P - Eduardo, para começar eu gostaria que você falasse o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Eduardo Santos, eu nasci em 1971, 25 de abril de 1971.
P - Onde você nasceu?
R - São Paulo.
P - E o nome dos seus pais?
R - Meu pai chamava Lázaro Miguel dos Santos e Maria da Conceição dos Santos, o nome da minha mãe.
P - E o que eles faziam?
R - Meu pai era sapateiro de profissão, e a minha mãe era do lar, até o meu pai falecer. Após o meu pai falecer, virou funcionária pública, no Fórum João Mendes, trabalhava como copeira.
P - Você sabe alguma história da sua família, como eles vieram parar em São Paulo?
R - Segundo a minha avó dizia pra gente, quando a gente era criança, que quando eles vieram, antes de virem para São Paulo, eles viviam em Minas, em Belo Horizonte. Aí onde a minha avó pode conhecer o meu avô, um português, e se migraram para cá, para São Paulo, onde tiveram minha mãe, meus tios... foi crescendo a família e foi morar no Imirim, do Imirim à Casa Verde, e da Casa Verde a gente foi pra onde a gente está hoje, que é o fundo da Brasilândia, num Bairro chamado Jardim Vista Alegre, que é onde começa toda a história de sofrimento.
P - E você já nasceu lá no Jardim Vista Alegre.
R - É. Quando Vista Alegre iniciou em 63, o meu tio comprou, em 65, o lote, e começou em 66 construir a casa. Nessa época a gente ainda morava no Imirim. Após meu tio construir, mais ou menos em 70, no ano próximo ao eu nascer, minha mãe já estava de malas para ir para esse bairro, porque a minha avó teve um problema nas vistas, que ficou com glaucoma até causar a cegueira dela. E aí a minha mãe teve que ir trabalhar e morar junto com a minha avó, para poder cuidar dela e ajudar a assessorar a questão dessa nova etapa, porque ela não nasceu com essa deficiência, ela teve ao longo da sua vida. E a minha mãe, como mais velha, ela teve que fazer todos os deveres, tanto de mulher casada, como filha também. E aí foi em 1971, quando eu nasci.
P - E você tem irmãos, Netinho?
R - Tenho. Nós somos quatro irmãos, tem três de criação que é filho de uma irmã rebelde que a minha mãe teve, que faleceu também com problema de coração, a qual a minha mãe pegou a mais velha com três anos, o do meio com dois e amais nova com um ano e dois meses, e aí...
P - Como elas chamam?
R - A minha mãe?
P - As irmãs de criação.
R - De criação? Luciana, Ingrid e Gleidson. O Gleidson é o rapaz da história triste.
P - E aí, só são essas três de criação.
R - Só. Tem mais irmãos que são a mais velha a Meire Cristina, o Adilson Odair, e o Jônatas Pereira, e eu que sou o caçula, por parte da minha mãe.
P - Então vocês são mais três, além das de criação.
R - Mais quatro comigo.
P - Eduardo, conta pra gente as primeiras recordações que você tem lá do Vista Alegre, deste lote, que você contou quando começou.
R - Eu lembro que assim que eu comecei a me entender por gente, como criança, sem ter onde brincar, nossas primeiras brincadeiras era pegar frutas nas... que era a fazenda, tinha o nome de Fazenda do Jardim Vista Alegre, e o outro Bairro próximo que chamava Sítio. E a gente ia lá pegar frutas, sem autorização, coisa de moleque, nós temos as pernas toda marca de arrancar toco com a canela, que a gente corria dos cachorros, das espingardas de sal que o rapaz que trabalhava na fazenda fazia, e o bairro foi crescendo com aquela história folclórica do Lobisomem, do Saci Pererê, e a gente ficava até de madrugada para poder ver se via alguma coisa, mas mesmo com medo a gente enfrentava essas histórias todas. E era um tempo bom, porque a gente cresceu e eu me vejo hoje com alguma linhagem nesse sentido, porque desde quando a gente nasceu nesse bairro, e teve a desapropriação dos lotes, as invasões, a gente nunca foi autorizado pela minha mãe por invadir terreno ou área de ninguém. Então, muita gente hoje, lá, enriqueceu comprando lote irregular e a gente continua na vida modesta que a gente foi educado. E nessa trajetória toda, na parte da adolescência da gente, que a gente gostava de... a gente tinha muita coisa no bairro, no sentido de crescimento e desenvolvimento. As mulheres que lutavam pó desenvolvimento, na época, foram atrás da água, da luz, era um sofrimento, porque, tinha uma senhora chamada Dona Emília, que ela por si só ela tomou a iniciativa, foi em uma nascente lá, numa bica, e aí começou a brotar água, e dessa bica a gente começou a pegar água, os primeiros moradores do bairro, e era engraçado porque fazia fila, às vezes tinha briga lá porque a pessoa furava fila, mas teve um sofrimento, porque a gente também fazia a parte social, ajudando outras pessoas outras senhoras a carregar água para encher o latão, pra poder lavar, pra poder cozinhar, pra poder tomar banho. E eu lembro que, o primeiro chuveiro que eu vi, a gente tomava muito banho de canequinha, e eu lembro que o primeiro chuveiro que eu vi, assim, feito pelo um senhor lá, ele furou um latão de zinco e fez um acoplado, fez uns furos e ele jogava água quente dentro, e abria uma torneirinha lá, e saía aquela água quente. Aí, aquilo ali... e era difícil esse material, na época, era só quem tinha condições de poder ter. E na época a gente tinha muito, assim, questão de lampião, candeeiro, não tinha energia elétrica no bairro, nem nada, e aí a nossa infância foi através dessas brincadeiras, ficar na fogueira, ver São João, pegar balão, entrar na mata, essas coisas. E quando foi desenvolvendo o bairro, que aí eu acho que a gente começou a aprender o que era o direito da gente ter a cidadania, que a gente não esperava esses avanços na nossa periferia desordenados, por questões sociais e políticas, porque eu lembro que onde a minha mãe morava, o terreno dela era dez, dez a 15 de frente, por 35, e quando eu fui crescendo eu vi essas questões de mudança de geografia, de local, terreno, terreno de dez metros ficar 5 de frente e 25 de fundo. E hoje cada vez mais diminuindo. Então, dentro desse meu crescimento lá no bairro, teve coisas desorganizadas, a qual uma família que tem duas crianças morar num quarto e cozinha, e às vezes um cara solteiro morar numa casa de três, quatro cômodos. E assim foi crescendo esta questão da desigualdade social dentro do bairro, onde a gente teve o privilégio, que na época que a minha mãe criou esse movimento chamado Mulheres em Luta, elas correndo atrás do desenvolvimento, do saneamento, eu lembro que o meu tio, irmão do meu pai, ele era encarregado da Eletropaulo, da Telesp, na época, que fornecia energia na época, e ele contava o censo do bairro, pelos relógios que colocava nas casas. Como eu fui carimbado para poder ter essa herança de trabalho social, há dez anos, há dez, 15 anos atrás, mais ou menos, ele me deu todo o gráfico, que na época, nos anos 80, Vista Alegre, existia 1301 casas e 240 barracos, já com a desapropriação. Hoje, onde as pessoas vêem aquele parque gostoso, que todo mundo, é conhecido no mundo inteiro que é o Playcenter, ali onde tinha o Playcenter, nos anos 80, era uma favela, e aquela favela foi justamente habitada em frente à minha casa indicada por um político chamado Paulo Maluf, então... e a gente não sabia o porquê, que aquelas pessoas estavam indo morar lá, e a gente era pequeno, e também não era nem da nossa alçada de saber e a gente entrava no meio da dança, ajudando pegar madeira do caminhão, pregar madeira, cavar buraco, fazer os barracos lá, e a gente não sabia o porquê que nós morávamos numa casa simples, mas de alvenaria, e eles fazendo barraco. Até hoje, de frente à minha casa, hoje, pela luta que teve ao longo do tempo que passou, essas pessoas, hoje não existe mais barracos de madeira, hoje é tudo de alvenaria. E aí é onde entra a nossa história.
P - Mas eu queria voltar, até, um pouquinho. Você consegue descrever pra gente como é que era essa sua primeira casa, um pouquinho do bairro, pra quem nunca viu?
R - Ai... a minha primeira casa, quando eu cheguei, quando a minha mãe me deu à luz, que depois com uns sete ou oito anos, era difícil. Era... só tinha só as paredes de bloco, os telhados, que não eram de laje ainda, e a gente não tinha luz, a gente tinha era lampião, era candeeiro, que era lamparina que o pessoal falava antigamente, que a gente comprava querosene, com paviozinho fazia lá, e aquilo lá servia até para matar os pernilongos, na época. Porque lá era mato, então tinha uma casa próxima à outra, então era muito afastado, era coisa assim mesmo de interior. Hoje já tem um habitat. Então a casa era muito simplezinha, era num barranco, e eu lembro que a gente tinha muita dificuldade pra poder ter água para fazer as coisas, a gente tinha que andar mais ou menos, antes da bica, a gente tinha que andar mais ou menos uns quatro quilômetros para pegar a água, e isso a gente criança, e depois do surgimento da bica ficou mais próximo, mas mesmo assim ainda teve o sofrimento por um bom tempo, até chegar ao... ter a primeira paróquia lá, que era do finado Padre Alberto, foi um Padre que ajudou muito a comunidade, ajuntando, agrupando as pessoas pra poder desenvolver a questão do saneamento básico, e a dificuldade maior, assim, que acho que a minha mãe teve, era o risco que ela tinha que andar mais de seis quilômetros para poder pegar o ônibus, pra poder trabalhar. E a gente ficava sozinho. Então, a primeira creche que tinha no bairro, foi feita de madeira. A gente, até essa creche ser construída, muitas crianças ficavam com os vizinhos, com os amigos, e corria-se o risco, na época, de alguma coisa, mas era o que a gente poderia estar, naquela época, assessorando. Então, depois que foi chegando esse desenvolvimento na comunidade, os padres, e foi se agrupando esse grupo de mulheres, que o bairro foi desenvolvendo. Mas o sofrimento da gente quando a gente chegou lá era muito grande. Eu falo que eu sou patrimônio de lá, porque eu nasci lá e eu vivo aquele lugar, eu brigo por aquele lugar, e as pessoas às vezes até se incomodam muito comigo porque a gente fala aquilo que o coração está cheio. Então a gente tem um pouco de mágoa de algumas coisas, que a gente depois aprende na vida, e percebe que algumas pessoas manipularam pelo interesse. E a gente vê recortes de jornais de outros países com o nome da nossa comunidade, e a nossa comunidade não desenvolveu ainda, não é por conta dessas pessoas, é por conta da política regional, local, por conta de algumas coisas que as pessoas não conseguem entender, e é difícil hoje colocar nma cabeça das pessoas, isso.
P - Ô Netinho, você falou que a sua mãe, foi quem começou com essa coisa de... dos movimentos, do Movimento de Mulheres e tal. Se você pudesse descrever, como você descreveria a sua mãe.
R - Ah, acho que eu não tenho palavras para descrever ela não porque o orgulho que eu tenho da minha mãe é muito grande, ela deu... eu começo dizer que ela deu grandes exemplos pra gente, sem saber o que ela estava sabendo, e o futuro hoje seria a questão as preservação da natureza, a questão do desenvolvimento sustentável, meio ambiente, a relação global, etc, e com poucas palavras, com poucos gestos ela fazia tudo isso sem saber. Porque nós somos seis irmãos, sete irmãos e nenhum deles invadiu uma área, porque a minha mãe nunca autorizou isso. Então, ela já tinha já acho que algum dom de, assim, colocado na aura dela, para poder desenvolver essas coisas, porque ela nunca incentivou a gente a fazer nada disso. E hoje, até hoje, assim, pra descrever minha mãe a gente fica sem palavras, porque a gente é filho de coruja, a gente é meio puxa saco, e a minha mãe pra gente é tudo, exemplo que de bom pra vida. Porque quando o meu pai faleceu, eu tinha 13 anos de idade, meus irmãos ainda estavam estudando, ela estava meio perdida, e ela conseguiu vencer na vida, Vencer de uma forma honesta, trabalhando, se aposentou dia 13 de dezembro, então, hoje ela vive a vida dela, e a gente está tudo criado, mas quando a gente pega pra ver, assim, o sofrimento que ela teve, quando ela começou a estudar, que a gente ficava deitado atrás da grama da escola, e ela saía da escola pra pegar a gente, lá, no lençol que ela colocava, eu lembro que uma merendeira, uma senhora que fazia a merenda lá, que era a servente da escola, ela levava lanche pra gente também, escondido, porque tinha medo de alguém ver e punir ela, e aí aquela situação toda e hoje a gente já criado, e às vezes minha mãe que passou por algumas coisas, e eu conversando com o meu irmão, meu irmão falou assim: “Deixa ela que uma hora ela vai abrir o olho e a mente e vai tomar por decisão só. Não adianta brigar com a mãe. Sabe como a mãe é, a mãe é que nem você.” Aí eu deixei de mão, e hoje ela... tudo aquilo que a gente estava querendo que ela não fizesse, que ela abriu de mão, e a gente percebeu que a família ficou mais unida por isso. Mas o sofrimento foi muito grande. Então, assim, descrever a minha mãe acho que eu não teria palavras para descrevê-la, porque, assim, acho que toda mãe é mãe. Toda mãe é mãe de cem filhos, e cem filhos não é filho de uma mãe. Então, minha mãe, vamos se dizer, tudo de bom.
P - Netinho, qual é a sua primeira lembrança de escola?
R - Ah, eu era terrível, eu era terrível. Eu lembro que quando eu estava na quarta série, a professora se ajuntou com um... falava assim: “Você vai pro livro negro.” Que antigamente era um livro preto que tinha, que quando falava que ia pro livro negro, todo mundo ficava com medo, que aí era como se fosse expulsão da escola. Porque eu era muito terrível e ela falava que eu tinha algum problema, ele insistia que eu tinha problema, a minha professora. E aí ela mandou, e se juntou com a minha mãe, com a diretora e pediu que eu fosse... que a minha mãe levasse a gente em um médico pra poder ver se eu tinha algum problema de cabeça. Aí, uma vez chegando no médico lá, me colocou um monte de fiozinho na minha cabeça, e eu não sabia o que era, aí eu fui fazer um eletro e depois de velho que eu fui ver o que era aqueles fiozinhos. Um monte de fios na minha cabeça, aí quando ele deu o laudo lá que eu era uma criança normal, ela não acreditava, falava que esse menino deve ter alguma coisa com... que eu era atentado, disse que criança atentada tem muita saúde. Mas eu era muito atentado, e eu lembro que eu, hoje, eu por herança meu filho é que nem eu quando eu era pequeno. El.e acaba de terminar a lição dele e incomoda os outros. E eu fazia muito isso, incomodava as pessoas dentro da sala de aula, e eu lembro que tinha, a gente, acho que toda a... isso é desde a época do mundo, todo tem o seu grupo, e eu tinha um grupo lá que era o Marcelo, o Eduardo, o Reginaldo, eram os terríveis da escola. Então, a gente aprontava muito, mas a gente era muito querido pelos outros professores. Mas tinha professora que não tinha paciência com a gente porque a gente era muito terrível. E era gostoso, porque eu lembro, que eu coloco hoje prá, sabendo o que eu sei, a questão da escola antigamente pra mim era muito mais eficaz, era muito melhor na questão do ensino, porque hoje uma criança na rede pública, a limitação que ela tem hoje é insuficiente. Parece que a metodologia que tem esse ensino não é desenvolver o raciocínio das crianças, porque uma criança que se alimenta bem, ela tem muito mais facilidade de interagir e tem o raciocínio mais aguçado. E naquela época da gente, a gente tinha muita merenda na escola. Eu lembro que uma das merendas que, hoje, as pessoas falam bastante, que a gente nem sabia o que era, a soja, nós comíamos bastante a merenda e vinha soja pra gente na escola. E hoje você vê, as crianças comem uma comida sem nenhum tipo de vitamina, no sentido de... pra poder ajudar no ensino. Então muito assim também faz diferença. Quando eu coloco que eu tinha cinco, seis refeições na escola, e hoje a criança só tem uma, então, aquela época eu ainda, tem as diferenças, mas ainda tenho preferência por aquela época. Porque, por pior que sejam as dificuldades, que pra nós não era dificuldade, era dificuldade pra minha mãe, a gente só queria saber de brincar, escutava a minha avó falar do Saci Pererê, do Lobisomem, da Mula sem Cabeça, essas coisas... falar pra gente ficar até tarde na rua, e aquela época eu ficava até uma hora da manhã na rua, e não tinha problema não.
P - E a escola era perto da sua casa? Como é que você ia para a escola.
R - Era uns... dava o quê? Uns 200 metros da minha casa. A minha casa era no morro, assim, foi depois que saiu o pré, que a gente teve a primeira escola, era tudo próximo, todo mundo conhecia todo mundo. E quando foi desenvolvendo isso, de 80 pra cá, foi crescendo a comunidade, teve aqueles problemas de criminalidade, Afranásio não sai de lá, Gil Gomes, e a gente tinha muito preconceito por algumas pessoas, porque as pessoas chamavam a gente de Jackson Five, porque os meus irmãos usavam black, aquela coisa toda, meus tios, e a gente tinha um pessoal que tinha um preconceito com a gente porque a gente morava numa área particular, de frente da favela. Então, tudo o que era de ruim era a gente que tomava nome, porque... engraçado que, quando a gente foi pra lá, que eu era pequeno, o meu pai que veio do Imirim, quando veio do Imirim para poder morar com a minha avó, tudo, o meu pai, levou um opala e um galax que ele tinha, no Imirim, que era um bairro mais desenvolvido. E as pessoas achavam que a gente tinha muito dinheiro, e na verdade não tinha, meu pai tinha uma sucessão de vida porque ele era... sabia ...fabricava sapatos, aquele salto Luís XV, bota... aquelas botas que vinha um modelo americano... o meu pai foi produzir aqui. As mulatas do Sargentelli, as mulatas do Chacrinha, faziam muito, porque o meu pai tinha um escritório, e a na loja no Santa Cecília, na época, com uma sociedade... Aí, as pessoas ficavam assim, porque a gente tinha uma família bem sucedida, nesse sentido. E quando ocorreu essa mudança da minha avó ficar com problema de cegueira, que a nossa vida começou a mudar. Porque a minha mãe, como mais velha, tinha que cuidar da mãe dela e eu lembro que, o pessoal, depois que a gente foi entendendo a vida, a árvore genealógica da nossa família, o Mário Américo que era treinador da seleção, é primo do meu pai. Então essas coisas assim começou a mexer com muitas pessoas no bairro, e as pessoas achavam que a gente tinha dinheiro. Até poderia ter dinheiro na época que o meu pai morava no Imirim, quando a gente mudou pra lá, que acho que a vida começou a melhorar, que o meu pai veio a falecer, o sócio dele levou tudo o que era delas. A minha mãe ficou sem nada, a minha mãe não tinha nem o que por no fogo pra gente comer. E eu lembro que ele estava chorando, uma vez e ela não tinha o que por, e ela foi a uma vizinha, e a vizinha deu fubá, pegou serralha, serralha dá em qualquer lugar, fez lá um negócio com serralha, e fez fubá com serralha pra gente comer. Então, tudo isso aí, ela sempre ensinou a gente com dificuldade, a sobreviver em cima da dificuldade sem prejudicar as pessoas. Então, quando chega numa certa época da vida a gente relembra os passados, relembra as coisas que a gente tem uma certa mágoa, e por isso que a gente adota a... na comunidade, fazer aula de cidadania, de educar as pessoas,. Para entender como funciona os processos da vida. Que se não for isso, não tem como a gente melhorar. Então, ou a gente opta para um lado, ou opta pro outro, e às vezes nem um lado mais fácil é tão bom quanto as pessoas pensam. Então, a gente sempre na vida teve muita dificuldade, depois da minha pré-adolescência, já sendo adulto, no finalzinho da ditadura que o pessoal estava batendo no pessoal de uma favela, e na época que a minha mãe saía no movimento Mulheres em Luta, elas criaram um movimento em 68, que a minha mãe fez parte em 80, de 85 pra cá, que chamava MDF, era o Movimento em Defesa dos Favelados. E na época, na construção da Ponte Júlio Mesquita, eu lembro que eu era moleque, a gente tinha uma câmera de mão, e a gente tinha um projeto com... que na época uma rapaz era mais velho, criou e colocou o nome chamado Rede Rua. Esse projeto chamava Rede Rua. E a gente fazia filmagens da cavalaria batendo. A gente viu pessoas abortando crianças, então, era um pré-adolescente e eu vi tanta coisa na minha vida, nessa época aí que eu, às vezes eu tenho lembrança, e fico com muita mágoa do sistema que não deu direito para a minha mãe ter hoje. É uma coisa simples, para qualquer família ter, que é essa dignidade de ter uma cidadania, de ter uma casa e a minha mãe até hoje mora no que é dos outros. Então, isso é a minha mágoa. E, graças a Deus a gente tem nossos encaminhamentos, tudo, mas você perceber que a sua mãe fez parte de uma história e não tem onde morar. E isso não é uma mágoa que me revolta a cometer erros, é uma mágoa que me dá força para cada vez mais educar as pessoas, que elas precisam ter direito constituído, porque esse país nosso é constituído por leis, não por acordos, os acordos são feitos porque as pessoas não entendem da lei. Então, às vezes, as pessoas que sabem menos do que a gente aí, representando a gente. E eu, dentro dos meus movimento seu falo que não quero menosprezar ninguém, nem muito menos achar que eu sou o dono da verdade, mas eu sou uma pessoa que estou irredutível a ser representado por analfabetos. E na nossa região lá, a maioria das pessoas que tem na comunidade, que é representante de alguma coisa, não sabe o que representa pelo estatuto que ele representa. Então quer dizer, isso vem por má política, por má atuação, por mal conduta, por falta de vontade de querer saber como funciona os processos, e isso, pra pessoas que fazem uma... induz as pessoas a verdade, que é as pessoas ver o que está por trás da cortina, é que é tudo lindo e maravilhoso, E não é. E as coisas não funcionam assim. As pessoas precisam entender que o nosso país ele é regido por leis e hoje, quando fala do meio ambiente, eu me lembro da minha mãe. Que a minha mãe nunca... dava dez metros, atravessou a rua, porque a minha rua tem oito metros um metro e pouco de calçada, eu acho que 12 ou 13 metros, acho que já tinha uma área para a gente poder invadir, ocupar, ou seja, a palavra. Mas a minha mãe nunca deixou a gente fazer isso.
P - E... Eduardo, eu queria te perguntar uma coisa, você falou que seu pai morreu quando você tinha 13 anos, que já uma época complicada, de adolescência, e tudo. Como é que foi essas duas transformações juntas?
R - Ah... olha, foi complicado, porque o meu pai... engraçado... quando eu estava em desenvolvimento, e a gente com 13 anos e o meu irmão do meio estava com 14 para 15, o meu pai faleceu, ele ficou doente, ele ficou ruim no domingo, meu irmão levou ele na segunda feira. E quando o meu pai faleceu, aí, a minha mãe se sentiu na dificuldade, a gente... quando eu coloquei a história que a minha mãe não tinha o que por no fogo para comer, e a gente comeu fubá com serralha, aí, a minha avó contava coisas pra gente, que era mil vezes a gente pedia as coisas ou ia pegar na feira, do que pegar as coisas dos outros. Então, a gente sempre foi criado com essa história de família, e a gente juntava um monte de moleques e começou a fazer carreto. A gente vinha pra Pompéia, fazer feira, inclusive eu cansei de ir para a FEBEM porque nós éramos preto, porque tinha trombada na época, e tudo sobrava pra gente, e depois as vítimas viam que não era a gente... Então a gente sempre sofreu de preconceitos com diversas coisas na vida, e a gente começou a fazer feira, aí da feira a gente começou a fazer CEASA. Eu fiz engraxate, o meu irmão começou a trabalhar cedo também numa fábrica no Bom Retiro, a fazer roupas, e aí começamos a se virar, e foi quando minha mãe conseguiu passar no concurso público, e aí ela, depois de uns seis, sete anos, ela conseguiu entrar no concurso, lá no Estado e a vida da gente começou a mudar de novo, mas até então a gente fazia isso. E quantas vezes a minha mãe tinha que buscar a gente na FEBEM, e por conta de algumas pessoas que roubavam lá, uma vez o meu irmão foi confundido com um tal de Zé Umbigão, que era um cara trombada da feira, a sorte que os feirantes conhecia e sabia que a gente não era esse tipo dessa índole e esse Umbigão, pegou, roubou a carteira da mulher, só que por infelicidade ele é moreno que nem o meu irmão, só que a diferença que ele estava sem camisa, correndo e a mulher reparou que ele tinha um umbigo pra fora. E o apelido desse cara era Zé Umbigão, que eram dois irmãos gêmeos. Foi isso que salvou o meu irmão, mas teve transtorno da minha mãe ir para a Delegacia, e daí o meu irmão ter o encaminhamento pra FEBEM na época, até que ela lembrou desse detalhe e falou: “O rapaz que me roubou a minha carteira tinha um umbigo saltado pra fora.” Minha mãe colocando essas palavras pra gente depois. E o meu irmão não, tinha, então foi isso que levou... Mas a gente sofreu muito. Aí, após a minha mãe ter concluído esse concurso que ela passou, começou a trabalhar, aí a nossa mudança de história começou assim. Na nossa adolescência, o que eu acho engraçado hoje é que naquela época de adolescente, nós ficávamos, saíamos da escola meio dia, meio dia e meia, uma hora, duas horas passava a viatura e levava a gente porque a gente era vadiagem. Então a gente ia... engraçado que a gente ia para a delegacia das duas horas da tarde e ficava até a meia noite, e soltava a gente à meia noite. Quando os pais ligavam, ou iam atrás, que... hoje é diferente, hoje a criança fica até tarde na rua e não acontece nada. Mas na nossa época, a gente, direto ia parar na delegacia porque estava com vadiagem, e o guarda não queria saber, levava a gente pra delegacia batia recorde em delegacia. Daí a gente não tinha mais nem medo, a viatura vinha, assim, e falava: “Ih, a gente vai pra Delegacia.” Aí eles levavam a gente pra delegacia porque era aquela famosa vadiagem. E quando o Juizado não pegava um de nós também, quando a gente não ia parar no Juizado. Então mudou muito. Hoje nas crianças tem mais liberdade de fazer, que eu acho que talvez acontecem alguns parágrafos do ECA aí, porque a gente sabe que eu, na minha época de peraltice, coisas que eu não coloquei aqui, mas eu me lembro que na sala de aula a gente ficava na tampinha, de joelho, no milho, tomava palmatória e não tinha esse negócio da gente ser mais ou menos. E com essa mudança todinha, não sei se algumas palmadas irão diferir em alguma coisa, Porque, eu acho que todos nós que passamos por isso aí, a não ser aquela pessoa que já tinha aquela pré-disposição de ir para o caminho errado, mas, eu não vi tanto erro naquela época como eu vejo hoje com toda essa liberdade que essas crianças, esses adolescentes têm, nessa mudança aí que nada pode, que o pai não pode reprimir, que o pai não pode isso, o pai não pode aquilo, e nessa liberdade, e para nós que moramos em periferia ficou difícil porque os pais não tem como falar com os filhos mais hoje. Eu peguei um caso na nossa sociedade, lá na sede da entidade, que a menina aprendeu os direitos dela do ECA, e ela queria ter liberdade de ir para a rua mas o pai não queria deixar, ela criou uma situação para o pai dela a qual teve polícia, o conselho tutelar e ele acabou perdendo a guarda da menina por uma invenção que a menina colocou por querer ir para a ruía e ele não deixar. Então, até que se explique a verdade muitas famílias estão se perdendo por isso. Então mudou muito a nossa...
P - Ôh Eduardo, mesmo com toda essa dificuldade, com essa mudança, você nunca deixou de estudar.
R - Não. Eu terminei os meus estudos, parei um período, terminei os meus estudos, parei porque na época a gente tem aquele lado de adolescente, meio “avoado”, tem adolescente tem a sua fase, eu tive os meus dois filhos muito cedo, com 16 anos, não pude estar com essa minha primeira esposa por uma questão de loucura da vaidade mesmo, não tinha aquela responsabilidade de ser pai, então, eu sou vim poder a ter, mais assim, responsável pelas ações, quando eu tive a minha segunda esposa que essa que eu tenho até hoje que vai fazer 19 anos que a gente está junto, tenho os meus dois filhos mais novos, eu passei muito sufoco na vida, porque o meu sogro não admitia que a gente morasse junto, porque já era de uma outra família e aquela coisa de preconceito dele, por eu ser preto e uma mulher branca, e meu sogro era metido a ser Delegado, e tentou matar eu várias vezes, e eu estou vivo por Deus.
P - Isso da segunda mulher.
R - Da segunda. Não, da primeira, a outra primeira mulher a questão do meu envolvimento com ela foi mais aventureiro e nessa aventura eu tive dois filhos com ela, mas também responsavelmente nessa questão de ter esses dois filhos, eu deixei, eu fiz uma casa pra eles, na época, eles ficaram com um teto, graças a Deus.
P - Como que eles chamam?
R - Douglas e Jone. O mais velho chama Douglas, o do meio chama Jone e, engraçado que nós somos uma família de negros que só tem filhos loiros de olhos verdes. E aí é por causa da genética do meu avô e do meu outro avô, que um era português e o outro italiano, então os meus filhos, os filhos do meu irmão do meio, as filhas dele tem olhos azuis e olhos verdes; os meus tem olhos cor de mel. O meu irmão mais velho, os filhos dele tem os olhos azuis e a minha irmã mais velha, os filhos dela parece índio. Então, quando... o pessoal tem muito costume de falar assim que a gente é a família do... como que eles falam... que a gente é pai de herança. Então, os negros que tem filhos brancos. E aí, isso vem da linhagem da nossa família mesmo que era misturada, a gente nasceu misturada. Mas nessa questão do meu segundo casamento que a gente sofreu, é onde eu tive que parar de estudar para poder criar um rumo da minha vida.
P - Quando que foi o segundo casamento?
R - Foi logo após eu ter terminado, o meu filho ter nascido, o do meio, o do meio que é o Jone, depois de um ano eu já fui para o segundo casamento, porque foi, na verdade, sabe aquela coisa de aventura de adolescente? Mas a minha primeira ex-mulher, a família dela era muito complicada. Mas assim, nunca deixei de amparar eles nem nada, e quando eu saí de lá, eu já saí de lá deixando eles em uma casa que eu ... na época eu trabalhava em uma multinacional, era ajudante, e eu fiz a casa pra eles, e deixei a casa lá. Eu passei sufoco mesmo no segundo casamento, que eu morei seis meses na rua, em Santana, por causa do meu sogro. Minha mulher perdeu a minha filha com cinco meses, aí de Santana, eu morando de seis meses, eu fui morar em uma favela, aí da favela eu resolvi enfrentar meu sogro mesmo e ele querendo me matar. Aí, deu um rebu danado, e acabou dando Delegacia, aquela coisa toda, mas consegui resolver o problema e ficar morando no mesmo local, onde a minha mãe m ora. E a minha mãe cedeu um quartinho pra mim, lá e eu fiquei morando, e até hoje o meu sogro não fala com a gente, não fala com a minha esposa. Quando ele vê meus filhos, um completou sábado 12 anos. Quando ele vê meu filho ele chora, porque o meu filho, é assim, tem todos os traços deles. Então é aquela coisa de periferia mesmo.
P - Como ela chama-se, Eduardo, a sua segunda esposa? A esposa atual.
R - A minha chama Célia Batista.
P - Como vocês se conheceram?
R - Ah, ela foi uma história assim meio complicada. Quer dizer, a gente, eu que a conhecia e não ela me conheceu tanto o que eu conheci ela, porque ela ficava no bar do meu sogro e tudo o que é coisa ruim, você quer saber da coisa, você vai a dois lugares, ou você vai a uma manicure ou cabeleireiro, ou num boteco. Você fica sabendo de tudo o que rola na comunidade, e aí ela ficava sempre me observando. Nessa história toda, o tio dela, pegou muita amizade comigo, que o apelido dele era Boy, era tapeceiro, e eu ajudava muito ele quando ele tinha dificuldades. E aí ele teve um filho, e me deu o filho dele para eu ser padrinho, eu batizei o filho dele. Aí a gente acabou... e quando aconteceu de eu viver com essa minha esposa, nessa época, o meu sogro não aceitou. Então, eu acabei entrando para a família meio que forçado e até hoje, assim, ela tem uma mágoa, que ela fala com a mãe dela hoje, mas passou quase dez anos sem falar com a mãe dela. Fala com mãe dela hoje, mas não fala com o pai dela. Porque o pai dela é daquele homem meio brucutu, meio de interior, e então ele não fala com ela, e nem ela fala com ele. Mas a vontade da minha esposa era falar com o pai dela.
P - Mas aí, esse amor que gerou tantas controvérsias, você ainda estudava.
R - Estudava, tive que parar. Eu tive que para por conta da situação que ocorreu na época e quando eu voltei e ela me ajudou. Num período de tribulação ela estudava, e era assim, quando ela estava estudando ela ia para a escola à noite, então assim, eu ia trabalhar, durante o dia ela ia pra casa de uma amiga, durante a noite ela ia pra escola, após a escola ela ia pra praça dormir. Dormia na praça e depois a gente acordava, e era essa rotina durante seis meses. Aí o que me fez mudar a... criar coragem com muita coisa. Porque a gente não precisava de nada daquilo, e estava naquela situação. Aí ela começou a pegar piolho lá na... com um monte de gente na rua, ela pegou piolho, e aquilo ali me revoltou Ela com o cabelo bonito, com piolho, e aí eu fui lá, aluguei um barraco lá na comunidade, passava tanto, quando chovia, passava tanto rato e lixo, que você não faz idéia. Aí aquilo me revoltou também. Eu fui lá, falei com a minha mãe, eu vou me matar, mas eu vou morar na rua onde a gente começou o nosso namoro, e ele querendo ou não eu vou vir pra cá. Aí minha mãe: “Não vem.” A minha mãe ficou apavorada, mas fui. Aí, criamos umas brigas, dessa briga criou uma solução, porque eu tomei uma posição trágica na questão de levar o caso à Delegacia, tudo, pra poder ele deixar a gente em paz, das tentativas...
P - Você era ameaçado de morte...
R - Direto...
P - Pelo próprio sogro.
R - Ele chegou a dar cinco tiros na filha dele mesmo. A sorte que não pegou porque ela correu, porque senão, se ela estivesse no lugar onde ele deu, ele tinha acertado os tiros nela. Então ele depois, acho que, refletindo em tudo isso aí, o próprio pai fez isso com a própria filha, foi onde que quando a gente foi parar na Delegacia, que contando o caso, falou que... o Delegado perguntou: “Com a sua própria filha fazendo isso, você está louco da cabeça?” E foi... acho que aquilo foi a gota d’água pra ele, ele ter ficado um daí preso na Delegacia, então pra ele acho que foi um desgosto muito grande. Aí, daí, nós começamos a mudar a nossa história. Aí passando uns dois, três anos.
P - Aí vocês mudaram pra casa da rua da sua mãe.
R - Da minha mãe e a rua do pai dela também.
P - Que diferença você notou nesse bairro? Com esse retorno.
R - As pessoas ficavam com medo porque meu sogro tinha o apelido de Delegado no bairro. Ele era terrível, e aí, eu enfrentar ele, o pessoal ficava assim, poxa, quebrar um tabu que todo mundo tinha medo de enfrentar o meu sogro. Aí, passou essa fase, aí, passaram uns dois três anos eu fui estudar onde para terminar os estudos, onde eu não tinha tempo, às vezes, de fazer as minhas outras tarefas de lição de casa, ela me ajudava. Aí, quando eu, e eu dentro de ... participando de vários movimentos, também, nessa época, e eu tomei uma decisão na vida de entrar no Movimento Social, me dedicar a isso par ajudar as pessoas. Aí fui me formar, tudo quanto era curso eu fazia, fiz... acho que eu tenho 352 certificados e diplomas de vários cursos. Estou fazendo agora um curso de Promotor Popular.
P - Mas como foi esse processo de você tomar consciência, de que você ia se envolver com essas coisas?
R - Porque a gente, desde moleque a gente já tinha isso no sangue, de ajudar as pessoas, quando eu falei lá atrás, da questão da minha, de pegar água, de ajudar as pessoas. Então a gente carrega essa herança da minha mãe, e da minha avó. A gente não, eu que peguei essa herança. Meus irmãos se falar pra eles que eles têm que fazer alguma coisa, eles falam que o povo é muito ingrato, e para trabalhar com ingratidão eles não tem sangue pra isso. E a gente já não, a gente já tem mais paciência, calma, já sabe como lidar, fiz muito curso para aprender como que funciona o processo. Atribuiu várias viagens para poder ajudar pessoas que às vezes precisava do seu esforço. Então, eu tive que me esforçar muito pra chegar onde eu estou chegando, nessa questão de ser um cidadão, e exercer a minha cidadania, como de fato. E tem coisas que a gente não engole na comunidade com questões de alguns representantes nossos. Então, quando tem reunião que fala assim: “Óh, chama o fulano.” “Chama não que ele vai atrapalhar a gente.” Porque eles sabem que eles vão manipular. Hoje nós temos um problema sério lá no bairro, que o desenvolvimento que a gente já lutou por tanta coisa. Depois disso o Rodoanel está entrando no nosso bairro, com uma discussão meio que camuflada, não está muito aberto isso pra poder avisar as pessoas o que isso vai mudar na vida delas, tanto de bom quanto de ruim. Então, eles querem pegar todo mundo de surpresa, porque não dá tempo das pessoas se organizarem, e quem não se organiza em tempo hábil não tem o direito na justiça. Então, quando eu converso com as pessoas eu digo que o papel ele aceita tudo, você tem que saber como colocar o que você quer no papel. E as pessoas lá, são muito, assim, sofridas, muitas pessoas que tem lá são sofridas, por vontade de ter sua casinha, e hoje você percebe que eles conseguiram isso, e correm o risco de perderem as suas casas, por conta do desenvolvimento, sem uma discussão legal na comunidade.
P - Eduardo, você lembra o primeiro movimento que você fez parte, juridicamente constituído?
R - Ah, lembro, lembro. O primeiro movimento que eu fiz parte foi defendendo a favela do Júlio Mesquita, foi quando a Erundina era Assistente Social, e a gente era moleque e tudo envolvido naquela luta de acompanhar a minha mãe, as colegas dela de movimento, quando a polícia chegou, a mando do Prefeito, que na época era o Maluf e colocou a gente tudo dentro de um camburão, e levou nós todos para a FEBEM. Aí, a Erundina era Assistente Social já da Prefeitura, e ela enfrentou o próprio Maluf, na época pra poder defender a gente, e foi lá e tirou a gente. A Erundina tirou a gente e inclusive tem umas fotos que saíram na imprensa, na época, e eu no colo dela. Então, tem uma história, assim meio que um caso de muita luta, porque essas pessoas que estão na política por conhecer mesmo o pessoal, a luta de cada um, ter participado dessas mudanças. E a Erundina na época me carregou no colo, e hoje ela como Deputada Federa quando ela participa na região que ela era, ela pergunta muito da gente: “E o Eduardo, a Alveci do Movimento?” Essa Alveci é uma colega nossa, uma senhora, que quando fundou o MDF em 68, ela tem um filho que tem a minha idade. Eu lembro que minha mãe me carregava e depois, minha mãe me carregava puxando e ela levava uma sacola, antigamente aquela sacola de feira colorida, e o filho dela ficava lá dentro da sacola, dormindo. Ela arrumava um esquema dentro da sacola e levava ele como se fosse um objeto, para tudo quanto era lugar. Então isso aí fez parte dos movimentos, essas histórias aí, e assim , não foi nada por acaso, foi tudo acontecendo por participação, por luta. Não foi uma coisa que foi montada. A gente foi participando das coisas, e as coisas acontecendo. Então, a gente tem história, igual quando eu estive uma época em Brasília eu peguei num... eu consegui pegar um minuto de fala e logo quando o Lula assumiu a Presidência, e pegou, e me chamou lá tirou foto comigo, me abraçou e tal, falando pra eu continuar nessa luta, só que eu não tenho pretensões políticas, minha vida é social. Eu gosto do social, eu gosto de fazer projetos, ajudar as pessoas e não é trilhar uma carreira política. E aí, eu tenho foto com ele, e aí eu estive, nessa mesma época eu tirei foto com o Ministro que era o Gilberto Gil, o Olívio Dutra, que era o Ministro da Cidade, com o outro que eu não me lembro o nome que era do Meio Ambiente. Aí eu fiquei muito conhecido, e aí, essas lutas todas que foi onde o meu apelido é Netinho, porque foi por conta da historiado bairro, que na época, há 12, 13 anos atrás, enchia muito de água, o bairro e nós tínhamos um problema, lá, que toda vez que chovia enchia o bairro.
P - Lá, o Jardim Vista Alegre.
R - O Jardim Vista Alegre como Jardim Princesa. Nessa época, as creches que tinham, ao redor, enchiam de água. Então nós perdemos uma escola por conta da enchente. E aí, eu fui estudando como que funciona a questão do Meio Ambiente, a questão dos Projetos Sociais, e na época, a Luiza Erundina tinha fundado um projeto chamado NUDEC.
P - Ela já era Prefeita?
R - E aí ela falou o seguinte: “Eu tinha um projeto chamado NUDEC, que auxiliava a defesa civil.” Éramos coordenadores do NUDEC nas bases de área e isso a gente fazia treinamento e curso para prevenção dos problemas da chuva, e dos problemas das enchentes. Então a gente ia, eu fiquei um ano com enfermidade no pé, eu lembro que o meu pé ficou ruim, teve uma enfermeira que foi a única que eu acho que assumiu o problema que eu tinha, e ela cuidou de mim como se fosse a minha mãe, assim. Meu pé estava muito feio. Eu fui para Brasília, meu pé parecia o Pé Grande de tão inchado que estava com o problema que eu estava no pé. E essa enfermeira cuidou de mim, teve o cuidado, assim, dessa bactéria que eu peguei na época da enchente.
P - Mas por quê? Você ficava na água? Conta como era.
R - Por que era assim, quando a gente recebia um alerta da Defesa Civil, pra gente poder chegar às pontas da comunidade do NUDEC, para avisar as pessoas que elas tinham que sair das casas delas e levantar as coisas de emergência que estragavam mais rápido pra cima da geladeira, ou pra cima da cama, ou tirar porque ia dar dois ou três metros de água, naquele local por conta da metragem de chuva que ia decorrer. Então, a água do córrego se misturava com a água da chuva, com a água de esgoto e tudo. E a gente nunca fez questão de evitar esse tipo de coisa, porque na hora a gente nem ligava se a gente ia pegar bactéria ou não. A gente queria saber mais de ajudar as pessoas, e nessa época, a gente, até hoje vimos brigando por esta questão, você vê, no meu bairro, lá, vai fazer 20 anos por questão da enchente, o Pantanal, só agora por uma questão de erro político, por eles não assumirem um projeto e querer jogar o projeto do “piscinão” de goela abaixo, eles deixaram a bomba sem funcionar para poder dar aquela enchente. Então mesmo por um erro de geografia, ou questão de nascente, não tinha que ter feito a Marginal Tietê, porque ela está no lugar errado. Então, já vem na história da geografia da questão do meio ambiente, erraram muita coisa em nosso país. E a gente vai aprendendo as coisas e tenta ajudar, o papel nosso é de prevenir e não é de querer construir nada, mas prevenir porque a gente mora numa situação de risco, vamos dizer, e aí a questão da Defesa Civil, que é a questão do NUDEC, na época, a Claudete, que era apresentadora da Rede Record, lá na Barra Funda, ela entrou em contato com a gente, e queria fazer uma entrevista. E nessa mesma época, o Netinho estava na Record, ele já estava na Record e o Datena. Então,quando cheguei ao estúdio, esperando ela preparar lá, pra gente poder dar entrevista a respeito das enchentes do bairro, o porquê, do descaso público, aquela cosia toda, o Datena sai do corredor e eu estava encostado na porta assim, e ele falou: “Ôh Di Paula, esse não é o teu horário, o que você está fazendo aqui?” E ai ele chegou mais perto, e ele viu que eu não era o Di Paula, e aí ele: “Pô, como você parece o Di Paula.” E na época nós cortamos o corte de cabelo, que o corte de cabelo dele e o meu eram bem parecidos, topetinho, aquela coisa assim. Aí na época estava parecido, calça jeans, camiseta, estava com camisa de cor chumbo, estava com um sapato. E aí, ele falou isso, e quando eu entrei para minha entrevista com a Claudete, no outro estúdio fez um link e falou: “Óh, você tem um segundo Netinho aí.” Aí eu brinquei assim com ele, no ar: “Só se for o netinho da vovó porque se eu fosse o Di Paula eu estava bem.” Aí foi aquela brincadeira, e agora, parece, não parece. Aí, na época, eu já participando dos Movimentos Populares, eu estava disputando o Conselho Municipal de Habitação. E onde que, quando ele falou isso no ar to mundo que me viu, que me conhece, começou a me chamar de Natinho, Netinho, Netinho, e foi na época que eu fui muito bem votado nesse Conselho. Aí ficou. Aí desses dez anos que se passaram pra cá, todo o lugar que eu vou o pessoal me chama de Netinho. Então, assim, e toda a fala que ele fala quando eu estou perto dele, ele fala: “oh Xará.” E a gente tem, coincidentemente não se conhece por causa da fama, a gente se conhece antes da fama, na época do trem que ele vendia bala, doce a gente fazia outras traquinagens. Que a vida nossa quando era moleque também era brincar, ir de uma estação na outra. Então, a gente conheceu muita gente, Os Racionais, na época que Os Racionais começou em São Paulo, a gente tinha um grupo também que a gente dançava break, e era muito legal. Então, a gente tinha o nosso processo de comunidade e o Netinho tinha na época, nós tínhamos um clube que graças a muitas pessoas, fizeram o que fizeram com a minha mãe, você vê, da década de 80 até 90 a gente, desde 60, desde 67 até 90, a gente tinha um clube, tinha campo, quadra, piscina, tinha tudo lá no bairro. Aí tinha os campos de futebol onde eles ocuparam e fizeram casas, acabaram com tudo isso aí. E nós fazíamos festas nesse clube, e eu era sócio, na época, a gente sempre fez baile de rua, a gente sempre foi envolvido com trabalho social. E na época nós convidamos o Netinho, ele tocava em uma lanchonete em Carapicuíba, nós conversando com ele, ele: “Nós vamos lá na sua quebrada tocar.” Aí ele vieram nas quebradas, tocaram, na época a Toca do Coelho já estava com mais fama do que depois eles estouraram na mídia, a Toca do Coelho também foi lá, que era amigo nosso, pessoal, e ele tocou lá, ficou a noite inteira, saiu às seis horas da manhã. E depois ele voltou mais duas vezes lá, e depois que ele ficou famoso, nunca mais voltou.
P - Nunca mais viu.
R - É ... por causa das condições do próprio meio empresarial. Mas ele nunca deixou de atender as necessidades das comunidades, como ser humano. É que às vezes tem umas limitações que ele já não fala mais por si só. Ele tem umas regras a cumprir, as pessoas não entendem isso. Então você veja só, hoje ele está onde está, foi uma pessoa muito bem votada em São Paulo, mas ainda tem crítica, como amigo tem muita crítica a fazer. Mas enfim, é uma pessoa que trilhou o caminho dele, tem essa pretensão, que não é o meu caso, de carreira política nem nada, mas ele tem essa pretensão política e eu acho que ele sabe o que ele sofreu na pele, e a gente que está na periferia, que é nos guetos sabem, o que a gente sobre na pele todos os dias, sabe aquelas condições, e a coisa mais triste disso tudo é quando você, por falta de comunicação, por falta de projetos sociais, você perde uma pessoa assassinada. E isso também aconteceu comigo e com meu irmão de criação, que era o Gleidson. Eu estava me arrumando para ir para uma igreja, na época, eu estava arrumando a gravata...
P - Você tinha quantos anos?
R - Eu estava com... acho que... espera aí... uns 20, 27, 28 por aí... aí eu perguntei pra ele, falei: “Não vai pra rua não, fica cuidando do Natã, que eu vou pra igreja e você...” “Não...” Que ele estava todo feliz que tinha feito 18 anos na sexta feira, e no domingo ele foi assassinado com 17 tiros. Então quando ele saiu, eu acabei de falar aquilo, eu tive um pressentimento que eu falei aquilo pra ele, quando demorou meia hora, nós só escutamos os tiros, aí veio uma pessoa: “Óh, o cara atirou no seu irmão ali.” Que achou ele, o cara achou ele parecido com um cara que ele queria resolver a situação e acabou acertando 17 tiros tudo nas costas dele, que o último que fez ele virar óbito foi que o cara acertou na nuca dele. Então esse crime me deixou muito triste, e aí eu fui me apegando muito mais à questão do trabalho social, me envolvi com vários tipos de trabalho, você viu Eu sou da Paz, a gente ajudou a desenvolver a ONG IVJ, o projeto, a ONG Vítimas de Violência do Estado de São Paulo, que eu fiz parte da diretoria social, mas eu me afastei porque todo mundo começou a perder o foco da luta, que é desenvolver um trabalho de mudança na Lei, e as pessoas começaram a ter interesse a ser candidato político. Acho que a questão seria pressionar as autoridades para mudança na Lei, na questão da violência de São Paulo, não deles quer usarem isso para ser candidato. Então, eu fui me afastando, então eu tenho muito conhecimento nessa linha, porque eu participei de muita coisa, e participo até hoje.
P - Ôh Eduardo, só para a gente terminar aquela história, que foi a história que deu a bactéria, porque a gente está aqui e a gente não sabe como funciona, você falou que tem uma coisa que chama NUDEC, é isso?
R - É. Núcleo de Apoio à Defesa Civil, na comunidade.
P - E termina de contar então, como que é esse processo, quando terminou a enchente.
R - O NUDEC quando ele foi criado na gestão da Luiza Erundina, é um projeto que ele assessora as lideranças locais, então essas lideranças locais elas recebem informação, curso pra poder ser um trabalho de desenvolvimento voluntário e de prevenção às enchentes. Então...
P - E você nessa época trabalhava justamente nessa outra ponta.
R - Isso, nessa outra ponta. E aí, como que funciona esse processo? O NUDEC, quando fica na ponta, ele recebe um telefonema da Defesa Civil que tem o mapa astral do local de chuva, quantos milímetros vai chover, o que vai acontecer, e o papel nosso, antes de acionar a emergência sobre a chuva, é correr e avisar as pessoas onde estão nas áreas de risco pra poder avisá-las de tirar a televisão, tirar as crianças, inclusive na época, que eu peguei essa enfermidade, tinha uma criança deficiente numa jaula, foi onde a gente descobriu uma criança deficiente dentro de uma jaula, parecendo um bicho. Então a gente acabou aprendendo muita coisa através desse processo, que a gente não tinha conhecimento, que a gente acabou aprendendo, tendo um a experiência que é difícil as pessoas acreditarem, mas quando a gente vê na pele a gente percebe que é igual a hoje, você vê um drogado, a mãe acorrentando a ele pra não morrer, e as drogas... mas o que a sociedade está fazendo pra combater isso, e você vê, naquela época uma criança deficiente dentro de uma jaula. Então, aquilo eu fiquei chocado, eu não sabia o que fazer, e a gente chegou na hora, e se a gente não tivesse chegado ela tinha morrido afogada.
P - Aí, como terminou? Realmente veio a chuva...
R - A gente... não, a chuva já estava subindo, a maré já estava subindo, já estava saindo da margem, já estava entrando... os esgotos já estavam subindo, muito rápido, e, naquela casa, quando o comerciante falou: “Ó, a mulher não está.” Inclusive só estava o portão fechado e a porta aberta, mas tem uma criança lá dentro, e a gente pulou, ela estava dentro de uma jaula, trancada no cadeado, e só foi o tempo da gente tirar de lá de dentro, a gaiola dele encheu de água. Então quer dizer, se isso não tivesse ocorrido, ele tinha morrido afogado, e a gente... ninguém sabia que ele vivia naquela situação sub humana. Então, por outro lado, dentro desse desenvolvimento que tinha um projeto que chamava Parque Linear, que era pra poder fazer um trabalho de vitalização nas margens do rio com saneamento, fazer um projeto de lazer, um bairro próximo ao nosso chamado Damasceno havia crianças que, as casas eram feitas em cima das palafitas, em uma das pontes, e havia crianças com os dedos tudo comido de rato. O rato, quando as crianças iam dormir, andavam em cima da caminha deles, e comia os dedos das crianças. E você via aquela situação ali, e foram coisas gravadas, que eles não quiseram passar, porque as cenas eram muito fortes, e a gente brigou muito. Eles não atenderam a proposta nossa que seria a desapropriação de uma área, próxima, pra poder cuidar desse projeto de Socialização e Família, e escola, e educação, e saúde, etc, e transferiram ele pra Zona Leste. Então, muita gente que foi pra outra região, está passando mais dificuldade do que onde estava. E não é essa a proposta. A proposta é que desenvolva num local um projeto de moradia habitacional pra gente conseguir emparelhar a questão da inclusão social dos bens e os direitos. Se você tia a cidadania da pessoa, igual o caso dessa senhora que recentemente a Defesa Civil tirou ela da casa dela, ela criou um projeto de desafogar o rio de desaçorear, tirar terra de dentro do rio, mas tirou três metros perto da casa dela, causando o quê? Uma situação de risco. Aí, em vez de dar um aluguel social pra ela, deram o cheque despejo, que é o contrato que deles dão de cinco mil reais, e a pessoa se vira. Quer dizer, a pessoa tem quatro filhos, grávida de sete meses, e você se virar com cinco mil, onde ela come? Nem... a não ser que ela volte para uma área de risco. Então, quer dizer, o processo eminente de alguns representantes da Sub Prefeitura criaram problemas de risco para poderem criar a situação de defesa política. Que eles são os bons, que eles fazem e essa situação continua. E a intenção nossa não é, e essa senhora foi morar numa garagem, que não tinha luz, não tinha água, e a gente foi lá, fez um mutirão e ajudou ela, mas não resolveu o problema da moradia, criou o problema da moradia. Quer dizer, os filhos dela acabam se revoltando, porque são pré-adolescentes, então essas questões sobram pra gente, que está na comunidade para resolver. E é isso que a gente queria discutir com o poder público e local a questão da moradia dessas pessoas, que isso não vai parar.
P - E você falou que na época você foi eleito por Conselho Municipal de Habitação, era a gestão da Erundina?
R - Não.
P - Era a gestão de quem?
R - Era a gestão da Marta.
P - Da Marta.
R - Da Marta.
P - E como que foi essa experiência de fazer parte do Conselho?
R - É ruim... é boa por um lado, que é uma experiência nova, mas é ruim porque tudo o que é disputa você sofre. Você sofre o obscuro, o anonimato, você não sabe se você vai ganhar se você vai perder, e na época a gente ganhou e teve que abrir mão do Conselho pra ter outra disputa por causa das irregularidades que ocorreram, houve outro Conselho, e a gente acabou pegando experiência de como funciona. E hoje o país rege em cima dos Conselhos: Conselho de Saúde, Conselho de Escola, Conselho disso... E pra alguns Governantes nossos, hoje, não caiu na real que precisa ser feito o Conselho Municipal, e eles não querem que seja feito porque é um direito da população participar, e dar a sua opinião perante o Governo. E, muito dessas opiniões indeferem de alguns erros que já foram cometidos. Então eles não querem. Então, tem Conselhos ainda que não foram desenvolvidos, e muitos que são desenvolvidos, que queiram trabalhar na questão de desenvolver programas social de inclusão, muitos não querem que isso aconteça. Então, não sei se der certo vai falar e que foi o outro que fez, não foi eles, então tem essa vaidade no meio deles muito forte, que é uma barreira e é um desafio pra gente acabar com isso.
P - E hoje, Netinho, você está ligado a que movimento? Que Associações?
R - Hoje eu sou Diretor da AVAS, que é a Associação de Moradores do Vista Alegre, sou Diretor da FACESP, que é a Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo, parceira da CONAM, ligadíssimo de corpo e alma do MDF, que é o Movimento de Defesa dos Favelados, deixando bem claro, defender favelado, não é defender a questão da favela, defender os problemas... é melhorar a questão da natureza humana da favela. A coordenadora fala que: “Ontem senzala, hoje favela.” Então essa é a frase dela: “ontem senzala, hoje favela.” E a questão do MDF, só pra esclarecer, é que o Movimento de Defesa dos Favelados, é a questão que o MDF defende juma política de organização de áreas, com direito de melhorias nas favelas. Não é a favor de fazer barraco, de ocupar área, de fazer esses tipos de coisa que muitas pessoas, sem entender, coloca a gente, as pessoas do MDF, como um erro, e pelo contrário, o MDF que ajudou a estruturação de São Paulo, só que um movimento social, não foi um movimento político. Então não deu, ele não deu evidência, mas é um movimento que foi um dos primeiros criados em São Paulo, que foi em 68.
P - E hoje, qual é a sua principal função? No seu cotidiano, assim, o que é a coisa que você mais faz?
R - AH, eu estou ligado a tudo o que é social. Tudo o que é inclusão social eu estou envolvido, então se é Posto de Saúde, do Meio Ambiente, Moradia, é Saneamento, é Asfalto, é qualquer problema dentro do social, eu estou. Então a minha função dentro da Federação é Diretor de Política Social, tudo o que está dentro do social eu estou envolvido.
P - E como você tem visto essa última... você tem andado lá no Jardim Pantanal?
R - Nós estivemos lá no Pantanal, pois aqui eu trabalho há muito tempo lá no Pantanal com um sistema de um amigo nosso que é Assistente Social da LBV, o Renato, ele foi... ele faz muito trabalho de cidadania, resgate a vida das pessoas na questão da qualidade de vida, então a gente faz muito trabalho nessas áreas aí, e o Pantanal é uma... tem uma área muito carente na questão do desenvolvimento do... da questão urbanística do local, esgoto, a saúde básica de entendimento. Nós trabalhamos muito esta questão aí. Tudo o que é área social do Estado de São Paulo, que a gente é chamado, a gente vai lá, trabalhar, ajudar a contribuir e para melhorar essa questão. Então, o Pantanal é um... a gente vê que, cometeram foi um crime no Pantanal, na questão de desligar a bomba que bombeava a água, pra não deixar acontecer o que aconteceu. Então, propositalmente criando uma situação para “desafetar” aquelas pessoas para criar um bolsão, um “piscinão” ali, que eu acho que já deveriam ter feito isso, lá atrás, não deveria ter investimento lá dentro, igual tem hoje, a COHAB, tem uma infraestrutura muito grande, as pessoas lá pagam impostos do terreno, então criou um problema para a Prefeitura resolver. Não vai solucionar problema, criou o problema. Então, quer dizer, a pessoa vai pro Bolsa Aluguel, e outras não querem ir, quer ir para alojamentos, outras vão para apartamento, então, uma pessoa que tem uma casa não quer ir para um Projeto Social, que é totalmente diferente. Você muda a vida da pessoa.
P - Você continua fazendo parte lá da Associação do Vista Alegre?
R - Continuo fazendo parte do Conselho também de escola, continuo fazendo parte do Conselho de Saúde.
P - E como você disse, você é filho de lá.
R - É, sou o patrimônio.
P - Se você tiver que olhar pra trás, o que você acha que foram as principais conquistas e melhorias do bairro, e por outro lado quais seriam os principais problemas
R - Primeira principal conquista foi o Saneamento Básico que chegou ao bairro, que foi a água, a luz, o asfalto, aí com isso trouxeram a creche, mais escolas, só que hoje, como tarefa de herança para nós, nós temos já pensamento igual, nós estamos lutando desde 2000, uma fábrica de cultura, que está indo pra lá agora, que a gente conseguiu brigar muito pra conseguir isso, nós estamos tentando brigar, agora, por uma área ampla de lazer que não tem no bairro inteiro, um lugar pros moleques desenvolver esportes, ou jogar bola, ou eles tem que ir para oi outro bairro, ou ir à Sabesp, que são coisas distantes, nem todo o pessoal do bairro tem essa condição de estar indo. A questão de uma FATEC ou uma INTEC, profissionalizantes para os jovens, temos uma luta lá com o Rotary que trouxe o EXPO, mas não atende toda a demanda do problema na questão social do bairro, mas está ajudando muito a tira os jovens da rua, mas é um ponto no oceano, é um pingo obscuro no oceano, mas essas questões, assim, de correr atrás disso. Então, a nossa maior briga hoje é eles trazerem o Rodoanel, e não trazerem o desenvolvimento que a gente está lutando há muito tempo. Então, a gente fica, meio que assim, perplexo com essa situação, porque tem muita entidade que quando você chama pra poder ajudar a melhorar, essa questão da discussão de desenvolvimento das obras no bairro, eles correm porque estão todos ligados ao mal político, e isso a gente tem uma grande luta pra desenvolver ainda com essas entidades. Então, é uma coisa muito árdua pra quem gosta de estar no trabalho, pra quem... quer dizer, que você chama para participar disso, e ela não tem natureza e espírito pra isso, ela não participa, ela fala: “Isso não é pra mim, você é louco.” Tem um exemplo do meu próprio irmão, a minha mãe, a minha avó, a minha mãe e eu, meus irmãos falam que eu sou louco: “Você vai ficar ajudando povo ingrato? Vamos tocar o barco. Mas essa é a nossa tarefa, eu acho que eu ... já está... não é nem hereditário, está no sangue, já.
P - E como é que você vê como pai? Como é que você acha que os seus filhos encaram você.
R - Ah, os quatro filhos que eu tenho, eu acho que tem, vai me puxar, eu acho que é o Natã. Porque o Natã, ele observa tudo, ele entende tudo o que eu falo, quando eu viajo, eu não sabia disso, minha mulher que falou, quando eu viajo eu falo pra ele: “Óh, quando eu sair de casa você é o homem da casa, hein? Então você cuida da sua mãe e da sua irmã, das coisas aí.” Então, a minha mulher não sabia que eu tinha falado isso pra ele, quando eu viajo, e ele então, na sede, nós temos uma sede grande lá no bairro, então, sexta, sábado e domingo sempre tem uma atividade, lá, é festa de aniversário, é festa de casamento, é noivado, sempre tem alguma coisa. Aí ele fica a noite inteira acordado até acabar, até sair a última pessoa da sede. “Você não vai dormir lá não, eu tenho que cuidar daqui como meu pai pediu pra cuidar de tudo.” Então, ele cuida direitinho, ele não deixa faltar nada, ele acha que ele pega no espírito ali de olheiro... Às vezes, as pessoas estão lá fazendo a maior festança, e: “Ah, você não vai comer isso?” “Não, não fica à vontade, eu estou olhando tudo pra não entrar um penetra, entrar um... sabe? Porque uma vez, um cara fez uma festa lá, recentemente, aí o cara não era convidado, entrou lá e pegou logo o litro de uísque do cara, da festa de aniversário, Acho que da filha dele. Pegou o litro de uísque e saiu com o litro de uísque. “Gastei uma nota pra servir os meus convidados, e o cara pega o litro. Aí, para evitara conflito, então, eu fico nessa situação, quando tem atividade lá, e ele fica do mesmo jeito. Ele não dorme, ele fica lá, ele espera terminar tudo e no outro dia ele lava, ele deixa tudo... e depois ele fazer a tarefa dele que é dormir, descansar um pouco, jogar a bola dele, ou andar de bicicleta. Mas ele tem o mesmo discernimento que eu tenho, assim, ele tem. Então eu acho que ele tem mais pré-disposição pra me puxar nesse sentido, aí. Porque a menina... hããã, a menina é terrível, ela já é mais independente de tudo, gosta de fazer o que ela quer, se ela quer dormir ela vai dormir, se ela quer não sei o quê... então, ela já não é muito, assim, ela não é muito receptiva às pessoas de ficar olhando ninguém, ela não está nem aí com ninguém, cada um cada um pra ela, e é assim que ela vive a vida. Os mais velhos também não estão nem aí com nada, quer saber só de passear, namorar, essas coisas, mas ele não, ele já vem desde, inclusive eu acho que, se não me engano, tem fotos desde quando ele era pequeno, ele só queria ficar perto de mim na sede. Então eu saía, ia pro bar comprar alguma coisa, um salgadinho, alguma coisa pra ele, ele ficava lá na porta, sentadinho, desde os doze aninhos de idade. Então ele tem mais essa pré-disposição pra me puxar. Pode ser que mude, sei lá, mas ele que está mais, assim, pra me puxar, é o Natã.
P - Netinho se tivesse que escolher um sonho seu pro futuro.
R - Ah, eu dava uma casa pra minha mãe. Só isso. Que nem a minha mãe, minha avó falava assim que com saúde a gente consegue qualquer coisa, e a gente às vezes tem colega que tem muita coisa e não tem saúde. Então, se a gente tem saúde a gente consegue vencer obstáculos, e a gente chega no objetivo que e gente quer. A minha mãe fala assim, pros meus irmãos, que eu, ela tinha tudo pra pensar o contrário de mim, e que o do meio era mais esforçado pra tudo. Fazia tudo, era o mais adiantado em tudo, e de repente eu saí na frente de todo mundo. Aí ela ficou, assim, fala assim: “A gente nunca sabe de onde sai o verdadeiro fruto, porque a gente achava que era o Jônatas, e o Eduardo hoje faz tudo aquilo que a mãe fazia...” E a minha avó era muito beata, assim, para ajudar aos outros. Minha avó olhou mais de 20 filhos de pessoas lá no quintal, onde ela estava, antes de vir pra esse quintal aí, ela cuidava como se fosse filho dela, também onde comia um comia todo mundo. E na época que a fartura que a gente tinha, que a minha mãe fala, que você ia à feira e você tinha muita fartura de legumes, essas coisas, então, fazia aquele angu de fubá, aquela comida mesmo de senzala, e então, todo mundo pelo cheiro comia, todo mundo comia aquele “sopão” que a minha avó fazia. E hoje eu sou um que não pó sopa na minha frente não que eu não aguento nem ver, miojo é comida de preguiçoso, e todo mundo come porque é rápido, e eu detesto sopa. E na minha casa não faz sopa por minha causa, eu não sei por quê? Eu não tenho nada contra, não tenho preconceito, mas eu não gosto por não gostar mesmo, mas que eu fui obrigado a comer sopa, o angu lá com serralha, naquela época comemos, e aquilo ali era o maior prato do mundo pra mim, era uma delícia, e hoje eu não aguento ver sopa na minha frente, não sei o porquê. Mas não sei se é por causa da história, mas eu não aguento ver essa sopa. Ah, vai ter sopa, eu fico sem comer.
P - Eduardo, se tivesse que olhar para trás e lembrar alguma história que te marcou, ou de alguma comunidade que você organizou direito, ou que teve alguma... alguma maneira de agir que surtiu algum efeito positivo, o que você escolheria?
R - Eu escolheria a época da minha mãe que é a Yolanda, que foram um grupo de mulheres guerreira, que elas tiveram dificuldades, mas teve uma coisa que a gente exemplo no bairro até hoje. A Yolanda era uma negra, que era respeitada em todos os movimentos. E tolda vez que ela sentava em um grupo de pessoas e falava que a gente tinha que aprender, estudar, se esforçar para aprender as coisas, que ela não ia viver o resto da vida, e ela era nova, ela ia viver a vida dela inteira para poder estar ajudando a gente a escolher, a mudar a história de direito que nos pertencia, que ela não ia viver por muito tempo, que ela tinha um problema sério, que ela ia morrer a qualquer hora. E tinha gente que ria disso, e falava: “Que, essa negra está com mentira, não sei o quê.” E essa mulher onde ela chegava ela tinha uma mansidão na palavra, mas era numa fera pra poder conduzir os direitos, pra conseguir benefícios que na época ela montou um projeto com a gente chamava de Cooperativa Convivências Calçados, contando a história do meu pai. E ela não tem nada a ver com a minha família, era amiga da minha mãe, lá do Movimento, e ela sabia da história do meu pai, que na época ele mexia com escola de samba, essas coisas, e sabia que o meu pai fazia isso aí. Então ela montou um projeto chamado Convivências Calçados, Cooperativa Convivências Calçados. Nós trabalhamos bastante, mas foi uma felicidade imensa, eu vendia sapato, sapatilha lá pra Campinas, pra um monte de lugar. E nesse tempo, ela todas essas lutas de moradia, ela, no dia em que a minha mãe ia ganhar uma casa, ela veio a falecer, que foi quando ela conseguiu o projeto Dalila II, que é perto da escola onde a gente estudou, ela conseguiu 46 casas, casa com quintais, separadinhos, como uma comunidade, bem organizada, casas bonitinhas, do jeito que ela sempre contou, que ela sempre queria desenvolver esse projeto aqui. E quando ela... ela... a minha mãe ia entra no segundo loteamento ela faleceu.
P - Mas ela conseguiu como, ela articulou de que maneira?
R - Ela fez a articulação, primeiro ela procurou saber de quem era o terreno e quando ela descobriu que era do Padre, aí ela conseguiu sensibilizar a plenária e o Padre doou o terreno para a entidade. Aí da entidade, ela criou um projeto, mas antes desses projetos com a Juventude, as Crianças com a Juventude, lá, que era a Cooperativa, ela criou um projeto, mas ela precisou criar uma entidade chamada FNT, Frente Nacional de Trabalho, e essa Frente Nacional de Trabalho, ela tinha um segmento das pessoas fazerem um mutirão. Então assim, todo o domingo, construía ou reformava uma casa. Não tinha aquele negócio de fazer a coisa individual não. Então, um domingo eu fazia a sua casa, no outro domingo a gente fazia a sua casa, a casa da pessoa, então, naquele período, todo domingo, era pra sua casa. Terminou a sua casa, no outro domingo era na casa dela, e construiu em pouco prazo todas as casas em menos de um ano e meio, essas casas, e aí, todos eles faziam a mesma vontade, vinham reformando a casa. Quando chegava na reforma nossa, que o acabamento, assim, de reboco, essas coisas... e o acabamento fino, que é o gosto da pessoa, se é massa fina, se é isso ou se é aquilo, aí eles já tinham... eles já trabalhavam mais sozinhos, mas todas as pessoas, todos os domingos trabalhavam. E até hoje lá é assim, nessa comunidade. Eles tudo o que vão fazer tem um rodízio lá, cada domingo eles fazem uma tarefa para ajudar. Então foi um projeto bom que ela criou e que quando a minha mãe ia ser contemplada na casa, que ela faleceu, tiraram esse direito da minha mãe. Entraram outros tipos de pessoas que não tem afinidade nenhuma com as pessoas, com... e levaram o projeto pra outro rumo... já tentaram até, uma vez eu participei de uma reunião, lá e fui fazer uma fala, queriam até me bater. Só que eles iam cometer um erro muito grande, porque na comunidade onde eu moro, eu conheço todo mundo. Então eu não fui lá pra exigir nada, eu fui lá pra poder dar uma contribuição e falar pra eles que o projeto que eles estavam desenvolvendo, ele ia mudar a realidade, tanto que hoje lá na comunidade tem muitos problemas que não tinha quando a Yolanda era viva.
P - E a sua mãe chegou a trabalhar nesse mutirão?
R - Trabalhou, minha mãe trabalhou... minha mãe veio parar depois de uns 10, 15 anos, depois de 15 anos que ela parou com isso. Mas porque a gente não quis mais deixar ela participar.
P - Então, ela trabalhou na construção da casa de muita gente?
R - Tudo, tudo. Em vários movimentos que saiu, como eu falei, todo mundo tinha o direito, que a minha mãe, no projeto Mulheres e Luta, eles conseguiram um terreno com um Padre que era da Prefeitura, o Padre ajudou e aí foi pra CDHU. A CDHU fez um acordo com o município na época, e fez lá a COHAB. E engraçado que hoje, dentro do nosso Município, temos áreas estaduais, área que tem COHAB do Estado. Então, quem é que está fazendo esse trabalho, essa mudança de direito, entendeu? Então, quando eu questiono isso aí, tem algum erro pela ação. Dentro do Município tem área do Estado, e no Município não temos área Estadual, nós temos áreas municipais, e é feito um projeto habitacional, então, nessa luta toda, todas as causas que a minha mãe lutou com essa mulher, tiraram o direito da minha mãe, ou um político, ou um assessor, ou uma pessoa. Então, o último, um dos últimos projetos eles conseguiram lá 700 apartamentos, era pro pessoal cadastrado do movimento, e aí entraram uns assessores lá, e mudou e trouxe o pessoal tudo de fora. E acabaram que o pessoal que lutou pelo terreno, ficou sem. Aí, teve o projeto da Vila Nova Cachoeirinha, também que foi a mesma coisa. E quando saiu esse projeto que a Yolanda fez, quando saiu o nome da minha mãe, para a segunda fase, quando a Yolanda faleceu tiraram o nome da minha mãe. Então, na época, eu estava começando a entender da ação do processo, e hoje eu entendo. Se fosse hoje não teria acontecido, mas na época a gente... por isso que eu falei, a minha mãe não vai mais passar por isso. Então ela vai curtir a vida, a aposentadoria dela de outra maneira e a gente vai ver o que a gente faz nessa luta social, aí, de inclusão à moradia. Mas a gente quer uma moradia descente, eu não concordo com essa moradia de apartamento verticalizado, porque as pessoas não têm educação para morar em verticalização. Eu falo pra você que eu cuido de uma comunidade lá, que uma parte eu consegui, tive uma discussão com a SABESP, e a gente conseguiu mudar o cavalete de água, outra não, então, aquela parte que são cinco andares, são 20 famílias, cada andar são quatro, se cinco pagam a água, o restante não quer pagar, então, sem pagar fica sem água, então, as pessoas ficam se matando pra pagar coisas de pessoas que não querem nada com nada. Então, eu acho que tinha, antes de num processo de adequação da moradia, acho que tem que fazer um trabalho com essas famílias, porque eles não combatem o problema social, eles estão aumentando o problema social. O interesse nosso, é acabar com o que já tem, a gente não consegue acabar nem com o que tem e já está criando muito mais. E isso, pra quem estuda, às vezes fala: “Ah, não estou nem aí.” Mas aquele delinquente, que está lá naquela periferia um dia virá dar trabalho para você aqui. Ou vice versa. Entendeu? Então, é isso que as pessoas precisam aprender, o povo precisa se respeitar, e esse respeito, geralmente as pessoas que não conhecem a nossa realidade quer dar opinião do que não sabe, consequência, Rio de Janeiro, quando eu estive no Rio de Janeiro, há uns 20anos, a gente foi lá em uma conferência, e eu estive no Morro do Urubu, lá na época, que era uma vegetação, e tal, eles tinham feito um aterro lá e começaram a ter moradia. Então, é a mesma coisa, no bairro onde eu moro, aquela área ali, é uma área pública para ser criada uma praça, fazer uma escola, uma EMEI uma EMEF, fizeram moradia. Quem cometeu esse erro? Maluf. Está entendendo? Então não é... um líder comunitário por si só, não comete o erro sozinho, então ele comete sempre com pessoas que estão por trás dessas ações. E aí, as pessoas que não estão nem com nada na comunidade e fala que “o futuro a Deus pertence”, a bíblia diz que “cada um segundo as suas obras, faça por ti que eu te ajudarei”. Nas condições de ser contrário à fala, essas pessoas elas acabam sendo educadas por aquelas entidades que lá atrás cometeram erros, e continuamente cometem esses erros hoje. E é isso que a gente tenta discutir e mudar. De manhã cedo, hoje, eu estava em uma conferência lá, com umas 180 entidades, aí eu fiquei olhando e observando que todas aquelas lideranças que ajudaram crescer esse Brasil, esse São Paulo, de cabeça branca, eu fiz uma pergunta: “Quem de vocês tem Sede?” Ninguém tem Sede. Uma entidade que não tem Sede... não tem... é a mesma coisa que falar assim: “Eu não tenho casa.” E mora na rua, ou mora de favor. Um a entidade que tem um CNPJ tem uma série de... por que isso? Por quê? Eu faço uma crítica, toda vez que eu estou com autoridade, por que o meu bairro tem 180 entidades? Agora, na época, parece que todo mundo trabalha, você passa no bairro inteiro e você não vê nada, só vê a nossa Sede lá. E a gente é alvo de crítica, porque a gente quer mudar. Têm umas fotos que estão naquele álbum lá, em frente à entidade tem um rio, e no bairro inteiro nós só temos uma quadra, que era onde era o clube, e também está se acabando, não tem mais nada. A nossa luta, com o poder público, foi canalizar esse rio. Então não foi um vereador que foi lá canalizar, ou foi fazer isso, porque as pessoas precisam entender o que é o papel do vereador. Então, quando aparece uma autoridade lá, parece que ela é o “Salvador da Pátria”, mas não sabem e que ele tem limitações para fazer leis, corrigir a Prefeitura, fiscalizar. Acham que o vereador é para fazer isso, só vejo deputado nessa região que nunca fez nada. Aí sai na Folha de São Paulo, publicando que o deputado da nossa região, que é o Celino Cardoso, é o quinto homem mais rico da Brasilândia e Freguesia do Ó, sendo que o cara era amigo do meu pai, cobrador de ônibus, e o pai dele tinha agência de carro velho. Então, aí você pega mais pra frente a publicação da Folha de São Paulo: “Deputado constrói em área ambiental um Hotel Fazenda.” Então, quer dizer, só para você ver, a estadia de um dia lá é seiscentos reais, isso está no jornal, publicado na Folha de São Paulo. E aí você percebe que aí todo mundo fala assim: “Ah, eu vou entrar na política, pra se dar bem que nem o fulano fez.” E não é isso. Está entendendo? Por sua vez as pessoas estão tão assim acostumadas com o assistencialismo, que ele tem um gabinete lá só pra fazer esse tipo de articulação. Entendeu? É remédio, é uma cesta, uma dentadura , essas coisas aí. E o bairro não avança. Então, pra discutir melhorias na periferia precisava discutir primeiro a questão da mudança regional de votos. Eu acho que não o Estado, um deputado estadual, um federal, mas para vereador tinha que ser voto regional, porque você teria força pra poder tirar o cara no impeachment, caso ele não fosse um bom representante. Então, enquanto esse voto não for regional para vereador, a gente vai ter sempre essas dificuldades, porque um vereador que representa São Paulo, e quando você fala para ele fazer uma emenda para poder criar um projeto para tal periferia, ele fala: “Não tive voto lá, eu tive voto em tal lugar.” Mas na hora que ele precisa do voto dele vai lá e fala: “Não, vocês são todos meus amigos, e não sei o quê.” O discurso, é outro. E isso a gente não engole. Então, eu sou uma pessoa que se apega no sapato desses caras aí.
P - Ôh Netinho, você pretende para o seu futuro pessoa, agora, você pretende continuar, nesse tanto de luta? O que você pensa pra você? Pro futuro.
R - Ah, tem hora que eu penso assim em parar. Toda vez que eu penso em parar de fazer esse trabalho, eu penso aonde eu cheguei, e como eu cheguei. Eu acho que se eu parar eu me acovardo e não vou dar exemplo de ensinamentos para os meus filhos, na questão da história do país. Só faz história quem tem história. E a nossa família tem história, a gente tem história de ter uma avó benzedeira, a gente tem uma história de ter uma mãe guerreira, a gente tem história de ter um pai que teve oportunidade de te rum parente que a mídia pôs ele lá em cima, que foi o Mário Américo, treinador da Seleção Brasileira. Sabe? A gente tem diversos tipos de coisas que complementam essa questão da história. A luta do bairro hoje, onde a gente mora, hoje é oficializado o aniversário do bairro, através desse nosso bairro, vários outros bairros na região estão fazendo a mesma coisa, pra criar a história do bairro, como surgiu. Então, eu fui o primeiro protagonista a fazer isso, naquela região, e isso foi pro jornal, hoje o nosso bairro tem data de aniversário, toda a data tem comemoração, é feito uma festa no bairro. As praças têm nome, a gente tem acordo, hoje, pela Lei de Diretrizes Regionais, há uma praça que tem que cuidar é ou o comércio ou a entidade ou o morador lá, a Prefeitura não quer saber mais de cuidar de praça, então as pessoas vêem uma praça bagunçada: “Ahhhh.” Vocês vêem praças boas, estão lá registradas, você vê lá placa de Fulano de Tal, preservação. Mas na periferia, se a pessoa não tiver vontade de cuidar, fica largada. Então, tudo isso a gente tem uma história, né. E o segundo passo que a gente quer promover no bairro é que o nosso bairro ele tem uma história que era uma fazenda, e essa fazenda desde quando eu me entendo, assim, por gente, que eu tinha uns oito anos, que a minha avó fazia batizado na primeira capela dessa fazenda lá, e batizado e várias outras coisas que tinham, casamento, era nessa...até eles fazerem a paróquia do bairro, se fazia lá. Então, fazer um patrimônio tombado, histórico dessa fazenda aí, com toda a história. E as coisas que vão magoando a gente, que assim, que entra político e sai político, a gente conseguiu o CEU que é o Centro de Educação Unificado do bairro, que pra mim eles falam CEU, mas onde foi colocado é um “inferno”. É um lugar totalmente ruim, onde colocaram esse projeto, porque, na continuidade do projeto e para se fazer mais, mas como não teve, mudaram toda a logística do projeto. Onde tem a quadra, o campo de areia das crianças, que é o lugar fora da quadra do CEU tinha esse outro espaço, e a área de esporte radical que era a rampa de skate, de skatista, fizeram barraco em torno do CEU todinho. Então, você vê, depois que mudou a gestão, aconteceu tudo isso aí. Então, quando uma pessoa fala assim, quer falar de um Governo, eu falo: “É o seguinte, vamos pelo material de construção, vamos lá pegar o endereço do primeiro material dado, dado ou vendido, ou doado, no depósito.” Aí você percebe lá, na data X, tal, tal, tal o material entregue... entregou tanto material... é fácil descobrir isso. Se você falar que foi na gestão Fulano, na gestão Sicrano, no dia tal... no dia tal, quem era a gestão que estava aí? Fulano de Tal. Então porque você está falando que era tal pessoa? É simples, é só você ir ao material de construção, está entendendo? Então essas coisas são fáceis de desvendar. E aí essa geografia toda da nossa região, do erro que tem naquela região lá, é que muitos exploram aquilo lá, mas não desenvolvem. E hoje, a referência que está acabando com São Paulo, sabe o que é? Que logo, logo você vai me ver na Rede TV lá com a Luciana Gimenez, brigando com ela, é a questão do Baile Funk. No Rio de Janeiro, não sei se você teve a oportunidade de ir ao Rio de Janeiro, no Rio de Janeiro, o Baile Funk, ele é feito dentro da comunidade, e com a autorização do segmento. Eles não colocam carro de Seu Ninguém falando palavrão. Aqui em São Paulo é uma disputa de carro de som pra poder ver de quem é o som mais alto, e põe bem em cima, pega uma paróquia ou uma igreja, toda a sexta-feira são milhares de adolescentes, jovens dançando Funk, lá numa situação deplorável. Ou então com música que desrespeita a família, e etc.
P - Lá no Vista Alegre tem?
R - Não, do lado. No Vista Alegre a gente briga muito, porque a gente não aceita muito o Funk não. Do lado, com a Princesa Elisa Maria, que é tudo do lado, assim, Vista Alegre, Princesa Elisa Maria e Recanto. Vista Alegre fica bem no meio. Então, Elisa Maria é uma COHAB, onde que... é um bairro muito populoso, assim, de problemas sociais, assim, e muitos jovens, muitos jovens mesmo. Você fica horrorizado. Qualquer dia vai sair na imprensa e vocês vão ver. Vocês ficam horrorizados de ver tantos jovens, e não é som, é carro de som. Eles fizeram uma interligação lá, um carro com o outro, com pen drive, com um aparelho chamado crossover, e passa a mesma música de um carro para o outro. Você imagina tudo ligado, os altos falantes de 18, entendeu? Corneta pra trio elétrico. É uma loucura. E é muita criança, hoje, no bairro, a gravidez precoce, crianças gerando crianças. Essas coisas que a gente precisa discutir nas periferias, que não pode acabar com o entretenimento e com o lazer. A gente tem que ter, mas tem que ter com sabedoria. Agora, eu não sou contra ninguém escutar o que não quer, mas tem que ligar pra isso. Agora, se é uma festa Tecno aí que o pessoal monta um aparelho de fone e aí o DJ lá põe uma música ele escuta no fone e não tem barulho nenhum. Mas isso é pra cidade organizada e com recursos diferenciados. Você vai numa periferia falar uma coisa dessas, o pessoal vai te xingar, eles vão falar: “Mas quem vai trazer uma coisa dessas, a Prefeitura, o Estado? Por que aqui nós fazemos a festa com o nosso próprio recurso.” E as festas lá no Vista Alegre quem toma conta pra não deixar inflamar, é a gente. Então, a gente tenta conversar com eles no posto, esse tipo de coisa. Tem uma senhora de 70 anos lá, que nós vimos a identidade, que pôs o apelido nela de “Créu”, porque toda vez ela ia dormir o cara encostava o cara lá, e era uma briga. Aí a gente teve que intervir nisso daí, porque ela já estava de idade, e ela... e eu respeito muito ela, e eu brincando falei assim: “Óh, a senhora vai ser a vovó do Créu.” Que ela é, assim, ela é uma pessoa muito legal, ela, e aí... a dona Célia, e aí, o pessoal acabou respeitando e parou. Aí, agora fizeram na frente da igreja, em plena sexta-feira. Tem a igreja lá e o padre falando e o som comendo, e aquele barulho, sabe? E está vindo gente de tudo quanto é lugar, pra aquela comunidade. E isso daí que a gente não pode deixar continuar, por questões da família, tem pai de família que trabalha e o pessoal não sabe ter um horário, vai até as seis horas da manhã do outro dia.
P - E tudo o que acontece bate à sua porta.
R - Tudo vai lá na porta, tudo vai lá. As pessoas, às vezes, não tem como falar em uma reunião, chamar num cantinho: “Netinho, a gente precisa fazer isso, isso, e isso, e a gente não consegue.” “Calma, tem que fazer assim, fazer assado.” A gente vai orientando, o que a gente não pode é apagar incêndio com gasolina. Na comunidade, se você não souber viver, você não vive, você se isola. Então lá a gente tem que saber lida com as situações de conflito. Então, quando a Prefeitura muda a gestão lá, as primeiras pessoas e não sei quem mandam me chamar. Entrou, mudou o Sub-Prefeito agora lá, e ele foi na comunidade perto da nossa lá, tirar umas fotos, aí o cara enquadrou ele lá e tirou a máquina dele de fotografias, achando que ele estava querendo registrar alguma coisa. Aí eu falei: “Uai, vocês não chamaram a entidade lá, porque a entidade não resolveu isso aí.” “Ah, tinha que chamar o Netinho, o Netinho conhece todo mundo lá.” Aí quando chega lá e eu estou por perto, os caras falam: “E aí, sossegado?” “Não, comunidade.” Aí os caras nem ligam. Tanto o jornalismo quando vai lá, e vai tudo à minha porta, TV Record, eles vão lá tudo à minha porta, lá, pra poder ajudar a fazer o trabalho de... das questões das áreas de risco, que passa naquela região. Então, assim, a gente conhece todo mundo lá. Eu acho que as pessoas precisam ter essa liberdade de trabalhar e conhecer. E trabalhar no obscuro, de falar assim: “Eu vou entrar em tal comunidade...” As pessoas acabam enfrentando risco, porque você não sabe o que passa pela cabeça das pessoas. Tem um colega meu da SABESP, o Jorge, ele tem uma aparência de Delegado. Um a vez que ele esteve na comunidade, na primeira vez que ele foi transferido pra lá, o pessoal não tem idéia, o que esse Delegado está fazendo disfarçado de SABESP aí. Falei: “Não, o cara é da SABESP mesmo.” Então, o papel nosso na comunidade é mediar conflitos, não é tentar, sabe, fazer guerra. Porque a gente já vive na guerra de falta de inclusão social. Então tudo pra gente lá é mais difícil, muito difícil. Nós conseguimos um projeto lá, chamado Centro Cultural da Juventude e isso foi polêmica na época de 80 pra cá, que é o esqueleto do Jânio. O Jânio achou de fazer um mercado...
P - Chamado de CCJ.
R - É, chamado de CCJ, o Jânio achou de fazer um mercado bem à frente do hospital, da maternidade hospital, e ao lado do cemitério, e o projeto alimentício ficou bem na frente. Então, na época, que a gente já estava fazendo bastante cursos, a gente sabia que tinha um nutricionista, e um cara que mexia com o solo, na reunião falou que isso é impossível fazer esse tipo de coisa perto, por causa de chorume, por causa de bactéria e tal, e aí, quer dizer, a obra ficou parada por muitos anos. Aí houve assassinato, criança sendo morta e estuprada, ponto de travesti, e criou-se vários tipos de problemas, e aí a gente foi fazendo matéria, baixo-assinado, correndo atrás. Aí na gestão que a Marta entrou, a gente fez uma plenária com ela, ela aceitou as propostas e abriu a precedência, fez acordo com vereador, fez a verba, perdeu a eleição, e não queria fazer e nós pressionamos o Serra pra fazer, e aí foi pra mão do Kassab, pressionamos, e tudo. Só que tem coisas que fizeram lá, que hoje não são as pessoas que moram naquela região, que administram, são pessoas de fora. E que o pessoal critica muito porque as pessoas põem nomes nos lugares sem discutir e respeitar aquelas pessoas mais velhas do local. E colocaram o nome do CCJ de dona Ruth Cardoso . Aí já viu a briga que está lá. Então, a gente respeita também a história política dela, mas na região, gente tem maneira de certos segmentos tacar as coisas de goela abaixo, pra gente. Acho que tem que respeitar as pessoas, ouvir as sua opiniões pra que a comunidade não viva em um conflito constante. Mas hoje está lá o CCJ, hoje nós temos aquela referência da briga dos idosos que não participam, porque os jovens não quer que eles ficam lá, que não é lugar de velho, então o jornal local publicou uma fala de uma senhora da terceira idade, que os jovens expulsam a terceira idade do CCJ. E não é essa proposta, a proposta é que unifique essas pessoas. Então você vê, a gente tem muita gente indignada com muitas coisas, mas por outro lado a gente já avançou bastante coisa. A coisa que pega mais naquela região, o condicionamento da própria moradia mesmo. Porque, você vê, se uma criança mora em dois dormitórios com um pai que tem cinco filhos, e não tem um projeto social pra educar aquela comunidade, hoje aquela criança já tem outra criança, que já está tendo outro tipo de problema, demanda na questão da educação, e criando problemas. E isso o Governante não está olhando. E a minha maior discussão com as pessoas lá, que são os “amigos da onça”, que eu falo lá, pros meus amigos, que são os assessores de alguns políticos, é que é assim, nós temos um bairro que usa um “escadão”, com os problemas de logística local, e muitas senhoras que vem da igreja caem e se machucam. E aí, nós fizemos um abaixo-assinado, corremos atrás de várias coisas, colocamos no jornal e tudo, aí vem um vereador desses caras com tanto problema aqui que precisa ser resolvido no bairro, fazer emenda pra reformar o “escadão” . Então, essas coisas indignam um pouco a gente que tem um pouco de consciência da situação.
P - Netinho, o que você achou de contar a sua história?
R - Olha, se eu te falar pra você, assim, que de tudo assim que está no coração, eu não te contei nem um terço... Por que eu vou falar para você, a gente já sofreu demais, teve uma comunidade que a gente tomou muito tiro, teve colega nosso que foi ferido por pessoas que ele tomava barraco dos outros e a gente tinha que intervir, tem um monte de problemas. E a gente conseguiu resolver muitos desses problemas com a insistência de querer mudar a nossa comunidade. E hoje você vê uma comunidade ali na região nossa, eu vou pegar pra você dois bairros, três bairros locais, que é Brasilândia, Freguesia do Ó e Imperial da Cachoeirinha, com um milhão e meio de habitantes e não tem uma área de desenvolver lazer pras pessoas, e a avenida que foi criada pelo empresário lá, que por interesse de uma área particular, ele fez um pedaço de avenida, é onde as pessoas fazem caminhada toda manhã. E quando começou a fazer a discussão com o Posto de Saúde, para as pessoas criarem um meio de ajudar a saúde, tirar o sedentarismo, que as pessoas não tinham atividade nenhuma, e a discussão pegou entre os agentes pra criar grupos de pessoal, quando esse pessoal começou a andar sozinho, roubavam aliança, relógio, brinco, de outra comunidade. E a gente que foi atrás pra minimizar isso, para parar com isso. Então, pra você ver, se tivesse uma comunidade desenvolvida, com um projeto de lazer, hoje não teria muita... muitas coisas que ocorrerão lá, não teriam ocorrido, e muitas pessoas já faleceram por depressão, por arritmia cardíaca, vários tipos de problemas, causados por nervosismo, etc. Então, o lugar mais próximo para aquelas pessoas fazerem um exercício, tirando o Horto Florestal, que dá coisa de quase dez quilômetros longe da comunidade, seria Santana, seria Barra Funda. Então, são coisas que nós temos uma riqueza fora de série naquela região que é o fundo da Serra da Cantareira, onde tem quatro piscinas, lá, que foram feitas na época de 30, porque aquilo lá, quando eu cheguei, quando eu me conheci por gente, com 12 anos, que eu entrava naquele mato lá já tinha aquelas adutoras de água, aquelas caixas de água que viraram tudo piscinas, que passava água de uma para outra, ou então, tinha cachoeira a um, a dois, a três, a quatro, e quando foi que começou a evoluir o bairro, e um delinqüente matou uma macaquinha com filhote, e o guarda florestal pegou, não é muito lá a nossa única fonte de lazer que tinha lá, ele acabou. E isso foi acabando com essa degradação do avanço, por falta de discussão local, e de conhecimento, de pessoas que levassem ensinamento pra gente em algumas áreas. E a gente teve que buscar isso tudo fora, e hoje, tudo o que a gente aprende a gente leva lá pra dentro, discute. Eu tenho um problema grande que fizeram um “piscinão”, lá na época do Pitta, e eu estava em Brasília, e o Pitta fez um “piscinão” e era questão de eleição, e ele inaugurou o “piscinão”, sem ter terminado. Então tinha que fazer uma área de lazer porque no decreto tinha o “piscinão”, tinha a área de lazer, tem uma série de coisas que ele não fez. Ele só fez o “piscinão”, e aí eu falei com ele ao telefone: “Seu Prefeito cara de pau, você está entregando a obra sem terminar...” aquela coisa toda. E ele falou: “Não, a gente vai terminar, ao longo do tempo a gente vai terminar, porque a gente precisa não dei do quê...” e ficou lá, e tá... E o “piscinão” ficou lá, com um ano depois, o bairro empestiou de pernilongo de tal maneira que parecia uma peste, uma praga saída da bíblia, eram os gafanhotos, era pernilongo demais no bairro inteiro, e teve que fazer ações, e ações, e ações pra terminar com aquilo ali, e hoje o “piscinão” está lá dando um trabalho e enriquecendo pessoas, porque o “piscinão” dá 60, dava 65, até o ano retrasado, esse ano dá 75 de prestação de contas por mês lá, e o “piscinão” não tem nada, não faz nada, a máquina só fica rapa daqui e põe ali, e põe pra cá, e eles todo o mês pagam 75 mil pra empresa que faz esse trabalho aí, que é amigo do Subprefeito, e a gente sem nada no bairro.
P - Netinho, a gente teria que ficar aqui, acho que três dias pra conseguir escutar todas as suas histórias.
R - Ah sim, a gente tem um documentário lá, que a gente ficou uma semana contando as coisas, e não deu ainda. E é assim, muita coisa que passa, todo dia tem uma história no bairro, uma coisa diferente. É muito interessante, a questão é assim, que as coisas vão entrando, igual, eu estava na reunião agora, de manhã, e lá, nessa avenida morreu um senhor que eu aprendi muito com ele. Seu Daniel morreu atropelado, e direto está acontecendo que é a avenida Roosevelt, lá perto da Barra Funda. Aí, nós estávamos na reunião, teve uma senhora que foi pegar o leite na entidade lá e foi atropelada, aí o pessoal queria fazer uma manifestação, aí: “Não, vamos fazer.” “Falei: “Isso só acontece se paralisar as coisas, a ação na hora, senão, vai continuar morrendo um, vai atropelar o outro e o que vocês querem? Passarela? Só vai acontecer se vocês chamarem a atenção do poder público aqui e a imprensa, pra avisar o que está acontecendo. E antes de isso fazer, enfia o documento lá, pega o protocolo e vê a resposta. Depois faz o ato, porque aí vocês terão êxito. Onde a gente mora é a avenida da morte, morreu idoso, criança, e a gente fez um movimento lá, e hoje tem lombada eletrônica. Então, são coisas, assim, que acontecem todos os dias, toda hora na nossa frente, que vai fazendo parte da vida, da história da gente. Acho que está no sangue.
P - Muito obrigada por você ter dado uma paradinha...
R - Acho que está no sangue...
P - Com tanta luta ainda teve que contar pra gente.
R - Ah, eu confesso que quando você me ligou, e você falou assim: “Você desce na estação, e vira assim.” Aí eu falei pra menina: “Eu acho que ela está com pegadinha.”
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