A casa dos meus pais era grande e lá dentro tinha b alcões para o cara atender, tinha balança do chá e da farinha. Também tinha feijão, arroz, macarrão, todos esses negócios, e a padaria que vendia o pão. O meu pai mesm o fabricava o pão. Eu toda vida gostei de comércio. Toda vida!
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resumo
Neste depoimento, Seu Zizi fala sobre sua infância na ilha de Terra Nova, arredores de Manaus e a respeito de sua mãe, e de seu pai, um próspero comerciante da região que criou seus filhos no cotidiano do armazém que construíra para se sustentar. Seu Zizi nos conta então sobre as brincadeiras e as festas da época, e de quando seu pai morreu, o deixando aos 17 anos para tocar sua vida sozinho. A partir daí, Seu Zizi se tornou produtor de juta até ir para a Bolívia organizar um seringal - lá encontraria sua esposa, companheira de décadas ao longo das quais teve oito filhos. Além disso, Zizi nos conta sobre sua experiência no comércio voltado para as estradas de ferro e depois para o garimpo. Por fim, temos contato com suas expectativas para o futuro e seus sonhos.
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- Ficha técnica
P/1 - Senhor Zizi, eu queria, pra começar, pedir para o senhor me falar o seu nome completo, a data do seu nascimento e o lugar onde o senhor nasceu.
R - Meu nome é Alcimar Francisco do Casal, data de nascimento: 17 de janeiro de 1932. P/1 - E o senhor nasceu onde?
R - Nasci em Terra Nova, mun...Continuar leitura
P/1 - Senhor Zizi, eu queria, pra começar, pedir para o senhor me falar o seu nome completo, a data do seu nascimento e o lugar onde o senhor nasceu.
R - Meu nome é Alcimar Francisco do Casal, data de nascimento: 17 de janeiro de 1932. P/1 - E o senhor nasceu onde?
R - Nasci em Terra Nova, município do Careiro, bem em frente a Manaus. P/1 - Bem em frente a Manaus E o senhor vivia com seus pais?
R - Na infância vivia com os meus pais. Depois, meu pai faleceu, minha mãe foi pra São Paulo e eu fiquei mandando brasa sozinho (risos) P/1 - (risos) O senhor conheceu os seus avós, senhor Zizi?
R - Só o avô. P/1 - Só o avô? Que lembrança o senhor tem dele?
R - Ele era um cearensezinho assim, baixinho, magrinho... era um cara especial, né? Caducou com a Bíblia uns dez anos. Só lia, tomava banho... e comia e dormia. (risos) P/1 - (risos) E ele morava com vocês?
R - Morava com a minha mãe. Minha mãe cuidava dele. Mas era um velhinho bom, legal. Não mexia com ninguém, não falava nada... P/1 - E me conta uma coisa senhor Zizi, o que seus pais faziam na sua infância? Do que eles trabalhavam?
R - Meu pai era comerciante e a minha mãe era doméstica. P/1 - O seu pai trabalhava com o que no comércio?
R - O meu pai tinha padaria, tinha uma fazendinha e tinha um comércio de secos e molhados. P/1 - Secos e molhados? O que eles vendiam lá?
R - Ah, secos e molhados é mercadoria em geral, né: arroz, feijão, macarrão, cachaça... (risos) P/1 - E o senhor desde cedo ia para o comércio com ele?
R - Eu comecei com dez anos. P/1 - Dez anos de idade?
R - Com doze anos... nós éramos seis irmãos homens e três mulheres, mas os seis homens trabalhavam com ele no comércio. Eu fui o melhor caixeiro com doze anos de idade Deles, tudinho Eu sou o mais novo. (risos) P/1 - E o senhor só trabalhava ou estudava? Como que era na infância?
R - Não, a gente estudava. Mas, lá no interior o estudo é meio fraco, né? Eu estudei um pouco em Manaus mas foi a hora que ele morreu... aí, eu parei. Mas eu tenho uma caligrafia boa; ler, eu deixei de ler e fiquei mais burro agora (risos)... quase não leio... mais. P/1 - E conta um pouco pra mim como era esse comércio do seu pai, o secos e molhados. Como que era a casa, onde ficava?
R - A casa era grande e lá dentro da casa tinha balcões para o cara atender, balança, tinha... como a gente fala, né: tinha do chá à farinha. Feijão, arroz, macarrão, todos esses negócios tinha, né; e tinha a padaria que vendia o pão. Ele mesmo fabricava o pão. Depois teve tempos que ele alugava a padaria, né? Já ficou mais velho um pouco. Ele morreu novo, meu pai. Morreu com 62 anos. Novo, novo. P/1 - E do seu pai o que o senhor lembra? Como era a relação com o seu pai, senhor Zizi?
R - Era muito boa. Foi o homem que mais me fez falta na minha vida. Quando ele morreu, eu tava meio encrencado com umas meninas lá, sabe? (risos) Rapaz, aquele homem me fez muita falta (risos) P/1 - E ele te ensinou tudo: a venda, te ensinou a fazer pão, te ensinou tudo?
R - Ensinou tudo. P/1 - Conta pra gente um pouquinho do que ele ensinou.
R - A gente aprendia normalmente, né? Ele dava umas lições, mas a gente que tinha de aprender como é que trabalhava. Nós tínhamos, às vezes, um trabalho meio pesado, que nós comprávamos cacau e nós tínhamos os tendais. Você sabe o que é tendal? P/1 - Não.
R - É uma casa... aqui embaixo é o assoalho. Na Bahia tem muito, né, passa na novela... aí, em cima é uma casa. Quando faz sol, você empurra “vhruuu”, ele vai pelo trilho e vai embora, e descobre aqui onde tá o cacau. Quando vem chuva você pega e “vhruuu”, cobre. E tem o rodo pra passar, né, para o cacau enxugar - porque não pode ficar parado lá, senão ele não solta um do outro - então tem que passar o rodo, várias vezes por dia. E é muito cacau, muita coisa. P/1 - Muito cacau?
R - É. Muito mesmo. Tinha tempo que o armazém ficava até a tampa, lá em cima, um saco de cacau. Chegava esses navios de pequeno porte e saía carregadinho de lá. P/1 - E vocês vendiam para navios, para as pessoas, vendiam pra muita gente?
R - Vendia pra Belém. E aí, ia no navio pra Belém. P/1 - Me conta uma coisa: o senhor falou que o seu pai foi muito especial na sua vida. Tem uma lembrança marcante do seu pai? O que o senhor mais se lembra dele?
R - Ah, eu lembro que nós vivíamos numa união muito boa, ele gostava muito de mim. Sou do tempo que a gente chega perto do pai, abraça, beija, cheira... ele também fazia o mesmo. Eu já com 17 anos tava encrencado lá, mas ele sempre me dava apoio: “Eu tô sabendo aí, o que você tá fazendo, hein cara” (risos) Mas vamos pra frente Aí foi quando ele adoeceu e morreu. Aí eu me tornei um cara dono da minha pessoa... com 17 anos, já não torcia mais caminho pra ninguém, porque tinha muita gente querendo tirar uma forra, né? E eu fiquei assim, meio valente. Mas nunca matei (risos), nunca nem bati, assim, de pau, nem de faca, nem nada. Só na porrada mesmo (risos) P/1 - (risos) Senhor Zizi, o senhor falou agora do seu pai, conta um pouquinho da sua mãe. Como era a sua mãe?
R - A mamãe era amazonense, filha de cearense. Muito valente (risos) É, era valente demais. Nós não tínhamos muita conversa com ela não porque, se ela tivesse conversando aqui, ninguém podia passar nem ali Se passasse e olhasse, depois ia apanhar - porque ela gostava de bater - mas muito Então, eu não tinha muito amizade com ela, como eu tinha com o meu pai. O meu pai era diferente (risos). Minha mãe era muito carrasca Me lembro um dia (risos)... tinha um jogo de futebol e eu, nesse tempo, já jogava. E ela não deixou eu ir pro jogo, pra butar água em casa. Enchia o balde lá na beira do rio... balde, que a gente fala, é aquele coité, daqueles grandes... aí carregava a água até encher os camburões. Aí eu fugi e fui pra lá. E ela, nesse dia, ia me pegar mas o papai tinha ido pra lá também, conversar lá com os vizinhos, e eu vim junto com ele; daí eu falei pra ele: “Ah, pai, mamãe quer me bater porque....”, daí contei a história e ele disse: “Vamos comigo”. Mas quando eu cheguei lá, ela me agarrou pelo braço e já ia batendo quando ele pediu: “Não, não faça isso não Ele tá comigo, não faça isso não Eu já disse pra ele que você não ia bater.”, “Hoje não, mas amanhã você vai ver” Mas era certo No outro dia a porrada comia (risos) P/1 - (risos) Não tinha jeito de fugir
R - Não tinha jeito (risos) P/1 - Senhor Zizi, o senhor me contou agora um pouquinho que o senhor foi buscar água. Me fala um pouco de como era a sua casa. Onde ficava a sua casa, como ela era, do que ela era feita.
R - Nossa casa era de madeira, bem alta, porque tinha alagação, que alagava por baixo, né? E... nas mudanças dos tempos; quando eu era rapazinho, nunca alagou, né. Depois foi crescendo e em 1953 deu uma alagação que alagou tudo. Então, nossa casa era de madeira, mas era uma casa bem feita, né, de telha de barro macedo que chamava naquele tempo, ainda chama né - e bem confortável. Não era casa de alvenaria que naquele tempo ninguém nem falava. (risos) P/1 - E o senhor me falou que vocês eram em noves filhos, seis meninos e três meninas. E como era essa casa com toda essa gente? Vocês se davam bem?
R - Ah, a nossa casa era grande Tinha os quartos das meninas, tinha o nosso, e tinha o do papai e da mamãe. Tudo era grande P/1 - E de criança, do que vocês brincavam? O que vocês faziam? Brincava-se muito?
R - Ah, a gente jogava bola, corria atrás de boi, de gado, andava de cavalo, desde criança já começava a andar de cavalo. P/1 - Corria atrás de boi? Como é isso?
R - Ah, ia no campo, com cavalo. Desde garoto O cara com sete, oito anos já monta no cavalo e já vai embora. Era uma vida boa, alegre... tinha os colegas, a gente ia passarinhar dia de domingo, nas capoeiras da fazenda... e lá leva sal, leva farinha, já mata o passarinho, já come assado (risos)... é bonito É um negócio interessante, cada lugar tem um... P/1 - O senhor falou da capoeira da fazenda. O que é capoeira da fazenda?
R - Capoeira da fazenda é onde você derruba a mata grande e depois nasce uma mata baixa, que é mais goiaba, vira goiabal assim... mata baixa, mato de pequeno porte. Então ele se torna uma capoeira. Aí é onde o passarinho gosta, da capoeira. (risos) P/1 - (risos) E lá matava e lá comia.
R - Matava e tinha muita fruta do mato mesmo, que a gente comia. Muita, muita mesmo Araçá, era goiaba, era abil... uma porção de frutas do mato que a gente comia. P/1 - Como o senhor se relacionava com os seus irmãos? Vocês se davam bem?
R - Ah, muito bem A gente brigava, mas era só problema de irmão mesmo. Só tinha um irmão que era ranheta (risos) Cabra ruim, gostava de bater. Mas aí eu fui crescendo e fomos trocando porrada... depois ele viu que não podia mais, aí... paramos (risos) P/1 - Senhor Zizi, me conta um pouco agora do lugar que o senhor morava. Como era o lugar, a região? O senhor disse que morava na Terra Nova, né?
R - É. Terra Nova é uma ilha que de um lado é Terra Nova e do outro lado é Careiro, logo em frente a Manaus. Então, eu morava do lado de Terra Nova e pra esse lado aqui é Careiro. Quando a gente vai aqui pela balsa, pela estrada, a gente chega aqui no Careiro, desse lado, aí tem de atravessar lá pra Manaus, numa balsa com os carros. Então, está a ilha “aqui”, “aqui é Careiro, até aqui”, e “daqui pra lá” é Terra Nova. Que o Solimões desce “ali” e “aqui” desce o rio Careiro. É isso. O Solimões desce dentro do rio Careiro e o Rio Negro desce dentro do rio Amazonas. O nosso rio lá, o rio Amazonas, ele faz uma divisória de água branca, barrenta, e água preta, que é a do Rio Negro; no meio do rio faz a divisória das duas águas. Aí quando chega muuuito embaixo... dia de viagem assim, aí ela já vai misturando, já não tem mais aquela divisória. P/1 - E o senhor falou que tinha o comércio do seu pai, tinha a padaria. O que mais tinha na cidade?
R - Não, lá não era cidade, lá era interior. P/1 - O que tinha lá no interior?
R - Tinha os moradores assim, tipo um... P/1 - Uma comunidade?
R - É, uma comunidade, um sítio assim, cada qual tem a sua terra, né? Um aqui, outro aqui, outro aqui, e vai embora. Então, tem uns que tem a terra maior, tem outros que tem só um pedacinho... e aí vai vivendo, todo mundo. P/1 - E como os seus pais compraram aquela casa lá? Eles eram de lá mesmo, eram de fora?
R - Não, o meu pai era português. E daí ele... português gostava muito de fazer regatão, né? Pegar um batelão assim, encher de mercadoria e sair vendendo nas casas, né? Então ele fazia esse serviço. Por lá ele viu a minha mãe, se engraçaram e casaram (risos). Casaram, aí ele foi e comprou essas terras... e ficaram lá até... se separarem. P/1 - Senhor Zizi, o senhor falou pra mim que com 17 anos o senhor assumiu sua vida.
R - Assumi Eu estava com 17 anos quando ele morreu, eu estudava na escola técnica de Manaus, eu ia ser Torneiro Mecânico. Aí... não deu mais (risos). Aí pronto, aí eu não estudei mais. P/1 - O senhor ia pra escola, trabalhava... o senhor tinha dia de folga? Como que era?
R - Tinha. No domingo a gente estava de folga, né? Mas a gente tinha que, assim mesmo, butar o gado para o curral, essas coisas. P/1 - No domingo?
R - É, no domingo. Mas era de repente, pegava os cavalos, chamava o gado e o gado já tinha o costume, né... aí butava no curral, trancava e ia embora. P/1 - No domingo vocês iam pra igreja, tinha festa?
R - Ia e tinha uma coisa: a gente não ia pra igreja assim não A gente ia de paletó e gravata... lá em casa. E o velho, meu pai, paletó e gravata e os filhos tudinho Ele comprava tudinho pra gente ir pra igreja. P/1 - Ia toda a família junto?
R - Ia. Minha mãe depois se tornou crente, aí já não ia mais. Aí brigavam e... (risos) P/1 - (risos) E me conte uma coisa, o senhor gostava de ir pra igreja? Como era o domingo?
R - Rapaz, eu gostava, eu era garoto. Apesar de que hoje em dia eu não vou nem na igreja. Não me acostumo com igreja. P/1 - Depois dos 17 anos, quando o senhor assumiu sua vida, o senhor não conseguiu terminar seu curso e o que o senhor foi fazer da vida, senhor Zizi?
R - Ah, fui fazer de tudo na vida. P/1 - Foi fazer de tudo Conte qual foi a primeira coisa que o senhor fez.
R - A primeira coisa foi plantar juta. P/1 - Juta? Explica pra mim o que é a juta. O que é plantar a juta.
R - Juta é uma malva, tipo cezal. Ela dá roupa, dá saco, dá tudo. Uma malva cresce alta assim, com uns três metros de altura, assim, dessa grossura. Você bota de molho, ela amolece e você tira aquela fibra de fora. Aquilo que é juta. P/1 - Aí o senhor foi plantar juta. O senhor plantava e vendia? Fazia como?
R - Fazer roça, plantar juta (tosse)... eu tô meio gripado e tô com coceira na garganta. P/1 - Não tem problema.
R - Serviço pesado danado Dentro da água. Depois eu fui fazer jangada. Jangada, você derruba o pau lá na mata, em vargem, mata que alaga, faz o caminho pra ele sair para o rio, tudinho. Deixa tudo lá marcado, 200, 300, 500 árvores - o tanto que você derrubar E quando alaga você vai colher elas, puxar pra fazer... butar uma perto da outra assim; então, vinha amarrando e butando os paus assim, que buia, que muitas vão pro fundo. É um serviço pesado. P/1 - Isso tudo no Amazonas, senhor Zizi?
R - Tudo. Depois fui encerrar, fui lavrar, serviço pesado, carregar pau na mata. Fiz muito serviço pesado. Depois fui pra Bolívia Fui dono de seringal, mas tinha hora que não tinha um comboieiro e a gente tinha que ser o comboieiro. P/1 - Como que é essa história da Bolívia? Me conta como que aconteceu isso, como o senhor foi parar na Bolívia?
R - Ah, eu saí de Manaus (risos), meu irmão já tava lá na Bolívia, ele me chamou e eu fui pra lá com ele. Lá nós compramos um seringal, depois de uns tempos. Eu fui trabalhar lá num depósito e eu era marreteiro. Aí nós ganhamos dinheiro e compramos um seringal, fomos trabalhar juntos. A vida de patrão de seringal é uma vida sacrificada também, não é fácil não. Nosso barracão pegou fogo em toda a mercadoria. Uma vida que não era muito boa não. Mas nós vencemos todos Aí, eu vendi a minha parte pra ele e vim-me embora pra cá. P/1 - Agora, me conte uma coisa: quando o senhor chegou na Bolívia, era muito diferente a Bolívia?
R - Era. P/1 - Só um minutinho, senhor Zizi.
R - Aprendi a falar, mas compreender... ler... P/1 - Senhor Zizi, então o senhor estava me contando que chegou na Bolívia no Carnaval? Como que era lá?
R - É, cheguei no Carnaval. Carnaval tipo no Brasil mesmo Eu fui lá para um lugar chamado Povininho, um lugar pequeno, um povoado... mas tava bom o Carnaval lá. P/1 - E era muito diferente de Terra Nova, de onde o senhor vivia?
R - Ah, lá era uma cidadezinha, né. Terra Nova era um interior (risos). P/1 - O que mais te chamou a atenção na Bolívia, lá nesse lugar novo? O que era mais diferente?
R - Rapaz, o que mais me chamou a atenção lá é que se trabalhava muito, só isso (risos). Eu tive uma noiva lá (risos) P/1 - Teve uma noiva lá na Bolívia?
R - Tive uma noiva, uma menina muito bonita. Mas... aí foi quando eu conheci essa que eu sou casado, que ela vinha do Ceará e foi lá para o nosso seringal, né? Lá eu troquei (risos). P/1 - (risos) Então a mulher do senhor foi trabalhar no seu seringal?
R - Foi. Ela não trabalhou não. Ela vivia com os pais, né? Os pais e os irmãos é que trabalhavam. Elas não, elas trabalhavam caseira, né, doméstica. Depois... me casei e vim-me embora. P/1 - Aí o senhor a conheceu e já viu que era a mulher com quem o senhor queria se noivar?
R - É. Quando eu vi a primeira vez, eu já gostei dela. E ela também de mim. P/1 - Como que ela é?
R - Ela é uma mulher... assim mesmo que essa minha filha, mas ela era mais magra, bonita que só quando era nova De manhã ela esteve aqui. P/1 - Pena que a gente não viu... P/1 - O senhor me falou que a vida de patrão de seringal é difícil?
R - É. P/1 - Como que é a vida de patrão de seringal?
R - Porque lá a maior parte de seringueiros é boliviano, né? E eles são encrenqueiros que são danados É uma vida difícil, rapaz Você tem de comprar muitos animais, muito burro pra transporte e o lucro é pequeno. P/1 - Explica um pouco mais disso. O que tinha no seringal? Tinha que ter transporte, tinha que ter as pessoas trabalhando lá. O que tinha que ter?
R - Tinha de ter o transporte, tinha de ter o barracão, tinha de ter as moradas - é tipo uma aldeia de índios, cheia de barracas, tipo uma vilazinha. E a gente tem de ter um certo... equilíbrio. Chega um seringueiro e você não quer ele, você manda pra frente mas você tem que mandar um comboieiro deixar ele lá numa outra colocação, em outro seringal. Então, no mínimo, é um dia pra ir e outro pra voltar. E é assim Mas era bom... o cara quando é novo, sempre é cheio de saúde, né? (risos) P/1 - Quando o senhor era patrão no seringal, o senhor tinha quantos anos?
R - Eu tinha uns 23, 24 anos. P/1 - E quantas pessoas moravam lá naquele seringal? Por cima...
R - Umas 300 pessoas. P/1 - Era uma área grande lá?
R - Era. Era uma área do tamanho de uma cidade dessas. P/1 - O senhor chegou a cortar seringa?
R - Não. P/1 - Sempre foi o patrão?
R - É. P/1 - Está certo. E o que mais, quais eram as suas responsabilidades com as pessoas? O senhor falou que quando chegava um seringueiro e o senhor não queria, tinha que mandar para outro seringal.
R - É, a responsabilidade da gente era essa. Tinha de dar de comer, tratar bem o cara, né? Estudar ele, se ele vinha atrás de colocação pra trabalhar; tinha de estudar antes de dizer que tinha uma colocação pra ele. O meu irmão era péssimo pra escolher cara pra trabalhar. Aí ele deu uma porção de fora e eu brigava com ele e dizia pra ele: “Mas rapaz, você colocou esse cara, você não vê como que ele anda?”, “Não, porque...”, “Não rapaz, ele não vai ficar aqui não. Pode dizer pra ele que a colocação, o cara resolveu não sair mais” (risos) Aí ele dizia: “Ah, então agora, daqui pra frente, você que escolhe”. Eu disse: “Tá bom Deixe comigo” Primeiro teste: o cabra chegava e eu conversava com ele: “De onde você veio...”, “Ah, eu vim do seringal tal...”, “Você ganhou muito dinheiro lá?”, “Ganhei...”, “Mas por que que você saiu, rapaz? Onde a gente ganha dinheiro, ninguém sai”, “É, mas eu me desentendi lá e tal, pá-pá-pá, com outro vizinho...”, aí eu disse: “Vem cá, me faz um favor? Tá vendo aquele pau de borracha lááá? Pega pra mim, por favor?”. Aí quando ele saia andando, eu saia estudando ele. Ele ia lá, pegava o pau de borracha, voltava... quando eu via que ele era um cara esperto, que ele ia, pegava e voltava ligeiro, andava ligeiro, andava bem equilibrado, aí esse aí ficava Quando o cara ia lá pisando nos ovos, como diz o ditado (risos), e voltava devagarzinho, pra entregar era devagarzinho, eu digo: “Ixi Tá bom, obrigado hein?” Daí arriava ali e: “Depois nós vamos conversar mais” (risos) Aí, na outra conversa eu já dizia para o meu irmão: “Vai lá e diz pra ele que não tem colocação. Acabaram as colocações, o cara resolveu não sair e amanhã é ele se aprontar pra ir para outro canto”. P/1 - E vocês eram responsáveis por levá-lo para outra colocação?
R - Pra levar, dar dormida, dar comida e levar até na outra colocação. Aí o outro ficava se quisesse; se não, botava lá pra frente Aí o cara ia andando... mas não ia passando fome. (risos) P/1 - Agora, senhor Zizi, me conta mais um pouco: o senhor disse que tinha o barracão. O que era o barracão?
R - Barracão é um casarão tipo isso aqui, né. Só que é baixo, grandão assim. Isso se chama barracão. P/1 - E lá no barracão tinha o quê?
R - O barracão é uma morada. P/1 - É onde as pessoas viviam?
R - É. E tem uma parte que é a parte comercial, né, o armazém. P/1 - E o armazém era de vocês mesmo?
R - Era. Tudo que tem lá no seringal, quando o cara compra, tudo é do cara, tudinho. P/1 - E aí vocês vendiam para os moradores mesmo, do seringal?
R - A gente fornecia a mercadoria para eles poderem cortar e tirar a seringa, né, a borracha. P/1 - E como é que funciona o pagamento deles? De acordo com quanta borracha corta, como que é?
R - É de acordo com que ele produz. Se ele produz muito, ele recebe muito; se ele produz pouco, ele recebe pouco; fica devendo, às vezes; aí tem seringueiro lá que nunca sai do seringal, morre lá dentro; a vida dele é aquela também... não tá nem interessado. Trabalha quatro dias por semana, cinco... o cara de fora que vai pra ganhar dinheiro e voltar, ele trabalha até dia de domingo. P/1 - Depois que eles extraem a borracha, eles dão a borracha pra vocês já pronta pra vender? Como que é?
R - Naquele tempo a gente tinha que defumar a borracha. Hoje em dia não, ele faz só o sernambi, como a gente chama. Hoje em dia ele coalha o leite, aí vira aquela borracha verde. Ele “mete” numa prensa, vai colhendo todo dia e aí vai prensando... aí, quando dá uns 50, 60 quilos, eles tiram dali pra entregar, pra vender. Agora o cara, às vezes, tá no centro de um seringal com dez horas de viagem... o cara vai daqui, fica aqui no pontão - como se chama o armazém que fica reservado pra noitada - e daqui vai lááá no fim, onde ele tá. Daí vai colher a borracha dele e ele tem de levar... de acordo com o seringueiro, ele tem de levar dez burros, 15 burros, cinco burros... daí colhe a borracha e vem. Até chegar aqui no barracão, ele vem “daqui” até “aqui”; no outro dia “daqui” até “aqui”, quando chega no barracão. Daí pra tirar “daqui” pra “lá”, ainda vão mais dois ou três dias... pra chegar lá na mão do capitão, como se chama. P/1 - Quem é o capitão?
R - Capitão é o comprador (risos), o comerciante forte. P/1 - E você era o capitão lá na região?
R - Não, eu era um aviado. Aviado é aquele que compra da firma grande. A minha firma era a pequena que comprava da grande. Aí a minha borracha ia para o cara que me fornecia. Sabe o que é fornecer? P/1 - Não.
R - É o cara que vende fiado pra gente. P/1 - O que ele vendia fiado pra vocês?
R - Tudo Tudo quanto é mercadoria. Desde o cinturão até o botão, a agulha. Tudo tem. P/1 - E aí, nessa transação, então você comprava dos seringueiros e vendia para um grande?
R - É, o seringueiro cortava a seringa, a gente comprava, ele pagava a conta dele e a gente pagava o saldo. É isso. Quando tem saldo, né? Porque é difícil o fio duma égua ter saldo... (risos) P/1 - E quem eram essas pessoas pra quem vocês vendiam? O que eles faziam, esses grandes comerciantes? Eles eram lá da Bolívia e só compravam?
R - Não, não eram da Bolívia, não. P/1 - Ah não? De onde eram?
R - Eram do Brasil. P/1 - Eram brasileiros?
R - Naquele tempo tinha a Limitada, uma firma muito grande em Xapurí; tinha a Casa Galo... tu conhece o Acre? 3ª. voz responde – O Acre não. Só o Amazonas.
R - E tinha o Antônio Resende, que era dono de vários seringais... a casa dele era grande... tinha muita gente rica lá, milionário. P/1 - Aí, me conte a primeira vez quando o senhor conheceu sua mulher. Quando o senhor conheceu a mulher com quem o senhor tá casado hoje?
R - Eles vieram do Ceará, vieram aqui pelo Amazonas e tal, chegaram lá no Acre. Aí ficaram lá nesse Antônio Resende. E ele tinha seringais iguais aos nossos lá. Aí, o cara que mais pesa na balança, ele determina os outros; e como ele não tinha colocação, mandou lá pra nós. Nós não podíamos mandar de volta. Daí ficamos lá com eles e, quando chegaram, estávamos eu e meu irmão numa casinha assim. Aí, fomos ver na frente, assim, tinha um igarapé, uma lagoa... com a água mais ou menos “nessa altura”, menos de um palmo. Aí lá vem aquele pessoal, aqueles arigós, né? Eram bem uns dez ou mais “Tchubu, tchubu, tchubu” dentro da água, né? Daí as mulheres tinham de subir o vestido um pouquinho, né, pra ele não molhar (risos)... e nós apreciando Naquilo, quando passaram, demos uma olhada - era eu e meu irmão - “Olha aí Zizi, essa é muito bonita Que mulher bonita”. No final, eu namorei com ela e casei. No dia que eu namorei com ela, já ficamos noivos entre nós dois. Aí depois disso eu fiz o pedido de casamento pro pai dela. Depois eu casei. E eu estou com 62 anos só... de casado (risos) P/1 - Senhor Zizi, o senhor falou agora pra mim que eles eram arigó. O que era arigó?
R - Arigó é o cearense, rio-grandense, maranhense... todo aquele negócio do nordeste ali, tudo é arigó, quando vinha pro Amazonas. P/1 - E agora eu vou voltar pra sua mulher: aí o senhor começou a namorar e pediu permissão pro pai dela?
R - Pedi. Pedi em casamento. Eu nem sabia se eu ía... quando ele soube que a gente ia namorar, já era pra casar (risos) P/1 - E qual foi a reação?
R - Era um namoro diferente, meu filho P/1 - Conta pra gente: o que era diferente?
R - Não é o namoro de hoje em dia, de você passar a mão, essas coisas. Era namoro que eu ficava aqui, ela ficava lá... quando o velho e a velha saiam, a gente se chegava um no outro. Às vezes dava um beijinho, muito rápido (risos) Aí, casamos e ficamos liberados. P/1 - (risos) Está certo.
R - Mas não era como agora, não. Naquele tempo tinha, tinha namoro como os de hoje em dia, não tinha problema nenhum... mas tinha família que o pai e a mãe não deixavam. Vixi, eram os carrascos P/1 - Aí, o senhor vendeu a sua parte para o seu irmão?
R - Vendi. P/1 - E por que o senhor resolveu vender?
R - Porque eu queria vim-me embora. P/1 - Por que o senhor queria vir embora?
R - Porque eu não queria mais morar lá. Sabia que eu ia constituir família... eu tinha recém-casado... e antes de vir um filho, eu queria me mandar Aí chamei ele, entramos num acordo, ele comprou a minha parte, me pagou e eu vim-me embora (risos) P/1 - O senhor chegou a casar lá no seringal mesmo?
R - Não. Casei em Brasiléia, Vila Epitácio. P/1 - Fica onde?
R - Fica no Acre. A última cidade do Acre com a Bolívia. P/1 - Aí casaram na igreja, bonitinho?
R - Casei na igreja Véu e grinalda P/1 - Lembra do dia do casamento?
R - Lembro. P/1 - Conta pra gente como que foi.
R - Ah, foi um dia muito especial... a minha irmã estava lá e a minha irmã era muito jeitosa, sabe costurar, sabe... ela é inteligente, num sabe? Ela mora em São Paulo. E ajudou a fazer o nosso casamento tudo certinho, bonitinho De noite ela foi dormir na casa de uma vizinha e deu a casa dela pra nós e nós ficamos sozinhos na casa. Foi uma coisa boa, especial mesmo Não teve festa, bebida, essas coisas não teve. Eu também não bebia nesse tempo (risos) Nem sentia falta Eu não bebia... eu vim beber aqui dentro desse boteco, a primeira vez que eu bebi Peguei uma gripe doida Aí tinha um cara aqui que me chamava de compadre,né? Ele trabalhava na administração do Governo. Aí ele chegou e disse: “Iiihhh compadre, cê tá gripado?”, eu disse: “Ih rapaz, eu estou aqui trabalhando na marra” - nesse tempo eu tinha a mercearia, era bem arrumada a lojinha - ele disse: “Toma uma, compadre, que você melhora”, eu digo: “Rapaz, eu não bebo não”, ele disse: “Por isso que você vai melhorar de repente” (risos). Aí, ele estava com umas laranjas, ele mesmo fez meio copo... com laranja e tudo Aí eu tomei e ele foi embora. Quando deu lá para 11 horas, ele chegou e disse: “E aí compadre, melhorou?”, eu disse: “Iiihhh rapaz, melhorei cem por cento”. Mas melhorei mesmo, né? Não bebia P/1 - E o senhor tomou o quê? O que era? Era meio copo de laranja com o quê?
R - Cachaça Cachaça Cocal Cocal era a melhor cachaça naquele tempo... ainda é até hoje em dia, ela é fabricada lá no Pará mas não tem mais aqui. Não vem mais não. Não existe mais. P/1 - O senhor saiu do seringal com a sua mulher e pra onde você foi?
R - Vim pra cá. P/1 - E por que o senhor resolveu vir pra cá, Porto Velho?
R - Não, eu ia pra Manaus, pra minha terra. Só que quando eu cheguei aqui, nem tinha avião pra Manaus e nem tinha embarcação, só depois de 15 dias. Eu estava hospedado ali no hotel Vitório e tinha lá um senhor que tinha um seringal lá “pra banda” do Jaci. Aí ele me convidou: “Você não tá fazendo nada, você vai passar 15 dias aqui, vamos lá em Jaci pra você conhecer. Sabe lá se você não fica lá. Eu vou lhe dar um conselho: não vá pra Manaus que Manaus tá ruim” Aí eu fui com ele, aí eu falei: “Vamos embora”. Só era eu e a mulher mesmo Aí chegamos lá e tinha uma casa, e o dono da casa era um senhor chamado Furtado... e ele alugava essa casa na parte da frente, assim, pra butar o comércio dele. Chegamos lá, fazia quatro dias que o Furtado tinha morrido, o velho. Daí tinha o filho e eu fiquei lá, eu dormi aqui. No outro dia de manhã cedo, o filho chegou lá e disse: “O senhor quer...” P/1 - Faz só uma pausinha. P/1 - Senhor Zizi, desculpe agora o intervalo mas vamos lá Então, o senhor estava me contando que foi pra Jaci e que o senhor Furtado tinha morrido.
R - É. P/1 - E aí, o que aconteceu?
R - Aconteceu que a casa que esse seringalista, né - que se tornou meu amigo - me levou pra lá, ele tinha uma parte alugada lá, né? E ele não sabia também que o velho Furtado tinha morrido. Quando chegamos lá, no outro dia o filho do velho Furtado veio me oferecer a casa: “Ah, você veio pra ficar aqui e tal... você quer comprar minha casa? Meu pai faleceu e eu não quero ficar nessa casa de jeito nenhum.” Eu disse: “Não rapaz, isso aqui não é do Pedro Alana? O “seu” Pedro, ele não é o preferente?”, ele disse: “Não, mas ele não tem o dinheiro... e se você não quiser comprar eu vou vender para o Zé Félix porque ele tem dinheiro e ele compra”, eu disse: “Então deixa eu falar com ele.” Daí fui e falei com Pedro Alana, contei a história... aí eu disse: “Mas eu não quero lhe atrapalhar não, eu não quero comprar o que é seu não.”, ele disse: “Não, não, é o contrário: ele trouxe foi pra você comprar, isso foi Deus quem mandou” (risos). Ele era crente, ele era da Batista: “Pode comprar”. Daí eu fui e comprei... fiquei lá... eu disse: “Se eu comprar, tem um quarto lá pra você, a sua esposa, para os seus familiares; não pra seringueiros. Pra seringueiros não Nem pense Quando a sua mercadoria chegar eu posso ser o encarregado aqui de mandar lá pro seu seringal; tudo o que for bom pra você, eu faço” Aí entramos num acordo e ele ficou sempre com uma casa, um apartamento lá, porque a casa tinha bem uns cinco quartos, era grande... e tinha um salão bem grande, assim, do tamanho dessa área “aí”. Daí fiquei lá. Quando tava completando três anos, apareceu lá um senhor chamado Biu Roque que era... foi tomar conta de um seringal lá, seringal da empresa... e falou com a minha vizinha, dona Alzira: “Dona Alzira, a senhora quer vender essa sua casa?”, ela disse: “Não, eu não vendo que essa casa não é minha”. Eu disse: “Eu vendo a minha”, “Você vende a sua?, “Eu vendo”, “Quanto?”, eu disse: “Você me dá 350 mil.”, ele disse: “Dou 300 mil.”, eu disse: “É sua.” (risos). “Quando é que você vai me pagar?”, ele disse: “Amanhã eu desço pra Porto Velho, pego o dinheiro e depois de amanhã eu estou aqui”. Eu disse: “Vou descer junto com você (risos), que eu vou precisar de ir lá em Porto Velho pra comprar uma lá.” Ele disse: “Tá”. Aí desci com ele. E fui lá com o cara e perguntei: “Você quer vender isso aqui?”, ele disse: “Vendo”, “Quanto?”, “450 mil.” - naquele tempo era cruzeiros. Aí eu disse: “É muito caro e tal...”, aí ele disse: “Não, eu só vendo se for por isso”, eu disse: “É minha Vou lá em Jaciva receber o dinheiro da casa lá que eu vendi e daqui a três dias eu tô aqui. Você espera?”, ele disse: “Espero”, “Então, não venda mais pra ninguém”, “Tá bom Minha palavra é um tiro”, “Então tá bom”. Eu disse: “Essa mercadoria que você tem aqui, pode vender pro senhor, pode doar, pode tirar todinha... que eu não quero nadinha daqui”. P/1 - E essa casa onde que era?
R - Era bem aí P/1 - Aqui no mercado?
R - Era aqui no mercado. P/1 - Ah, o senhor tinha uma casa no mercado?
R - Não, eu tinha uns pontos. A casa que eu ia vender era lá em Jaci. E aqui no mercado era um ponto comercial que o cara tinha. P/1 - Ah, o senhor comprou um ponto comercial aqui no mercado?
R - Isso. Aí fui lá, entreguei a casa pro cara, ele me pagou, eu vim aqui, paguei o cara e recebi o ponto. Mas eu tinha muita mercadoria de lá, eu trouxe um bocado e vendi outro bocado lá. Só de vinho de mesa, vinho tinto, Luis Antunes - essa fábrica é a (?) no Brasil - eu tinha 120 caixas. P/1 - 120 caixas
R - Esse conhaque Imperial, que era o conhaque daquela época, eu tinha 150 caixas. Açúcar, eu tinha mais de 100 sacos. Era um armazém que eu tinha bem... P/1 - Vamos voltar pra Jaci um pouco, senhor Zizi, porque eu preciso entender. Quando o senhor comprou a casa, como que era Jaci? Tinha comércio? Não tinha?
R - Tinha, mas tudo uns comércios fracos. O comércio mais forte era do (Zé Feri?), lááá atrás, numa rua que vai lá pra beira do rio. E o resto era tudo comércio fraquinho. P/1 - A cidade era pequena...
R - Quase não tinha cidade não Era só ali, um vilarejo. Era pequenininha. Só que tinha os muitos seringais lá pra Jaci... e vinham os seringueiros, vinham as borrachas, vinha tudo pra lá. Então fazia aquele movimento. Quando desciam os seringueiros, eles vinham comprando tudo. (risos) P/1 - E aí o senhor construiu esse comércio lá?
R - É. Aí eu comprei a casa e construí esse comércio. De lá eu vim pra cá. Aqui eu apurava menos do que lá. P/1 - Lá você apurava mais?
R - É, ganhava mais dinheiro. P/1 - Agora me fale: o que o senhor vendia lá?
R - Tudo P/1 - De tudo um pouco...
R - A única coisa que eu deixei de vender lá foi o tal do botão, agulha (risos)... aquele ziguezaguezinho pra enfeitar perna de calça de criança, aqueles negócios, saia de mulher... aquilo eu deixei de vender, né? P/1 - Por quê?
R - Era muito trabalho e toma muito o tempo. Eu não tinha mais tempo para aquilo não. P/1 - E tem alguma história boa de comércio, balcão de comércio lá? Alguma história que aconteceu?
R - Não... a freguesia que era boa, a gente vendia bastante e ganhava bastante dinheiro. P/1 - E o senhor vendia tanto para os seringueiros quanto para os donos dos seringais?
R - Vendia pra todo mundo que fosse lá comprar. P/1 - E onde ficava o seu comércio lá?
R - Bem em frente à estação P/1 - A estação de trem lá?
R - É, a estação de trem. Ainda tem o resto dela lá, assim, tudo quebrado, tudo esculhambado... P/1 - E o trem funcionava naquela época ainda?
R - Funcionava Ah, se não fosse o trem eu não ficava lá. Antes do trem acabar, eu vim embora. (risos) P/1 - Mas o senhor sabia que ia acabar o trem ou o senhor deu sorte?
R - Não, não sabia nunca que ia acabar o trem. É que eu tava recém-casado, tive uma filhinha e lá tinha muito pinhú. P/1 - O que é pinhú?
R - Pinhú é um mosquito que ferroa muito Aquilo lá deixa o cara doidinho. Por onde tu andou não tinha pinhú, não? Estou vendo você todo limpinho. (risos) P/1 - (risos) Senhor Jaci, então me conta uma coisa: sua filha nasceu lá em Jaci, então?
R - Foi, a mais velha. Ela morreu novinha, com 25 anos. P/1 - Nasceu com parteira lá ou foi no hospital? Como que foi?
R - Não, ela nasceu aqui. P/1 - Ah, ela nasceu aqui em Porto Velho?
R - Eu trouxe de trem; ali onde é a prefeitura, na beira do rio, ali era a maternidade. Aí, indo pra maternidade passei ali e já levei o médico doutor Lourenço, que era parteiro. Aí ele foi lá e fez o parto. P/1 - E a vida lá em Jaci? Como era? Era muito violento, era boa? O que tinha lá?
R - Era boa. Jogava bola lá (risos). Joguei bola em Jaci e foi muito E tinha um cardume de Pacu na beira do rio lá (risos); você conhece peixe pacu? P/1 - Opa Sim.
R - Bastava ir 11 horas: “Vamos pegar almoço ali”. Levava ou carniça ou a linhada, né? Era bom a linhada porque jogava mais fora e pegava o peixe mais graúdo. Com a carniça era mais o miúdo. Rapaz, era só eu e a mulher. Pra mim, um pacu grande era o meu almoço. Pra mulher eu pegava mais dois, três, que ela come mais do que eu (risos) De repente pegava ali 10, 15 pacus, a gente escolhia uns depois e os outros a gente dava para aqueles garotos que estavam lá. “Ah, me dê um pacu?”, “Tá aí, leva esse resto pra vocês” E a gente levava só uns quatro pacus pra gente almoçar. Era todo dia, a gente almoçava pacu (risos) A despesa “ó” Zero (risos) P/1 - E o senhor gostava de trabalhar no comércio lá?
R - Ah, eu toda vida gostei de comércio. Toda vida Lá eu jogava também dominó, bozó, bilhar, tudo eu jogava Aí, um dia, tinha chegado o trem e eu tava jogando dominó... e cheio de gente e tava só a minha mulher no balcão. Aí o cara disse: “Você não é o dono daqui?”, eu disse: “Sou”, “Mas rapaz, como você deixa de ganhar dinheiro, trabalhar... deixa a sua mulher sozinha aqui e você jogando dominó? Faça isso não”, eu disse: “Muito obrigado pelo conselho, tá?” Levantei, nunca mais joguei (risos) Ele tava certo e eu tava errado. (risos) P/1 - Nunca mais jogou dominó, senhor Zizi?
R - Nunca mais Quando eu vinha-me embora, eles me cercaram lá, bem uns dez... pra gente jogar a despedida e tal. Eu disse: “Não, eu não vou jogar mais isso não rapaz Já deixei de jogar a quanto tempo”, eles disseram: “Não, mas é a despedida. Vamos jogar”. Aí eu joguei e ganhei 55 reais. Aí eu paguei tudinho de cachaça, fui lá no dono do boteco, da loja, e disse: “Aqui “ó”, 55 reais você dá de bebida aí pra esse pessoal Todo esse dinheiro”. Aí ele disse: “Mas você não vai levar nem um tostão desse dinheiro?”, porque era dinheiro pra _____ Eu disse: “Não, isso aqui é deles” (risos) Daí nunca mais joguei P/1 - E a sua mulher trabalhava no comércio também? Mais que o senhor? (risos)
R - Trabalhava Ela ficava mais do que eu porque eu tinha um ponto de lenha, um contrato de lenha com a estrada de ferro e, às vezes, eu saía pra ir cambitar também, né? Cambitar é botar para o lugar certo. Bota no burro e traz. E lá tinha uma abelha que não era mole Aquela abelha que corta o cabelo da gente todinho. Sobrancelha, pestana... tudo vai para o beleleu (risos) A gente conta isso, o cara pensa que é mentira (risos) É uma abelha que ela tem um mel assim, que ela gruda, ela agarra e quando você arranca ela, assim, ela já vem com um monte de cabelo. Ela corta na maior facilidade... e tem demais P/1 - E o que mais, senhor Zizi? O senhor falou que tinha um acordo com a ferrovia então, de vender lenha?
R - Tinha, com a estrada de ferro. Eu vendia muita lenha... eu era bem quisto com os maquinistas do trem porque eu dava vinho pra eles - eles gostavam muito de vinho, sangria, né - vinho tinto com canela e açúcar. Dái eu já butava os copos “assim” pra eles, garrafa de vinho, canela, açúcar... daí eles tomavam duas, três garrafas e eu não cobrava. Mas também levavam a minha lenha, podia ser até... algodão (risos) Não tinha esse negócio de pau ruim não P/1 - Levava toda a lenha
R - Levava tudo Foi um tempo bom. Aí eu dei esse contrato para o meu sogro, ele não foi pra frente não. Não entrou na “combinata” dos caras... (risos) P/1 - Não deu vinho de graça pra eles?
R - Não deu vinho de graça pra eles P/1 - Senhor Zizi, quem trabalhava na ferrovia naquela época? Quem eram as pessoas?
R - Ah, eu não lembro mais... P/1 - Mas eram pessoas aqui de Porto Velho?
R - Eram. Todos eram maquinistas, todos eram da família Johnson... eram os barbadianos. Todos eram gente boa. E tinha os condutores que eram o senhor Clóvis... uma porção deles que eu conhecia, o Periquito... e todos eles eram gente boa... P/1 - O senhor comprava mercadoria que chegava por trem para o senhor ou não?
R - Não, eu vinha aqui, comprava mercadoria, embarcava no trem e recebia lá. P/1 - Ah, o senhor comprava em Porto Velho, embarcava no trem e...
R - Isso. No trem não ia mercadoria pra venda não. P/1 - O como era a viagem de trem naquela época?
R - Era meio dia daqui até Jaci, 90 quilômetros (risos) Andava mais 90 e dormia lá no Abunã. P/1 - Senhor Zizi, aí o senhor veio para Porto Velho e como era Porto Velho naquela época?
R - Olha “aqui” Tu tá vendo essa foto “ali”? P/1 - Tô vendo.
R - Ali era a beira do rio... onde tá agora o mercado, ali do Cai n’água, onde estão aqueles galpões... tudo era ali Daí você tira a diferença. (risos) P/1 - Mas para o senhor, pessoalmente, o que mudou mais aqui em Porto Velho?
R - A coisa que mais mudou ultimamente... porque a cidade cresceu, né? Baixa. Então o que mais mudou ultimamente foram os prédios grandes. Dez, 12, 15, 22 andares, tem prédio até de 23 andares aí E tem muito agora. Daqui a dez anos, aqui estará tipo São Paulo. P/1 - Cheio de prédios...
R - Cheio de prédios Já tem demais... isso começou faz uns sete, oito anos. P/1 - Por conta de quê?
R - Ãn? P/1 - O que trouxe tanto prédio pra cá?
R - Ah, foi o crescimento da cidade, né? Aqui é uma cidade que agora tem comércio com Manaus, mas só por água. Mas teve essa rodovia aqui, muitos anos aberta pra ter comércio terrestre, rodoviário. E agora estão fazendo de novo, né? Vai ficar boa porque estão enlarguecendo, estão fazendo coisas boas, tirando as curvas, tirando tudo... então, vai ficar muito boa. Mas aqui é o entroncamento do comércio, né? Aqui, Cuiabá, Acre, o Brasil ligado aqui, né? E aqui, Acre, Manaus... que vai por via fluvial, mas vai De Manaus já passa pra Belém... então aqui nós estamos num ponto estratégico. Vai ser uma cidade muito grande E as cidades do interior aqui cresceram demais Você vê: toda cidade do interior aqui pra dentro, no rumo de Cuiabá, todas são grandes e bonitas. Todas bonitas Eu conheci todas pequenininhas Até outro dia, eu estava falando... lá no Tapuã do Oeste, cheguei uma vez lá, eu, minha mulher e meus garotos, nós tínhamos levado duas galinhas assadas... e fomos passear por aí. Eu levei uns conhaques, uns refrigerantes... comemos em cima de uma mesa de sinuca lá de um boteco. Aí “demos de comer” a mulher, ela comeu, os filhos comeram, aquele pessoal que chegou, bebemos e tudo Daí, viemos embora... (risos) Não tinha nada... difícil demais Uma vez eu fui a Ji-Paraná, em 73. Eu comprei um carro zerado, quase que o pára-choque cai na viagem (risos). Fui lá pra Ji-Paraná, cheguei lá já de tarde. Dormi lá no hotel e não tinha quem dormisse com carapanã, muriçoca. Quando deu cinco horas da manhã, eu disse: “Vamos embora?”, “Bora”. Passamos no mercado, tomamos café, seis horas viemos embora. Ninguém viu foi nada lá Eu vi só coisa velha Eu disse: “Rapaz, eu vim lá de Porto Velho pra ficar aqui num troço desse? Venho nada” (risos). Aí pronto, acabou o fogo Eu estava atrás de ver se tinha algum negócio bom por lá... P/1 - Senhor Zizi, me conta agora um pouquinho: o senhor comprou o ponto aqui no mercado na época, e o que tinha aqui no mercado? O que se vendia aqui nesse mercado?
R - Aqui era o mercado municipal, vendia tudo Tudo que vende no mercado de qualquer canto do Brasil. P/1 - E como era o seu ponto? Era movimentado? Vendia o quê? O que mais vendia?
R - Ah, eu vendia tudo Teve um tempo que eu butei mercearia, aí eu vendia bastante. Mas aí foi o tempo que pegou fogo, aí... perdi minha freguesia. Daí mudei pra lanchonete. Bar e lanchonete. P/1 - Depois de quantos anos pegou fogo aqui?
R - Depois de quatro anos que eu cheguei e comprei. P/1 - E como aconteceu esse incêndio? O que aconteceu?
R - Foi um incêndio criminoso. O cara tocou fogo “desse lado ali”. Aquele prédio que tá “ali” do lado, aquilo tudinho era o mercado, até lá na outra rua. Era uma quadra inteira o mercado, muito bonito Está “ali”, olha “ali” Aquele é o mercado Cada duas portas daquela era um ponto. É um ponto de quatro e meio por cinco de fundo. P/1 - O seu ponto pegou fogo também, senhor Zizi?
R - Não, aqui não pegou fogo não. Mas depois veio um grandalhão, dono do prédio aí... e ficou comprando dos vizinhos; todo mundo aqui tinha raiva de mim mesmo, porque eu acho que eu era o que tinha a melhor situação... até hoje em dia tem muita gente aqui que não gosta de mim, aqui do outro lado da rua P/1 - (risos) E o senhor vendeu a sua parte?
R - Não. “Aí” era um cara de maus negócios. Hoje de manhã, quando aquela senhora estava me fotografando, ele passou “bem ali”... todo “empaletozado”, fininho, parece um presépio, com uma bengala na mão (risos). Ele disse pra minha filha: “Ah, mas ele vai morrer porque tá velho e eu compro Eu tomo”, a minha filha disse: “Você está enganado porque o meu pai não é velho. Meu pai tem o cabelo branco mas ele é novo, é forte” Se tivesse perto um do outro assim, eu der um porrada, ele cai todinho (risos) P/1 - E aí, na época, como foi? Ficou só o senhor aqui?
R - Só eu. Não Ficou uma senhora no canto... porque derrubaram a metade e ela ficou ali num canto e ficou comigo. Mas depois o comércio dela arruinou muito, aí ela pegou e vendeu para um cara que se chamava Caldo de Cana, José. Daí ele ficou lá. Ele que era pra ser o dono disso aqui. Mas é mau vizinho, é ganancioso e por causa da esperteza dele, ele perdeu isso aí. Aí ficou falando que ia quebrar, que não sei o quê, que ia fazer do jeito dele... aí o pessoal... eu nunca falei muito mal dele não, o pessoal vinha e dizia: “E aí Zizi, não é bom entregar pra ele?”, e eu: “Ih rapaz, eu não quero dar é palpite de nada Vocês estudem e faz o que vocês quiserem” P/1 - Aí, então, o senhor recebeu uma outra parte? Como que foi? Reconstruíram o mercado aqui?
R - Construíram esse aqui. P/1 - Esse aqui. Mas quem reconstruiu na época? A prefeitura?
R - Isso aqui é novo, faz um ano que eu tô aqui P/1 - Até pouco tempo o senhor ainda estava lá no seu pedacinho?
R - Não, eu parei um ano e tanto de trabalhar. P/1 - Então o senhor tinha o ponto mas já não estava mais trabalhando nele?
R - Não, derrubaram tudo (tosse) Daí, como o prefeito tinha compromisso comigo, entregou o meu (tosse) e esse resto aí, ficou tudo parado. (tosse) P/1 - Senhor Zizi, o senhor tava me contando então que o senhor recebeu esse ponto no lugar do antigo, é isso? Derrubaram tudo...
R - É. P/1 - E o senhor tinha um acordo com o prefeito. Que acordo era esse?
R - Era um acordo de confiança, né? Porque eu não pedi nenhum documento e nem ele me deu. Só de palavra Mas ele cumpriu. P/1 - E o acordo era de que quando reconstruísse...
R - Me dar um ponto. Aí eu já escolhi o ponto quando ainda estava construindo... eu escolhi o meu lado, o que eu queria. Então, esse lado aqui ia ficar pro rapaz. Mas ele... não teve sorte. Agora é uma senhora que vai ficar aí. P/1 - Agora, senhor Zizi, me explica uma coisa: porque o senhor ficou trabalhando no seu ponto no mercado, durante quatro anos, certo? E depois que pegou fogo, o senhor foi fazer o que?
R - Eu entrei na justiça porque eles não queriam mais que eu voltasse. Entrei na justiça e voltei. P/1 - Ah, aí o senhor conseguiu voltar?
R - (tosse) Essa área aqui, o prefeito deu uma carta de aforamento desse grupo Torino. E ele veio comprando dos outros aí, e veio derrubando. Quando chegou no meu, nós não nos entendemos e eu não vendi. Eu tinha entrado na justiça, (tosse) numa ação popular, pra ser devolvido o que o prefeito tinha dado... ser devolvido pro município de novo. Aí ganhei, foi 25 anos de questão. Ganhamos e esse prefeito que está agora, ele falou comigo se podia fazer um mercado, esse mercado cultural, aí. “Pode, eu queria era isso mesmo”. Aí entramos num acordo. P/1 - E o senhor sempre teve uma outra venda, além daqui? Como é que o senhor viveu?
R - Agora eu faço a venda, vivo folgado Eu fiz um Montepio P/1 - Fez o quê?
R - Fiz um Montepio (risos) P/1 - O que é isso?
R - (risos) Não sabe o que é Montepio, não? P/1 - Não sei. Me conte
R - É o cara que tem de onde ganhar um dinheiro É tipo aposentadoria. P/1 - Tipo aposentadoria...
R - É, eu tenho uns prediozinhos aí, alugados. P/1 - Ah, está certo.
R - Então, nesse intervalo, a minha filha tem um terreno “ali em cima”, e tinha um pé de árvore que o meu filho plantou, aquele Benjamim... Benjamim não sei o que lá Cresceu e tomou conta do terreno todo Aí eu fui lá e mandei derrubar, já estava quebrando. Tinha uma casinha lá do lado, quebrou todinha por baixo. Estava quebrando as do vizinho... aí eu mandei derrubar. Aí ficou um terreno boniiito, graaande O terreno lá é de 20 metros e 70, por 30. Aí ficou um terrenão bonito. Aí chegou um cara da Claro e perguntou se eu alugava um pedaço pra eles fazerem uma torre... aí fomos negociar, né? Eu aluguei pra ele dez metros por 15, hum mil e quinhentos reais, por mês. Eu arrumei a barraquinha lá direitinho e aluguei por mais quinhentos - são dois mil reais Minha filha não recebia nada lá (risos)... recebe dois mil E ela mora comigo, né, ela é doente. E nisso eu fui entendendo, fui fazendo uma coisa, fui cuidando dos meus outros negócios com mais capricho e passei a não sentir falta nenhuma disso aqui. P/1 - E naquela época que o senhor tinha o ponto aqui, Porto Velho já tinha carro, era asfaltado? Como era Porto Velho?
R - Tinha. Não era asfaltado não. Fizeram um asfalto aqui nessa ladeira, se você 11 horas, fosse pisar com esse seu chinelo, ah coitado (risos) Você ia sair lá do outro lado todo queimado porque o chinelo ficava e você tinha que ir pulando (risos) Que o asfalto grudava. Solado de sapado assim, que não estava bem amarrado, bem grudado (risos)... era pisar e ficar lá dentro (risos) O cara foi aprender a fazer asfalto lá no Rio, em São Paulo, um negócio assim... mas não aprendeu Ele fazia um asfalto que grudava mais do que não sei o quê. Vixi Ficava solado de sapato, chinelo, o cara não sabia pisar lá... dava meio-dia, o bicho estava brilhando assim, tava mais mole mesmo que um mingau (risos) Aquele grude de pegar passarinho. Agora não, mas naquele tempo não tinha asfalto não. Aqui era paralelepípedo, era pedra, nesse centrão todinho O resto era poeira mesmo, era cascalho. P/1 - Senhor Zizi, me conta um pouco da sua vida em família. O senhor teve mais filhos depois da primeira mais velha?
R - É, eu tive minha família de sete filhos. Oito, mas morreu uma... ficaram sete. Depois morreu outro, ficaram seis. Ficou essa menina que morreu. Aí ficaram seis filhos... seis ou sete, eu nem sei certo P/1 - E onde vocês viviam, senhor Zizi? Tem uma casa aqui em Porto Velho? É a mesma casa?
R - Minha casa eu fiz bem umas três vezes, tipo, João de Barro (risos). Comprei uma casa ali que as tábuas eram da largura dessa mesa, assim Eram quatro dedos de uma tábua para outra, assim, a brecha. Mas eu precisava comprar uma tapera. Depois eu fui demolindo, fui fazendo, fiz uma casa de madeira bem feita, toda forrada, toda telada, toda bonita. Depois eu fiz uma casa de alvenaria e quem mora lá é até a minha filha. É boa a casa, bem arrumada, bem estruturada. Depois fiz um prédio na frente, que eu alugo embaixo e em cima. P/1 - Fez um prédio, senhor Zizi?
R - É. Depois tem ali onde eu moro, aqui na Carlos Gomes... que eu tenho umas seis salas comerciais e eu moro em cima, no sobrado. Tenho lá no Caladinho, um prédio de 560 metros quadrados de alvenaria, embaixo e em cima. P/1 - E Porto Velho já era grande? Já tinha tantos bairros assim?
R - Tinha. Mas isso aí eu já fiz foi naquela época. Isso eu fiz há uns 20, 25 anos atrás, quando eu comecei a ganhar dinheiro. Em 72, foi quando eu ganhei dinheiro. E aí eu comecei a fazer as coisas. P/1 - O senhor começou a construir muita coisa. O senhor ganhou dinheiro com o comércio mesmo?
R - Não, eu ganhei um bocado de dinheiro no garimpo, mas no comércio. Não foi cavando terra não. P/1 - Como foi isso? Conta pra mim. O senhor foi vender no garimpo, lá no madeirão, foi onde?
R - Não, no madeirão em quis entrar, mas não deu certo pra mim, eu saí (risos). Foi no garimpo de cassiterita, em Igarapé Preto. Lá eu ganhei muito dinheiro. Eu trabalhei sete meses e ganhei cento e tanto mil reais Daí eu não deixei o meu dinheiro fracassar, eu empurrei pra frente e tirei. P/1 - Mas como que foi isso? O senhor ficou sabendo que tinha esse garimpo lá e...
R - Foi, fiquei sabendo. Tinha um irmão meu que trabalhava no garimpo - também não era garimpeiro, era comerciante. Aí ele me convidou pra eu ir pra lá com ele, pra gente butar uma farmácia. Ele disse: “O quê que tu tens?”, eu disse: “Eu tenho uns dois mil reais e tem esse carro, que eu vou vender. Vou vender esse carro agora, quer ver?” (risos). Tava passando um cara assim, eu disse: “Estou vendendo o meu carro, estou vendendo o meu carro”, ele parou e disse: “Quanto?”, “5.500,00”, olhou o carro e disse: “E cinco, vai?”, eu disse: “Vai, pode levar”. Foi, apanhou o dinheiro, veio, me pagou e pediu pra eu embarcar numa embarcação que ele ia levar pra Manaus. Aí, já arrumei ali “cinco paus”. Aí meu filho, fui pra esse tal de garimpo, cheguei lá com ele, andamos só que não sei o quê de pé, um piloto sem vergonha que não quis pousar lá no outro campo, pousou lá longe Eu sei que eu cheguei lá, olhei e tal, eu fiquei meio assim... só o meu irmão que tava animado, que tava danado; ele disse: “Aqui nós vamos ganhar dinheiro”. Aí, eu disse pra ele: “Mas vem cá, eu nunca trabalhei em farmácia não. Se for pra eu trabalhar em farmácia aqui, eu vou-me embora Não quero não Vou voltar agorinha mesmo Mas agora, se for pra gente butar esse tipo de comércio, de secos e molhados, (?), aí eu fico pra trabalhar contigo... de sócio, né?”, ele disse: “Não, vamos ficar que nós vamos ganhar dinheiro.”. Aí ele disse: “Eu vou pra Porto Velho e você passa o dinheiro pra mim”. Aí eu peguei o cheque, passei sete mil reais pra ele. Aí ele mandou a mercadoria, fizemos um rabinho de jacu assim (risos). Rabo de jacu é butar umas palhas assim... se chama tapiri, né, rabo de jacu... é uma casinha improvisada, não é casa pra morar não... só pra não chover dentro. Daí, ficamos negociando, ficamos donos do lugar. Fizemos padaria, fizemos restaurante, fizemos casa de cassino, de jogo... P/1 - Casa de cassino?
R - É. Cassino é um jogo P/1 - O que tinha nesse cassino?
R - Jogo Jogo de baralho, de dinheiro. Quando é jogo de baralho, se chama cassino (risos). Aí nós ganhamos muito dinheiro Tinha dia de pousar cinco aviões pra nós. Cada avião carrega 600 quilos, três toneladas. Todo dia, todo dia, todo dia, recebia três toneladas de comida. Comida não, era carga, né? Lá a gente vendia burro, jipe, vendia... tudo o que você quisesse A gente levava. O jipe a gente mandava cortar no meio, furava, levava ferramenta pra chegar lá e emendar, já levava o mecânico... tudinho. P/1 - E tinha gente pra tudo isso?
R - Tinha Vixi Lá... P/1 - Era muita gente no garimpo?
R - Quinze mil pessoas ou mais. P/1 - Quinze mil pessoas na cassiterita?
R - É, só nesse local. P/1 - Mas o garimpo não era um lugar muito violento? Como que era?
R - Não, enquanto a polícia não chegou lá, era uma beleza Nós mesmos vendíamos um saco “desse tamanho” de bala, todos os dias, para os caras atirarem no alvo. Caras que tinham dois, três revolveres... chegavam lá e... nunca mataram ninguém, nunca atiraram em ninguém, nunca teve desavença... porque um respeita o outro, né? Sabe que se ele atirar aqui, o colega dele de lá atira e vira uma baderna. P/1 - Aí a venda você trocava por cassiterita ou eles te pagavam em dinheiro?
R - Não, só em dinheiro. Lá não comprava cassiterita. Só algumas vezes que o cara queria fazer um rancho e tal e o cara que comprava cassiterita tinha fechado lá... daí eu fazia um jaconé com ele mas eu não tinha lucro nessa cassiterita não. O preço que eu pegava, eu entregava lá pro outro. Só tinha lucro na mercadoria. P/1 - Seis meses só que o senhor ficou lá?
R - Sete meses. P/1 - Sete meses. E construiu tudo o que o senhor falou, já...
R - É. P/1 - E aí o senhor foi embora de lá por quê?
R - Ah, porque eu e meu irmão apartamos a sociedade. Nós desunimos (risos). Aí, tinha lá um mineiro doido pra comprar fiado, eu não vendia e ele vendia. E quando nós saímos de lá, nós tínhamos um gerente, um paulista - rapazinho branquinho, bem arrumado, direeeito que só ele - nós brigamos na boca da noite e de manhã eu vim embora. Nós tínhamos dinheiro, né? Aí, no outro dia ele ia pra São Paulo pra comprar um avião. Um aviãozinho pra fazer frete pra nós. Frete não, pra levar nossa mercadoria. Ajudar a levar, né, porque só um não dava pra levar, né? Aquilo era só dor de cabeça mesmo (risos). Aí, nos desunimos, na boca da noite eu fiz um balanço... enquanto ele foi tomar banho, eu balanceei. Tudo era de monte, aí só era contando, multiplicando... daí à noite eu fui, somei tudinho, direitinho, fiz um cálculo, né Cálculo matemático Aí, de manhã... sentamos, levantamos, sentamos e eu disse: “Senta aí Você quer terminar a sociedade?”, ele disse: “Quero”, eu disse: “Pois é, então agora é a nossa vez: ou você fica ou eu fico. Da minha parte da mercadoria, eu quero x. Saio daqui... se tu não quiser pagar, eu te pago e tu também sai daqui.” (risos) Daí ele acabou ficando com a minha parte, né? Eu diminuí e tal e disse: “Agora pegue o cheque aí”, que o dinheiro estava no nome dele aqui (risos) Que quando eu saía, trazia o cheque, daí passava o dinheiro pra ele no banco. Nós não tínhamos conta conjunta não. P/1 - Era tudo no nome dele?
R - Era. Aí, quando ia pra lá, tinha dinheiro no banco, a gente passava pro outro que vinha. Era quinze dias de um e quinze dias do outro. Aí ele disse: “Pode pegar o cheque aí e me dá o meu”. Aí a gente via quanto tinha no banco e tudo... “No banco nós temos tanto. Tanto é meu e tanto é seu. Agora do seu, você me paga o meu...” (risos) P/1 - E aí sacou o cheque?
R - Aí ele ainda disse: “Não, mas eu vou ficar te devendo dez mil e daqui uma semana eu te dou.” P/1 - Senhor Zizi, só um minutinho que acabou a fita e a gente tem que trocar. Só um segundo. TROCA DE FITA P/1 - Senhor Zizi, o senhor estava falando do banco. Vocês vieram pro banco...
R - É. Daí, ele me deu um cheque e eu vim-me embora. Aí, de manhã, antes de eu vir, eu disse: “Olha, afinal de contas, nós somos irmãos Nós brigamos, eu vou-me embora e você vai ficar... mas, nosso sangue é um só. Porque não teve troca de sangue no ninho, não” (risos), “Mas eu vou lhe falar uma coisa: você não tira esse gerente daqui. Você não tenha ligação com esse mineiro aqui, que diz que eu sou ruim pra ele e tal, e você que é o bom. Porque se você butar esse mineiro, ele tem quatro filhos, todos mais fortes que você” - eles eram uns homões mesmo - “Ele tem três filhos, com ele é quatro. Se você for reclamar, eles vão dizer que vão te bater. E aí tu tem que fazer o quê? Ficar calado, ir embora ou matar. Então, isso não é futuro pra você. Você pode se livrar disso antes. Não faça negócio com esse mineiro”. E vim-me embora. Daí não fui mais lá. Aí o meu irmão veio, comprou um caminhão 1113, ficou trazendo mercadoria direto de São Paulo lá para o Garimpo ou pra cá e daqui mandava para o Garimpo e tudo... aí um dia eu perguntei para um cara: “E aí, como está o Santos lá?”, ele disse: “Rapaz, o Santos não está bem não... ele butou lá um cara que ele vai se ferrar com aquele cara” Aí o Santos veio de São Paulo e mandou 500 grades de cerveja pra lá. E o cara não mandou o dinheiro. Daí o Santos pegou um avião e foi lá. Chegou lá - o meu irmão era abusado, gostava de maltratar os outros - ele disse: “Rapaz, cadê o dinheiro da cerveja?”, ele disse: “Que cerveja?” (risos), “Cadê a cerveja?”, “A cerveja eu vendi”, “E cadê o dinheiro?”, “Num tem dinheiro não”. O cara já tava pronto pra guerra, né? “Mas você é um ladrão Se você vendeu a cerveja e não mandou o dinheiro pra mim, você é um ladrão”, “Se você me chamar de ladrão mais uma vez, eu vou buscar os meus filhos e vou lhe dar uma peia Vou lhe deixar... talvez até lhe mate”. Aí, o que ele fez? Se calou. E o cara deixou ele sem nada, faliu mesmo Perdeu tudo que tinha lá, ficou sem nada. Eu tinha dado um revólver zerado quando eu vim, eu disse: “Tome aqui esse revólver e fique com ele.” Nunca deu nenhum um tiro. Trinta e oito duplo, cano reforçado... (risos). Eu disse: “Isso aqui é teu”. Que de lá eu não trouxe nada, nada. Nem a roupa que eu levei pra lá, eu não trouxe. Trouxe só eu mesmo e a roupa que eu estava vestido (risos). O resto eu dei tudinho Aí ele mesmo um dia me contou, eu disse: “Cadê o revólver que eu te dei? Por que tu não matou esse cara, rapaz? Matava ele e esperava os filhos dele virem e matava tudinho”, “Ah não, eu não pensei nisso.”, eu disse: “Pois é E agora você tá numa pior, né?”, ele disse: “É...”. Aí passou uns três, quatro meses, um dia eu tive pena dele, ele estava aqui pela cidade, a mulher tinha deixado ele, ele tava meio arruinado. Eu disse: “Vem cá, tu não tem umas terras aqui pro lado do Maitai, que tu grilou com um cara? Não tem quem compre?”, ele disse: “O cara me dá 50 mil na minha parte”, “Vai lá, vai lá... ligeiro Fecha negócio”, “Mas ele não tem dinheiro, quer pagar em mercadoria.”, “Pega a mercadoria, pega tudo, pô E vai pro garimpo de novo. Eu vou te dar dez mil e você volta pro garimpo. E vou lhe dar cinco mil pra você pagar o frete. E esses dez mil você compra de ovos e outras coisas que você vê que vende no garimpo.”. Foi feito rapaz, eu disse: “Vai agora lá”. O cara foi lá e o outro disse: “Eu dou 50 mil, mas dou tudo em mercadoria”, ele disse: “Não, me dê cinco em dinheiro pra eu pagar o frete.”, ele disse: “Feito”. Daí fechou a... arrumou tudo e no outro dia já foi embora. Com três meses ele passou aqui com dois quilos de ouro, dentro da cesta... e foi pra São Paulo... fazer mercado de compra, vender ouro e fazer compra. P/1 - Ah, daí o seu irmão foi para o garimpo do ouro?
R - É, foi para o garimpo de ouro, lá para o lado do Pará. Eu sei rapaz que, com um ano, mais ou menos, ele estava de bem de vida de novo, tava rico. Daí deu uma hepatite nele e ele morreu. Tava um filho dele lá, que eu pedi pra ele levar - eu disse: “Leva esse teu filho contigo, que é pra tu não ficar só na tua vida.”. Daí ele levou. E o filho lá que ficou numa boa. (risos) P/1 - Senhor Zizi, me diga uma coisa: a sua família ficou aqui durante os seis meses que o senhor foi pro garimpo, sempre moraram em Porto Velho. Daí quando o senhor voltou, o que o senhor passou a fazer da vida?
R - Eu? P/1 - É.
R - Não, eu tinha o meu comércio aqui. P/1 - Ah, o senhor ainda tinha o seu ponto aqui, sempre...
R - Eu deixei o meu cunhado tomando conta (risos). Daí quando eu vim, eu vim pra dentro do meu comércio. Daí eu surti, modifiquei, dei aquela limpeza, butei balcão novo... aí... a coisa ficou mansa do mesmo jeito. P/1 - Aí, nesse comércio aqui o senhor ficou muitos anos?
R - Estou há 48 anos aqui. P/1 - 48 anos E tem umas histórias boas? 48 anos aqui, o senhor viu muita coisa
R - Vixi (risos) É, coisa boa e coisa ruim, né? P/1 - O senhor já me contou da primeira vez que o senhor bebeu, me conta outra (risos)
R - (risos) E o pior é que daquela primeira vez que eu bebi, eu nunca mais parei de beber (risos) É Todo dia eu bebo Só se eu tiver doente... P/1 - Agora não adianta mais? Não ajuda mais pra curar?
R - Não Às vezes... (risos) eu ontem até tomei umas bebidas fortes... mas, eu não gosto de bebida forte mais Antes eu bebia uísque, bebia conhaque, cerveja... eu misturava era tudo Eu já bebi muito Mas nunca fiz atrapalhada não. Bebia, todo mundo me respeitava e eu respeitava todo mundo. Às vezes tinha aqueles pequenos atritos mas não por cachaça não... por desaforo P/1 - O que mais tem de história do comércio, história de balcão que o senhor passou?
R - História de balcão eu só tenho do tempo que eu trabalhei com o meu pai e a minha (risos) E até hoje eu trabalho no balcão aqui, ó P/1 - E o senhor gosta muito de trabalhar no comércio?
R - Eu gosto, agora já tô meio enjoado, assim. Já não estou parando muito pra ficar o dia todo. Aqui, à noite, eu paro em dia de eventos, dia de sexta-feira, que tem uma porção de gente mexendo no caixa, né? Aí eu paro observando e, às vezes trabalho bastante... eu vou até uma hora da manhã. Aí pego o apurado todinho e me mando, que às vezes eu nem conto Quando eu chego lá em casa, eu conto. Mas... eu gosto de trabalhar mas eu trabalho todo santo dia Fazer compra... hoje mesmo, eu cheguei aqui ia dar quase nove horas, fazendo compra pra trazer. Fazer compra de cerveja, às vezes. P/1 - O senhor tem até música, senhor Zizi? (risos)
R - (risos) E não é? Eu tenho muito sorte na minha vida, graças a Deus Eu sou um cara que vivo tranqüilo, folgado. Por isso que eu passei mais de dois anos sem trabalhar e todo mundo: “Mas rapaz, esse cara tá vivendo de quê?”. O Manelão sempre me contava: “Rapaz, tem cara que vem aqui só pra perguntar de que tu tá vivendo” (risos) Eu disse: “Deixa ele perguntar” P/1 - Senhor Zizi, eu estou quase terminando a entrevista... eu queria perguntar se o senhor tem algum sonho, algum plano para o futuro?
R - Não. O meu futuro é esse mesmo e daqui eu não quero mais nada, não. Não quero construir, não quero mais nada. P/1 - Vai continuar trabalhando nesse balcão aqui, agora?
R - Não, isso aqui eu tô... eu ainda não recebi a documentação mas na hora que eu receber a documentação, eu vou entregar para minha filha e isso aí vai ser dela, né? Lá do outro lado tem o artesanato, que já é da outra também... e aí eu vou ficar com a minha coroa por aí e tal e atééé... já estou com 78 anos Mais dez anos, oito anos, seis anos, quinze anos, sei lá quantos anos eu vou aturar Porque o cara passou dos 70, uma pequena infecção, o cara morre; uma dor no coração, morre; tá fraco... (risos) P/1 - Senhor Zizi, tem alguma coisa eu não perguntei que o senhor queira me contar?
R - Não. P/1 - Eu perguntei tudo?
R - É. P/1 - E como é poder lembrar da sua vida toda? Como é poder contar isso, senhor Zizi?
R - Ahhh... é difícil Eu esqueço Tu sabe que eu não sei o dia que eu saí de nenhum canto? Eu não lembro não. Eu não lembro do dia que eu saí de Manaus para o Acre, pra Bolívia, o dia que eu vim de lá, o dia que eu cheguei aqui... só se tiver um documento pra saber (risos) Mas eu num sei de nada. Até do meu casamento, eu pergunto pra minha mulher: “Quando que foi o nosso casamento?” (risos) Eu não sou desses que guarda dia não. Não guardo dia, não sei dia nenhum (risos) Agora, eu vivo uma vida tranquila, que eu não devo nada pra ninguém. P/1 - Está certo
R - E é a melhor coisa: é você ser direito e ter uma vida tranqüila... era ela a senhora que estava tirando a foto de manhã? P/1 - Era.
R - Nós estávamos naquela esquina, tirando foto, não passou um cara de paletó e uma bengala na mão? (risos) Aquele ali foi o meu inimigo número um, dessa briga aqui “ó” Ele chegou a dizer que ia me tomar isso aqui... naquela época ele era rico. Ele mandava aqui em juiz, mandava em tudo O cara tinha matado um cara ali, fazia poucos dias... todo mundo dizia: “Ê, tu tá brigando com esse cara, esse cara já matou uns”, eu disse: “Tu sabe quantos eu já matei,?” (risos) Eu amedrontava eles: “ no seringal, o cara ia embora” (risos). Eu nunca matei ninguém não, graças a Deus. Nunca (risos) Eu digo: “Se ele tá armado, eu tô armado” E eu só andava armado mesmo Aí a sorte é de quem atirar melhor, meu filho (risos) Quem é bom de gatilho P/1 - Senhor Zizi, então a gente vai encerrar aqui... eu queria agradecer sua atenção de ter recebido a gente aqui
R - Obrigado Eu também fico muito agradecido por tudo o que vocês fizeram e vão fazer... e que sejam muito felizes nos seus negócios (risos) P/1 - Está certo, senhor Zizi ObrigadoRecolher
Título: No balcão de Seu Zizi
Data: 28/06/2010
Local de produção: Brasil / Rondônia / Porto Velho
Personagem: Alcimar Francisco do Casal (Seu Zizi) Autor: Museu da PessoaO Museu da Pessoa está em constante melhoria de sua plataforma. Caso perceba algum erro nesta página, ou caso sinta falta de alguma informação nesta história, entre em contato conosco através do email atendimento@museudapessoa.org.
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