele fez uns testes. Pegou uma chave do carro e fica passando no pé dele assim e perguntando para ele. Fazendo algumas perguntas. E a gente ali junto. Passava a chave no pé dele e fazia algumas perguntas. Ele só resmungava. O médico falou: “Sinto muito. Se vocês quiserem levar para a capital, vocês levam, mas não tem jeito”. Não pensamos duas vezes. Jogamos ele dentro da caminhonete de novo, e na minha cidade tinha hospital já mais equipado. Nisso, nesse posto, já ligaram lá para nossa cidade. Então, já espalhou na cidade inteira que tinha acontecido um acidente com o sobrinho da Luíza. E, quando a gente chegou no hospital da minha cidade, já tinha um monte de gente. Pessoal da cidade já estava tudo lá esperando. A gente entrou no hospital, mas mesmo assim não tem tanto recurso. O médico, no caminho, do jeito que ele estava só agonizando, morreu praticamente nos meus braços e nos braços da minha cunhada. A gente entrou no hospital, e o médico falou: “Não está mais vivo”. A gente chegou lá na quarta-feira, na quinta de noite, isso aconteceu na quinta durante o dia. Quando foi meia-noite, a gente voltou para São Paulo. O moleque, o meu sobrinho era menor, como eu trabalhava, antes de eu ir, eu trabalhava de doméstica na casa da filha do delegado. O delegado amenizou um monte de coisa. Porque o menino era menor, não podia estar dirigindo, eu estava presente na situação. Então, amenizou um monte de situação, não teve multa, não precisou prender ninguém, eu estava junto. A gente já ligou aqui para São Paulo, todo mundo ajudou, e voltamos para São Paulo com ele já morto. E a Elaine tinha seus dois anos e meio. Daí para cá, a gente seguiu a vida. Aí, vieram os golpes da vida. Com um mês que o meu filho tinha morrido, fiquei sabendo, descobri que ele estava me traindo, um mês só. Isso que dói também. E com quem? Justamente com a única funcionária que trabalhava para mim. Uma menina, uma mocinha. Ele já tinha, na época, o Gilberto já tinha 28 anos. A menina tinha 16 anos. Descobri isso, foi para mim um mês de sofrimento por ter perdido meu filho e por não ter ninguém. Eu não tinha ninguém, só tinha o meu irmão, lá morando comigo, que ajudou a construir as coisas. E não podia contar com ninguém. Não tinha vizinho, não tinha nada. Sofri sozinha. Só tinha ele e só. Aconteceu de o meu filho morrer e um mês descobrir isso daí. Para mim, foi fatal. A família dele também morava distante. Distante assim, um bairro distante, mas ninguém tinha carro. Todo mundo dependia de condução para ir na casa dos outros. Também não tinha essas condições todas. Então, quer dizer que eu sofri muitas coisas mesmo sozinha, sozinha. A escola do meu filho era na rua de cima. Não precisava levar ele. Então, cada momento, não desejo isso para o pior inimigo que seja, perder um filho. Uma mãe que perde o filho. Eu perdi meu pai, perdi minha mãe, perdi irmão, perdi sobrinhos, mas a dor de perder um filho não é, é inexplicável. Uma dor assim que não tem. A mãe da gente é sagrada para todos. A mãe e o pai também. Mas a mãe é mais especial de tudo. O pai também. Mas você perder um filho, não tem explicação. É dor que você supera. Mas é dor. Dor inexplicável. Não desejo para ninguém perder um filho. Como não tinha ninguém, ninguém, ninguém, a vida tem que continuar. Eu tinha que trabalhar, ele também. Cada momento, cada momento que passa depois que você perde um filho, tudo, tudo, cada momento, você vai, chega a hora de ir para a escola, o que é que eu fazia? Pegava ele, acompanhava até a esquina e só ficava olhando. Ele subia. Ia na vielinha. Ele subia a escada, quando ele subia a escada lá, eu sabia que ele estava na escola. Então, voltava trabalhar. Quando tocava o sinal lá, eu sabia que ele já estava vindo. Então, eu só ficava aqui na esquina, olhava para cima, já via ele descendo a escada, já estava chegando em casa. Então, imagina quando ele morreu? Cada momento desse que passava, na hora de lavar a roupa, a comida que ele mais gostava, que era a coxa do frango, quando eu ia fazer a comida, aquele momento, eu chorava lá. Sozinha, porque o Gilberto ia trabalhar. Meus parentes, todo mundo foi cuidar da sua vida. Na hora de ele dormir, era a mesma coisa. E outra, ele passou a cuidar da minha filha, cuidava, ajudava, dava banho nela, já conseguia trocar a fralda dela, quando ela não estava lá com a menina. Cada momento desse é um sofrimento para qualquer mãe. Em tudo. Na hora de lavar a roupa, você lembra, na hora de fazer comida, na hora da escola. Na hora de tudo, você lembra. Passou um mês, descubro a traição dele com essa menina. Quando eu descobri, a menina, tinha um freguês lá que chegava e, a partir de um momento, ele começou a comprar fiado. A gente não vendia fiado. O Gilberto autorizou ele a pagar depois. E esse cara chegava e pedia as coisas e só queria ser atendido por essa menina. E chegou uma situação que ela falava para mim que não queria mais atender ele. Ele chegava, ela tinha que ir lá servir ele, e para mim era normal. Ela é funcionária e tem que atender o cliente da forma que o cliente quer. Só que aí era fiado. O Gilberto autorizou. Até aí, tudo bem, não tem nada demais. Quando eu fui ver, o cara estava chantageando o Gilberto, porque sabia da traição. E como que o Gilberto me traiu? Ele sempre foi um marido que nunca passou uma noite fora de casa, nunca. Como que tem uma traição dessa? Você sabe uma coisa assim de novela? Tem lógica! Ele ia lá cuidar do outro depósito, mas meio-dia ele estava em casa para almoçar. Ele almoçava, voltava para o depósito, no máximo sete horas da noite, ele estava em casa. A menina trabalhando comigo. Como que eu ia desconfiar disso? Agora, vocês imaginam como é que eles me traíam? E esse cara começou a, cada vez mais, frequentar a sorveteria e só queria que ela atendesse. Eu percebi que ela ficava muito perturbada. Era uma menina, uma menina. Ficava muito nervosa, e eu cheguei a conversar com ela. Ela falou assim: “Olha, não quero atender esse cara. Esse cara é muito chato”. E ela tinha namorado. “Esse cara é muito chato.” Mas acho que o cara pegava e chantageava ela também. Só sei que chegou um dia, que ela não foi trabalhar. A mãe dela chegou lá em casa, toda desesperada, com uma carta que ela escreveu que, até hoje, não sei o que está escrito nessa carta. Só sei que ela saiu de casa. Pegou as coisas e saiu de casa. E eu descobri que ele estava me traindo, mas não sabia com quem. Aí, como que ele me traía? Uma coisa que vocês vão entender. Eu comecei ir à igreja, a desculpa dele: levantava cinco horas da manhã, ela entrava oito horas da manhã no serviço, então, de cinco horas da manhã, eles se encontravam. Ele saía cinco horas da manhã. “Ah, hoje tem campanha na igreja.” Cinco horas da manhã, levantava e ia. “Você vai?” “Não!” Às vezes, eu fechava o comércio era meia-noite. Sem contar que criança dá trabalho também. Quando era para se encontrar com ela, ela ia até um ponto de ônibus. Ele saía de casa cinco horas da manhã, pegava ela. Foi onde que o cara viu. Ficou assim. Cada dia que passava, ele ia mais, dizendo que ele ia para a igreja. Foi assim que ele me traiu. Cara que nunca passava nenhuma noite fora de casa. Sempre foi um marido super, não tinha defeito nenhum. Foi quando eu descobri essa traição. A menina sumiu de casa, deixou uma carta. A gente não ligava as coisas. Fiquei doida. Eu não sei como eu descobri. E, uns dias antes, ele chegou em casa. E essa menina era assim, ela conversava muito comigo e ela começava a perguntar: “Como que vocês casaram?”. Olha, para você ver como são as pessoas. Eu contei minha história, ela falou: “Qual era o seu sonho?”. Eu falei para ela: “Ele foi meu primeiro namorado, meu primeiro tudo. Meu sonho era casar de véu e grinalda, passar a lua de mel em Campos do Jordão, ir num motel”, que eu nunca tinha ido num motel. Até o meu filho já tinha onze anos, eu nunca tinha ido num motel com ninguém. Nem com ele. Ela começou a fazer um monte dessas perguntas. E perguntava do que o Gilberto gostava. As músicas que a gente curtia na época. Ela começava a ouvir as músicas. Começou a vender muito CD pirata, e passava um cara, e eu comprava um monte de CD das músicas que eu gostava, das músicas que ele gostava. Os carros nessa época não tinham CD, só tinham fitinha. Então, ela fazia essas perguntas. Qual música que a gente curtia, nós dois? O que ele gostava? E eu fui falando. E passava o cara vendendo CD, eu comprava, e a gente ficava curtindo lá. Trabalhando e curtindo as músicas. Ela pegava, gravava essas músicas na fitinha, na fita, fita cassete, e, às vezes, ele chegava em casa ouvindo essas músicas. Eu chamava ele de Bem. “Nossa, Bem, como você conseguiu essas músicas?”. “Ah, foi” – ele falava – “o Tourinho”, que é um funcionário. “Ah, foi o Tourinho que gravou para mim.” Nada demais, né? Chegou um dia, ele chegou em casa para almoçar. Quando ele chegava para almoçar, eu ia “coisar” o almoço para ele. Ele chegou chorando, desesperado, pegou a carteira, jogou em cima da mesa e falou assim: “Eu vou embora. Estou indo embora”. E chorando. “Está aqui minha carteira, está aqui o cartão do banco, você sabe a senha, vou embora”. E não explicava por quê. Só chorava. Isso foi uma vez que ele fez. Bem antes, até antes de o moleque morrer. E eu não entendi. E eu perguntava o porquê, o porquê, o porquê. Ele pegou o carro, foi trabalhar, à noite voltou. Passou. Depois que o moleque morreu, ele fez a mesma coisa. De novo, a mesma cena. Chegou em casa... Hoje, eu acho que entendo um pouco. Acho que era o cara que ficava chantageando ele, ou ela pressionando ele, sei lá. Um dia, ela falou assim para mim. Como eu tinha falado para ela que meu sonho era ir para Campos do Jordão, que eu não conhecia, ela falou assim: “Ah, minha mãe, a igreja da minha mãe está fazendo uma excursão para Campos do Jordão. Você não quer ir com o Gilberto? Eu, você, a Nani, a minha irmã?”. Falei: “Vê o dia direitinho, que eu falo com o Gilberto, a gente vê. Quanto que é?”. Ela falou: “Ah, vou ver com a minha mãe?”. No outro dia, ela falou assim: “As passagens são tanto”. “Está bom. Eu já falei com o Gilberto, o Gilberto falou que a gente vai sim. Então, vamos eu, você, a sua irmã, a sua mãe e o pessoal da excursão?” Beleza. Só que foi se aproximando o dia da excursão, ela pegou e falou assim para mim: “Gal, não precisa me dar mais o dinheiro da excursão não, porque o pessoal desistiu da excursão”. Também não entendi nada. “Está bom.” Ela falou assim: “Por que a gente não vai de carro?”. Eu falei assim: “Vou falar com o Gilberto. Pode ir de carro”. A gente combinou direitinho de ir de carro. Foi quando eu descobri a traição, só que eu não sabia que era ela. Ele deu uma desculpa que não dava para ir nesse lugar. Acho que ela bolou isso. Eu imagino na minha cabeça, depois que aconteceu tudo isso. Eu imaginei assim: ela inventou uma excursão, que não deu certo. Inventou, pôs na cabeça da gente para ir de carro. Quando eu descobri a traição, que ela sumiu, eu fiquei imaginando. Isso, depois. Porque, quando eu descobri que ele estava me traindo, eu só não sabia com quem. Nisso, a última vez que ele chegou em casa chorando, desesperado, e fez a mesma coisa: “Está aí minha carteira, os cartões, a senha do banco você sabe, estou indo embora”, e só chorava, chorava, chorava, não falava o porquê. E saiu de casa. Eu descia para a sorveteria. Nesse dia, o fornecedor do sorvete viu que eu estava igual estou aqui hoje. O rosto assim todo vermelho, que tinha acabado de chorar. Que eu chorei porque não tinha, não falava nada. O Josué falou assim: “Gal, você me desculpa, mas eu estou vendo que você está um pouco triste. O que é que foi?”. Eu falei: “Não foi nada. Estou lembrando do meu filho”. Ele falou: “Eu posso vir à noite, com a minha esposa, orar por você e sua família?”. Eu falei: “Pode, Josué. Oração é sempre bem-vinda”. Ele deixou o sorvete. Ele morava lá em Ferraz. À noite, umas seis e meia da tarde, ele chegou. Falou assim: “Que hora que o Gilberto chega?”. Eu falei: “Ele chega umas sete, sete e pouco é o horário normal de ele chegar”. “Então, vamos esperar o Gilberto chegar.” Deu sete horas, o Gilberto não chegou. “Eu só vou pedir para você, se tiver freguês na sorveteria, você fecha, tá?” Eu falei: “Está bom”. Eu baixei as portas e liguei para o Gilberto. Quando eu liguei para o Gilberto, não desconfiava de nada. Não sabia de nada. Eu liguei para ele e falei assim: “Bem, o Josué está aqui com a esposa dele, um pastor, mais um casal que veio fazer uma oração para a gente. Você está vindo para casa?”. Ele pegou o telefone e falou: “Manda o Josué se foder”. Falou desse jeito. E bateu o telefone. O Josué viu a minha expressão e falou: “Mas o que é que está acontecendo?”. Eu falei: “Ah, Josué, eu não sei o que está acontecendo. O Gilberto chegou aqui hoje, largou a carteira dele aí com o cartão de banco e falou que estava indo embora. E estava chorando, desesperado, e eu não sei o porquê”. “Ah, vamos orar, então.” Já tinha baixado as portas, a gente ficou na cozinha assim, numa roda, orando. Aí, o Gilberto chega. Entra na roda também e ficou de frente para mim, orando. Todo mundo orando, orando. Quando parou de orar, eu olhei na cara dele e falei: “O que está acontecendo, Gilberto? Por que você está desesperado? Estava chorando, saiu de casa chorando dessa forma, eu não sei o porquê, que você não explicou. O motivo que você está dessa forma, querendo ir embora de casa, é outra mulher?”. Ele olhou na minha cara e falou: “É outra mulher”. A reação de uma mulher sabendo que está traída? Na hora, eu já comecei chorar também, desesperar, eu queria saber quem era, quem era. Ele não falava. Eu falei que a gente ia se separar. Ele falou que não queria se separar. O pastor começou a orar, orar, e querer que a gente fizesse as pazes ali, na hora. Eu sei que demoramos tanto, que eu falei, eu mesma, na minha cabeça: “Eu vou fingir que aceitei”. Enquanto eu não aceitasse a situação, a gente não se abraçasse, se perdoasse, prometesse que ele não ia sair de casa, essas coisas, o pastor não ia sair de lá. Então, já eram oito, nove horas da noite, sei lá. O pastor... “Vou fingir, para esse pastor ir para os quintos.” Na minha cabeça (risos). Eu, pensando na minha cabeça: “Ele vai para os quintos logo que eu quero resolver”. Tudo isso, do jeito que eu estou falando, eu pensava: “Eu quero que esse pastor vá para os quintos, porque eu quero saber quem é essa vagabunda”. Bolei na minha cabeça, pensando. Fingi. Beijei ele. Abracei ele. Pronto! Estou de boa. O pastor foi embora. A gente morava no terreno do lado. Nessa época, passamos a morar em cima. Fizemos uma casa, em cima, maior. Tinha uma escada. A gente subia. Quando o pastor saiu: “Tchau, bênção, está tudo bem. Amanhã, a gente volta aqui”. “Tá. Vai com Deus.” Ele subiu na frente. Eu subi a escada, olhei na janela. O carro do pastor saiu. Eu entrei no quarto, ele estava no quarto. Eu não sei com que força que eu peguei esse homem pelo colarinho dele, levantei ele na parede. Peguei ele assim, com uma mão só. Falei: “Você vai me falar quem é essa vagabunda agora. Eu não quero saber se ela é mais bonita que eu, o que ela é, ela é mais rica, ela tem dinheiro, é o quê? Você vai me falar agora”. Ele só chorava, chorava. Não falava nada. Começamos a discutir. E vi que ele não ia me falar nada. A gente dormiu na mesma cama. Quando amanheceu o dia, peguei a Nani, joguei ela dentro do carro, peguei fraldas, peguei água, na altura desse campeonato, a gente já tinha mais comércios. Já estava acho que com quatro comércios. Além de ter os outros comércios, a gente vendia para os barzinhos, que era como vender gás em barzinho. Quando dava quatro horas da tarde, ele saía recolhendo o dinheiro nos comércios e nos barzinhos. Eu peguei a Elaine e joguei dentro do carro. Eu, bolando tudo na minha cabeça, falei: “Eu vou descobrir quem é essa vagabunda. Você não vai falar, eu vou descobrir”. Levantei primeiro que ele. Tomei banho. Fiz mamadeira dela. Peguei fralda. Joguei dentro do carro e entrei no banco de trás, enquanto ele estava tomando banho. Quando ele chegou no carro: “Onde você vai?”. Falei assim: “Você vai me falar quem é essa vagabunda, eu quero saber quem é? Eu não vou destruir meu casamento por causa de vagabunda nenhuma”. Ele entrou no carro e foi direto para o outro depósito. Na época, não tinha celular. Era bip. Quando eu cheguei lá no depósito, fiquei só observando. Ele tinha colocado um caminhão na mecânica para arrumar. E eu não dava sossego para ele um minuto. Ele ia no banheiro: “Deixa a porta aberta”. Tinha o telefone fixo e tinha o bip. Eu peguei o bip. Falei: “Pode me dar esse bip aqui”. “Vou no banheiro.” “Deixa a porta aberta.” Falava desse jeito. O telefone tocava, eu fazia ele atender para ver a expressão dele. Quando ele atendia, quando era cliente pedindo gás ou alguém, eu ia saber pela expressão dele. Umas duas vezes, o telefone tocou. Quando ele começava a falar, ele mudava de expressão, eu pegava o telefone, desligava. Eu falei: “Então, é a vagabunda que está ligando para você”. Ele não respondia. E o bip comigo. Eu falei: “Qualquer hora, ela vai passar mensagem no bip”. Ele falou: “Vamos ali no mecânico. Eu vou no mecânico”. Eu falei: “Como ‘eu’ vou? ‘Vamos’ no mecânico”. Eu falei: “Deve ser alguém de lá”. Cheguei na mecânica lá, só tinha homem. Isso o primeiro dia, né? Passei o dia dessa forma. Lá no depósito, e vendo a reação dele atendendo telefone e com o bip na mão. Chegou a hora de a gente ir para casa, a gente foi para casa. Levantamos no outro dia, eu falei com a minha cunhada, para não ficar andando com a Nani. Passei a andar com ele sozinha. Toda vez, a mesma coisa. Ele lá na mesa lá e eu aqui vendo a reação dele atendendo telefone. Às vezes, quando eu via que era ela, que eu pegava o telefone, ela desligava. Ele saía para os barzinhos para pegar o dinheiro, e eu junto. Quando entrava num barzinho, já olhava. Se tiver alguma... Eu deixava ele ir na frente. Porque, como ele não falava, eu tinha que descobrir de alguma forma. Quando entrava num barzinho, eu já olhava. Aparecia uma velha, um velho, ou não tinha nada de mocinha nem nada. Eu falava: “Não é aqui”. Então, uns dez lugares a gente passou no segundo dia. Quando foi no terceiro dia, foi quando a mãe dela apareceu e a sorveteria fechada, que eu fiquei junto com ele. E, como eu saía de manhã cedo, não tinha quem abria a sorveteria, estava fechada. Dois dias fechada já. Quando foi no terceiro dia, foi que a mãe dela chegou com uma carta, dizendo que ela tinha saído de casa e desaparecido. Ela estava preocupada e queria saber se ela tinha vindo trabalhar. Foi quando eu liguei. Falei: “Só pode ser”. Nesse terceiro dia que a mãe dela apareceu com essa carta lá, foi onde que eu deduzi que seria essa moça. Eu peguei e falei para ele: “Eu vou te dar essa chance. Eu não vou destruir meu casamento por causa de vagabunda nenhuma. Ainda mais por uma merda dessa aí”, que era uma menina. Não sendo racista, mas era uma menina de cor. Eu falei com essas palavras mesmo, eu falei: “É uma negrinha de nada, 16 anos”. Eu falei: “Eu não vou acabar com o meu casamento. Eu vou te dar essa chance. Eu não vou acabar com o meu casamento porque, desde o começo, eu não vim aqui para São Paulo, eu vim aqui para estudar, eu vim para ter uma vida melhor, casei com você e não vou destruir meu casamento por uma negrinha, vagabunda, que nem essa daí”. Falei dessa forma. Na raiva, a gente fala mesmo. A menina era bem feia também. Aquele cabelinho tóim nhóim nhóim dela, o meu tóim nhóim nhóim também (risos). Mas uma menininha feia. Perdoei ele. Foi a primeira traição que eu descobri. A gente seguiu a vida. E até hoje eu não sei o que estava escrito na carta que ela deixou para a mãe dela. Não sei se ela engravidou dele. Eu não sei. Não quis saber. Perdoei. Falei assim: “Ponto final. Vamos viver nossa vida daqui para frente”. Comércio indo a todo o vapor, os dois lados do comércio. Só que passou algum tempo, ele fez amizades no comércio e começou a jogar baralho. Lá dentro do comércio, com os amigos. A gente ficava aberto, acho que era a melhor sorveteria da região. Nós que começamos na região com o self-service, que não tinha antigamente. A minha sorveteria, nossa! Fazia filas e filas. Para você ter ideia, eu vendia, por dia, dez baldes de sorvete. Eram 50 centavos duas bolas de sorvete. Tinha o self-service, que era novidade, foi novidade na época na Cidade Tiradentes. Quem começou lá foi a gente. Então, fazia fila na rua.
P/1 – Qual era o nome do restaurante?
R – Era... Eu tenho o cartãozinho lá. Eu mando para vocês. Era sorveteria e bombonière. A gente desenhou um bombom na frente, na calçada. Era só sorveteria e bombonière. Aí, continuamos a vida, continuamos a vida. E ele decidiu que o sonho dele também era ter uma padaria. Pôs na cabeça de fazer sorveteria e padaria. Fez essa bendita dessa padaria. Fazendo a padaria, a gente tem que contratar mais funcionário. Contratamos mais funcionário. Ele decidiu que também tinha que ter uma pizzaria. Pronto! Vamos fazer pizza também. A gente fez um forno. Ele é assim: “Vamos fazer um forno, vamos fazer pizza”. Fez o forno, e o forno não poderia ser usado de imediato. Tem um procedimento lá que tem que fazer, esquentar o forno, não sei o que lá. Só sei que, no dia da inauguração da padaria e pizzaria, não estava funcionando o forno. É até uma parte engraçada. O pessoal começou a pedir pizza e não tinha pizza. O que a gente fez? Pegava pizza pronta, pegava os discos prontos, a gente fazia o recheio e colocava no forno normal, comum. Levamos lá para a mesa de um cliente, o cliente começou a reclamar que a pizza não estava boa. Os clientes não sabiam que não tinha forno. A gente fez propaganda de pizza no forno a lenha. E a pizza não era. O cliente começou a reclamar. O que a gente fez? Fizemos outra pizza lá atrás, não sei o que aconteceu, que começou a pegar fogo na caixa do fogão. Trocamos a caixa da pizza e levamos para o cliente de novo lá na mesa. Ele falou: “Ah, agora essa pizza aqui está boa. Essa está com sabor de lenha!”. Eu falei: “Não falei para o senhor? É que o forno não estava bem quente” (risos). O forno não estava quente. Mas foi a Kátia que queimou e deu sabor de fumaça na massa. A inauguração da pizzaria foi isso daí. Teve uma outra passagem também, que, não contente, a Cidade Tiradentes começou a evoluir bastante, tinha muita construção, terminal. Veio o pessoal, empreiteira. Ele pôs na cabeça que tinha que fazer, servir comida. Pronto! Sorveteria, padaria, pizzaria e restaurante. A gente comprou o negócio lá de self-service. O pessoal das empreiteiras da região, tudo, das escolas vinha almoçar ali. E, quando foi um dia, outra história engraçada também. Quando foi um dia, a gente colocou a comida lá no self-service. O pessoal começou a vir. Já era, servia 180 refeições por dia. Meio de semana, uma pessoa chegou lá, uma moça, um rapaz, acho que mais uma moça, sentaram na mesa, se serviram e começaram a reclamar. Pediu um bife a cavalo, que é um bife com aquele ovo em cima. Pediu, a menina levou na mesa. Era self-service, mas ele, esse prato, que podia ser servido à parte. Serviu lá para ele. Ele falou que não estava bom. O ovo, pôs defeito. Começou a falar alto: “Chama o gerente”. Como não tinha gerente, foi meu irmão. Reclamou, reclamou, reclamou. Só escutava. Meu irmão levou o prato lá atrás, fez de novo, levou de novo, ele começou a reclamar e falando alto. E o restaurante cheio. Chamou a dona: “Não tem a dona? Eu quero falar com a dona ou com o dono”. Eu fui lá, pedindo desculpa, ele alterado, falando alto. E a gente não podia falar nada, cliente tem sempre razão. Pegava o prato, levava lá de novo, pela terceira vez, chamou a cozinheira. A cozinheira foi lá. Mesma coisa! O pessoal já começou a ficar olhando aquela situação e pagar e sair, porque o cara já estava fazendo escândalo, bem na hora de pico. O que a cozinheira fez? Então, vocês nunca reclamem em restaurante, em lugar nenhum. Sejam discretas. Se tiver que reclamar, vai lá no gerente, paga e pronto. Ela pegou o prato dele, levou lá no fundo, pegou esse bife dele, na hora de pico, a cozinha não fica limpa, não tem jeito. Jogou no chão, pisou, cuspiu, pôs na chapa, pegou o ovo, fez na chapa, cuspiu no ovo também. Fez o prato, levou lá. Ela mesma, a cozinheira mesma. Pôs na mesa lá. Ele olhou, começou a cortar, começou a comer. Aí, estava bom. A partir desse dia, ele virou cliente, trouxe mais gente, que é um absurdo. Pela terceira vez, não estava bom, e a cozinheira, vendo isso daí lá de dentro, o escândalo que ele estava fazendo, a ponto de todo mundo querer sair sem pagar porque ele falava coisa que não devia, alto. Então, vamos resolver o problema do homem. Ela fez isso. Então, eu tenho isso como lição e não reclamo. Já aconteceu, a semana passada mesmo, fui no teatro com a minha filha, e o pessoal chamou para ir na pizzaria. A gente foi na pizzaria superchique lá, pediu a pizza, comecei a comer, tinha um pelo no prato. Eu olhei, não falei nada. Deixei todo mundo comer. A menina que convidou a gente, falei para ela. Mostrei. Até contei essa história para ela. E falei assim: “Eu não reclamo”. Chamei o gerente e, discretamente, falei. “Só que nunca mais eu ponho os pés nessa pizzaria. Não faço escândalo. Vou pagar.” Não é que a gente não quer pagar, a gente pagou a conta primeiro, não foi nem eu, o pai da menina. Pagou a conta, a gente chamou o gerente e mostrou. Falei: “Só que nunca mais eu ponho os pés nessa pizzaria e vou passar para frente esse problema aí”. Então, não reclamem. Façam isso educadamente. Principalmente, suco, filha. Você reclamar do suco, que voltarem com o suco bonitinho para você, não toma, não. Não façam escândalo em restaurante, em lugar nenhum. Lanchonete nenhuma. O que vem de errado, paga. Só que não volta mais lá, e fala o que aconteceu para os outros.
P/1 – E, Gal, só para a gente pensar na continuidade da história, teve algum momento em que você colocou um basta na relação com seu marido?
R – Sim. Vai fazer sete anos. A gente viveu 25 anos, que foi agora. Em 2010, teve eleição. Voltando ao assunto que ele começou a jogar muito baralho com os amigos. Baixava as portas dez horas da noite e ficava jogando baralho lá com os amigos. E, de manhã, ele levantava e ia trabalhar. Sei que chegou uma hora que eu não estava aguentando mais também. De levantar cedo, sete horas da manhã, enfrentar o comércio, não ter hora para fechar. E ele se divertia, ele jogava baralho com os amigos dele, tomava cerveja. Apesar de estar dando lucro para a gente mesmo, ele ganhava também dinheiro, mas não estava sendo justo. Chegava na sexta-feira, com esses amigos, ele ia jogar numa quadra de society. Chegou um dia... E eu nada! Só trabalhando, trabalhando, trabalhando. Quer dizer que ele trabalhava, ele se divertia, embora seja ali dentro mesmo, ele podia ir numa quadra de society, e eu tinha que ficar ali. Chegou um dia, eu falei para ele: “Hoje eu vou ver se você está jogando mesmo nessa quadra de society”. “Você não vai que lá não é lugar de mulher.” “Como não é lugar de mulher?” E eu voltava no passado, quando a gente era namorado, a gente ia para todo lugar, que é o normal. Quando é namorado, é diferente. Não desgruda. Namora em qualquer lugar. Beija em qualquer lugar, que sirva de exemplo para vocês também. Te levam para qualquer lugar, você vai junto. Seja onde for, o teu namorado quer te levar. Quando casa, as coisas mudam bastante. Então, eu não aceitava isso. Quando a gente era namorado, não podia dar um passo, até mesmo muitos anos de casado, que a gente ia na casa da mãe dele, como a gente não tinha carro, a gente ia a pé. Se eu soltasse da mão dele aqui, ele falava: “Por que você soltou minha mão? Você está vendo algum paquera seu aí? Tem amante?”. Então, quando ele passou a fazer isso daí, na sexta-feira ia para a quadra de society. Quando foi um dia, eu falei: “Eu vou!”. “Você não vai.” “Então, tá!” Ele foi. Eram seis horas da tarde. Eu pedi licença para os clientes que estavam. Fechei e fui. Cheguei lá, sentei numa mesa lá, peguei uma cerveja, ele não estava me vendo. Quando ele me viu... E tinha várias mulheres, homem, mulher. Normal! Ele só não queria que eu fosse. Sentei, pedi uma cerveja e fiquei lá olhando ele jogar. Quando ele me viu, ele saiu, foi lá falar comigo e perguntou o que eu estava fazendo ali. Falei: “Nada! Vim aqui ver você jogar, e faça um gol lá para mim”. “Aqui não é lugar de mulher.” “O que aquelas vagabundas lá estão fazendo aqui?” Falei desse jeito. “Olha lá, quanta vagabunda ali.” Tinha umas dez moças, mulher com marido, só eu que não podia? Esse homem ficou doido. Sabe quando ele fica com raiva e não pode fazer nada? “Vamos para casa.” “Não, você vai fazer um gol lá para mim. Você não pode se divertir? Eu também posso!” Voltou lá a jogar. Quando acabou o jogo, a gente voltou para casa. Chegou um tempo que eu não estava mais aguentando mais mesmo de “desgastamento” de trabalho. E conversei com ele. Falei: “Você dá um jeito na nossa vida, ou comércio, ou nosso casamento, porque eu não quero mais ficar trabalhando dessa forma. Você, jogando todas as noites aí dentro, às vezes, para quatro horas da manhã, vai trabalhar e na sexta-feira sai também com os amigos? Eu não aguento mais. Pode dar um jeito aí”. Conversando numa boa, nós dois. Ele falou: “Então, o que você quer que eu faça?”. Falei: “Não sei. Você faz o que você quiser. Eu é que não vou ficar aqui me matando, trabalhando da forma que eu estou e só você se divertindo. Então, vamos dar um jeito aí. Ou o casamento, ou o comércio”. E a cozinheira era a irmã dele. Eu fui e conversei com ela e falei também o que estava acontecendo. Só sei que ele decidiu que a gente tinha que sair dali. Só que, para montar esses negócios do gás, a gente vendeu a nossa casa e investiu no gás. Então, como a gente morava no depósito, a gente não tinha mais casa. Ele falou: “A gente vai para onde?”. E esse meu irmão que é pedreiro, e todos os comércios ele que fazia os muros, essas coisas assim, estava morando num depósito. E nesse depósito tinha um quartinho separado lá. Eu falei: “A gente vai. Como a gente não tem casa, você vê o que precisa fazer com o comércio, vende ou sei lá”. Ele falou: “Eu conversei com um amigo que se interessou e quer arrendar”. Falei: “Então, arrenda, porque eu não quero ficar nessa vida, não. Eu valorizo o nosso casamento, a minha vida”. Ele falou: “Então, está bom. Vamos arrendar, e a gente vai morar lá junto com o seu irmão, naquele quartinho lá, por um tempo, para a gente achar uma casa”, porque não tinha móvel, morava ali, mas tudo meio que no improviso. A gente foi morar nesse quartinho, no meu irmão. Passou um tempo, ele começou de novo. Aí, não foi mais chorando nem nada. Chegou em mim e falou que queria a separação. Esse quartinho era tão pequeno, que era um quartinho e um banheiro. Só cabia nossa cama e o guarda-roupa, e a minha filha teve que dormir na casa do meu irmão, porque não cabia ela lá dentro. Como ela já estava grandinha, então, não tinha como. A minha cunhada falou: “A Nani dorme aqui. Tem espaço para a Nani aqui”. É tudo junto mesmo, tudo parente, e era por pouco tempo que a gente programou. Passou um tempo, ele falou que queria separar. E, engraçado, que ele começou com a ideia de separar e foi direto falar com o meu irmão, dar satisfação para o meu irmão. E começou a se distanciar de mim. Ele chegava, como a gente não tinha cozinha, já não almoçava mais em casa, porque era longe dos outros comércios em que ele ia. Então, ele almoçava fora e vinha só para jantar. Então, quando ele chegava, ele jantava e já não ia mais me ver lá no quarto – que eu já tinha jantado, já estava lá no quarto. E foi ficando indiferente. Ele jantava na casa do meu irmão e ficava por lá. Às vezes, ele ia para o quarto, já tinha dormido. E foi passando o tempo e uma indiferença, uma indiferença. Conversou com o meu irmão, que queria se separar de mim, conversou com ele. Chegou um dia, eles foram convidados para... Eu nunca quis saber também de dirigir. Porque a gente era um casal que sempre viveu tão junto, levantava junto, 24 horas junto. Então, chegou um dia que já estava esse clima meio distanciado um do outro. A minha cunhada foi convidada para um casamento. Ele conversou com o meu irmão, falou que ia se separar de mim. Só que não falava para mim também. Só ficou indiferente e falou para o meu irmão que a gente ia se separar. E foi me desprezando. E a minha filha dormindo lá. Essa minha cunhada foi convidada para um casamento. E nesse dia eu fui na igreja com a Nani, tudo a pé. Como eu não dirigia, eu fui nessa igreja, até Igreja Universal. Quando eu voltei, quando eu cheguei, eram umas três horas da tarde. Todo mundo tomado banho, arrumado, eu falei: “Nossa, para onde vocês vão?”. “Ah, vamos para um casamento de um fulano lá do Piauí.” “Ah, que legal!” E o meu irmão não dirige, não tinha carro. Tudo bem. O Gilberto chega, entra lá no quarto, não fala comigo. Toma banho, se troca. “Para onde você vai?” “Você não está vendo, não? Vou no casamento com o seu irmão. Foram convidados e me convidaram.” Então, simplesmente eles me ignoraram, me subiu o sangue na cabeça. Eu peguei as roupas dele e, com o decorrer da indiferença dele, a gente ia discutindo, brigando, cada vez ele ficava mais tempo na casa do meu irmão, vendo televisão até que eu dormisse, e ele voltasse para o quarto. Estava ficando tão insuportável que, quando chegou esse dia, eu não aguentei. Eu peguei todas as coisas dele, do nosso quarto, e joguei para fora. Falei: “Já que a gente não tem uma casa, a gente não tem nada, você está com essa indiferença comigo, você vive lá mais com o meu irmão, você chega do serviço só vem para o quarto meia-noite, uma hora da manhã, já que é assim, a minha filha já está dormindo lá, então...”. Joguei todas as coisas dele para fora. Peguei no guarda-roupa roupa, perfume, sapato, joguei. “Vai para lá. Não é com o meu irmão e com a minha cunhada que você quer morar? Então, vai!” Ele foi. Foi quando ele falou que queria se separar. Eu joguei todas as roupas dele para fora. Peguei a Nani, que a gente tinha acabado de vir da igreja, a Nani tinha comido, estava com a roupinha toda suja. Do jeito que eu estava, do jeito que ela estava, entrei dentro do carro. Não fui convidada, mas entrei dentro do carro. Joguei a Nani no banco de trás e sentei no banco da frente. Meu irmão, a mulher dele e o filho. E a Nani no banco de trás. “Para onde você pensa que vai?” Eu falei: “Não fui convidada, mas eu vou! Qual é o problema?”. Entrou no carro e foi indo. Foi indo. E eu comecei a brigar com ele, brigando, brigando, brigando, e, no caminho, só sei que ele pegou sentido Mogi, era um sítio. Eu brigava com ele, e o pessoal atrás não falava nada. A Nani pequenininha não entendia de nada. Tinha quatro anos. Não entendia de nada. Só sei que chegou nesse sítio, eles entraram lá para o casamento. A minha cunhada falou: “Desce, você não vai entrar?”. Eu falei: “Não. Eu não fui convidada. Já que eu não fui convidada, eu não vou. Eu vou ficar aqui. Olha o jeito que a Elaine está, com as roupas todas sujas. Você acha que eu vou entrar num casamento chique desses com a minha filha toda suja? Vou ficar aqui”. Eles desceram e foram. Ela foi e falou com a moça do casamento, que me conhecia também, não tinha me visto há muitos anos. A moça veio. Quando a moça veio, eu tranquei a porta do carro, não deixei. A moça queria falar comigo, não deixava, ficava lá dentro. Só sei que passou um tempo, trouxeram comida para mim, trouxeram água para mim e para a Nani, sei lá. Só sei que a gente voltou para a casa. Estava declarado que a gente ia se separar. Como a gente não tinha mais casa, ele pegou e falou assim: “Você acha uma casa, aluga, a gente vai numa loja, mobilha a casa e você vai morar com a minha filha”. Eu falei: “Não. Eu quero uma casa própria para mim”. Eu tinha a minha casa, a gente investiu no comércio: “Agora, você vai ter que comprar uma casa para mim. Eu só separo de você se for assim. Eu quero a minha casa. Quem vai me garantir que, daqui um ano, dois anos, você vai ficar pagando o aluguel para mim? Quem que vai garantir que, daqui um ano, você vai pagar o aluguel, e como é que eu vou sustentar a minha filha?”. Nisso, um dos irmãos dele estava morando na praia, lá em Peruíbe. Ele falou: “Onde você quer morar?”. Eu falei: “Se você não comprar uma casa para mim, eu vou embora”. Não pensava nem em bens, essas coisas assim. Eu falei assim para ele: “Se você não comprar uma casa para mim e mobilhar, eu vou embora para o Piauí, e vai ficar mais difícil de você ver sua filha”. Ele falou: “Então, tá. Onde você quer morar?”. Eu falei: “Também não quero morar aqui em São Paulo. Quero morar distante de você também”. Então, ele falou: “Onde você quer morar?”. Como eu sabia que o irmão dele estava na praia, eu conhecia lá o lugar, eu falei: “Vamos ver se a gente acha uma casa na praia”. A gente foi, esse dia a gente foi até... Não, a gente foi sozinho, quando chegou lá, conversamos com o irmão dele. O irmão dele falou: “Tem uma casa na rua de cima que está vendendo”. A gente foi olhar a casa, a gente gostou da casa, ele falou: “É isso mesmo que você quer?”. Eu falei: “É!”. “Então, tá. Semana que vem a gente volta e fecha negócio.” Procuramos a dona da casa lá. Na outra semana, a gente voltou. Fechou negócio. Já voltou com advogado, tudo, fez o negócio da casa. Ele reformou essa casa, mobilhou. E a casa lá é um ponto comercial. Montou uma sorveteria para mim lá. Fiquei lá, sozinha com a Nani, morando com a Nani. E, até então, não tinha mulher. Não era mulher, sei lá se era. Também não quis saber. Já tinha ultrapassado tudo. Falei: “Não!”. Conclusão: fiquei morando lá, em questão de dois meses ele fez tudo. Reformou, meu irmão é pedreiro. Foi lá e fez a reforma que tinha que fazer e montou essa sorveteria, e eu fiquei lá trabalhando. A sorveteria, como sempre, dá um bom lucro, precisando de uma pessoa para ajudar de novo. Chamo minha cunhada, a cunhada dele, aliás. A cunhada dele começou a trabalhar comigo. Primeiro mês, eu tirei um lucro de 600 reais livre. Como não pagava aluguel, então, paguei todas as despesas da sorveteria e tirei 600 reais livre. Eu vi que dava para pagar uma pessoa para me ajudar. Eu chamei essa minha cunhada para trabalhar comigo. Ela veio. Eu pagava, sei lá, eu falava: “Está tirando uns 600 reais livres”. Conversei com ela: “Você pode me ajudar?”. Ela: “Posso!”. “Só que eu não posso pagar muito.” Ela veio, pagava um pouquinho para ela. Enquanto isso, a desculpa dele de vir, de ver a filha, vinha todo o final de semana. Ou seja: nessa época, eu virei amante dele.
P/2 – Nossa!
R – Ele vinha, falava que vinha. Toda semana. Todo sábado ele vinha. Só voltava na segunda. Ele trazia mercadoria, levava mercadoria daqui que era mais barato para mim. Levava pra lá. Eu só comprava sorvete lá. Só sei que a gente virou amante. Passaram uns seis meses, a gente ficou namorando. Ele vinha todo o final de semana. Não tinha opção, ficava junto. E a família crente que a gente estava separado. Todo mundo achava que a gente estava separado. Uma vez, acho que umas duas vezes só que ele não pôde ir, ele falava: “Você vem para cá”. Eu vinha para cá, a gente ficava em motel, depois ele voltava. Eu vinha de ônibus, ele voltava e me levava. Eu vinha no sábado, dormia no motel, domingo de manhã, ele me levava para a praia de novo. Quando foi no final do ano, a família inteirinha dele estava lá em casa. A maioria, passar o Natal lá. Veio uma turma, ficou o Natal. Passou o Natal. E todo mundo achando que a gente estava separado. Normal. Ele pegou e falou: “Vamos voltar. Vamos falar para o pessoal que a gente vai voltar”. Eu falei: “Não, vai falar para quê? Deixa do jeito que está”. “Não, mas eu preciso de você lá” – que eu que cuidava das finanças, eu que fazia tudo com ele. “Não, que eu estou precisando de você.” “Então, tá.” “Vamos juntar a família e falar.” Falei: “Acho que não. Acho que a gente já é adulto suficiente para assumir qualquer coisa. Vai falar para quê?”. Chegou à noite, nós levamos a mãe dele na praia, quando voltou, a mãe dele foi dormir, eu falei para ela: “Olha, Dona Dita, eu vou namorar com o seu filho, tá?”. A gente saiu, voltamos, todo mundo já percebeu que a gente tinha voltado. Falei: “Você quer que eu volte?”. “Quero.” “E a gente vai morar onde? Vai morar de novo num quartinho de comércio? Morar na casa de alguém? Não vou!” “Não, a gente aluga.” “Não vou. Se você não comprar uma casa, não vou. Se vira, compra uma casa. Só vou morar no que é meu.” Ele comprou uma casa aqui em São Paulo, a gente veio morar aqui. Os comércios sempre, graças a Deus, indo tudo bem. Ele se tornou um dos maiores revendedores de gás da região. Como que eu vou explicar para vocês? O gás é assim: acho que tem sete empresas de gás na região, em São Paulo, que são Minasgás, Ultragaz, Consigaz, sete empresas. Então, você imagina, você pegar, vamos ver se vocês entendem, você pegar um bolo aqui e desse bolo você comer 75% desse bolo. O que é que vai sobrar? 25%, para seis concorrentes. Então, ele se tornou esse maior revendedor da região. Então, o concorrente não fica satisfeito. O que o concorrente faz? O concorrente vende mais barato, denuncia, e o nosso comércio sempre prosperando cada vez mais e mais. E a gente dava festa, festa para o povo na rua, nas datas comemorativas, Natal, Ano Novo, não. Natal, Dia das Crianças, Dia dos Pais, Dia das Mães. A gente fechava uma rua e contratava pessoas para cantar e passava a tarde. Dava brinquedo para as crianças, uma festa comunitária. Nós mesmos que bancávamos. Quando foi em 2010, a gente fez uma festa no Dia das Crianças que juntou, teve que fechar, a CET [Companhia de Engenharia de Tráfego] foi lá e fechou duas ruas de frente. A avenida que era a principal teve que desviar o trânsito porque era muita gente. Nesse dia, a gente distribuiu dez mil brinquedos. Então, caiu nos ouvidos dos políticos, que o Gilberto seria um bom candidato para a região. Nesse dia, chegou lá o senhor Geraldo Alckmin, 2010. E participou da festa, falou alguma coisa lá. E conversou com o Gilberto e convidou ele para se candidatar. O Gilberto se candidatou. Só que puseram na cabeça dele que ele tinha que ser candidato a deputado federal. Mas por quê? Que eu acho assim: tudo o que você tem que começar, você tem que começar por baixo. Se não tiver um alicerce, não tem como. Começar por alto, o tombo é mais alto. É maior. Então, ao ver a cabeça de todo mundo, ele tinha que começar por vereador. Que a eleição na época acho que era vereador, deputado federal, estadual e governador? Acho que era. Só sei que o Geraldo Alckmin foi lá e fez esse convite para ele. Ele aceitou. Ele aceitou e começou a campanha. E todo o vapor. Em 2010. E outras coisas acontecendo na nossa vida. E com tudo o que já estava acontecendo, o casamento vai desgastando. Muito trabalho desgasta tudo. Só sei que a nossa vida conjugal não estava mais lá essas coisas. A gente se afastou da igreja também, que eu acho que igreja ajuda muito. Uma religião, se você puder seguir, seja ela qual for, não aplaca, mas você seguir uma religião te ajuda bastante. Só sei que aconteciam coisas no depósito. Teve um dia de manhã, que a gente chegou, tinham jogado um pedaço de pano vermelho dentro do depósito, com o nome dele escrito. E estava escrito assim: “Esse homem vai ser meu”. Além do nosso casamento já estar desgastado, vêm as “macumbarias”, essas coisas, que existem. Não sei se vocês acreditam ou não, eu acredito, no meu ponto de vista. O casamento que eu tive com ele, por ele, sei lá, tivemos nossas brigas, nossas desavenças, mas a gente já estava vivendo há 25 anos. E um dia apareceu isso aí no depósito. E, a partir desse dia, também foi ficando ruim. A vida conjugal foi ficando, não estava legal. E entrou na política. E colocaram na cabeça dele que ele tinha que ser deputado federal. E eu não entendi. Quando foi um dia, eu perguntei a uma pessoa: por quê? Os assessores lá. Por que que ele tinha, porque ele não poderia começar de vereador, que era o certo? “Não, porque o Gilberto tem um potencial de ser deputado federal. Além disso, deputado federal é menos concorrido”. Porque, como é que fala, vereador tem mais concorrência, tinha mais vereador para ser concorrido na época. E mais deputado estadual. Então, o certo, pelo potencial dele, seria federal. Colocaram na cabeça dele isso daí. Então, ele entrou. Veio a campanha para ser trabalhada, a gente contrata pessoas, desculpa, a gente contrata pessoas e faz comitê. E o comitê dele era tão grande, tinha tanta gente trabalhando para ele, que a gente montou uma cozinha para fazer comida para o povo. Para o pessoal que trabalhava na campanha. Era muita, muita, muita gente. A gente gastava mil reais de comida por dia. O pessoal trabalhando na campanha, na rua. Contratamos pessoas para cozinhar a comida, faziam as marmitas, as pessoas iam e distribuíam nos pontos que estavam fazendo a campanha para ele. Era muita gente. Gastava mil reais por dia de refeição. Sem contar que essas pessoas todas eram contratadas para trabalhar na campanha. E, nessa época, apareceu uma moça, que está com ele hoje. Ela tem duas filhas. Uma na idade da minha filha, uma mais novinha. E o histórico dela é esse. Acho que eu vou até querer que vocês cortem isso depois. Só vou contar. O histórico dela é esse de mulher vagabunda mesmo. Não é porque aconteceu comigo. São as pessoas que conhecem ela, do bairro dela, sabem, falam até hoje: “Por que Seu Gilberto largou a Dona Gal por Alessandra, que é uma vagabunda?”. É uma japonesa loira. Ela casou com um japonês, teve duas filhas. Esse japonês, a história que eu sei dela, esse japonês foi viajar para o Japão e pegaram ele com porte de arma. Ele ficou preso no Japão. Ela ficou aqui em São Paulo, morava no Jardim Helena com a mãe e as duas filhas dela. E o marido dela estava preso lá. Então, o que ela fez? Além de ela dar em cima de tudo quanto é homem, ela estava junto com um cara, na época. Um cara de perua, perueiro. E entrou para trabalhar na campanha. E, até então, eu não participava da campanha, porque eu cuidava das finanças da empresa, junto com a sobrinha dele. A gente que cuidava de tudo. Ele já se desligou da empresa para cuidar da campanha eleitoral. Então, essa moça apareceu assim. Não digo que foi ela que destruiu o meu casamento, porque já estava desgastado. Eu acredito que foi “macumbaria”. Sei lá, já estava desgastado. Não vou falar para você. Ela só foi assim a gota-d’água. De vez em quando, eu ia lá no comitê, e o moço que conhecia ela, uma vez, me chamou a atenção. Falou: “Dona Gal, por que a senhora não vem na campanha? Por que a senhora não participa mais da campanha? Por que a senhora não vai no comitê?”. “Mas por quê?” “Porque a senhora é a esposa do Seu Gilberto. É bom a senhora vir. Olha, não sei o quê.” E, uma vez, duas vezes, eu não sou boba. Não sou trouxa. Comecei a perceber algumas coisas. Eu passei a ir mais, alguém me dava um toque, outro me dava um toque, eu comecei a participar mais da campanha, a andar mais com ele. Quando foi um dia, ele patrocinava muitos shows para esses cantores famosos. Quando foi um dia, a gente foi num show, e ela passou a ser, coordenar um grupo de pessoas para trabalhar na rua. Ela já passou a ser coordenadora. E uma pessoa sempre me alertando. “Olha, essa moça, ela é assim, assim, assim.” Falava com todas as letras: “Ela é vagabunda, ela é caçadora de macho”. Falava assim para mim. Tá bom. Comecei a andar com ele. Nesse dia, nesse show, acabou o show – inclusive, nesse dia, tinha até um padre junto. O Gilberto tinha que dar carona para esse padre. Eu fui para o carro. O padre sentou na frente, eu sentei atrás com a minha cunhada e a Nani. Sabe quando você senta atrás do motorista? Quando ele sentou no banco, o telefone dele toca. Quando o telefone dele toca, ele atende, mas sem perceber, ele pega o telefone e fala assim: “Alô?”. Ele falou: “Sem encontrar”. Quando ele falou: “Sem encontrar”, ele olhou no retrovisor e percebeu, viu que eu estava. Quando ele falou assim: “Sem encontrar”, ele levantou o olho e viu pelo retrovisor, ele me viu lá trás. Eu fingi que não ouvi nada. Ele desligou o telefone e falou assim: “Eu vou deixar o padre em tal lugar e eu vou ter que ir buscar um pessoal lá no aeroporto, e você pega...”. Aí, eu já dirigia, comecei a dirigir, por um problema que aconteceu com a minha filha, eu decidi dirigir. E, por meu casamento estar desgastado, por a gente estar convivendo com um “desgastamento” de casamento, eu saí da empresa e fui para casa. E aconteceu um acidente com a minha filha, eu me desesperei, decidi ir dirigir. Aprendi a dirigir. Eu já sabia dirigir nesse tempo. E à tarde ia ter um show de um grupo que eu não lembro. Sei que essas meninas enlouqueciam por causa desses moleques. Não lembro mais o nome do grupo. E as filhas dela junto. Ele pegou e falou assim: “Eu vou ter que ir no aeroporto pegar um pessoal lá à tarde. A Nani quer porque quer ver esse show”, que ele que estava patrocinando. Então, ela ia ter a oportunidade de entrar no camarim, tirar foto, porque ela era doida pelos caras, coisa de jovem, nessa época, igual a Menudos, lembra? O pessoal era doido por esses grupos.
P/2 – Restart?
R – Esse daí, pronto! Essa coisa aí. Esse Restart. Pergunta para ela, depois ela te conta essa história. Nossa, ela era louca por esse grupo. E as meninas dela também. Coisa de jovem. Ele falou: “À tarde, vai ter um show lá, em tal lugar, e eu vou para o aeroporto pegar esse pessoal e você pega seu carro e leva as meninas para assistir esse show, porque elas querem. Porque a Nani quer tirar foto com os caras, porque eu que estou pagando, patrocinando”. Então, tá. Fui. Ele me deixou em casa, combinamos direitinho, e peguei a Nani, as filhas dela, e ela foi junto com ele para o aeroporto, diz ele, a história que ele me falou. Que ele ia pegar esse pessoal, e ela foi junto. Então, levei as meninas dela para o show, entramos no camarim, tiramos foto, voltei para casa. Quando foi de manhã, eu estava em casa – como que eu descobri essa traição sem ninguém me falar nada também? Eu estou em casa, fazendo o almoço. Levei a Nani na escola. Ele levou. Ele ia trabalhar de manhã, que eu tinha decidido não trabalhar mais, ficar um tempo em casa, devido ao “desgastamento” do casamento. Fiquei em casa. Levantava de manhã, levava ela na escola. Eu estou lá, fazendo almoço. E, do nada... E a campanha rolando. E eu fazendo campanha também lá onde a gente mora. E eu já comecei a desconfiar dessa moça, de traição. Eu falei: “Mas eu pego”. E sempre pedindo a Deus para me dar direção nas coisas. E fazendo o almoço lá. Eu tinha que buscar a Nani. Eu coloco o arroz. O arroz começa a secar, tampo o arroz lá, o telefone toca. O telefone fixo. O telefone fixo toca, eu vou lá, atendo. Não, estou mentindo. Eu liguei. Eu falei assim: “Eu vou pegar esses dois!”. Peguei, liguei para a secretária, falei assim: “O Gilberto está aí?”. Ela falou: “Não”. “Fala para ele, vê se você consegue falar para ele que eu marquei uma reunião aqui com o pessoal do condomínio, para a campanha, umas senhoras aqui, para a gente fazer um café da tarde com essas senhoras.” Nisso, ela falou que ele não estava, ela falou: “Não, Dona Gal, está aqui, está aqui, está aqui”. Eu ouvi ele falar assim: “Deixa que eu ligo para ela”. Ele ligou no celular. Ele, falando comigo, eu falei assim: “Amanhã, marquei um, eu vou marcar um horário com o pessoal aqui do condomínio, será que dá para você vir? Dá uma olhada na sua agenda” – porque tinha um monte de compromisso, um monte de reunião com o pessoal. “Mas que horas?” Eu falei: “Vou confirmar com o pessoal esse horário”. E desliguei o telefone. E fui lá abaixar o fogo do arroz. E bolando na cabeça. Não sei onde eu arrumava todas essas ideias. Eu pego, vou lá, disfarço, estou sozinha, retorno a ligação. Quando eu retorno a ligação... Não, minto. Eu coloquei o telefone no gancho e volto para disfarçar que eu tinha já arrumado o horário para ele vir nessa reunião. Eu pego o telefone no gancho e escuto, só escutei assim: “Ei, psiu, aqui, aqui”. Parece que eu estou vendo. E eu tinha conversado com ela, ela falou: “Amanhã, não vou poder trabalhar na campanha porque minha mãe está no hospital”. No telefone, tinha acabado de falar com ele, coloquei o telefone no ganho, voltei para marcar a reunião com ele, o telefone não desligou. Ele entrou no carro, e ele tem mania de colocar o celular aqui. Acho que o celular dele não desligou. E, do depósito para o hospital em que a mãe dela estava, eram umas três ruas de onde ele estava. Eu escutei. Peguei o telefone no gancho e escutei. “Oi, oi, psiu, psiu, aqui, aqui”. Ele foi até o hospital onde a mãe dela estava, que ela tinha me falado. Eu escutei a porta do carro bater, escutei cumprimentar ela beijando. Quando eu escutei isso, caiu a ligação. Eu me desesperei. Sozinha em casa, quase na hora de buscar a Nani. Eu tenho um sobrinho que trabalha lá no depósito, que é como se fosse meu filho. E tudo o que eu falar para ele, se eu ligar para ele e falar assim: “Nelton, estou precisando de você aqui, agora”. Ele fala: “Tia, onde você está? Estou aí daqui a dez minutos”. Pega uma moto e vai onde eu estiver. Eu, desesperada, chorando, sozinha, porque eu liguei as ideias, escutei os dois se cumprimentarem, e ela começou a falar no carro: “Ai, que a minha mãe não está bem, que não sei o quê”. Começou a falar, falou mal da irmã dela. “A Paula, não sei o quê, não sei o que mais lá. Vamos tirar a Paula da campanha.” A Paula virou até secretária, que é a irmã dela. “Vamos tirar a Paula da campanha. Não sei o quê.” Falou do show das meninas. Então, quem era a amante? Descobri que era ela. Quando a ligação caiu, eu liguei para o meu sobrinho, desesperada. Ele: “O que é que foi tia? Por que você está chorando?”. “Nelton, vem para cá agora, eu preciso de você agora.” “Onde você está?” “Eu estou em casa.” “Mas me fala, tia, o que é que está acontecendo?” “Filho, vem aqui.” “Tia, mas o que que é?” “Vem agora.” “Não, tia, dá 20 minutos que eu estou aí.” Pegou a moto, 40 minutos, ele estava lá em casa. Quando ele chegou, eu estava desesperada, não sabia o que fazer, falei: “Nelton, descobri que seu tio está me traindo com aquela vagabunda da Alessandra”. Ele: “Mas como, tia?”. “Vamos, vamos.” Na minha cabeça, eu ia pegar os dois lá no lugar. Como ela falou que a mãe dela estava no hospital, e falou do show, então, confirmou tudo. Eu pego, na minha cabeça dava tempo. O moleque demorou o quê? Trinta minutos de São Miguel para Arujá. Quando ele chegou lá, na minha cabeça, dava para eu pegar a moto e ainda pegar os dois juntos. “Não tia, calma, calma, calma, que não é assim. Olha, já se passaram mais de 40 minutos, vai levar mais uns 30, 40 minutos para chegar lá no Tide Setúbal. Eles não vão estar mais lá, tia”. Aí foi que eu caí na real e me acalmei. Fiquei calma e falei: “Está certo”. Pronto. Fiquei sozinha em casa. Fui buscar a Nani. Não falei nada e fiquei sem saber o que fazer. Eu peguei e falei assim – sempre orando e pedindo a Deus para me dar direção e sei que me acalmei. Quando ele chegou à noite, eu fingi que não estava acontecendo nada, mas o homem pode trair mil vezes, desde que você não saiba. Pelo menos comigo foi assim. Quando eu descobri isso daí, quando ele chegou à noite, eu não suportava olhar para a cara dele, com nojo. Eu sabia que ele foi se encontrar com ela, e chega à noite para me beijar, chega à noite para ficar comigo na mesma cama. Eu suportei por Deus. E fiquei três dias indiferente com ele, fingindo que não estava acontecendo nada. Quando foi no terceiro dia, eu peguei e falei assim, levantei de manhã. Como ele levava a Nani, eu me troquei, ele falou: “Você vai para onde?”. “Vou lá para São Miguel. Nós deixamos a Nani na escola e vou para São Miguel.” Entrei no carro. E, no caminho, era mês do aniversário dele. Estava chegando o aniversário dele, eu falei assim, vêm as ideias na minha cabeça, e eu ponho para funcionar. Eu falei. Deixamos a Nani. Ele falou: “Você vai ficar onde?”. Eu não sabia o que responder. “Você vai fazer compra?” Eu falei: “Não”. E estava indo, estava indo, estava chegando perto do depósito. “Onde que eu vou te deixar?” “Vamos lá para o depósito mesmo.” Chegando no depósito, eu falei assim: “Sabe o padre tal? Não era para eu te falar, mas não está tendo como eu esconder, então você vai fingir que não sabe de nada. O padre está bolando uma surpresa para você. Vai reunir o pessoal lá no depósito, como é seu aniversário”. Só ideia minha. “Ninguém sabe de nada. Mas você finge que não sabe de nada. Porque não tem como. Você finge que não sabe.” “Tá bom.” Chego lá no depósito, do depósito, a gente foi lá para o comitê. Quando eu chego lá, não era normal eu estar lá. Todo mundo estranha. Chegava, me cumprimentavam. Eu peguei e falei assim: “Paula, marca uma reunião, quero falar com todo mundo da campanha. Todos os coordenadores da campanha, quero conhecer, quero saber quem é, quero saber quanto que o Gilberto está pagando para cada um. A partir de hoje, eu vou participar mais da campanha. Vou andar mais junto com ele. Quero saber de tudo”. Ela me obedeceu e chamou todo mundo. Como ele achava que era surpresa, então, ele não estava nem aí. O pessoal estava chegando, ele fingiu que não estava sabendo de nada. Nem o padre. Chamou todo mundo. Eu ainda fui bem explícita com ela: “Principalmente a sua irmã, chama a sua irmã, não deixa ela faltar”. “Não, Dona Gal, acho que não vai dar.” “Vai, filha, faço questão que ela venha.” A gente voltou para o depósito. Como eu que fazia banco junto com ele, fomos para o banco, voltamos. Ele falou: “Será que o pessoal já está lá?”. “Está, mas finge que não sabe de nada, está bom?” Chegamos no depósito, ele foi ver outro negócio, do outro lado, eu falei: “E está todo mundo aí?”. “Está.” “Então, manda todo mundo subir lá para cima.” Ela não tinha chegado ainda. “Filha, e sua irmã?” “Ela não chegou ainda, mas está chegando.” “Então, está bom.” Não deu dois minutos, ela chegou. Ela veio toda sorridente para o meu lado. Pegou uma foto das filhas dela e do cara, que ela estava morando com ele, falou: “Ah, Dona Gal, a minha família como é linda! As minhas filhas, meu esposo”. Eu falei: “Nossa, que lindo, parabéns! Por que seu esposo não vem trabalhar na campanha?”. “Não, porque ele trabalha com perua, então, não dá para vir.” “Legal! Mas seria bom que ele trabalhasse junto com a gente. Vamos subir?” “Vamos.” “Vamos subir, vamos subir, vamos, Paula.” A Paula: “Não, Dona Gal, não posso deixar a recepção aqui, não”. “Está bom. Mas na hora que o Gilberto chegar, você dá um toque que o pessoal vai estar todo lá em cima.” Tinha mais ou menos umas 25 pessoas. Inclusive, padre, advogado, dois policiais que trabalhavam na campanha também. Tinha uma mulher policial. Chamei a sobrinha dele, que era braço direito da empresa, éramos nós duas que cuidávamos de tudo enquanto ele estava fora. E esse meu sobrinho, que era braço direito, que cuida da parte de baixo do gás, do pesado. Eu expliquei a situação para o meu sobrinho, que ele já sabia de tudo. Eu falei: “Eu faço questão que você esteja lá”. Para a Karina, eu não falei nada. Falei: “Karina, eu estou fazendo uma reunião lá, e falei para o seu tio que era uma surpresa para ele. Faço questão que você vá, para você ver o tipo de tio que você tem, que não é justo o que ele está fazendo comigo e nem com você. Porque ele largou, abandonou a empresa, e nós duas que estamos carregando nas costas. Você deixou de estudar, e se mantando. E não tem hora para sair da empresa. Então, vou te mostrar quem é seu tio”. Falei assim para ela. Ela já achou estranho. Ela: “Não, tia, mas eu não posso ir”. “Pode! Fecha! Estou mandando. Você vem sim!” Aí, está aquela mesona assim, ele sentou na cabeceira, meu sobrinho não subiu, a Karina sentou do lado esquerdo dele, eu sentei do lado direito, e o pessoal na mesa, bem grande. Ela foi ao banheiro. Eu sentei do lado direito, tinha uma pessoa aqui, que era policial, e ela sentou na terceira cadeira. Começou a reunião. Ele pegou e falou, fingindo que achava que era alguma coisa do aniversário dele, falou: “Bom, pessoal, o motivo de marcar essa reunião é que a Gal falou para mim que...” – ele sempre falava Dona Gal também – “A Dona Gal queria conhecer também vocês, e eu trouxe ela para apresentar todo mundo a vocês, a ela. Vou passar a palavra para ela”. Eu levantei, e ela tinha ido ao banheiro. Quando ela abriu a porta, eu falei: “Alessandra, faz o favor”. Ela veio. Nisso, eu falei para a moça que estava do meu lado: “Vai para o outro lado, deixa a Alessandra ficar aqui?”. Eu peguei ela pelos cabelos, puxei o cabelo dela assim para trás, fiquei segurando. Enquanto ela foi ao banheiro, eu falei: “É, pessoal, o motivo dessa reunião é realmente que eu queria conhecer vocês. Mas tem um motivo principal”. Quando eu falei isso, foi que ela entrou. Eu mandei ela ficar do meu lado. Quando eu peguei no cabelo dela, levantando a cabeça dela assim para trás, eu falei assim: “O motivo maior dessa reunião é só para mostrar para todos vocês o que a vagabunda, safada, sem vergonha e o safado do patrão de vocês estão fazendo comigo”. Quando eu ia pegar e dar um cacete nela mesmo, o pessoal me tirou. Separou a gente. A bolsa dela tinha ficado assim. Falei: “Você some da minha vida, some das nossas vidas. A rua em que eu estiver, você não atravessa. Se eu estiver do outro lado, você some”. Peguei a bolsa dela e joguei. Ela saiu, ninguém falava nada. Todo mundo assim: “Que é isso? O que está acontecendo?”. Ele bateu a mão na mesa e falou: “Acabou a reunião”.
P/1 – Ah, vá! (risos)
R – Todo mundo saiu sem ninguém falar nada, questionar, nem perguntar nada. Todo mundo ficou assim de boca aberta. Do nada. Aí, acabou a reunião. Todo mundo saiu. Ele teve a cara de pau, nós dois sentados na mesa, só nós dois, ele olhou e falou: “Não dava para você ser mais discreta e conversar comigo antes, não?”. Falei: “Não. Tinha que ser assim. Você não tem vergonha na sua cara, não? Em plena campanha política. E não pense que eu vou sair, não. A partir de agora, eu vou ser tudo seu. Secretária, amante, vagabunda 24 horas, o que você quiser. Não desgrudo um segundo”. E eu fiz isso.
P/1 – Por quê?
R – Não sei. Fiz.
P/2 – E a Nani? Como ela reagiu?
R – A Nani, como ela estudava... E para pra pensar. Uns três dias antes, olha como ele é. A primeira vez que, a segunda vez que ele resolveu separar de mim, ele foi conversar com quem? Com o meu irmão. Essa já é a terceira vez. A terceira vez, três dias antes, ele conversou com a Nani. E a Nani não me falou nada. Não entendi até hoje. Nunca nem conversei isso com ela. Depois que eu fiquei sabendo. Eu falei para ele: “Tinha que ser assim. A gente conversa em casa, minha conversa com você é em casa”. Passaram uns dias, e ficamos nessa. Eu falei: “Eu não desgrudo mais, e vou e pronto. Você querendo ou não, eu vou 24 horas no seu pé, e essa vagabunda não trabalha mais na campanha”. Fiquei. Quando foi um dia, estava tudo normal, eu deixava meu carro lá no depósito, só voltava com o meu carro quando ele tinha alguma reunião, que eu tinha que ir com o meu carro, ou não. Nesse dia, ele levantou de manhã – foi um dia que aconteceu de o carro estar em casa –, ele falou assim: “Amanhã, eu tenho reunião, você vai com seu carro”. “Está bom.” A gente fez o que tinha que fazer, foi ao banco, tudo direitinho. Quando foi quatro horas da tarde, ele pegou e falou assim: “Vai para casa”. Eu falei: “Mas por quê?”. “É que eu vou passar num lugar, então, você vai com o seu carro.” “Está bom.” A gente não tinha brigado, nem nada, já tinha passado aquela situação toda. Peguei e fui com o meu carro. Quando eu cheguei em casa, ele já estava lá. Ele saiu na minha frente, já estava lá. Ele estava sentado na sala, a Nani estava na sala de jantar conversando, fazendo trabalho com uma amiga dela. Eu falei: “Ué, você não ia passar em outro lugar?”. Já veio a indiferença. Ele falou: “Eu queria falar com você”. Falei: “Mas como falar comigo?”. “Vamos subir?” “Vamos!” Nisso, é uma história assim tão bizarra, parece coisa de novela. Nisso, uns dias atrás, ele precisou contratar um consultor. E esse consultor, a gente conhece ele há muitos anos. Ele trabalhou para várias empresas de gás e estava desempregado, e a gente chamou ele para trabalhar com a gente. E ele tem fama de ser gay. Esse cara começou a trabalhar com a gente e todo delicado. A pasta dele, “detalhinho” rosa, tênis rosa, camiseta rosa, canetinha rosa, tudo dele, sabe? Mas também nunca ninguém provou que ele é gay eu deixa de ser gay. Nunca vi. Nunca ninguém falou assim: “Fulano é casado”. Nunca ninguém viu ele com mulher, nunca ninguém viu. Só gostava de ser delicado, sei lá. Mas um cara já maduro também. Aí, o cara entra numa empresa de gás, com 75 funcionários, tudo homem, a maioria homem, só tinha mulher no escritório, poucas mulheres. Aquele cara, andando para cima e para baixo com canetinha rosa, sapatinho rosa, camisinha rosa, cada dia um detalhe rosa numa coisa, o pessoal começa a falar merda. E por ele ser consultor, às vezes, ele tinha que sair junto com o Gilberto. E eu, marcação cerrada, não deixava. Só quando ele tinha que sair com esse consultor que eu sabia que ele ia e voltava junto, no mesmo carro, que ia resolver algum problema que aconteceu na rua com um carro, preço de gás, essas coisas assim. O pessoal começava a falar merda. Não falava direto: “Seu Gilberto, fulano, não sei, não, cuidado, Dona Gal, não sei o quê”. Eu fiquei só observando. Nessa semana, era a semana da Parada Gay. Quando aconteceu isso, que ele chegou em casa, sentou lá no sofá. Ele falou assim: “Eu quero conversar com você”. Eu falei: “Mas como?”. “Vamos subir.” E a Nani lá, fazendo trabalho com a amiguinha dela. A gente subiu. Sentamos na cama. Esperei. Ele falou: “Não dá mais, nosso casamento está bem desgastado, você sabe disso, melhor a gente se separar”. Olhando, pegando na minha mão, sentados os dois na cama. E eu escutei. “Eu vou pegar umas roupas. Eu vou para a casa do meu pai.” Me subiu um sangue na cabeça, levantei, ele levantou também, pegado na minha mão, um de frente para o outro. Eu falei: “Você está saindo de casa para você ir na Parada Gay com fulano?”. Desse jeito. Menina, esse homem, sabe quando você vê subir o sangue? Ficou todo vermelho. Ele soltou minha mão. Eu falei: “O que você quer que eu faça? Quer que eu te ajude a fazer mala, quer que eu jogue tuas roupas para fora, pela janela? O que você está fazendo aqui ainda? Vai embora!”. Ele entrou no closet, pegou uma mochila, jogou umas peças de roupa e foi para a casa do pai dele. Esses cômodos, em que eu morei muitos anos atrás com o meu irmão, estavam vazios. Ele ficou lá. Passou uma semana. Ele achou que, se a gente decidisse separar ali naquele dia, eu não ia mais na empresa. Só que eu levantei de manhã, passei a noite inteira com ela, não sabia explicar, ele desceu chorando também, deu um abraço nela e saiu. Ela subiu e perguntou. Falei: “O pai foi embora. Disse que não vai mais morar com a gente”. “Mãe, ele conversou comigo faz três dias.” “E por que você não me falou nada, Elaine?” Não teve explicação e ficou por isso mesmo. Só sei que esse dia eu passei a noite chorando. Ela dormiu comigo. Passou uma semana, e ela foi visitar ele e realmente ele estava na casa do pai dele. Morando na casa do pai dele. Antes de uma semana. No outro dia, eu levantei, cheguei lá no depósito, e o funcionário que cuidava da portaria, que era o braço direito mesmo – era um rapaz que um dia até ele me desrespeitou e o Gilberto não falou nada, e eu fiquei com bronca desse menino. O Gilberto não mandou ele embora, então, eu achei ruim. Quando aconteceu isso, eu levantei de manhã, e acho que ele achou que eu não ia mais porque: “Separamos, ela não vai mais”. Cheguei no depósito, ele já tinha chegado. Ele estava no meio do pátio lá, o pessoal carregando os caminhões, eu só gritei. Chamei meu sobrinho, bem alto, no meio do depósito. O nome dele é Onelton, mas o pessoal chama ele de Xarope. E o rapaz que cuidava da portaria é Elderson, o nome do moleque, e tem o apelido de Meia. Eu gritei o meu sobrinho, falei: “Xarope!”. Todo mundo já... Sabe um barulho de botijão? Quando eu gritei pelo Onelton, estava lá no meio do pessoal, que era motorista, todo mundo parou. E o Gilberto estava no meio. “Vem cá!” Eu gritei bem alto também: “Meia, vem aqui”. Os dois perto de mim. Falei: “Meia, a partir de hoje você não trabalha mais aqui, depois você conversa com o Seu Gilberto. Pode ir embora”. Gilberto veio de lá com tudo. Porque ele, o menino, era igual o meu sobrinho hoje. Toma conta de tudo, de todos os caminhões, do dinheiro que entra e sai da portaria, não tinha hora nem para entrar nem para sair, é um braço direito o rapaz. O moleque me obedeceu. O moleque saiu. E, quando ele viu isso aí, que eu mandei o menino embora, ele se aproximou de mim e só não me bateu porque o Onelton estava junto, perto de mim. Eu falei: “Você, Onelton, cuida daquela portaria agora! A partir de hoje, você vai tomar conta da portaria”. E subi lá para o escritório. A partir desse momento, a gente só foi para fazer separação mesmo, e estou aqui contando a história hoje.
P/1 – E quem é a Gal depois da separação? Voltando, Gal.
R – A partir desse momento, que eu subi para o escritório, a gente começou a cuidar da separação. Sentamos, conversamos de novo, falei: “Melhor mesmo, não aguento mais, chega, vamos nos separar, beleza, amigavelmente”. A essa altura do campeonato, já entendia mais de finanças, de partilha de bens, a gente tinha adquirido um belo de um patrimônio, e tem partes também que eu não contei, que ele foi sequestrado, depois da eleição.
P/1 – Então, e a eleição, qual foi o resultado? Faltou!
R – (risos) Faltou! Então, menina, a eleição, como ele, pra deputado federal, ele precisava acho que de 90 mil, 97 mil votos. Para, como é que fala?
P/1 – Vereador?
R – Vereador acho que é bem menos, 17 mil votos, uma coisa assim. Só sei que ele não foi eleito. Ele teve quase 15 mil votos. Lógico! Só sei que ele não foi eleito. E sem contar as crises do comércio, que estava cada vez pior, por várias crises do comércio. Faltou gás. Vai ter tempo, pode contar? Pode?
P/2 – Pode!
R – Com tudo isso, com o “desgastamento” do casamento, com tudo isso acontecendo, a gente gerou dívidas, estava devendo. A gente gerou uma dívida com a Liquigás, porque teve uma crise, acho que em 1999, assim que começou o gás, teve uma crise de gás, acho que vocês não vão lembrar, que não tinha gás. Não tinha gás de jeito nenhum. Quando aparecia um caminhão de gás na rua, o pessoal saqueava. Então, nessa época, devido a isso daí, a gente pagava os boletos, a gente tinha 20 dias para pagar o boleto. Como não tinha gás, a gente gerou uma dívida. Só sei que essa dívida foi negociada. A gente, e acho que em 2000, 2000, 2000, aconteceu outra crise do gás, que a Liquigás é uma das engarrafadoras mais... O gás mais correto que existe. A Liquigás e a Ultragaz. São os dois concorrentes mais fortes do Brasil. Tem a Copagaz, as outras, mas não é tão correto igual a essas duas. E a Liquigás é a número um em ser correta. Ela tem o seu próprio vasilhame. Todas as outras empresas não têm o seu próprio vasilhame. Nenhuma delas. Vocês podem observar que o Liquigás está lá escrito no vasilhame. Só sei que acho que foi em 2000, aconteceu de os vasilhames da Liquigás sumirem. Então, se o vasilhame sumir, não tinha como envasar porque tinha que esperar fabricar o botijão, não fabrica que nem pastel. Então, só sei que foi descoberto que a concorrência estava pegando os botijões da Liquigás e mandando para fora. Foi descoberto, milhões de botijões da Liquigás enterrados na Bolívia. Enquanto isso, a Liquigás estava sofrendo porque ela não tinha, não pega o botijão de outra empresa para envasar. Prejudicou a gente dessa forma. Os boletos foram acumulando, gerou uma dívida em cima da outra, vinha denúncia, assaltos, vários assaltos, roubo de caminhão. Ele chegou até a ser preso por uma denúncia, ficou uma semana preso. Foi sequestrado, ficou quatro dias na mão de bandidos. Os bandidos queriam sequestrar a minha filha, para você ter ideia. Nessa época, quando eu voltei da praia, a gente morava no mesmo bairro do principal depósito. Umas seis ruas para frente. Conclusão: a gente tinha um funcionário na portaria, e ele não sei por que mandou o menino embora. O menino foi embora. Uns três dias depois, o menino ligou para o Gilberto e falou: “Olha, Seu Gilberto, eu estou ligando do orelhão, porque eu gosto muito do senhor, apesar de o senhor ter me humilhado” – porque, às vezes, ele é muito ignorante com as pessoas, ele humilha as pessoas, principalmente os funcionários – “Apesar de ter acontecido, estou ligando para o senhor, para alertar o senhor que estão querendo sequestrar a sua filha ou a Dona Gal”. Ele: “Mas como?”. E a gente já tinha observado que, na frente do depósito, apareceu uma barraquinha com um pouco de banana e um pouco de verdura. Do outro lado da rua. Até aí, normal, qualquer um faz o que quer. Então, a gente chegava, o menino abria o portão, e eu não dirigia, entrava junto com ele. Subia, ficava o dia inteiro trabalhando, e aquela barraquinha lá uma semana. Todo dia trocava. Ficavam dois rapazinhos ou três, todo dia trocava de rapazinho ali. Quando mandou esse menino embora, os caras abordaram ele na rua e, como eles não me viam, porque eu entrava no carro, o carro filmado, eu entrava e subia lá para o escritório e não saía. Ficava lá. Só voltava à noite com ele. Antes de acontecer tudo, essas coisas, que eu perseguia ele, ficava 24 horas com ele. Eles abordaram o menino na rua e perguntaram quais eram as minhas características. Porque iam sequestrar eu ou a filha. O menino falou: “Eu falei que a Dona Gal era uma moça baixinha, dos cabelos enroladinhos”. “Mas como que a gente, que horas?”, perguntando. “Ela entra com o Seu Gilberto e sai com o Seu Gilberto.” Foi isso que o menino falou. A gente começou a observar. Aquela barraquinha lá. O dia inteiro, o sol quente, banana e alface. No outro dia, às vezes tinha um ou dois moleques. E a gente morava próximo do depósito, tinha empregada, a Nani estudava, ela estava estudando. A partir desse momento que o menino avisou, a gente passou a ter mais cautela. Na frente da casa que a gente morava, eram três sobradinhos e os dois rapazes são policiais. Então, os dois filhos e a mãe. Sobrados. A mãe morava no meio. Os dois policiais, um em cada lado. O que a gente fez? Como a gente faz amizade, e a velhinha, sabe aquelas velhinhas fofoqueiras que ficam o dia inteiro na rua e sabem de tudo? E esse sobrado ficava bem na esquina, na frente da minha casa era um terreno baldio. Ali naquele terreno baldio, na esquina da casa desse sobradinho, junta o pessoalzinho para fumar, aquela coisa assim. A partir desse momento, a gente começou a pegar mais precaução. Tinha um orelhão na mesma calçada da minha casa. E sempre a gente via, começou a observar aquela barraca, começou a observar o orelhão, que tinha sempre um rapaz no orelhão. Quando o rapaz não estava no orelhão, o rapaz estava na esquina com uma moça, namorando. A gente já falou: “Não é normal”. A gente conversou com a Dona Maria, que ficava toda a tarde, sabia de tudo da rua, ficava ali à tarde. A gente falou para ela o que estava acontecendo. E falamos para a empregada não abrir o portão em hipótese alguma, nem para lavar a calçada. Ela não podia fazer mais isso. E, quando a gente chegava, a gente ligava para a empregada: “Olha, você liga a luz que a gente está chegando”. Ligava para a Dona Maria: “E aí, Dona Maria, está tudo bem? Como é que está a rua aí, está beleza? Não tem ninguém na rua?”. A Dona Maria: “Deixa eu dar uma olhada. Tá aqui, meu filho, não tem”. A gente chegava. Conclusão: para a gente entrar na nossa casa, ele sempre entrava de ré, e o portão automático. Então, ele entrava mais ou menos no terreno, dava a ré e entrava. Quando ele entrou, o portão, baixava o controle, aí o portão. E esse dia a gente não conseguiu falar com a Dona Maria, porque estava garoando. Ligamos, ligamos para ela, não conseguimos falar com ela para ver se a rua, se não tinha ninguém, não tinha alguém se drogando na “ruinha” lá. Quando a gente entrou, que o portão começou baixar, vieram dois moleques de lá do terreno. Dois moleques seguraram o portão, que era automático. Dois entraram por baixo, dois não, três. Dois foram do lado do Gilberto, e um foi do meu lado. O que estava do meu lado colocou a arma aqui na minha cintura, já me pegou: “Sua filha, sua filha”. E dois lá com a arma na cabeça do Gilberto. E dois segurando o portão. Tipo umas sete e meia, oito horas da noite. Esse que estava comigo: “A sua filha, a sua filha, a sua filha”. E tinham três degraus para subir, para entrar na minha porta. E eu estava com uma blusa e estava com a chave da porta aqui na minha blusa, e celular. E a gente já tinha instruído a empregada para não abrir a porta, que a gente abria. Só acender a luz, não abrir portão, que a gente abria. O cara com a arma aqui na minha cintura, só falava assim: “Sua filha, sua filha, sua filha”. Eu fui para a porta. Quando eu bati a mão na maçaneta, a porta trancada. Quando eu fiz assim, ele viu que a porta estava trancada: “Que porra!”. Falou desse jeito. Ele olhou para baixo, a gente ouviu um tiro. Quando eu ouvi um tiro, um cara desceu. Sabe uma coisa mais ou menos assim? Ao mesmo tempo, eu peguei o celular que estava no meu bolso e joguei numa plantinha assim. Joguei na plantinha, e o cara desceu. O que eu fiz? Eu corri no corredor, que foi o tempo que eu ouvi o tiro, o outro que estava comigo, entraram no carro e levaram o Gilberto. Então, eu corri no corredor, lá no final, e a minha porta da cozinha é uma porta de vidro que tinha uns vãos de vidro. Então, se eu olhasse, eu via quem estava na cozinha. De acordo com o que aconteceu, a empregada estava parada, e a Nani estava estática. Desse jeito assim. Eu olhei no buraco, quando eu vi que as duas estavam lá dentro, reação da gente, voltei para o corredor, olhei no vão, falei. Não vi sangue, não vi nada, corri para fora e comecei a gritar. Até então, não sabia, não entendia o que estava acontecendo. O que aconteceu? Coincidiu da hora de um dos policiais estar chegando do serviço, sei lá, uns quatro metros de distância da minha casa, tinha um poste, que era um orelhão também. Ele viu dois caras segurando o portão, ele pegou e atirou. Quando atirou, foi onde eles entraram e levaram o Gilberto. O que o policial fez? Seguiu o Gilberto, seguiu o carro, seguiu dois quarteirões. Depois, ele contou que viu os caras com a arma na cabeça do Gilberto, porque os caras perceberam que ele estava seguindo. E, como ele é policial, ele falou: “Não vou mais seguir porque é capaz de eles matarem o Gilberto”. Ele voltou. Quando ele voltou, eu já tinha começado a gritar. A esposa dele saiu fora e viu. Falei: “Socorro, pelo amor de Deus, chama o Dan. Cadê o Dan? Chama a polícia. Levaram o Gilberto. Queriam sequestrar minha filha”. O Dan já estava voltando. Já ligou para a viatura, a viatura veio. Falou assim: “O que que você tem que fazer agora, de imediato, vamos tirar sua filha daqui, porque, se eles queriam sequestrar sua filha ou você, o primeiro passo dos ladrões é esse: a esposa ou filho. Porque, com a esposa, eles conseguem alguma coisa. Com o filho, eles conseguem muito mais. Tira sua filha daqui agora”. Eu levei ela para a casa do policial na frente. E liguei para a família dele. Falei o que estava acontecendo. E o policial falou: “Tira, tira ela daqui, que pode haver troca de cabeça”, que eles falam. Eles podem ligar e querer trocar o pai pela filha. Como não deu certo o plano deles, então, eles podem querer trocar. Peguei a minha filha, e a irmã dele chegou, pegamos ela e levamos para um outro bairro. Ela ficou lá, e eu voltei. Ficamos a noite inteira esperando contato. O policial falou: “Não se preocupa, não, que esses malandros têm hora para tudo. Pode ter certeza que ligar hoje, eles não vão ligar. Vão ligar para você amanhã por volta de dez horas”. E esse meu sobrinho, ele tem... E quem tem comércio lá na região tem que ter amizade com ladrão, com polícia, com tudo. Se não tiver, filha, não sobrevive. E esse meu sobrinho conhece todo mundo lá na região. Tem amizade com o pessoal lá das facções. Não vou falar o nome. Meu sobrinho chegou, viu o que estava acontecendo, meu sobrinho já ligou para um dos cabeças lá da facção e falou: “Sequestraram o meu tio. O que está acontecendo? Onde meu tio está?”. O cara veio até a minha casa, falou: “Não, mano! Não fomos nós daqui, não. Como a gente ia sequestrar o seu tio, que a gente conhece? Inclusive, a gente até ajudou o cara uma vez?”. Ele mesmo pegou meu sobrinho, e esse cara, bateram todas as favelas lá. Aí é assim. Facção é assim. Sequestrou? Se não é, que eles são superorganizados. Eles planejam tudo. Quanto que vai cobrar, quanto que não vai cobrar. É tanto para fulano, tanto para sicrano. Quando acontece, ele falou: “Não, como não fomos nós...”. Bateram todas as favelas, viram todos os caras que mexem com sequestro e não era. Ele falou: “A gente vai correr atrás. Sequestrou um daqui, a gente vai querer a nossa parte também”. Correram, não estava. Falou: “Não é nosso. Não é daqui”. Conclusão: no final era uma quadrilha de moleque, eram 14 moleques, tudo menor. Só tinham dois maiores. Estavam formando uma quadrilha, moravam nas proximidades do depósito e resolveram sequestrar o Gilberto. Por que resolveram sequestrar o Gilberto? Além de ele dar essas festas no final do ano, que juntavam 10 mil pessoas, 12 mil pessoas, todas as datas comemorativas, chama muito a atenção. E as vendas em que ele estava. E outra, antigamente, as carretas de gás que entravam eram de mil “gás”. Então, a gente pedia três mil “gás”. Três carretas entravam por dia. Então, os caras fizeram isso e viram que entrava três mil “gás” dentro do depósito. Todo dia, isso não é uma vez por mês. São três mil “gás”. Então, como eles sabiam que eram mil “gás” por carreta, porque não existiam carretas menores, era só de mil “gás”. De mil “gás” e de quinhentos. Então, a gente pedia de mil “gás”, aí os caras acharam assim: “O cara vende três mil ‘gás’ por dia, então, vamos pedir um milhão de resgate”. Só que, quando eles ligaram, duas horas da manhã, alguém ligou. A gente atende o telefone. A polícia tinha achado o carro do Gilberto numa garagem na rua tal. Fui lá reconhecer. Era o carro do Gilberto mesmo. Estava dentro de uma garagem de uma pessoa. Não se sabe, não sabe nem quem é. Sabe esses bairros que não têm portão? Encostou lá, e levaram ele para outro lugar. Ele ficou na mão dos bandidos três dias. E o irmão dele começou a negociar com os caras. E, no decorrer do sequestro, ele foi trocado de cativeiro, depois o Gilberto contou. Os caras pegara o óculos e enrolaram fita preta, colocavam nele, mandavam ele deitar virado para a parede, ele não podia falar nada. Quando ele quisesse alguma coisa, ele levantasse a mão, não podia falar: “Quero fazer xixi”. “Não, levanta a mão.” “O que você quer?” “Quero fazer xixi. Quero fazer cocô.” O que o Gilberto fez? Ficou com medo de comer comida, passar mal. Não comeu, se restringia. Uma hora, ele levantou a mão. “O que você quer?” “Quero água.” Outra hora: “O que você quer?”. “Quero fazer xixi.” Pegaram uma lata, sabe essas latas de construção? E ele não podia ficar em pé. Como que um homem vai fazer xixi de joelho, numa lata? Virou e fazia, sei lá, ele falou que fez. E ele ficou com medo de comer comida porque trouxeram comida para ele no primeiro dia, ele falou que não queria. Quando ele falou que não queria, o Gilberto falou que eles chutaram a comida perto dele e xingaram ele: “Então, você vai ficar com fome, seu filho da puta”. Ele falou: “Quero só água”. E ficou só à água, e deitava lá. E ficavam dois menores. Isso era uma casa na frente. Isso foi o terceiro dia. No domingo para segunda. Na segunda-feira, esses menores, o Gilberto falou que, na madrugada, eles começaram a brigar porque acabou a droga de um e queria pegar a droga do outro. Porque não tinha ninguém para buscar droga para esse um. Começaram a brigar, disparou a arma. E o tiro acertou bem onde o Gilberto estava, na parede em que o Gilberto estava. Amanheceu. Quando amanheceu, esse um que estava sem droga falou que ele ia sair, o outro ia ficar sozinho, que ele ia buscar droga. A porta ficou entreaberta. Tinha gente morando no fundo. O Gilberto falou que escutava as pessoas falarem no fundo. Escutou uma mulher falar assim para o filho dela: “Vai buscar pão e leite na padaria”. Moleque, o molequinho foi. O Gilberto estava só com um. O molequinho passou e disse que viu, quando voltou da padaria. O Gilberto falou que escutou o moleque falar assim: “Mãe, tem um homem deitado no chão e o outro com a arma ali dentro”. E, como o Gilberto é superconhecido na região, a gente acha que a mulher foi e denunciou. Foi no orelhão e denunciou. A polícia veio, rondou para lá e para cá, não viu nada de estranho. Achou que era trote. Não fez nada. A mulher, deve ter sido a mulher, a gente não sabe até hoje também, ligou de novo. A polícia veio. Quando veio, o que tinha saído estava chegando. Acho que pelo jeito, a expressão dele, a polícia desconfiou. Quando a polícia desconfiou do moleque, deu voz de prisão para ele, ele saiu correndo. Quando ele saiu correndo, o outro que estava lá dentro também saiu correndo. O Gilberto, deitado, levantou e disse que não sabia o que fazer. Saiu correndo por cima dos telhados. O Gilberto falou que tinha uma tábua perto de um tanque, que ele ficou todo desorientado, se escondeu atrás daquela tábua. Os policiais, outros policiais correndo atrás dos dois, e veio um também entrou lá. E viu o Gilberto atrás da tábua. Já deu voz de prisão para o Gilberto. O Gilberto: “Não. Eu sou vítima. Eu sou vítima”. Graças a Deus, a gente não teve que pagar...
P/1 – Resgate.
R – Resgate. Enquanto isso, eu chamei advogado, chamei gerente da Liquigás, gerente de banco. A gente fez uma reunião e, sabendo o que estava acontecendo, todo mundo apoiou, porque o Gilberto é um empresário de grande importância para a empresa. Ele falou assim: “Você sabe que a gente não tem esse dinheiro”. Todo mundo apoiou. O gerente falou assim: “Está aqui o telefone da minha casa, a hora que você precisar, a gente levanta esse dinheiro”. O gerente da Liquigás falou assim. Eu falei: “E agora? A gente vai continuar pedindo gás? Vendendo gás? Vamos parar? Como é que é?”. Ele falou: “Não. Não pode parar. Você vai fazer o seguinte: todo o dinheiro que você arrecadar, você vai guardar. Se, caso precisar, a gente dá um jeito de arrumar o resto do dinheiro, e fala com o gerente”. Todo mundo apoiou. Em três dias, eu consegui juntar 350 mil reais. E a Liquigás liberou o gás sem pagar. Estava liberando, porque a gente já estava num ponto também de crise, uma dívida tão grande com a Liquigás, que a Liquigás não estava liberando mais gás sem pagar. A gente tinha que pagar a dívida e pagar o gás à vista. Então, aconteceu isso aí, eles liberaram o gás para ver. Se acontecesse de pagar o resgate, ter dinheiro. Eu sei que a gente arrecadou 350 mil reais. O Gilberto foi liberto, passaram dois dias, a gente fez reunião com a Liquigás. O Gilberto falou assim: “Não dá mais. Vou embora daqui com a minha família. Não quero saber mais de gás. Mas tem uma dívida para pagar”. Aí, a Liquigás: “Você não pode”. O Gilberto fez uma dívida tão grande com a Liquigás, que eles chamavam o Gilberto de mal necessário. É o câncer. Chegou a falar isso para ele. O câncer que não tem cura e tem que ficar com aquele câncer para sempre. Está até hoje. Só sei que eles liberaram o gás para a gente, e eu juntei esse dinheiro e, quando ele voltou, passou dois dias para descansar, a gente reuniu, conversou, ele falou: “Vou sair daqui. Não quero saber mais de gás. Vou ver o que é que faz com essa dívida aí. Vocês tomam”. Pegou a chave de todos os depósitos, falou: “Vocês podem tomar conta, põe alguém, paga a dívida”. “Não, porque não, porque não, você tem que ficar.” “Então, tá, você há de concordar que, para eu ficar nesse ramo do gás, eu preciso morar num lugar com mais segurança, vou precisar de um carro blindado e vou precisar de segurança.” A Liquigás: “Concordo!”. A gente morava próximo do depósito, a gente andava com carro normal, comum, e a gente tinha que se mudar. Ficamos procurando uma semana casa para morar. Foi onde um amigo achou uma casa em Arujá, num condomínio, e falou: “Vem morar aqui, que aqui é seguro”. A gente pegou esse dinheiro e deu entrada numa casa, comprou um carro blindado e contratou dois seguranças. A partir desse momento, só andava com segurança. Tanto eu quanto ele. Estamos aqui hoje. Entrou na política, gastou, tirou dinheiro da empresa. Está lascado. Está fodido.
P/1 – Mas hoje vocês não moram mais juntos?
R – Não.
P/1 – Então, eu quero saber quem é essa Gal do presente? O que essa Gal faz hoje?
R – Então, aí, a gente fez a partilha dos bens, separamos amigavelmente. Tudo o que ele propôs, como foi amigavelmente, eu concordei. A pensão, muitos bens, devido à fiscalização, a dívida, os bens que a gente adquiriu depois de tudo isso. Não podia mais comprar coisa no nosso nome. Tinha que pôr no nome de alguém, um parente, sabe? Só sei que sentamos, conversamos com o advogado, concordei com tudo, e ele falou assim... Alguns carros já tinham sido, como é que fala? Não é arrolado que fala. A fiscalização já tinha pegado. E só as coisas que estavam com o nome de outras pessoas, ou coisas que estavam em contrato que não podia pegar. Ele falou: “O que for de melhor eu vou deixar para você e para minha filha”. Conclusão: beleza, tá, concordei com tudo o que ele falava que era para bem comum de nós dois. Separamos, fiquei com uma casa, uma casa boa no condomínio em Arujá, carro bom, uma casa na praia e dois terrenos. Só que tinham outras coisas por fora, que a fiscalização nem ninguém sabia. Hoje, sobrevivo do aluguel desses dois terrenos que ele usa, que é no depósito mesmo. Ele me paga um aluguel, paga pensão da menina, até ela estudar ou até quando ele quiser, que ela vai parar a faculdade dela agora, acho que no mês que vem. E sobrevivo dessa forma. Fiquei três anos trabalhando junto com ele. Não deixei de ir lá com ele de jeito nenhum, trabalhando na mesma sala. Assumiu que... Depois da política, passou um ano, foi que aconteceu de a gente se separar, e ele assumir de ficar com ela mesmo. E morava em outro condomínio. Nesse mesmo condomínio, a gente tinha uma outra casa. E essa casa estava hipotecada, eu nunca deixei ele reformar a casa, ele reformou essa casa. Hoje, ele mora nessa casa hipotecada, com ela. Gastou! Ele é tão burro. Gastou um milhão e 200 para reformar uma casa hipotecada. Hoje, moram ela, duas filhas e a sogra. A sogra morreu. Hoje, ele paga quase dois mil reais de condomínio. Sabe homem burro, coisa burra? Porque eu acho que é burrice. Eu não entendo. Gastou um milhão e 200 para reformar essa casa, mais umas dívidas que ficaram da política, porque ele gastou quase três milhões na política. Tirou dinheiro da boca dos funcionários, foi à beira da falência e está vivendo com ela. Hoje, tem dois filhos. Para mim, na minha opinião, vive de aparência. Porque eu não pagaria dois mil reais de condomínio, sendo que ela, a mãe dela tem casas no lugar em que ela morava. Ele reformou a casa da mãe dela um tempo. É uma casa de bairro, mas é uma casa boa. Dá para morar. Então, a burrice. Dá uma de madame, num condomínio luxuoso. Não sei se você conhece, é o condomínio quatro, é um luxo total. A casa dele reformou, é muito boa. A minha casa hoje vale um milhão e 100. A casa dele vale três milhões e meio. Só que não é dele, é hipotecada. A hora que vender, ele vai ter que sair de lá. Passamos tudo isso daí, uma história bem lá do comecinho. Se for contar, a gente vai ficar aqui a noite inteira. Eu só sei que esses terrenos que a gente comprou, a gente teve que passar um terreno desses para o irmão dele. Porque aconteceu, a gente tinha, precisou de... Não é de avalista, como é que fala? Quando você faz contrato de aluguel?
P/1 – Fiador?
R – Fiador. A gente pediu para o pai dele ser o fiador. E, devido às dívidas que a gente gerou, o pai dele, como fiador, correu o risco de perder a casa. Então, a gente conversou com esse irmão dele e falou a situação. E eu falei: “Vamos pôr esse terreno no seu nome, você vende e tira a casa do pai do fogo”. O pai dele só tinha uma casa. Não era justo a gente fazer isso. Aí, a gente fez isso. Só que, com o decorrer do tempo, tudo o que aconteceu, a gente conseguiu tirar a casa do pai dele do fogo, e o terreno não foi vendido, ficou no nome do irmão dele. Só que chegou numa situação, ele deve milhões para a Liquigás, deve milhões para a Federal, a Federal não dispensa nada. Esse terreno, o irmão dele é superbem de vida, foi vender um apartamento. Foi quando o irmão dele descobriu que o nome dele estava sendo, estava negativado por causa desse terreno nosso, que estava no nome dele. Que a Federal foi em cima e viu, sei lá. Aí, conclusão: o irmão dele foi obrigado a entrar na empresa, porque, senão, o irmão dele perdia até o que ele tinha. O irmão dele entrou, está até hoje tentando levantar a empresa. Investiu, investiu, e está lá sobrevivendo. Está vivendo a vida. Devido ao irmão dele ter ido lá, o irmão dele chegou em mim, conversamos, conversamos, conversamos, ele falou: “Está na hora, não há mais necessidade de você ficar aqui”. E eu, sabendo toda a situação, e, com o decorrer do tempo também, eu sabendo de tudo, já tinha separado dele, já tinha divorciado tudo certinho, ele precisou fazer um empréstimo no banco, para pagar gás, pediu para eu assinar de avalista. Então, lá se vai eu, assinei de avalista, porque eu estava vivendo toda a situação, assinei, 100 mil reais. Hoje, o meu nome é sujo por causa disso. O irmão dele veio, falei: “Acho que está na hora. Vou sair!”. Saí. Fui para casa. Nessa altura do campeonato, devido ao que aconteceu com a minha filha, já estava dirigindo, já ia para baixo e para cima com o meu carro. Já tenho meu carro. E, acostumada a vida inteira, 25 anos trabalhando direto, sem parar. Já teve época em que a gente trabalhava, passar Natal, passagem de Natal, de Ano Novo, na rua, porque saía do depósito para ir, sabe? Cheguei em casa, começou. Para eu não cair numa depressão, e lá é um condomínio de luxo, tem tudo lá dentro. Academia maravilhosa, tudo de bom. Eu comecei, fui na academia, andava, fazia caminhada, bicicleta. Chegava em casa, cuidava da casa. Mas você não aguenta. Não dá. Falei: “Já enjoei. As pessoas lá são muito metidas. Não dá, não dá”. Comecei a ir para os bairros vizinhos, fazer amizade com outras pessoas, no Cras [Centro de Referência de Assistência Social], não sei se vocês sabem o que é Cras. Tem o pessoal da terceira idade. Eu comecei a fazer ginástica com o pessoal da terceira idade, ajudar um pessoal da terceira idade. Um belo de um dia, chegou uma moça lá, a coordenadora lá do Cras, com duas fichas na mão, e falou assim: “Quem se interessa de fazer um curso tal, que está acontecendo na Defensoria Pública de Itaquá?”. Aí, a minha colega, ela falou: “Só tem duas fichas. Quem quiser me procura depois”. A filha dessa minha amiga lá estava do meu lado, falou: “Vamos fazer?”. Eu falei: “Vamos!”. A gente foi lá conversar com ela. O curso chama: Promotoras Legais Populares. Não sei se você já ouviu falar. A gente preencheu a ficha e começou o curso. A gente foi na defensoria, tinha 70 mulheres. É um curso que fala sobre violência doméstica, racismo, com orientação, sabe? A gente fez. Estou lá, fazendo esse curso com a minha amiga. Ela parou, pelo serviço dela, e eu continuei. Foi onde que eu não entrei em depressão. Comecei nesse curso todo sábado, fiz mais amizade. O curso foi de nove meses, e só nesse curso eu aprendi muito, muito. Se vocês tiverem oportunidade de fazer, vocês façam. Vocês entram no site do Geledés [Instituto da Mulher Negra], vocês vão ver o que eu estou falando. Então, aprendi muito. Eu vi, nesse curso, eu descobri quanta violência doméstica eu passei, dentro da minha casa, com o meu próprio marido. Uma vez, é o que eu te falei, está aqui na rua, solta a mão: “Você soltou a mão por que?”. Um dia, eu estava em casa, uma sainha curta. “Tira essa saia aí!” “Por que tirar a saia? Eu ando do jeito que eu quero.” “Não vai tirar, não?” Pegou a tesoura e cortou a saia. Jogou fora. Só depois de 25 anos de casada, separada, já três anos, fiz esse curso, que eu descobri quanta violência doméstica eu passei dentro da minha própria casa, com o meu próprio marido, quanto ele é machista, descobri muita coisa. A gente concluiu esse curso. E através desse curso eu fiz muitas e muitas amizades. A prefeitura oferece muitos cursos. E, quando eu comecei lá atrás, morando lá no fundo da casa dele, eu comecei a fazer unha, fazia unha das minhas cunhadas. Quando a gente casou e foi mudando de bairro, mudando de bairro, parei de fazer unha. Apareceu curso depois disso, da prefeitura, falei: “Quer saber, eu vou ver se eu sei fazer unha ainda”. Fiz o cursinho na prefeitura, de graça, fiz. Estou eu lá em casa, sozinha, de repente, como eu sou muito conhecida, o pessoal, oito anos morando num condomínio, uma amiga bateu na minha porta. Duas amigas. Essa moça tem um salãozinho no fundo da casa dela, dentro do condomínio. E tem uma filhinha de Síndrome de Down. E essa menininha, ela chama todo mundo de “bicha véia”. Elas duas bateram na minha porta, porque eu tinha sumido. Eu não aparecia mais. “Bicha Véia, está fazendo o quê que você sumiu? Está doente?” Eu falei: “Não, eu estou em casa. Estou indo na academia. Mas eu apareço. Entra, senta, toma um café, vamos conversar”. Ela falou: “O que você está fazendo?”. “Fiz um curso de manicure.” Ela falou: “Então, você vai trabalhar comigo”. Eu falei: “Não. O pessoal do condomínio é muito chato. Muita madame”. “Você vai, você vai, você vai.” Eu falei: “Então, tá. Eu vou fazer a unha de vocês, se vocês verem que eu sei fazer, a gente continua”. Eu fui. Fiz a unha das duas. Elas falaram: “Está bom. Vamos que vamos”. Já tinha o materialzinho do curso, comecei com alicate, cinco esmaltes. Hoje, eu tenho uma bela de uma clientela, tenho mais de 200 esmaltes, atendo a domicílio, e estou vivendo a vida. Porque, se não fosse isso, se não fosse esse curso, é sério, eu hoje teria caído em depressão. Não pela separação, e sim pela minha vida de trabalhar, de ser inútil. Eu fui inutilizada. Eles me deixaram uma pessoa inútil, me senti inútil. Então, para mim, como eu fui forte, eu resolvi levantar a cabeça e sofrer, mas não deixar, e aprendi muito. E hoje, nesse curso, a gente fez esse curso através do Geledés, e decidimos fazer a gente mesmo, fazer a segunda etapa. O nosso grupo reuniu as mulheres, e a gente fez a segunda etapa e já estamos na terceira etapa. Inclusive, foi sábado agora que foi a formatura de 45 meninas. Maravilhoso. E sou tesoureira do grupo, que a gente está fazendo um centro. Chama-se Centro Tereza de Benguela, para a gente ajudar as pessoas, orientar, contra racismo, contra violência doméstica, mas principal, a gente faz trabalho nas delegacias. Tem reportagem. Se vocês abrirem, vocês veem. Uma vez por semana, a gente ia numa delegacia, três meninas, e a gente tem uma sala, chamada “sala rosa”, nas delegacias. E nós, como promotora legal popular, para orientar essas pessoas, porque, se você sofre uma violência doméstica, seja ela qual for, principalmente de apanhar, o que você faz? Você chega lá toda quebrada, com o olho roxo, com a perna, os dentes quebrados, chega numa delegacia, só tem homem. Aquele monte de gente para fazer boletim. O que acontece? Você fica lá exposta, você tem que esperar a sua vez. E nós, com esse trabalho, com uma “sala rosa” separada, e as promotoras legais para orientar, quando chega esse tipo de pessoas assim, a gente pega ela, leva ela lá para cima, acolhe, dá um café, um chá, uma água, escuta. Ouve ela. Depois que a gente faz tudo isso, ela não precisa mais passar por aquilo, fazer boletim lá embaixo. O delegado já faz o boletim para ela, orienta da melhor forma possível. Hoje, o que eu faço é isso. Eu faço unha e ajudo.
P/1 – E, Gal, eu tenho mais duas últimas perguntas para a gente encerrar nosso encontro de hoje. Mas, antes, Laura, você tem alguma questão?
P/2 – Eu queria saber como que a senhora, olhando dessa perspectiva de tudo o que a senhora passou, depois dessa formação, como que a senhora leva esse depoimento a essas pessoas que sofrem violência doméstica ou que também tenham uma história de vida de luta realmente?
R – Eu chego até a orientar. Hoje, eu até que falei muito em frente de uma câmera, eu mudei tanto depois desse curso, que eu não conseguiria, jamais eu conseguira estar falando tudo o que eu falei, da forma que eu falei aqui para vocês. De jeito nenhum. Pegar no microfone, falar com as pessoas, de jeito nenhum. Então, hoje, eu sou outra pessoa. Completamente diferente. Quem me conheceu antes e vê agora fala: “Essa é a Gal empoderada”. Apesar de muitas coisas, eu não saber me expressar, muitas coisas eu não saber falar, quando eu me vejo em frente das pessoas, eu estou falando, acho que porque eu estou me sentindo bem com vocês. Não tem aquele monte de gente. Começar a falar, eu já gaguejo. Não falo coisa com coisa. Durante a fase do meu curso, que eu falava alguma coisa. E, às vezes, quando dá oportunidade, eu começo a falar, mas começo a ficar vermelha, não dá, parou, todo mundo já sabe. É isso daí. Com certeza, é a primeira vez que eu estou conseguindo falar mesmo.
P/1 – Que honra! Muito obrigada, então, Gal.
P/2 – Eu tenho mais uma pergunta. Eu acho que toda essa história refletiu de alguma forma na formação do ser, da sua filha, da Eliane.
R – Elaine.
P/2 – Elaine, desculpa. E como a senhora vê o que a Elaine se tornou: uma mãe Gal antes desse curso, dessa formação, e uma Gal agora?
R – A Elaine, quando tudo estava acontecendo, acho que foi na pior fase da vida de qualquer adolescente. Porque eles não estão nem aí, tanto que o pai dela falou sobre a separação e qual era a obrigação dela? Era ela falar comigo. Ela não falou nada. E a Elaine é uma menina assim. Ela é muito assim, ela é muito, como é que eu posso te falar? Ela pensa muito só em estudar, trabalhar e o sonho dela é viajar. Então, eu não sei porque, se nessa época ela estava naquela fase de “aborrecência”, não tinha diálogo, eu passei por tudo isso praticamente sozinha. Que eu cheguei até a falar para ela, vendo tudo desmoronar: “Filha, por que você não vai trabalhar com a mãe lá no escritório?”. Ela não ouvia, não sei nem te explicar o porquê. O que ela fez? Em meio de tudo a isso daí, ela queria fazer faculdade, numa faculdade lá em Santo Amaro. Tanto que, olha o que ela fez: ela foi nessa faculdade em Santo Amaro. Para chegar nessa faculdade de Arujá até Santo Amaro, que é uma faculdade, eu esqueci o nome da faculdade, ela teria que gastar no mínimo cinco horas, não, quatro horas, para ir e quatro horas para voltar. Se fosse o caso dela ir. E ela já estava ciente de tudo o que estava acontecendo na empresa. O pai dela não ia poder bancar ela dessa forma, ela ir para uma faculdade dessas, ela ia ter que morar lá. Então, a gente sentou e conversou: “Filha, não dá. A gente não está podendo. Você não vai poder morar sozinha. Lá lá lá, lá lá lá”. Então, ela queria porque queria fazer faculdade, queria fazer nesse lugar. E, nessa época, ela estava estudando e conseguiu fazer um bico numa loja de roupa. Pois ela teimou. Ela pegou o dinheiro que recebeu, dois mil, mil e pouco, dois mil, e eu falando para ela que ela não poderia fazer. “Não, porque eu posso.” Eu: “Filha, quatro horas para ir, quatro horas para voltar, você não vai aguentar”. Mas não me ouviu. “Eu conheço gente aqui em Arujá que estuda lá.” Falei: “Mas não é assim”. Pois ela meteu as caras, foi com o namorado dela, fez a matrícula, e quando ela viu que não dava mesmo, perdeu o dinheiro. Veio, fez a matrícula aqui na Vila Mariana, na FMU [Faculdades Metropolitanas Unidas], e nesse meio-termo decidiu que ia viajar. Queria fazer intercâmbio. Pôs na cabeça do pai dela, o pai dela pagou esse intercâmbio para ela, tudo recentemente da separação. Conclusão: sofri sozinha. Porque, morando num condomínio, hoje, eu me considero sozinha. Eu tenho ela. Só ela. Tenho um irmão que mora lá em São Miguel. Mas, se eu der um grito, não tem ninguém do meu lado. Só eu e Deus e ela. E ela é dessa forma aí. Decidiu fazer esse intercâmbio. Eu falei: “Filha, ao invés de você fazer isso aí, seu pai não está podendo gastar, por que você não vai para a empresa, trabalhar comigo?”. “Não porque eu tenho que fazer intercâmbio, tenho que fazer faculdade, é importante.” É importante, mas para um pouco. Não quis nem ouvir. Sei que ela fez da vidinha dela. Ela é meio um pouco do pai dela. Decide, mete a cara e faz. Mesmo que der errado depois, mas faz. E o resto assim. Ela é uma menina maravilhosa, em outros termos. Primeiro namorado, hoje ela tem 22 anos. Namora com um rapaz fez cinco anos. Primeiro namorado também. E está aí. E é toda carinhosa comigo. O sonho dela é viajar. Está fazendo a faculdade que ela quis. E sempre falou: “Mãe, o meu sonho é viajar e, para onde eu for, eu te levo”. E as surpresas que ela faz para mim são todas maravilhosas. E é isso aí.
P/1 – Posso ir para as duas últimas perguntas, Gal?
R – Sim, senhora.
P/1 – A primeira é como foi contar sua história hoje para a gente?
R – Para mim, foi meio que até um desabafo. Porque nunca tive uma oportunidade de contar minha história desde o começo para ninguém. Conto algumas partes. Oportunidades, como eu te falei, do curso, falei um pouco, conversando com alguém. Mas sentar e conversar com duas pessoas que eu nunca vi da minha vida, desde o princípio até o fim... Esse fim hoje, que a gente mora praticamente no mesmo condomínio. Hoje, ele tem dois filhos, um menino e uma menina. No começo, ele ia muito ver minha filha, saía muito com ela. Agora, já estão se distanciando. Uma coisa que me deixa triste. Às vezes, até me sinto culpada porque, na época, por saber da traição, por acontecer tudo isso, chamei os dois, sentei, conversei, falei para ela. Falei: “Olha, filha” – os dois – “O que eu não aceito é você dentro da casa do seu pai com a família dele. Seu pai não vai deixar de ser seu pai”. E não tinha nenhum filho ainda. “Seus tios não vão deixar de ser seus tios nunca. Então, a hora que você quiser ir para a casa de seus tios, você vai, sair com seu pai, seu pai pode ir lá em casa tranquilo.” Só que passou uma época, a mulher ou ele tentaram fazer a cabeça dela. Parece que eu sou a culpada. Eu que tentou sair com ela e armar. Por exemplo, tem a Feira das Nações lá agora. Ele liga para ela: “Filha, vamos na Feira das Nações?”. Só que a mulher vai junto, então, ela está junto. E o que eu mais pedi foi isso. Aos pouquinhos, eles estavam tentando, e eu não aceitei no começo. No começo, eu não aceitava. No meu ponto de vista, não aceitava. Por que? Autoproteção. A minha filha vai conviver com aquelas pessoas, eu falava mesmo: “Com aquela vagabunda, que não vale nada, uma mulher com o currículo que ela tem”. Uma coisa que eu ia até falar. Ela tentou destruir o casamento da própria irmã, e quem a conhece no bairro dela se refere a ela assim: “A Alessandra é vagabunda”. No bairro dela lá. E outra: ela tem uma menina da idade da Nani. Outra menina acho que é dois anos mais nova. A menina começou a chamar ele de pai. E essas coisas que eu estou te falando aqui, agora, eu nunca cheguei a conversar com a Elaine. Na minha cabeça, que eu acho que é de proteger ela de passar algum tipo de constrangimento, sei lá. Não sei se eu agi errado, sei lá, não sei. A gente às vezes nem conversa. A gente não conversa sobre isso, mas é o meu ponto de vista. Não sei se eu estou errada ou não.
P/1 – E, Gal, nossa última pergunta. Pode pensar um pouquinho se for difícil para responder, tá?
R – Tá.
P/1 – Quais são seus sonhos hoje?
R – Meu sonho, devido a tudo isso, é que a minha filha seja muito feliz. Ela é tudo para mim. É tanto que, por eu ter perdido, perdido não, Deus levou meu filho, ela é tudo, tudo, tudo, tudo para mim. Para você ter ideia, hoje, dia de quinta-feira, ela faz curso de canto. Lá no condomínio mesmo. E ela está fazendo um bico dando aula de inglês no outro condomínio. E ontem ela deixou a moto dela lá porque eu tive que levar ela na rodoviária. Hoje de manhã, ela levantou na loucura dela, na correria dela, pegou e falou assim... Ela tinha até esquecido que a moto dela não estava em casa. Quando ela saiu lá fora, ela: “Ai, mãe, como é que eu vou? Como é que eu vou? A minha moto está lá na Tati”, onde ela dá aula. Falei: “Filha, vai de carro, né?”. Ela falou: “Então, tá. Eu vou de carro”. Não. Quando ela saiu, que não lembrava da moto, ela falou assim: “Meio-dia lá na Tati. Você me pega”. Eu falei: “Está bom, filha”. Aí, ela voltou: “Ah, mãe, estou sem moto”. “Vai de carro, filha, pelo amor de Deus.” Eu sempre esqueço que ela está fazendo aula de quinta, ela foi para aula. Quando foi daí cinco minutos, que hoje ela tinha uma aula de inglês, dar aula para a menina, a Tati me liga. Quando a Tati me liga: “Oi, Tati”. Ela: “Cadê a Nani, que não chegou aqui ainda? Está atrasada”. Eu falei: “Como assim? Você é louca?”. Meu coração já subiu. Como eu não lembrava que ela tinha aula dentro do condomínio mesmo, e ela saiu com o meu carro, já me passou mil coisas pela cabeça. Falei: “Pronto, a menina saiu com o carro, como, Tati, não chegou aí? E ela foi com o meu carro”. Já me passou que ela foi sequestrada. Aconteceu alguma coisa. E a Tati: “Faz cinco minutos que estou ligando no celular dela, não atende”. Falei: “Não, pelo amor de Deus, Tati. Não me fala uma coisa dessas. Meu coração já está a mil. Vamos atrás da minha filha. Eu quero saber da minha filha agora”. E, falando com a Tati e fui entrando para o lado da cozinha, e vi ela chegando. “Ah, Tati, pelo amor de Deus, ela está aqui.” Mas, se ela atrasa, não sei se é paranoia minha, ou por já ter perdido um filho, aquela coisa assim, de acontecer alguma coisa com ela. Quando ela vai para a faculdade e atrasa, não atende o celular, não me passa mensagem, eu fico com o coração na mão. Não sei se vocês entendem. Mas a minha pessoa é essa.
P/1 – Mais alguma coisa, Gal?
R – Não.
P/1 – Mesmo? Então, eu tenho uma coisa para falar com a senhora: muito obrigada! Foi lindo ouvir sua história. Muito obrigada mesmo.
R – Só tenho a agradecer. A minha filha também, que é linda, maravilhosa, e me apronta essas coisas. Quinta-feira, a gente vai lá, naquele lugar.
P/2 – Gostou da surpresa?
R – É legal.
P/1 – Obrigada, Gal, obrigada mesmo.
R – Então, está bom.
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