Pra essa nova cidade, eu não vou. Não tem como viver. Lá as casas são tudo de alvenaria, lá ninguém vai construir casa de madeira, que é o que eu faço na minha profissão. Canoa você não vai fazer, porque é seco, a 17 quilômetros do rio. A minha opção veio logo: vou pra beira do rio.Co...Continuar leitura
resumo
Na cidade de Mutum-Paraná-RO, onde fez a sua vida profissional, Odilson aprendeu a fazer casas de madeira. Trabalhando com marcenaria, fez muitas das casas da cidade e constituiu a sua vida. Mas chegou o tempo da hidrelétrica, alagando a sua cidade. A Nova Mutum, cidade para qual os habitantes foram convidados a se mudar, não há casas de madeira. Odilson, então, resolveu retomar o rumo de sua vida.
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Depoimento de Odilson de Souza Lima (Seu Amazona)
Entrevistado por Gustavo Ribeiro Sanches
Mutum, 27/06/2010
MB_HV136_Odilson de Souza Lima (Seu Amazona)
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Seu Amazona, pra começar agora, eu vou pedir pro senhor falar o seu nome completo, o lugar onde o se...Continuar leitura
Depoimento de Odilson de Souza Lima (Seu Amazona)
Entrevistado por Gustavo Ribeiro Sanches
Mutum, 27/06/2010
MB_HV136_Odilson de Souza Lima (Seu Amazona)
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Seu Amazona, pra começar agora, eu vou pedir pro senhor falar o seu nome completo, o lugar onde o senhor nasceu e a data em que o senhor nasceu.
R – Meu nome é Odilson de Souza Lima, nasci em Manicoré dia 15 de setembro de 1954.
P/1 – E Manicoré fica onde, Seu Amazona?
R – Amazonas.
P/1 – No Amazonas?
R – É.
P/1 – E lá o senhor nasceu, o senhor vivia com quem?
R – Com meu pai, minha mãe, meus irmãos, meus familiares, né?
P/1 – Conheceu o seus avós?
R – Conheci.
P/1 – Como eram os seus avós? O que você se lembra dos seus avós?
R – O meu avô era magro, moreno, alto. Minha vó era baixa, forte, morena.
P/1 – E eles faziam o que da vida?
R – Só trabalhavam em agricultura.
P/1 – Trabalho em agricultura.
R – É. Mexiam só com roça, cortar a Seringa. Na época meu avô foi... Ele era do Rio Grande do Norte e foi pra lá pra cortar Seringa na época. E aí já nasceram meus pais e aí foi criando a família toda.
P/1 – Seus pais também trabalhavam na agricultura e roça?
R – Trabalhavam só em roça, cortar Seringa, tirar castanha, colher a castanha, sorva, maçaranduba, na época que era o produto da Amazônia.
P/1 – A sorva é o que, a sorva?
R – É uma árvore que se tira o leite dela, coloca pra ferver e faz o látex. É tipo quase a Seringa, ela fica depois de pronta.
P/1 – E aí com esse material da pra fazer o que?
R – Aí você vende pra fora, leva embora pra São Paulo. Até hoje ainda tem gente que mexe com isso ainda. Mexe com negócio de pneu, negócio de chiclete, essas coisas tudo são feitas com... O chiclete é feito com leite, com o negócio da maçaranduba, sorva. Se você temperar ele fica um... A sorva você toma o leite que nem toma leite de gado. Não faz mal, não. Você pode tomar ele à vontade.
P/1 – E que outras coisas tinha que vocês exploravam lá?
R – Pescaria.
P/1 – Pescaria?
R – É. Peixe.
P/1 – Pescava desde cedo, Seu Amazona?
R – Desde criança. Ia lá, minha família, meus irmãos que nasceram e se criaram lá todos são pescador, todos sabem pescar.
P/1 – E lembra a primeira vez que o senhor pescou?
R – Lembro uma vez que foi com o meu pai. Foi um Pirarucu, da poupa da canoa o bicho me jogou na água, se não fosse meu pai tinha me levado embora.
P/1 – E aí o seu pai te ensinou assim, levou-te pro rio e...
R – É. Eu ia direto. Desde criança eu andava com ele pra todo o canto. O que ele fazia eu ia aprendendo de pescaria, de cortar Seringa, de tudo, né? Ia aprendendo o que ele fazia. Quando ele não tinha outra coisa pra fazer ele ia fazer casco que nem esses aqui. Casco de forma. Eu aprendia com ele, trabalhava com ele, ajudava a alinhar, marcar, tudo. Aí fui aprendendo na minha vida todo o serviço, graças a Deus meu pai era um senhor muito, graças a Deus, trabalhador. De moral, todo canto aonde ele chegava, graças a Deus, todo mundo gostava dele.
P/1 – Dava bem com ele?
R – Até hoje. Queria ter meus pais até hoje, embora que ele não dava conta de andar eu queria transportar ele pra todo canto, mas queria tê-lo e minha mãe viva ainda.
P/1 – Tá certo.
R – Porque, como diz o ditado, até hoje o que sei, o que eu aprendi, tudo eu aprendi com eles. Graças a Deus eu...
P/1 – E a mãe do senhor? Conta um pouco da mãe do senhor pra gente.
R – Ah, a minha mãe é pessoa... Uma dona de casa dedicada a família que não deixava a gente sofrer nada de jeito nenhum sem ela estar presente, não. Ali era constante na vida da gente, não tinha boca, não. Por mais que a gente saísse pra andar, mas se não desse notícia pra ela estava feio de jeito. Não tinha boca, não.
P/1 – E o senhor falou que tinha irmão, tinha muito irmão? Quantos irmãos o senhor tinha?
R – Nós somos nove. Seis homens, três mulheres. Aqui só estamos eu e outro rapaz, outro meu irmão assim moreno. Estamos eu e meu irmão também. Eu tenho...
P/1 – A casa era cheia?
R – Era. Até hoje todo mundo quando eu... Agora não porque eu quase não tenho ido a rua, mas depois que eles faleceram, que antes deles falecerem os dois, cada qual tinha a sua casa, mas todo sábado a gente estava reunido em uma casa só. Hoje tem a minha irmã, minha irmã mais velha que bem dizer ela é nossa mãe, que quando é final de ano sempre a gente reúne todos na casa dela em Porto Velho.
P/1 – Vocês ainda conseguem reunir todos os irmãos?
R – Ah, consegue. Mora tudo em Porto Velho, o mais longe que está morando sou eu que estou aqui no Mutum. Mas os outros todos moram dentro de Porto Velho mesmo. As irmãs todas. Graças a Deus.
P/1 – E o senhor falou pra mim então, vocês pescavam, vocês trabalhavam na Seringa, na agricultura, o que mais vocês faziam?
R – Lá mesmo era roça. Entendeu, na época derrubava mato pra fazer reflorestamento, que quando nós éramos rapazinhos apareceu o primeiro negócio de reflorestamento de Seringa, né? Que era do Amazonas. Aí nós trabalhamos muito com reflorestamento, plantando mudas de Seringa. Reflorestando, né? Aí depois passamos só mesmo a se dedicar só a cortar Seringa e pescar.
P/1 – Conta mais esse negócio do reflorestamento. O que é esse negócio do reflorestamento?
R – Reflorestamento é derruba a mata, eles derrubavam a mata na época e já aproveitavam mais capoeira, que na época tinha muita capoeira de mata... Que você plantava a roça, aí tirava a roça e ficava aquele capoeirão. Aí eles derrubavam pra plantar as mudas, né? Porque a Seringa nativa estava se acabando muito, estavam fazendo muita derrubada e estava atingindo o seringal. Que nem pra cá, pra essa região aqui não tem mais seringal completo. Está tudo devastado. Onde você ainda acha um seringal bom ainda é na beira do rio assim, onde não foi derrubado tem muito ainda. Aí fazia o reflorestamento, já mudava o jeito da gente trabalhar, porque lá depois que começaram a mexer com reflorestamento foi feito já... Não era mais colhido o leite pra fazer a borracha, que a gente fazia. Era só já o coágulo, os blocos de prensado. Aí ia embora pra São Paulo pra fazer pneu, mexe com pneu. Os pneus melhores que tem são feitos da borracha. É por isso que fizeram manter o reflorestamento das seringas direto.
P/1 – Conta uma coisa, Seu Amazona, quem que contratou vocês pra fazer reflorestamento, o senhor lembra? Era gente de fora?
R – Na época foi o senhor Joaquim Avelino da Rocha. Era o dono da propriedade, foi que pegou... O pessoal que veio de São Paulo o achara e conseguiram a terra com ele, que ele era um dos maiores seringalistas da região, aí cedeu uma área pra fazer reflorestamento. Ele contratava a gente pra trabalhar com eles, pagava a diária na época. Cinco cruzeiros na época era uma diária de serviço.
P/1 – Isso o senhor tinha quantos anos?
R – Eu tinha 18 anos na época.
P/1 – Dezoito anos. E me conta agora, o senhor estava começando a me falar um pouco da diferença da Seringa do reflorestamento da Seringa natural. Qual é...
R – A reflorestada ela dá mais leite. Ela é uma Seringa que você a corta... Não pode cortá-la todo dia. É um dia sim, um dia não. Só que você corta num dia, ela passa até no outro dia escorrendo leite ainda. E a nossa nativa, não. A nativa só tem em média 12 horas só pra... E o leite é mais forte, né? A outra tem um leite mais ralo, só que produz mais. Na nossa região lá. Pra cá, quando eu cheguei aqui pra cá tinham feito um reflorestamento, mas não foi pra frente, não. Você vê pode passar na Embrapa em Porto Velho. Na Embrapa ainda tem um pedaço do reflorestamento lá. Não sei se já derrubaram lá. Ali não derruba, não, que aquilo é relíquia da cidade ali.
P/1 – Então a própria Seringa chegava a ser diferente?
R – É. A fruta dela também, maior da reflorestada, a semente é maior e da nossa nativa é menor. Mas porque eles pegam a mistura de uma com a outra, aí vão produzindo.
P/1 – Seu Amazona, tinha um jeito diferente, como é que era? Tinha um corte específico pra explorar? Tinham vários cortes?
R – Depende do... Cada região era um tipo de corte, né? Porque na nossa região, por causa de que os patrões da gente eram o... O ganho que eles tinham era da Seringa na época. Então eram os maiores seringalistas. A gente tinha que trabalhar com eles, na época lá as bandeiras, bandeiras que a gente chama era os coisos que tirava pra cortar, a gente media a altura da gente e às vezes fazia uma escada assim, com dois degraus, que eu era menino, eu não dava a altura dos adultos, aí eu tinha que fazer uma escadinha com dois degraus pra poder pegar a altura certinha pra cortar. A largura da bandeira era uma chave de largura com dois dedos de um corte pra outro assim. Cada dia era dois dedos até chegar embaixo. Quando terminava aquela bandeira a gente puxava outra do lado. Quando chegava na metade do ano aquele que a gente tinha cortado no começo do ano já começava a cair a casquinha, já dava de trabalhar cortar entremeio de novo. E essas outras que esse pessoal corta, até hoje ainda passa na reportagem, às vezes até passa na reportagem da televisão aí, eles maltratam demais, eles cortam miudinho. Pra nós aquilo se chama espinha de peixe na nossa região lá. Ali não presta. Enfraquece muito o leite da Seringa e mata a árvore. Eles fazem uma bandeirona grande e cortam assim. Você pode ver, na televisão aparecem eles cortando assim. Mas não pode cortar assim porque aí pra nós se chama degolar a Seringueira, né? Porque tem uns que não sabem cortar bem, aí cortam e vai... A Seringa tem três tipos de cor de casca. Tem a primeira em cima meio roxeada, a segunda mais amarelada e a terceira é a branca. Se você passar daquela branca já vai pra madeira e não pode ultrapassar aquela branquinha, tem que ser só na rosinha e na mais amarelada. Aí no outro ano a Seringa já está ficando lisa já a casca.
P/1 – Isso tudo o senhor aprendeu com o pessoal do reflorestamento ou você na prática?
R – Não. Isso eu aprendi com meu pai já.
P/1 – Seu pai já te ensinava.
R – É. Primeiro eu aprendi com o meu pai, que foi ele que me ensinou desde cinco anos, que nem essa menina minha aí que tem cinco anos, seis anos. Era direto já... Porque dava aquelas seringueiras que não davam leite, fraca, fraca. Não tinha serventia pra gente cortar, aí meu pai colocava pra eu aprender naquelas. Porque às vezes a mão dela estava meio pesada, aí triscava num pau. E na que eles trabalhavam ele não deixava. Quando foi já da idade de oito anos já, aí eu já comecei a cortar Seringa mesmo já com meu pai mesmo. Já cortava direto com ele. Com dez anos eu fui trabalhar já com patrão. Meu pai arrumou um patrão pra mim, mas só quem acertava as contas da gente na época eram os pais da gente. Porque na minha época até 18 anos quem mandava na gente era o pai e mãe. Então aí quando eu inteirei 18 anos eu já tinha oito anos que eu trabalhava de empregado já pros outros cortando Seringa direto. Eu cortava Seringa de manhã, que nós saíamos sempre na época era cedo. Eram 11 horas da noite, 12 horas a gente saía pra estrada. Aí chegava dez horas, uma hora dessa a gente estava chegando com leite, já defumava, acabava de defumar aí você pegava um machado, quando não o facão e ia pra roça trabalhar. De noite chegava, só jantava, dava um sono, quando era dez horas, 11 horas já ia pra estrada de novo. Quando era tempo de pesca a gente a tarde ia pescar. Às vezes eu ia pescar na boca da noite, chegava já na hora de ir pra estrada, na mesma hora já ia embora. Era novo, não sentia canseira nem nada. A vida foi essa. Até hoje, Graças a Deus. Essa noite mesmo eu cheguei do rio era quase meia noite que nós chegamos essa noite. Só que não deu nada de peixe. Nós fomos atrás de pegar umas iscas, não conseguimos.
P/1 – Não conseguiu. Seu Amazona, conta uma coisa, o senhor me explicou direitinho toda a coisa da Seringa, tal. Depois que você extrai o leite, o que faz? Você disse que defuma, mas como é que faz? Leva pra casa? Explica.
R – Não. A gente tem uma casinha que nem aquela casa ali, tem o que eles chamam pra lá de defumador. Lá tem uma casinha lá, a gente defuma, lá mesmo a gente deixa a borracha. É perto de casa mesmo, que você vem pra defumar em casa, né? Aí deixa lá, vai fazendo. Na minha época lá era a cada 30 dias o patrão ia buscar ou a gente ia entregar a borracha no patrão. A gente fazia duas borrachas, duas peles de borracha. Chama pele de borracha. A gente pudesse carregar, que na época era 60 quilos, 70 quilos, era a carga que a gente podia levar. Às vezes era meio longe pro patrão, às vezes dava duas horas, três horas de viagem pra chegar aonde a gente entregava a borracha. Então não fazia muito grande que é pra poder chegar pra entregar.
P/1 – Seu Amazona, além de vender a borracha pra ele vocês faziam alguma coisa pra vocês? Chinelo...
R – Fazia.
P/1 – Fazia?
R – É. A gente fazia muito sapato. A gente usava só mais era sapato de Seringa pra andar no mato.
P/1 – E como é que faz o sapato de seringa?
R – A gente faz a forma, mede a madeira que é no tamanho do pé da gente, faz uma forma, o formato do pé da gente, né? E aí a gente defuma. Vai lá, pega a borracha quando tá com uma borracha já meio pequena, a gente defuma ela um pouco, faz uma pele meio grossa nela, tira, dobra, já defuma um pouco na forma. Já tá meio grosso o formato do sapato. Aí você pega aquela pedra que você tira da borracha, cola ele embaixo que serve de solado, que nem do mesmo jeito. Do jeito que você pagou um desse aí, do jeito que é esse aí você faz, de Seringa. Do mesmo jeitinho, com todos desenhos que você quiser fazer você faz.
P/1 – Aí cola embaixo…
R – Aí cola e defuma em cima de novo. Você com a ponta de um facão ou de uma coisa você faz os detalhes todinhos que você quiser fazer. Depois de seco se você não prestar atenção mesmo você jura que é um sapato feito em qualquer uma... Saco de encerado que a gente chama, saco de encerado pra carregar roupa pra não molhar.
P/1 – Feito de borracha também?
R – É. Pega esse saco de açúcar, é claro que a gente fazia com saco de açúcar na época, saco de 60 quilos, a gente faz uma armação de pau, enfia ele bem esticadinho, aí vai molhando o leite nele e defumando. Depois você coloca no sol pra secar. Aí você quer cruzar um rio desse aí, se você não tiver boia pode amarrar a boca dele, jogar dentro da água e montar em cima. Vai pra qualquer canto em cima dele. Não entra água de jeito nenhum.
P/1 – Que mais fazia? Fazia bolsinha, fazia de tudo com a borracha?
R – Bolsa, patona, que nós chamávamos, com todo tipo de bolso, você colocar isqueiro, colocar tabaco, eu fumava, né? Cartucho que na época a gente caçava, colocava cartucho, às vezes colocava até fazer uma coisinha, colocar farinha, sei lá, ia pro mato. Fazia tudo. Bolsa. Tudo a gente fazia porque não tinha, na época não existia. Era tudo feito manual mesmo.
P/1 – E a Seringa dava pra explorar o ano inteiro ou tinha período?
R – O ano todo.
P/1 – O ano todo. Lá não tinha cheia?
R – Só que no inverno, na época do inverno a gente perdia muito leite por causa da chuva.
P/1 – Ah, tá.
R – Porque agora na época... Que nem agora, agora tá na fase que você não perde leite, só que a seringa cai muito de produção o leite porque se você pega uma que dá 20 litros, 28 litros de leite, nessa época ela vem pra média de 14, 15 por causa de que elas estão sem folha e estão brotando as folhas já junto com a flor. Aí ela diminui bastante o leite.
P/1 – Entendi. E deixa te perguntar, o senhor contou pra mim toda uma rotina de trabalho, trabalhava-se muito de criança. E tinha um dia de folga? Tinha... Como é que era?
R – Só sábado do meio dia pra tarde. Do meio dia pra tarde até domingo de tarde era direto.
P/1 – Aí você estava liberado.
R – Estava liberado.
P/1 – Aí vocês faziam o que nesse período?
R – A gente ia bater bola. Eu não gostava quase de festa que nem hoje. Até hoje eu não gosto. Eu ia pescar, ia pro rio pescar e quando era domingo, as vezes que eu estava com dois, três Pirarucu já salgado, já tinha ganhado o dinheiro, bem dizer, da semana. Por isso que, graças a Deus, eu nunca soube o que foi sofrer falta de dinheiro assim, graças a Deus, todo canto que eu chego... Que nem aqui. Aqui se eu to fazendo uma canoa dessa aqui eu trabalho até de tarde, quando é de tarde eu janto, às vezes nem janto, pego uma farinha, levo, vou pro rio, coloco umas dez, 12 malhadeiras, quando dá sorte pega 30, 40 quilos de peixe, de manhã eu já to com o dobro do dinheiro que eu já ganhei aqui no outro dia, né? Então, graças a Deus, eu nunca soube o que foi dizer: “Não, eu to passando necessidade de dinheiro”. Por isso que eu falo pra minha mulher, falo pros meus meninos, não sei se daqui pra frente agora com o negócio dessa mudança eu não sei se nós vamos passar necessidade.
P/1 – Agora, na sua infância também era assim? Não se passava necessidade?
R – Não. Graças a Deus tudo nós tínhamos de bastante. Desde o arroz, feijão, café, açúcar. Açúcar a gente comprava, mas a gente fazia mais era mesmo em casa. Minha mãe fazia muito açúcar feito de cana mesmo. E café nós tínhamos, até hoje todo canto que eu moro... Porque nós não colhemos agora, mas dava pra tirar bem mais de uma lata de grão que tem nesses pés aí. Todo canto. Nosso café nós mesmos produzíamos, nós tínhamos no quintal. Nosso quintal lá, nós tínhamos um lote e a gente plantava tudo dentro. Arroz, todo ano a gente colhia arroz que dava pra passar de um ano pra outro, às vezes vendia ainda, feijão também do mesmo jeito. Ninguém comprava, não.
P/1 – Então dava pra vocês comerem e ainda vender um pouco?
R – É. E a farinha principalmente. Farinha a gente produzia bastante, porque quando era no inverno que ficava difícil, começava a chover bastante, aí começava a estragar muito o leite da seringa, aí nós dávamos uma parada, às vezes dois meses, três meses, aí é só fazer farinha pra vender.
P/1 – Por que se vendia muito farinha?
R – Ah, vendia muito farinha. A gente fazia às vezes 25, 15, 20 sacos toda semana quando nós estávamos trabalhando direto. A gente tinha o cevador de cevar mandioca, colocava um bocado na água e ia sair a rapa.
P/1 – E os irmãos trabalhavam tudo junto?
R – Tudo junto.
P/1 – Um monte de irmão trabalhando junto.
R – Tudo junto, graças a Deus.
P/1 – Não dava problema?
R – Não. Deus me livre. Nosso pai... Hoje em dia você não pode mais educar um filhos, bem dizer pela educação que a gente, eu tive, os seus pais eu sei que tiveram a educação mais ou menos que eu tive. Até hoje, eu to com a barba tudo branca, eu chegar à minha região, as pessoas que são mais velhas do que eu, eu chego lá, eu vou tomar benção deles. Porque foi o que eu aprendi, né? Eu fui criado desse jeito. Eu fui criado num sistema que documento, negócio de papel assinado pra nós não tinha valor. O documento nosso era palavra de um pro outro. E eu sou desse jeito, se eu tratar um negócio... Eu vejo que eu tenho um bocado de dinheiro espalhado por aí, negócio de canoa, o cara vem e faz pra pagar em duas vezes, eu não peço, não exijo documento, não. E quando eu vejo que eu vou fazer negócio numa loja, numa coisa que o cara começa a exigir tanto documento eu largo de mão. Não. Pra mim não dá, não. Eu sou um homem de uma palavra só e eu não gosto de muita coisa. Esse negócio de testemunha, essas coisas pra mim, isso pra mim é frescura. Não tem muita coisa, não. Já deixei de comprar em várias lojas em Porto Velho por causa disso.
P/1 – Por causa disso.
R – O cara chega me vê, que eu só ando, agora eu só ando... Na rua eu coloco uma camisa. Eu vou de camisa, mas é bermuda, negócio de chinelo.
P/1 – Tem coisa melhor?
R – Já cheguei numa loja em Porto Velho que eu fui, bem dizer, discriminado pelo gerente da loja.
P/1 – Por causa de...
R – Eu estava com cinco mil contos no bolso. Eu estava só de bermuda e de camisa e um chinelo. Só que ele estava bem limpinho, que esse aqui é chinelo de eu trabalhar, né? Quando eu vou calço um chinelinho decente, umas alpercatas. Os antigos não gostam daquelas alpercatas de couro e é a que eu tenho guardada. Quando eu vou pra cidade, tá bem limpinha, eu vou com ela. Cheguei numa loja lá pra fazer compras, ah, pra que, o cara começou eu falei: “Então, dá… que eu trabalhava era isso e aquilo outro”. Eu digo: “Meu amigo, eu não vim fazer foi confissão, não. Eu vim foi atrás de comprar objeto”. Aí chegou lá um cara lá com... Um advogado que eu conheço. Eu tenho um advogado barrela pra caramba, porque em Porto Velho os advogados ali eu conheço quase tudo. Eu trabalhei durante 18 anos com o finado Camelo, as pessoas antigas ali eu conheço tudo. Advogado, juiz.
P/1 – Tudo em Porto Velho?
R – É. Aí eu cheguei lá tinha um advogadozinho com uma pastinha lá, o que… desgraçado lá, pegou, foi lá e já liberaram lá o que ele queria comprar. Aí o cara começou, eu tinha que arrumar quatro testemunhas. Eu digo: “Não, meu amigo, deixa pra lá”. Tinha uma loja bem do lado, cheguei lá com o cara: “Rapaz, quanto é?”. Eu queria comprar uma máquina de lavar roupa, uma máquina de costura, uma furadeira e um ventilador. Eu ia comprar, né? Só que eu queria diminuir a... Comprar, pagar em duas vezes, pagar metade e metade com 30 dias. Começaram com aquela burocracia, eu digo: “Quer saber de uma coisa? Vou comprar logo à vista tudo”. Mandei o cara fazer lá, na lista que o cara tinha feito eu baixava 120 contos, na primeira lista. E um freezer também que eu ia comprar. O cara quando chegou lá que me viu mandando o cara só fazer a nota, o vendedor que estava lá parceiro do que estava me atendendo, do gerente da loja lá, viu que eu entrei na loja ao lado, chegou lá e saiu atrás de mim. Eu conversando com o outro vendedor, ele saiu atrás de mim, só: “Eu quero esse aqui, quero esse aqui, quero esse aqui. Pode fazer a nota fiscal e ver o desconto que vocês me dão aí que eu vou levar tudo”. Aí o cara ficou doido e foi lá com o gerente, veio o gerente lá me chamar eu digo: “Não. Desculpe. Já eu... Vocês não podiam me atender. Eu vou levar logo tudo à vista que eu não fico perdendo muito tempo, não”.
P/1 – Tá certo.
R – Aí os caras ficaram... Agora a minha mulher é cliente lá dessa loja. Eu não ando nem lá, eu sou meio...
P/1 – Isso é de criação. Então aprendeu com o seu pai...
R – É. Meu pai, graças a Deus, na época... Meu avô então é daqueles que deviam comprar, se ele ia a uma chácara dos vizinhos, dizia: “Dá esse porco desse aqui...” que na época lá a gente mexia muito com porco “Dá esse porco desse daqui. Eu te dou tanto hoje e tanto daqui 30 dias”. O cara não pedia nem documento nem nada. Era desse jeito. “Então tá bom. Pode pegar o porco que você quiser aí”.
P/1 – Tá certo.
R – Então eu fui criado desse jeito. Quando eu chego num canto que o cara começa a fazer muita coisa eu já... É que eu vou ter problema com esse pessoal da firma aí é por causa disso. Que eu já avisei eles uma porção de vezes: “Olha, meu amigo, eu não gosto de andar atrás de ninguém”. Eu não gosto que ninguém ande atrás de mim porque quando eu faço meu negócio se não der pra eu cumprir no dia, antes de chegar o dia eu vou lá e converso com o proprietário, com a pessoa, digo: “Olha, o negócio deu assim, assim...”. Quando eu faço um negócio é porque eu já to com o dinheiro já no jeito de fazer. E eu não quero, eu falei pra eles: “Eu não quero ficar andando atrás de vocês porque eu não quero terminar o resto dos meus dias na cadeia”. Porque até hoje, graças a Deus, eu sou um cara que pode puxar minhas fichas todo canto...
P/1 – Ficha limpa.
R – É. Graças a Deus. Loja aqui em Porto Velho só basta eu ligar daqui pra lá: “Manda peça...” Passar um taxista, manda uma peça pra mim do motor ou manda o motor pra mim que eles não perguntam nem que dia que eu vou pagar. Já manda, graças a Deus.
P/1 – Seu Amazona, deixa voltar um pouquinho no tempo, que o senhor disse então pra mim que... O senhor tinha falado, antes da gente começar a falar disso, que com 18 anos o senhor foi trabalhar por conta própria.
R – Foi. Trabalhar por conta própria assim, porque eu arrumei a primeira mulher e meu pai era desse que se o cara arrumasse uma mulher dizia: “Você pode morar a primeira noite e a segunda dentro da minha casa, mas a terceira você já tem que estar no seu cantinho pra não...”. Aí eu com 16 anos arrumei a primeira mulher, mas só que aí não deu certo, logo nós nos separamos. Mas só que eu fiz logo o meu barraco. Aí minha mãe ficava chorando muito, né? Porque eu abri meu barraco, eu não queria mais voltar pra dentro de casa. Minha mãe ficava chorando, todo dia mandando recado pra mim, aí eu voltei a morar de novo com a minha mãe, com meu pai. Que a nossa casa lá onde eu morava tinha 22 metros de comprimento com seis quartos, só quarto grande, cada dois irmãos dormia num quarto.
P/1 – Como que era essa casa? Feita do que? Como é que era?
R – Toda de madeira.
P/1 – Tudo de madeira.
R – Toda de madeira. Serrada toda a madeira no serrotão.
P/1 – E cada um com seu quarto.
R – Cada um nos seus quartos. Assoalho, e era tudo madeira de primeira. Na época nós tínhamos tudo louro-chumbo, uma madeira que não acaba com água, ela é toda matizada. Toda feita plainada, na plaina manual. Tudinho bem lisinho.
P/1 – Construída pelo seu pai?
R – Por nós, que nós já éramos já... E meu pai era o puxador da turma. Aí quando nós não dávamos conta de aguentar trabalhar com ele, porque nós éramos pequenos, ele arrumava os vizinhos, trocava dia com os vizinhos. Porque eu da idade de oito anos pra frente eu aguentava... Dez anos mesmo eu já fui pra aguentar o trampo com o meu pai o dia todo. É por isso que eu tenho o meu menino. Meu menino tem 11 anos aí, ele trampa comigo numas canoas dessas aqui o dia todo. Ele que me ajuda com essas canoas aí. Ele pega uma tábua dessa aqui, uma tabuona dessa aqui, tem muito homem já grande mesmo de barba que não dá conta de pegar uma tábua dessa de um lado e eu do outro. Ele pega de um lado, eu pego do outro e nós sai pra todo canto aí. Ele tem 11 anos. Ele marca, pode colocar pra ele: “Olha, eu quero que você marque uma canoa dessa daqui todinha”. Ele pega um caderno desse aí e te mostra...
P/1 – O tamanho.
R – O tamanho, a largura, quantos centímetros da pra fazer pra ela ficar...
P/1 – Tá certo.
R – To ensinando o que eu aprendi, né?
P/1 – Do jeito que você foi criado.
R – Tenho outro. Tenho outro rapaz meu que mora na rua. Ele tá até aí também, mas só que esse ano começou a trabalhar, aí eu separei da mãe dele, aí pronto. Tá trabalhando por conta própria. Só que também desde a idade de oito anos também foi pra manter a escola dele tudinho. Trabalhando em Porto Velho. Ele trabalha numa lanchonete desde menino. Agora é uma lanchonete e um restaurante. Eles estão se virando.
P/1 – E me conta uma coisa. O senhor voltou pra casa depois, foi muito difícil voltar pra casa ou o senhor deu conta?
R – Não. Não foi muito difícil, não. Eu ficava com vergonha, né? Porque o meu pai, depois que o cara saísse de casa naquela época era meio difícil. Mas só que eu não saí por ignorância, saí por causa de que eu tinha arrumado mulher. Eu desde a idade de dez anos que eu fazia tudo, graças a Deus, tudo que eu fazia meu sobrava de dinheiro. Tanto que eu dava conta de sustentar eu e a minha mulher, ou se fosse preciso eu sustentar a minha mãe, que nem eu sustentei minha mãe e meus irmãos tudinho durante um ano e seis meses. Eu com dez anos de idade, quando o meu pai saiu de casa eu estava com dez anos, quando ele chegou eu estava com 11 anos e seis meses. Porque ele veio pra Porto Velho, que minha vó adoeceu. Veio pra Porto Velho e minha vó adoeceu em Porto Velho, aí ele passou um ano e seis e eu aguentava a barra da minha mãe. Eu cortava Seringa, eu pescava, eu trocava dia de capina com os outros que eu não garantia derrubar pau de machado. Na época era só no machado pra fazer roça. Aí eu trocava de capina, que eu na enxada eu era feroz, eu trocava com as pessoas já de idade mesmo, quando chegava o dia eles vinham me ajudar pra nós plantarmos nossa roça, capinar, fazer tudo. Aguentei, graças a Deus, nunca deixei meus irmãos nem minha mãe passar necessidade. Eu com dez anos de idade na época. Daí eu fui levando a vida, graças a Deus.
P/1 – Conta agora um pouco depois desse período que você voltou pra sua casa, o que aconteceu na sua vida?
R – Aí eu fiquei morando. Foi o tempo que minha família, meu pai vieram embora pra Porto Velho, né?
R – Você tinha quantos anos quando eles vieram pra Porto Velho?
R – Eu já tinha 17 anos já quando eles vieram embora. Aí começaram a sair. Eu voltei pra minha mãe eu tinha 16 anos, né? Eu passei um ano e pouco fora de casa, aí eu voltei com 17 anos já. Fui ficando em casa. Quando eles começaram a vir pra Porto Velho, meu tio foi busca-los porque disse que a vida era melhor, não sei o quê, ia colocar os pequenos, que estavam menores pra estudar. Eu não estudei, fui nascido e criado... A única aula que eu tive foram seis meses de aula só. Graças a Deus, pelo menos assinar o nome e fazer conta eu aprendi bem. Escrever e ler eu não aprendi quase, mas conta, graças a Deus, eu aprendi. Porque a matemática é um troço que serve demais pra gente.
P/1 – É importante.
R – É. E aí eu aprendi, graças a Deus. Eu não me enrasco. Você pode me dar a planta de uma casa, de uma coisa, de um prédio, de uma coisa que eu sei todo como começar nele. Então, graças a Deus, eu...
P/1 – Tá certo. Enganar ninguém vai te enganar.
R – Ah, é difícil. Pode enganar assim, que nem esse pessoal daí da firma que eu já tive um pega com eles na rua por causa de documento. Se eu assinar um documento eu quero ter a cópia dele, né? Eles não me deram. Falaram que iam me entregar aqui, mandar, com 15 dias o documento estava chegando aqui. Já vai fazer 40 dias e ainda não apareceu. Eu to lá no escritório eu vou exigir a cópia do documento que eu assinei pra ele.
P/1 – É. O senhor tem o direito. Agora me conta, então eles vieram pra Porto Velho e o senhor veio também?
R – Ah, eu fiquei lá, né? Passei mais dois anos, aí foi quando eu vim embora.
P/1 – Mas aí esses dois anos você ficou sozinho?
R – Sozinho. Eu tinha a minha irmã que morava vizinha, que a casa dela era vizinha da minha. Eu morava sozinho. Aí eu não quis mais arrumar mulher porque lá só tinha mais era só moça. Desde aí eu fiz uma promessa, depois que deu esse negócio que eu vim embora pra rua, nunca mais mexer com filha. Eu era rapazinho, mas nunca... Se eu namorava uma menina e ela dizia que era moça eu acabava o namoro na mesma hora. Nunca quis mais arrumar confusão.
P/1 – Que ela era moça é que ela não tinha casado ainda? O que era?
R – Porque nunca tinha feito nada, né? Então era moça. Pra mim ia dar o mesmo problema que eu tinha tido com a primeira, que me fez perder tudo que eu tinha. Eu acabei com meu comércio, acabei com meu dinheiro tudo por causa de que? Por causa de que eu tinha que vir embora, senão o velho, o pai dela me matava ou eu o matava.
P/1 – Isso a primeira mulher dos 16 anos.
R – A minha mulher dos 16 anos, mas ela já tinha sido casada com um cara aí se separaram. Eu juntei com ela, mas não deu certo, eu larguei. Daí comecei a namorar essa que deu problema pra minha vida, eu ir embora, né? Eu ter que vazar fora. Desde lá, graças a Deus, eu...
P/1 – Você chegou a ter comércio então até lá no Amazonas?
R – Teve. Graças a Deus eu passei três anos só mexendo com comércio, mas eu trabalhava, né? Eu cortava Seringa, porque eu lá só atendia final de semana o comércio. Eu só atendia final de semana porque todo o pessoal da região lá da vila, que era tipo uma vila, só que era menor do que aqui. Era mais ou menos tinha o povoado que tem aqui, mas só que era longe, morava longe um do outro, um pra um igarapé, outro pra outro lado, outro pro... Não era tudo junto. Então só eu vinha, comprava mercadoria sábado e domingo, né? Aí eu trabalhava, a semana todinha também eu estava trabalhando. Cortava a Seringa, fazia empreitada de derrubada. E aí aquele dinheiro que eu ia ganhando das minhas diárias, da minha produção, aquele dinheiro eu ia depositando tudo no meu patrão. Aí o que eu conseguia juntar na época ainda, eu juntar oito milhões e 800 contos. Quando eu vim embora eu recebi só oito milhões. Oitocentos contos ficaram todos pra lá. E a mercadoria que eu tinha todinha eu dei todinha pras minhas tias.
P/1 – Pra elas poderem ficar...
R – É. Dividir. Eram três tias que eu tinha lá, dei pra elas: “Vocês dividem essa mercadoria todinha. A casa vocês irmãs fazem o que vocês quiserem dela, toda madeira boa, que eu vou embora. Daqui pra frente a vida agora vai ser outra”.
P/1 – E aí você foi pra Porto Velho.
R – E aí eu vim pra Porto Velho.
P/1 – E como foi chegar a Porto Velho? Era muito diferente?
R – Diferente o seguinte, mas eu fui um cara que sempre... Eu cheguei a Porto Velho era 11 horas da manhã, quando foi uma hora da tarde eu estava trabalhando. É porque eu tinha uns tios já em Porto Velho que mexiam com construção, mestre de obra, aí eu cheguei, de cara eu topei com o meu tio com uma construção bem vizinha de onde meu pai estava morando. E meu pai morava numa estância, né? Eu já cheguei, já peguei um quarto na mesma estância. E aí já cheguei era 11 horas da manhã, quando foi uma hora já estava no martelo trabalhando direto. Aí pronto. Eu trabalhei um ano e oito meses com esse meu tio lá em Porto Velho, fazendo construção, construindo casa. Aí deu uma zebra lá, já estava encaminhando pro lado errado, já não estava me pagando direito aí foi quando eu arrumei um patrão. Aquele foi um segundo pai pra mim.
P/1 – Esse patrão que o senhor arranjou.
R – É. Em Porto Velho vocês devem procurar pelas pessoas antigas lá se sabem quem era Frederico Simão Camelo. F S Camelo desde a região Amazônica que quando eu era menino já tinha a F S Camelo que era uma coisa de embarcação que ele tinha no Madeira. Morava em Porto Velho, ele cuidou da bacia leiteira aqui em Rondônia. Mexia com reflorestamento também. Quando eu comecei a trabalhar com ele em 76 ele estava mexendo com reflorestamento.
P/1 – O senhor tinha quantos anos quando você o conheceu?
R – Eu estava com 25 anos.
P/1 – E como é que foi isso? Você viu uma vaga de emprego? Você foi falar com ele?
R – Não. Eu trabalhava de diária, né? Eu estava trabalhando fazendo diária na rua, fazendo bico que a gente chama, né? Aí eu estava construindo uma casa em vizinha de onde eu estava morando, um barracãozão que era um monstro, um barracão grande. Aí eu fui lá com o dono lá da empreita perguntar se não tinha uma vaga pra um ajudante, que sempre quando eu sei fazer as coisas, mas aonde eu vou atrás do serviço sempre eu procuro uma vaga mais baixa do que eu sei fazer, né? Aí o rapaz falou: “Rapaz, eu estou precisando de um cara pra ajudar a gente aqui. Mas você tem ferramenta?”. Eu digo: “Rapaz, eu tenho uma ferramentazinha velha.” “Você sabe fazer o que?” “Bom, o que vocês passarem pra fazer pra mim de madeira talvez eu entenda um pouco, né?”. Porque eles estavam esquadrejando as casas primeiro, o barracãozão. Um barracão de 30 metros de comprimento por 17 de largura. Então aí eu… de manhã cedo, umas oito horas, aí disse: “Quando for uma hora você pode vir e traz a sua ferramenta.” “Tá bom”. Quando foi uma hora eu cheguei lá estava o mestre de obras, o dono, o chefe. O rapaz encarregado que tinha falado pra eu ir o chamou e falou, porque na época a diária era 45 cruzeiros do ajudante e do chefe, do carpinteiro mesmo era cem cruzeiros já. Eu fui pra trabalhar por 45 cruzeiros, metade do dinheiro. Eu cheguei lá, a diária que era ajudante, aí o encarregado falou: “Você sabe fazer uma tesoura dessa?”. Tinha uma tesoura pronta que ele tinha feito pros outros fazerem, né? “Você sabe, você dá conta de fazer uma tesoura dessa daí?”. Eu perguntei pra ele: “Quantos dias o cara já trabalhou nessa tesoura?” “Rapaz, ele começou ontem de manhã e aprontou agora. Meio dia já estava pronta.” “Eu acho que eu dou conta”. Perguntei pra ele: “O senhor tem motosserra do pessoal aí?” “Tenho motosserrinha.” “Se você me autorizar pegar a motosserra eu...”. Porque no serrote demora demais pra cortar, né? Sempre eu gosto de trabalhar com motosserra e arremato com serrote. Você corta ____00:36:40____. Ele pegou: “Bom, se você dá conta então você vai fazer outra tesoura dessa daqui”. O primeiro teste que ele fez comigo. Aí eu coloquei as peças em cima do cavalete lá e meti o pau pra cima. Quando foi seis horas que ele chegou lá eu estava com a tesoura pronta. O cara tinha feito uma num dia de serviço, eu fiz uma em meio dia do mesmo jeitinho da outra do cara. Às vezes eu tinha muita detalhe, que já tinha feito até melhor, que eu sabia fazer, né? Aí ele chegou lá, olhou assim e foi embora. Eu também não dei bola pra ele, não. No outro dia cedo eu peguei, eram 12 tesouras, peguei de manhã cedinho, coloquei em cima do cavalete, que eu quando to trabalhando assim eu não procuro pegar... Eu chego cedo ao meu serviço que eu gosto sempre de trabalhar pela parte mais cedo da manhã porque é mais fresco o tempo. Aí quando os outros chegavam oito horas eu já estava com duas horas, eu pegava seis horas, quando os outros chegavam oito horas pra trabalhar eu já estava com duas horas de serviço na frente. Quando era dez horas eu já estava parado, eu ia pegar já mais tarde tranquilo. Aí quando foi 11 horas eu estava com outra tesoura pronta. Ele chegou lá 12 horas: “Mas, rapaz, você já aprontou outra tesoura?”. Eu digo: “Já sim senhor. E aí? O que o senhor está achando?”. “Tá bom demais, rapaz”. Ficou. Quando foi de tarde ele chegou eu tinha aprontado outra. Disse: “Você não vai ganhar de ajudante, não. Você vai ganhar como o carpinteiro profissional mesmo, que você não é ajudante coisa nenhuma, não. Você é profissional”. Com 15 dias ele me deu o serviço todinho. E eu não sabia quem era o dono da construção. Aí quando estava com 22 dias lá trabalhando, aí apareceu lá um senhor de cabeça branca já, baixo, conversando. O encarregado que estava lá, outro rapaz que trabalhava na parte que eles estavam mexendo com assoalho, negócio de piso, essas coisas, que ele me deu a parte da madeira e a outra do negócio do piso era outro rapaz tomando conta, ele falou assim: “Rapaz, esse aí que é o dono do serviço.” “É. Esse aí, é?”. Aí ele veio conversar comigo, né? Perguntou de onde que eu era, eu falei: “Sou de Manicoré”. Ele disse: “Rapaz, eu sou casado com uma senhora lá de Manicoré.” “Como que é o nome dela?” “Cleonice.” “Eu a conheço”. Eu falei pra ele: “Ela é filha de um senhor lá de Manicoré, do senhor Neuto, que nós vendíamos Pirarucu, Tambaqui pra ele, comprava pão, comprava atrás de pescaria tudo dele.” “É?”. Aí pronto. Já me chamou, fui lá a casa dele, no outro dia um final de semana fui a casa dele aí pronto. Aí ele não me deixou mais. Foram 18 anos nós juntos trabalhando pra ele, tudo de serviço, graças a Deus, eu aprendi a fazer muito. Eu sei trabalhar de mecânico, eu sei trabalhar de eletricista, encanador. Tudo ele colocava pra eu fazer e eu tinha que dar jeito de fazer. Instalador de rádio amador, tudo eu sei fazer, montar posto de gasolina, tudo eu aprendi com ele, tudo ele... Ele pegava um técnico de um canto, aí colocava pra eu trabalhar às vezes um mês com aquele cara só pra eu aprender pra ele não ficar pagando dinheiro alto. Um técnico quando vai fazer uma coisa ele cobra bem caro. Eu trabalhava de empregado pra ele e fazia tudo isso aí pra ele de graça.
TROCA DE FITA
P/1 – O senhor estava falando que o senhor trabalhava com o F S...
R – Frederico Simão Camelo.
P/1 – Isso. E antes da gente começar a falar dele eu quero que o senhor me conte um pouco. O senhor chegou a Porto Velho, o senhor tinha um dinheirinho, né? Como é que foi a vida em Porto Velho? Esse começo de vida.
R – No começo logo quando eu chegue quando ainda tinha dinheiro ainda não foi ruim, né? Porque quando não tinha serviço, não achava serviço, mas tinha um dinheirinho ainda pra ir mantendo. Agora, depois que acabou o dinheiro eu tive que trabalhar todo tipo de serviço. De carregador, estivador. Trabalhei no canal de estivador, trabalhei na área de cimento, era distribuidora de cimento, trabalhei seis meses. Só que era só fazendo diária, bico. Aí foi quando eu achei o finado Camelo.
P/1 – E quando esse dinheiro acabou? O que o senhor fez desse dinheiro?
R – Eu comprava as coisas, gastava, né? Na cidade você não tem nada que não seja comprado. Por que eu não me dou na cidade? É por causa disso. Eu não gosto da cidade grande por causa disso. Porque tudo que você quiser tem que comprar. Aqui não. Aqui você vê, olha, tá ali, ainda o vizinho tem uma macaxeira ali: “Vizinho, dá um pé de macaxeira”. Ele vai dar. “Pega aí, vizinho, o tanto que você quer”. É desse jeito.
P/1 – Porto Velho não tinha roça?
R – Não. Não tinha essa chance, não. Todo canto não tem. Aí você vai ter que ir gastando. Se você não tem de onde ir tirando a gente vai gastando e acabou meu dinheiro, eu tenho que me virar. Graças a Deus que nunca passei necessidade. Então até hoje espero que pra velhice...
P/1 – Também não passe.
R – É.
P/1 – Amém. Seu Amazona, fala uma coisa, o senhor falou que chegou a ser carpinteiro lá nesse novo empreendimento, nesse trabalho lá. Agora, qual foi a primeira vez que você se lembra de ter mexido com madeira? Com quem que você aprendeu?
R – Com o meu pai.
P/1 – Com o seu pai também?
R – Foi. Tudo com o meu pai. Negócio de madeira tudo.
P/1 – E ele fazia o que com madeira?
R – Ele construía casa. Às vezes os vizinhos queriam fazer casa e não sabiam, que na época era só casa de palha, coberta de palha, tudo de palha, onde eu morava. Derrubava açaizeiro, tirava as paxiúbas pra secar, né? E ele não. Ele já mexia com o pai dele. A mãe dele, a minha vó, era filha de português, né? A minha vó que era mãe do meu pai. E meu pai era do Rio Grande do Norte, já veio de lá rapaz pra trabalhar... Meu avô, né? Aí meu pai já foi... Português você sabe, português é bem diferente as coisas, tudo já eles que vinham construindo. Então a minha vó batia um martelo e meu pai acho que aprendeu com ela, porque quando ele começou a me ensinar minha vó já era velha, mas ele sabia...
P/1 – Sabia já tudo.
R – É. Fazia um violão que você jurava que... Mesmo jeito que esses violões coisa ele fazia de todo jeito.
P/1 – E você aprendeu a fazer tudo ou só a canoa?
R – Não. Eu graças a Deus faço de tudo um pouco. Uma cadeira dessa daqui eu faço, do jeito dessa daqui eu faço, às vezes até melhor.
P/1 – Essa aí você que fez?
R – Não. Isso aí a vizinha deu pra mulher que iam jogar fora, mudaram-se, iam jogar fora, ela pegou. Eu não tenho preconceito com nada. Se tem e você não quiser mais: “Amazona, você quer esse trem pra você andar no mato?”. Eu pego com o maior prazer e agradeço. Eu sou um cara desse jeito. A pessoa tem uma coisa que não vai precisar mais e vai jogar fora, se quiser pode dar. Eu agradeço e levo pra casa. Porque eu sou um cara que... E minha mulher do mesmo jeito. Ninguém tem preconceito com nada. Os meus filhos não têm esse negócio, não.
P/1 – Vou te pedir pra falar mais da madeira. Quero saber mais coisa da madeira. Qual foi a primeira coisa que você fez com a madeira? Você lembra o primeiro trabalho que você concluiu inteiro, você falou assim: “Eu fiz isso aqui.”?
R – De casa.
P/1 – Uma casa.
R – Foi.
P/1 – E a hora que o senhor olhou pronto o que o senhor sentiu? Você falou: “Eu que fiz isso aqui.”?
R – Ah, eu digo: “Bom, eu já sou um profissional”. Porque eu fiz a casa e quando o dono chegou lá ele aprovou e disse: “Está bem feita”. Então eu sou um cara o seguinte, se eu fizer um casco desse aqui, você é o dono, se você chegar e olhar e disser: “Não, está faltando isso, isso, isso aqui assim.” “Rapaz, até eu me esqueci”. Esqueci, é o jeito, né? Porque eu sempre gosto de chegar, às vezes a pessoa vem encomendar uma coisa pra outro: “Pra que é que você quer?”. Que nem essa canoa aí. Essa canoa eu perguntei pro cara: “Tu queres essa canoa pra que? É pra pescar? Com quantas pessoas?” “Eu quero canoa pra quatro pessoas adultas. Grande. Pra pescar de linha parada, pra jogar tarrafa”. Eu digo: “Então eu já sei o tipo da canoa que você quer. Você quer uma canoa grande, larga, alta”. Então é a mesma coisa, você chega pra mim e diz: “Eu quero essa casa...”. Não carece você me dar a planta. Você pega e diz: “Eu quero essa casa assim, assim, um quarto aqui, um quarto acolá. Eu quero uma casa com tanto de tamanho”. Aí eu primeiro vou pra casa, vou desenhá-la todinha. No dia eu chego com você: “Desse jeito que você quer a casa?”. Você vai olhar, né? “É desse jeito”. Então, aí não carece nem você estar indo lá. Eu sou o cara o seguinte, se eu tratar o negócio eu não gosto nem que a pessoa esteja lá todo o dia. Porque às vezes...
P/1 – Quando o senhor entregar vai estar do jeito combinado.
R – É. Quando o cara entregar, aí eu digo: “Venha olhar o serviço se está do jeito que você pediu ou não está”. Aí se o cara olhar, tá no jeito, então pra mim é o maior prazer. Porque eu sou um cara que não gosto de fazer uma coisa e de vez em quando, às vezes o cara não fala pra gente, mas às vezes o cara vai falar pro outro: “Porra, o cara fez esse serviço, mas esse serviço aqui eu não queria desse jeito. Eu não falei nada pra não desagradá-lo, né?”. A mesma coisa você estar em três carpinteiros, cada um trabalha de um jeito. Nenhum trabalha igualzinho ao outro. Você às vezes está em dez, 12 carpinteiros, dez, 12 mecânicos numa firma só, mas nem todos trabalham igual. Não é só um tipo de serviço. Às vezes eu faço esse tipo, essa bicha aqui eu deixo bem acabadinho, o outro faz o mesmo desenho, o mesmo modelo tudinho, mas mal acabado, com uma ripa pra um lado, um arrepiado pra outro. Então sempre não é igual. A mesma coisa é um mecânico. Qualquer... Um escritor. Às vezes ele tem um tipo de letra, outro já tem outro tipo. Não tem... Então é por isso. Tem vezes eu com a minha esposa, de vez em quando nós temos discussão por causa disso. Às vezes ela pega serviço de malhadeira, que nem eu estava tecendo ali, ela pega pra fazer, né? Às vezes ela começa a deixar ponta para um lado, deixa pra... Eu digo: “Não. Não faça desse jeito, não.” “Mas eu não estava...” “Não”. Tá feito, mas passa bem acabadinho, porque o cara lá na frente vai olhar: “Serviço bem feitinho. Eu vou voltar lá pra fazer de novo outro”. Então se o cara não cabra não caprichar no coiso não tem como, a pessoa diz: “Pô, o cara fez serviço de porco”. Como tem uma senhora aqui. A senhora ali eu pago, eu sei fazer o conserto da madeira tudo, eu sei fazer tudo, eu prefiro pagar pra ela. Uma que a minha vista já é curta e ela já faz mais direitinho e faz bem feito também. É o mesmo que sai de fábrica. Então é o tal negócio. Nem todos trabalham iguais, nem todos têm um raciocínio só, né?
P/1 – E aí por conta desse seu jeito de trabalhar o senhor conseguiu aquele emprego com o F...
R – Foi.
P/1 – E você falou que ele foi como um pai. Por que ele foi como um pai? O que ele trouxe na sua vida?
R – Porque ele me ensinou... Porque eu era meio... O pessoal quando vem da mata é meio ignorante, né? Ele me ensinou como conversar com as pessoas, ensinou-me como... Principalmente a ler um pouco foi ele mais que me ensinou, né? Porque quando eu não estava, quando não tinha pessoa no escritório dele lá ele me chamava e ia me ensinando. Ele queria que eu mexesse com muita coisa pra ele, como eu mexi, graças a Deus. Nunca dei um prejuízo pra ele. Tudo. E do meio pro fim já no último ano de vida dele nós estávamos com uma sociedade montada, foi quando o mataram. Porque se ele não tivesse morrido eu era o dono da metade das coisas dele daqui de Rondônia. E estava tudo no meu nome. Eu só passei pra família deles por causa de que... Pra não ter discussão, pra não ir pra justiça e depois não dizer que eu tinha tomado as coisas do velho. Mas que a metade das coisas do velho estavam no meu nome, de negócio de fazenda, gado, caminhão, carreta, voadeira, lança, draga, posto de gasolina. Tudo que eu devolvi pra eles, as coisas tudo que eu devolvi pra eles, eles tocaram fogo, venderam tudo. Inclusive tem um posto aqui de fronte, aqui mesmo nessa vila aqui que eu montei esse posto em 82. Trabalhei até em 94 neste posto aí. Este posto estava no meu nome. Era no meu nome que tinham colocado. Porque naquela época os grandes proprietários, as coisas deles eram mais no nome dos empregados de confiança por causa do imposto, pra diminuir mais o problema de imposto. E a fazenda dele, as duas fazendas maiores lá da Vila Nova, uma a metade estava no meu nome e os caminhões de boiadeiro lá tudo no meu nome. Quando o mataram aí nós tínhamos montado uma associação, uma sociedade que era pra eu tomar conta da fazenda dele e a metade da produção do gado dele, ele tinha 2600 cabeças, eu tinha metade da produção do gado todo ano. Todo o transporte, tudo por conta dele, as contas tudo por conta dele pra dar o ensino pros meus filhos. Foi quando o mataram. Aí eu tive que pegar as documentações todinhas que estavam no meu nome, fui ao cartório, peguei o advogado, fomos lá ao cartório pra devolver tudinho pra família. E meus 18 anos de coisa que eu tinha pra receber pró-labore, tudo da firma, não recebi nadinha. Não quis. Também não fiz questão porque o velho foi muito gente boa comigo, graças a Deus. Nós só tínhamos... Nós éramos patrão e empregado lá dentro do escritório lá por causa do respeito das outras pessoas, mas quando nós saíamos era o mesmo que duas pessoas que não... O respeito de senhor pra... Porque ele era mais velho do que eu, era seu Camelo pra lá, seu Camelo pra cá, mas ele comigo era o mesmo que serem dois peões. Quando saía de lá de dentro eram dois peões no trecho. Então, como diz o ditado, eu aprendi muito com ele, graças a Deus.
P/1 – Seu Amazona, diga uma coisa, então você não trabalhou com ele só com madeira, o senhor fez muita coisa?
R – Não. Trabalhei com muita coisa. Eu aprendi a mexer com mecânica com eles, aprendi a mexer com posto de gasolina com eles, aprendi mexer com negócio de terra, plantação de coisa, muitas coisas que eram diferentes de onde nós morávamos, com eles.
P/1 – O que era diferente de terra?
R – É negócio de reflorestamento, né? Que o reflorestamento que nós mexíamos lá, nós morávamos, era só com Seringa. Aí quando passou pra cá já foi todos os tipos de madeira. Cada tipo de madeira tem um jeito de você lutar com ele, né? E aprendi mexer com caminhão, com trator, com todo troço, tudo ele tinha. Voadeira, barco, todo tipo de barco de alumínio. Carro de todo tipo também, graças a Deus. Então pra mim... E os conselhos que ele me dava também, nunca ele dava conselho errado pra ninguém. Ele pra mim foi o segundo pai. Não tinha dúvida.
P/1 – Você disse fora do trabalho vocês eram como dois peões, dois amigos juntos...
R – É. Que nem dois amigos.
P/1 – O que vocês faziam fora do trabalho?
R – Só o nosso trabalho mesmo, que a gente saía pra trabalhar. A gente só saia pra trabalhar. Pra farrear ninguém saía, não. Eu digo assim, porque lá no escritório você tinha que estar bem vestido, você tinha que estar todo de um jeito. Porque lá na central lá é outra coisa, e quando saía pro trecho ele colocava um tênis, colocava uma bermuda, uma camiseta que nem você tá aí e eu desse jeito aqui só de calção, que eu nunca gostei de entrar no rio de calçado, de camisa nem nada. Aí pronto. Aí nós íamos pra dentro d’água, pra todo canto. Então era o mesmo que dois peões. Não tinha diferença de um pro outro. Então isso, graças a Deus, eu tinha muita intimidade com ele.
P/1 – E qual é a principal lembrança que você tem dele? Qual é a coisa que você mais lembra?
R – Ah, coitado, a principal lembrança foi no dia que o mataram. Nós estávamos montando um serviço lá na fazenda, eu estava fazendo um curral lá na fazenda, uma parte da fazenda que ele tinha me dado. Eu estava terminando de fazer um curral, meu motor quebrou e eu fui pra Porto Velho. Cheguei lá, passamos o dia todinho juntos, eu mais ele, andando nas lojas lá, ele comprou dois motores grandes lá pra nós levarmos pra fazenda, comprou um trator e eu junto com ele. Aí eu fui pegar o motor com ele seis horas, o motor que era pra levar pra fazenda que nós íamos sair quatro horas da madrugada pra fazenda. Quando foi seis horas da tarde nós estávamos lá em frente a Atalaia, ele foi dar um cheque lá de um resto do pagamento de uma carreta que ele tinha comprado lá, era dois milhões de cruzeiro na época, dois mil. Não era real ainda. Era dois milhões ainda na época que estava faltando. Ele foi lá entregar o cheque e me deixou bem em frente a Atalaia seis horas da tarde. Ele me deu dinheiro pra... Ele me deu cinco contos. Ele disse: “Toma esses cinco contos e passa numa casa de carne aí, compra uma costela boa pra você fazer um churrasco que amanhã quando forem três horas da madrugada eu passo lá pra amanhecer o dia na fazenda.” “Tá bom”. Aí eu peguei o dinheiro, peguei um táxi e fui. Comprei a carne, fiz o que ele me mandou, né? Quando foi uma hora da madrugada, o meu irmão estava pra rua, tinha saído pra rua, que meu irmão trabalhava de noite, trabalhava em negócio de... Ele trabalhava na, ele tirava o serviço de noite, plantão à noite. Quando foi uma hora da madrugada ____00:14:15___meu irmão chegou lá me chamando e eu fique assustado, meu pai bateu na janela do meu quarto, eu digo: “Pô, mataram algum irmão meu, né?”. Mas meu coiso veio logo nesse meu irmão que estava trabalhando na rua. Aí que eu levantei meu pai falou: “Não. Mataram o Camelo”. Aí aquilo pra mim foi mesmo que ter dado uma facada na minha costela. Pronto. Eu fui pra lá, quando eu vi ele lá morto assim, vou te contar uma coisa.
P/1 – Foi como perder o pai, né?
R – É. Doido. Aquilo lá pra mim foi... Aí pronto. Aquilo pra mim faz de conta que eu fiquei sem ter ninguém assim. Faz de conta que eu não tinha emprego, não tinha nada. Faz de conta que eu tinha ficado jogado, né?
Porque tudo que precisava ali das coisas, se eu precisasse cortar uma tábua dessa que eu via que não estava dando certo eu ia lá com ele pedir a opinião dele. Então aquilo pra mim o mundo que tinha acabado. Aquilo pra mim o mundo tinha acabado. Mas como o ditado, a gente tem que ter fé em Deus e...
P/1 – Continuar.
R – E graças a Deus os genros deles, que ele só tinha duas filhas, os genros deles começaram a querer colocar pressão em cima de mim por causa das coisas que estavam no meu nome tudo. Um dia eu tive que brigar com o genro dele dentro do escritório dele lá por causa de... Por causa mais disso foi que eu passei as coisas todinhas pro nome deles, eles acabaram com tudo. Porque se eu não tivesse passado tudo pro nome deles, tivesse no meu nome até hoje, eles tinham muita coisa aqui dentro de Rondônia ainda. Principalmente os postos de gasolina, que ele tinha 18 postos funcionando quando o mataram. Dezoito postos de gasolina, tinha seis dragas, ele tinha três fazendas e tinha 17 caminhões tanque. Fora os terrenos, as casas, os predinhos de Porto Velho.
P/1 – Ele foi morto assaltado?
R – Rapaz, aquilo acho que foi um problema de negócio de droga. Um noiado que o matou. Dois noiados. Ele morava sozinho. Ele tinha separado da mulher dele, ele morava sozinho na casa da filha dele. Aí tinha um cara lá, um boqueiro, que namorava uma menina bem de frente da casa dele. Bem de frente mesmo. E essa menina o velho tinha uma piscinona que era grandona lá, que era da filha dele, a filha tinha ido embora pra Goiânia, ele ficou tomando conta da casa, morando na casa tomando conta das coisas. E nós trabalhando. Ele passou a morar na casa. A menina já se engraçou por causa do velho e pronto. Largou o boqueiro lá e se engraçou por causa do velho, ficou direto atrás do velho. Aí ela já ia pra fazenda conosco e era aquele “viveiro”, era cordãozinho de ouro, a pulseirinha de ouro, brinquinho de ouro. Era tudo que a menina queria ele tinha. Aí o namorado dela, a minha prima trabalhava lá na casa dele e na casa dele só entrava mesmo pessoa que... Nem eu não entrava lá se ele não estivesse lá, porque ela tinha uns cachorros lá que eram violentos. Esse boqueiro só vivia ameaçando ele. Toda vez que ele passava lá na casa dele que minha prima estava lá ele falava pra minha prima que ele ia pagar bem caro, por causa de que tinha tomado a namorada dele. Aí ele passava sempre lá pela frente, minha prima que contava que ela trabalhava lá direto, as meninas estavam na piscina, estavam tomando banho lá, ele ficava lá no portão, esse boqueiro, ficava lá e ele chamava minha prima e falava pra minha prima que o finado Camelo ia pagar bem caro pra ele. Quando foi nesse dia mataram. E foram dois boqueiros que o mataram. Por prova que eles não levaram mais nada porque não quiseram. A única coisa que iam levando do velho quando a polícia os pegou, que eles não andaram como daqui a rodoviária ali na beira da coisa, mais perto que daqui, uma esquina na outra a polícia os pegou andando de bobeira com uma pasta preta assim do velho e um vídeo cassete dentro da pasta, o revólver e o relógio do velho só que eles iam levando. Dentro do cofre ele tinha 700 gramas de ouro, dentro do cofre, e tinha os cordões dele, pulseira dele, que a pulseira dele tinha 200 gramas de ouro puro. O relógio dele também era tudo de ouro, estava gravado... A polícia só coisou porque o relógio dele, na pulseira do relógio estava escrito FS, que era Frederico Simão... FSC. Frederico Simão Camelo. A pulseira do relógio gravada. Quando os caras viram, os caras viram que o cara noiado com um relogião daqueles no braço, uma pasta preta do lado, aí já pararam. Não estavam nem andando atrás dele. Estavam atrás de uns peões que tinham batido num velho lá e roubado o velho ali perto da rodoviária. E aí acharam os caras. Aí que foi investigar e disse que tinham matado. O cara mesmo que matou... O que matou não, o outro que ajudou o cara a dominar o velho ele falou, disse que na época ele dava um cheque de dez milhões de cruzeiros eles não matarem, ele não falava nada pra ninguém e dar lá o ouro todinho que ele tinha no cofre pra ele, pra não o matarem. O outro parceiro lá foi e matou. Pra mim foi mandado desse cara.
P/1 – Certo.
R – Porque um desses caras que o matou conhecia o velho. Só que ele só vivia lá pela rodoviária por ali, dentro daquelas bocas de fumo, esse cara que o matou.
P/1 – Conta uma coisa, Seu Amazona, você está falando de Porto Velho, você está falando da rodoviária. Como que era Porto Velho nessa época, a cidade? O que tinha na cidade?
R – Rapaz, cidade na época era fraquinha demais. Quando eu chegue a Porto Velho mesmo só tinha o Centro da cidade ali. Ali na Nova Porto Velho não existia. As primeiras casas da Nova Porto Velho quem construiu fui eu. Eu e mais um... São seis caras que nós trabalhávamos juntos. As primeiras casas que surgiram na Nova Porto Velho e no primeiro loteamento da Nova Porto Velho que da invasão que fizeram, quem fez fui eu e os três. Esses quatro, cinco colegas meus. Nós éramos seis fazendo as casas dos invasores.
P/1 – Fizeram boas casas lá.
R – Eu fiz 12 casas. Duas pra um rapaz que era empregado desse seu Camelo. Duas casas boas, a primeira casa bem na Jorge Teixeira, né? Na primeira rua de trás ali da Nova Porto Velho...
P/1 – Foi você.
R – É. Comecei dali, aí foram invadindo tudo. Hoje em dia eu não conheço mais Porto Velho. Eu só conheci ali, que na época só tinha o Tucumanzal, a...
P/1 – Você chegou a ver o trem funcionar? Não, né?
R – Não. Só tinha o trenzinho quando eu cheguei já. Em 76 só funcionava... Até em 72 o trem ainda funcionou. Meu pai ainda andou muito de trem ainda. Meu pai ia pra Guajará no trem, quando voltava trazia um vagão cheio de tartaruga. Só tartaruga grandona. Hoje em dia a gente vê muito elas aí no rio, mas ninguém pode pegar.
P/1 – Deixa-me perguntar outra coisa, e o senhor chegou a casar de novo lá em Porto Velho?
R – É . Eu me juntei com outra... Eu nunca casei.
P/1 – Só juntou.
R – Só me juntei com outra mulher, aí a mulher teve cinco filhos.
P/1 – Aí você teve o seu primeiro filho ou o senhor já tinha tido filho antes?
R – Não. Tinha um com a primeira mulher quando tinha 16 anos. Até hoje eu nunca o vi. A mulher foi embora pra Manaus, quando ele estava com seis meses de idade ela mandou uma fotografia dele pra mim. E lá até hoje. Nem ele me procurou e eu também não fui mais pra lá.
P/1 – Agora, em Porto Velho aí o senhor chegou a viver junto.
R – Ah, tem uma aí. Tá aí, veio de Porto Velho, chegou segunda-feira e está até aí o rapaz. Meu caçula. Tem 20 anos.
P/1 – E como foi ser pai agora? Agora que você tinha que criar.
R – Ah, não foi ruim, né? Hoje em dia está sendo mais difícil porque a criação hoje em dia se você não estiver constante e não estiver em cima, hoje em dia é difícil dar um filho que preste. Muito difícil. Às vezes se ele está junto da gente ali está bem, mas saiu de perto se junta com uma porção de pessoa que não vale nada. Esses meu até hoje, graças a Deus, esse... Olha, tem outro irmão desse que está aí, esse aí desde a idade de oito anos que ele trabalha. Até hoje, graças a Deus, todas as pessoas que... Meus amigos da rua. Meus amigos assim que eu digo, as pessoas de idade da rua que me conhecem lá, meus vizinhos que graças a Deus eu morei 18 anos num canto lá, não tem uma pessoa que diga: “Não, Seu Amazona fez isso de mal pra mim”.
P/1 – O senhor morou aonde lá, Seu Amazona?
R – No bairro do Mato Grosso. A minha casa lá é na Salgado Filho, entre a Getúlio Vargas e a Salgado Filho. Entre a Alexandre Guimarães e a Rio de Janeiro. É uma quadra todinha onde eu morava.
P/1 – E aí as pessoas mais velhas de lá dizem que seu filho é um bom rapaz?
R – Esse aí é dez, como diz o ditado. Todas as pessoas que eu converso com eles: “Não. Esse aí puxou pro seu lado. Esse aí não...”. Até hoje, graças a Deus, ele... Agora o outro, não. O outro virou um marginal junto com os outros, andava dando tiro nos outros, aí o mataram. Eu digo: “Bom, então menos um que não atrapalha e nem perturba mais a vida de ninguém”. Que eu sou o seguinte, se eu tenho um objeto na minha casa que não presta, se eu puder dar fim dele eu dou logo. E se, que Deus o livre, se eu tiver um filho que não presta só pra me dar desgosto e perturbando a vida dos outros, se matarem também pra mim faz de conta que não existe. Não existe mais na minha família. Eu não fui nem ver o enterro dele. Porque eu não apoio, como diz o ditado, eu não apoio maldade, não apoio sem-vergonhice. Eu não gosto. Então eu sou um cara que, peço a Deus que daqui pra frente todos que... Meus amigos, minhas pessoas que me conhecem e as pessoas que têm filho também, eu peço que Deus dê uma boa sorte pros filhos.
P/1 – Seu Amazona, conta então agora de Mutum. Como que Mutum apareceu na sua vida ou como você apareceu em Mutum?
R – Mutum foi em 80 quando eu... Em 76, em 77 eu trabalhei aqui, que eu cheguei aqui por 76. Setenta e sete eu vim fazer umas viagens, comprar castanha e borracha pra cá pra estrada que vai pra Rio Branco. Aí foi que eu conheci o Mutum.
P/1 – E seu patrão?
R – Não. Era o outro rapaz que ele tinha um caminhão e ele comprava castanha e borracha. Aí ele pediu pra eu fazer umas viagens. Umas diárias, né? Era diária, porque tinha que carregar e descarregar, medir.
P/1 – Está certo.
R – E aí ele falou pra mim, eu vim. Passei uns três meses trabalhando com esse cara de diárias. Aí foi quando eu conheci Mutum que tinha um senhor que o filho dele até mora, tem um restaurante bem na ponte ali, o Rubinho. O pai dele, o finado Afonso, tinha um depósito, aí ele comprava castanha e borracha. A gente passava aí, já comprava a castanha e a borracha que ele tinha aí, deixava tudo medido, às vezes não dava a carga do caminhão, a gente ia até na extrema. Aí quando vinha e lá a gente pegava a castanha e já levava completa.
P/1 – E aí a primeira vez que você veio aqui você comprou então do senhor Afrânio?
R – É. Senhor Afonso.
P/1 – Senhor Afonso.
R – É. O rapaz que eu trabalhava com ele comprou do senhor Afonso castanha e borracha.
P/1 – E o que tinha em Mutum?
R – Mutum só tinha mesmo as casinhas ali da estrada de ferro aí. O pessoal mexia só cortando Seringa, na época, era só cortando Seringa, castanha que tirava, caça.
P/1 – Nessa época era castanha, Seringa e caça.
R – E caça.
P/1 – Pescador tinha aqui já?
R – Pouco. Pouquinho mesmo. O pessoal pescava só pra comer mesmo. E fazenda, essas fazendas não tinham.
P/1 – E o garimpo, veio depois? Fazenda não tinha também?
R – Não tinha, não. Você andava nessa estrada aqui era só mato, de um lado e de outro. Fechado. Tinha canto assim que passava assim montava dentro de uma floresta assim direto. Lama também, que era só estrada de chão.
P/1 – Pra chegar aqui como é que fazia?
R – A gente vinha de caminhão mesmo, mas só que investindo na passagem, levava até dois dias pra chegar aqui no Mutum, de Porto Velho aqui.
P/1 – Já tinha garimpo aqui, Seu Amazona?
R – Não. Já tinha só o garimpo da mineração de pedra preta.
P/1 – Pedra preta.
R – É. Aí já tinha. Quando eu cheguei aqui em 76, em Rondônia, o auge do garimpo mesmo de pedra preta já tinha passado. Agora, em 79 começou o garimpo de ouro.
P/1 – Aqui em Mutum também.
R – Foi. Na região. Os caras descobriram ouro lá no Tamborete, num canto que se chama Tamborete.
P/1 – Tamborete?
R – É. Aí daí saíram descendo essas praias aqui pra baixo, Embaúba. Aí foi quando foram achando ouro. Setenta e nove, quando começou o garimpo eu estava no quartel, foi quando eu dei baixa em 80, aí eu vim pra cá definitivo trabalhar no garimpo direto, porque eu já conheci meu patrão, já.
P/1 – E o senhor foi servir depois de velho já?
R – De 20 anos. 25 anos.
P/1 – 25 anos.
R – É porque nós nos alistamos em quatro irmãos juntos. Aí servi eu, o mais velho e esse que está aí que era o mais novo, meu irmão.
P/1 – Mas você quis servir?
R – Eu quis. Quer dizer, eu quis, não. Porque não me dispensaram mesmo de jeito nenhum.
P/1 – Ah, eles não te dispensaram. Isso que eu queria saber.
R – Porque os dois irmãos meus dispensaram. O Raimundo e o Zé que era o mais novo que deu e mais velho que o outro caçula... O caçula, não. O mais novo na época. Meu irmão inteirou 18 anos dentro do quartel.
P/1 – Dezoito anos num quartel?
R – Foi. E eu com 25 anos. Aí fomos servir, porque meu patrão pelejou. Nós estávamos com um projeto de montar uma beneficiadora de madeira em Porto Velho e esse galpão que eu ajudei a fazer era pra esse coiso.
P/1 – Pra essa beneficiadora.
R – É. E ele comprou a máquina. Estava lá a máquina grande pra eu trabalhar. Então por isso que ele me ajudava direto, ensinava a ler, conhecer um monte de coisa. Dava o livro, os catálogos de coisas ele me ensinava como que era. Ele ia me mandar pra Cuiabá pra fazer curso em Cuiabá que era pra tomar conta das coisas em Porto Velho pra ele.
P/1 – E aí no exército como é que foi?
R – No exército foi bom. O ano que eu passei no quartel foi bom pra mim, graças a Deus. Não teve problema com nada, eu dei baixa porque eu quis.
P/1 – Aquela época como é que era o exército? Você tinha que ficar lá?
R – É. Tinha que trabalhar direto. Só o final de semana que tinha folga, né? Quando não estava de serviço.
P/1 – E o dia-a-dia no exército como é que era?
R – Era bom. Trabalhava muito. Nós passamos mais o tempo foi trabalhando. Que o pessoal aqui era do mato que nem eu, outros. Foi tudo destacado pro mato, né? Pra nós era beleza, porque a gente já era acostumado no mato, então pra nós não fazia diferença. A diferença era só quando chegava ao pátio lá que era “sim, senhor” pra cá, “sim, senhor” pra ali. Você não podia andar sujo, tinha que estar tudo limpinho, barba tirada. Aí fazia diferença, né? Mas outra coisa, graças a Deus, eu nunca achei nada ruim na minha vida. Graças a Deus. Acho que é por causa disso que eu tenho amizade em todo canto e todo canto que eu chego, se eu chegar a sua casa e tiver um terreiro pra varrer, eu não tiver nada, se você me der pra dormir eu pego e varro. Sei lavar barril, sei lavar roupa. Faço de tudo, graças a Deus.
P/1 – E agora me conte, aí terminou o exército o senhor pediu a dispensa.
R – Foi porque eu queria trabalhar na marcenaria, né? Aí eles queriam que eu trabalhasse no rancho, queriam que eu fosse trabalhar no rancho porque o meu irmão trabalhava no rancho. Aí o meu irmão era muito, o pessoal tudo gostava dele lá no rancho, aí queriam me coloca pra trabalhar junto com o meu irmão no rancho. Eu digo: “Não. Eu só fico, eu só aceito ficar se for pra eu trabalhar na marcenaria.” “Mas a marcenaria tá cheia de gente.” “Então coloca a minha baixa que eu vou trabalhar do jeito que eu gosto”. Pra mim eu gosto de trabalhar com madeira demais.
P/1 – E aí eles te dispensaram pra...
R – É. Aí me dispensaram, eu voltei. Eu era empregado já. Dispensaram num dia, no outro dia eu estava aqui dentro do garimpo. Fui construir. Construí quatro casas aqui dentro do garimpo. Eu fiz 22 flutuantes.
P/1 – Vinte e dois flutuantes, você fez?
R – É. Flutuante pra gente trabalhar aqui dentro do garimpo.
P/1 – Isso aqui já em Mutum. Você veio pra Mutum sem nada?
R – Como?
P/1 – Você veio pra Mutum sem nada?
R – Eu vim pra cá só com o serviço meu. Só com o material de trabalho.
P/1 – E aqui chegando como é que o senhor fez?
R – Aí nós fizemos um acampamentozinho de lona lá dentro e descemos o pau a trabalhar, né? Construímos uma casa, começamos a montar as coisas, colocar material de garimpo pra vender, aí pronto. Fomos construindo as coisas aí.
P/1 – O senhor tinha me dito que se o cabra não fosse corajoso não ia pro garimpo. Como é que era esse garimpo?
R – Até em 83 foi bom, porque quase não tinha matança, não tinha roubo, não tinha bandido. Você podia dormir com um monte de ouro em cima do banco aí perto de você que ninguém roubava. De 83 pra frente começou já a bandidagem do roubo, da droga.
P/1 – Isso nos próprios acampamentos?
R – Nos próprios acampamentos. Aí peão vinha de fora e matava os outros por brincadeira. Eu mesmo andei na lista de uns peões quererem me matar aí, mas só que graças a Deus eles não deram sorte comigo, não. E graças a Deus eu estou até hoje.
P/1 – Agora, Seu Amazona, conta um pouco do garimpo como é que era? Como é que se trabalha no garimpo? O que o senhor fazia?
R – Eu no garimpo mesmo de garimpar mesmo nunca garimpei, dizer que eu vivia garimpando. É porque eu trabalhava de empregado, meu serviço era só mais era montar os postos, dar manutenção nos postos, bomba, tudo que estragava eu arrumava e transportar, receber o ouro nas compras de ouro do meu patrão e transportar pra Porto Velho, trazer dinheiro de lá pras compras de ouro.
P/1 – E era muito ouro?
R – Era muito ouro. Tinha vezes que eu ia até de 30 quilos de ouro eu cansei de levar daqui pra Porto Velho. Trazia de 400 milhões de cruzeiro, 500 milhões de cruzeiro.
P/1 – E aí nessa época começou a ter estrada melhor?
R – Não. Andava mais de avião.
P/1 – Andava de avião.
R – É por causa de que a estrada não compensava, demorava demais pra chegar e a gente tinha hora marcada pra... Aí a gente andava mais de avião. Tinha um avião que pousava aqui, lá em Embaúba, no Abunã, no Ribeirão. Cada canto desse eu tinha uma lancha, que eu trabalhava nelas. Um motor de 50 Hp, de 70, 120.
P/1 – Pra poder se deslocar...
R – É. Pra poder deslocar mais ligeiro, pra não dar...
P/1 – Problema.
R – Vagabundo não tinha muita chance.
P/1 – Tá certo. Agora o senhor me falou que tinham patrões. Esses patrões eram da onde? Eles eram daqui mesmo, era gente de fora?
R – Eu só trabalhava com um mesmo aqui dentro.
P/1 – Só trabalhou com um.
R – Só com um mesmo. Da minha vida mesmo eu trabalhei com três, quatro pessoas. Foram dois onde eu morava e dois depois que eu cheguei aqui, né?
P/1 – E esse que o senhor trabalhou aqui no garimpo, quem era ele?
R – Esse era o Frederico Simão Camelo.
P/1 – Ah, era o próprio senhor Frederico.
R – Era ele mesmo.
P/1 – Ah, o garimpo era do seu Camelo.
R – Não. O garimpo era de todos, mas...
P/1 – O garimpo era de todos, mas você trabalhava pro senhor Frederico aqui.
R – Ele era um dos maiores proprietários de vendas de material de garimpo e de compra de ouro. Era ele.
P/1 – Achei que ele já tivesse falecido. Entendi. Então ele que também explorava aqui o garimpo, uma parte do garimpo, que ele tinha funcionário aqui.
R – Tinha. Ele tinha só balsa ele tinha 122 balsas de sociedade com os outros. Nós montávamos a balsa e entregava pra você: “Olha, isso aqui você vai me pagar da produção”.
P/1 – E aí ganhava uma porcentagem do que eles tiravam.
R – É.
P/1 – Você era a pessoa que fazia essa intermediação.
R – É. Eu só recebia os ouros, pegava os outros nas balsas, nos postos e tudo que precisava de manutenção, mercadoria pra trazer pro garimpo eu que trazia com os caminhões. Às vezes trazia de três caminhões carregados de mercadoria pra deixar distribuir nos garimpos, negócio de óleo...
P/1 – Isso era o regatão?
R – É. Só que era terrestre, né?
P/1 – Era terrestre.
R – Só que a gente trazia e dividia nos postos, deixava. Tinha os postos de gasolina que eram os flutuantes. A gente andava com eles pra todo canto. Todo canto aonde dava fofoca maior, as balsas se juntavam mais, a gente estava lá de flutuante vendendo as coisas de garimpo, mangueiro, chupeta, maraca, roupa de mergulho, correia de motor, óleo lubrificante, graxa. Tudo quer precisava de manutenção.
P/1 – E era o seu próprio patrão que mandava isso.
R – Era o meu patrão mesmo.
P/1 – Então ele ganhava tanto o outro quando ele trazia coisa pra cá pra vender.
R – Ganhava de tudo. Era um dos maiores... Em Porto Velho você procura, quando você estiver em Porto Velho você pergunta às pessoas antigas, aqueles velhos se conheceram o Frederico Simão Camelo em Porto Velho, que eles falam quem que era o Frederico Simão Camelo.
P/1 – E agora me conte, era muita gente nesse garimpo?
R – Era muita gente. Teve época aí de ter 1600 dragas, 2000 balsas. E cada balsa dessa era quatro, cinco pessoas cada uma.
P/1 – E uma draga tinha quantos homens?
R – Ah, seis pessoas.
P/1 – Seis pessoas.
R – Isso só trabalhando, né? Fora os manuais, que tinha praia que você chegava estava pior do que a cidade de manual trabalhando.
P/1 – Coberto de gente.
R – É. Pessoa trabalhando. Casa, na beirada do rio a currutela de comércio e todo troço. Era o maior movimento. É por isso que eu falo que quando essas firmas forem embora desse negócio dessas usinas aí, aí Porto Velho vai sentir um abalo desgraçado. Foi o que aconteceu quando o garimpo... Quando Mutum quebrou um pouco do ouro, aí você viu, Porto Velho ficou que você pensava que Porto Velho não ia se erguer mais.
P/1 – Conta mais. Conta mais. Acabou o garimpo, o que aconteceu?
R – Ficou fraco demais. Mutum aqui levantou depois que montou as serrarias. Aqui você passava até esse restaurante aí pra vender um prato de comida era uma luta. Quando começaram as serrarias de novo aí sim, aí mudou tudo. Aí aumentou tudo. Foi quando criou essa vila aqui, que não tinha essa vila que tem desse lado aqui. Da estrada de ferro pra cá não tinha essa vila. Só tinha mesmo na estrada de ferro ali beirando. Aí aumentou pra cá tudo. Você pode ver, entrar nessas casas aí que não tem casa velha, madeira... É só casa nova. Tudo madeira nova.
P/1 – Então aqui em Mutum mudou mesmo... O senhor passou a morar aqui depois.
R – Eu vim em 80 direto. Eu vim em 80 trabalhar direto. Só que aí eu morei só era aqui mesmo, porque eu só ia a Porto Velho pegar dinheiro e levar ouro, pegar material pra trazer pro garimpo. Ia lá em casa que a mulher... Em 84 eu deixei a mulher lá porque dava muita malária. A mulher já tinha dois meninos, um menino e uma menina. Só viviam com malária aqui dentro, eu levei e deixei na cidade. Aí pronto. Via direto. De lá quando foi em 95... Em 90 que quando mataram meu patrão, aí eu fiquei sem patrão. Eu fique quatro anos trabalhando direto lá em Porto Velho mexendo só com bar. Quando foi 95 aí eu voltei pro garimpo trabalhar com outro patrão. Eu montei dois postos de gasolina pra ele, que esses postos de gasolina do jeito que é montado em terra eu monto eles no rio do mesmo jeito. Qualquer canto. Graças a Deus eu sei fazer ele todo.
P/1 – Seu Amazona, você falou um monte de coisa agora. Primeiro você falou da malária. Você viu muita gente morrer aqui nesse garimpo?
R – Muita. Muita gente.
P/1 – E se morria do que?
R – Malária e de tiro. E mergulhando. Teve semana aí de eu mesmo, eu tinha uma canoa grande que era dada do meu patrão, que ele me deu pra eu trabalhar aí dentro, uma canoa de dez metros e 40, uma voadeira chata, eu cansei de vir aqui, os polícias virem comigo no rio, nós resgatarmos de dez, 12 corpos. Peão que morria mergulhando. Aí do meio pro fim já era morto mesmo. Pessoa matava peão na currutela e matava o cara lá no fundo mergulhando. Cara quebrava a mangueira, aquela mangueira de ar lá no fundo, eles pegavam e quebravam a mangueira do peão aqui, o peão estava com um cinto pesado no fundo, aí acabava o ar dele, ele não dava conta de soltar o cinto, até ele sair em cima já... Quando não o cabra tinha uma alavanca grande que o cara quebrava mucururu assim, chegava lá e “dale” com a alavanca na costa do peão.
P/1 – E de malária?
R – De malária morreu um bocado de gente também. Só que não era tanto, né?
P/1 – O senhor chegou a contrair, pegar malária?
R – Muitas vezes. 82 vezes depois que eu cheguei a Rondônia.
P/1 – Oitenta e duas vezes você pegou malária?
R – Não é assim pegar, né?
P/1 – Como é que é?
R – Porque às vezes não curava direto, aí ela voltava. Às vezes voltava duas, três vezes repetida. E graças a Deus em 96 eu mesmo fiz um remédio pra malária mesmo que graças a Deus não peguei mais até hoje.
P/1 – Então aí você mandou a sua mulher pra Porto...
R – Ela ficou na rua.
P/1 – Pra Porto Velho. Mandou-a voltar pra lá.
R – É. Ela ficou na rua direto. Aí quando foi agora em 96 nós nos separamos. 97 nós nos separamos, aí eu arrumei essa outra e já tenho as meninas já. Essa aí é minha caçula agora daqui.
TROCA DE FITA
P/1 – Seu Amazona, conta uma coisa, o senhor falou agora pra mim em off, qual era o apelido do senhor quando o senhor trabalhava com o seu patrão?
R – Índio do Camelo.
P/1 – Por que você chamava Índio do Camelo?
R – Porque só andava que nem índio mesmo. Só de calça.
P/1 – E as outras pessoas não?
R – Não. As outras pessoas, o pessoal anda de camisa, né? Eu no garimpo, não. Era só sem camisa. Só de calção. Aí chegou o Índio do Camelo.
P/1 – Fala uma coisa, Seu Amazona, então agora o senhor voltou pra Porto Velho por causa de que seu chefe faleceu, né?
R – Foi.
P/1 – E aí em Porto Velho o que você fez da vida?
R – Aí eu fui trabalhar só com canoa.
P/1 – Aí você foi viver de canoa?
R – Só. Aí fui usar minha profissão, né? Acabou meu emprego. Mataram-no, as minas começaram a vender as coisas todas. Eu não gostei do que eles estavam fazendo, que estavam destruindo as coisas que o velho tinha... Nós tínhamos construído, né? Porque eu tinha ajudado. Aí eu não gostei, peguei e saí fora. Eles acabaram com a firma toda. Comecei a fazer canoa e o pessoal gostou, porque as outras fábricas que tinha lá tudo eram diferentes das minhas.
P/1 – Você fazia por conta própria? Não fazia em fábrica nenhuma?
R – É. Eu comecei a fazer por conta própria. Eu comecei a fazer pra mim, pra eu pescar. Porque eu tinha um amigo meu que tinha um carro e ele tinha uma carrocinha de carregar canoa, ele só não tinha a canoa. Aí eu gostava de pescar e não tinha nada. Eu tinha um dinheirinho que tinha sobrado pra mim ainda, mas era pouco, já estava acabando já. Aí eu digo: “Eu vou fazer uma canoa”. E fiz duas canoas pra eu pescar mais esse colega meu. Quando o pessoal viu as canoas endoidaram. Aí pronto. Aí eles caíram matando, eu também arrochei nas canoas.
P/1 – E qual era a diferença da sua canoa? A diferença pra canoa das...
R – Principalmente o feitio, né? Porque as minhas canoas tudo são plainadinhas. A madeira às vezes quando eu to com paciência eu até lixo ela, que ela fica lisinha que não agarra nada. E o talho também das canoas, os feitios, bem diferente das que os outros faziam. Aí o pessoal caiu em cima. Muito pescador, em Porto Velho é muito pescador de rio aí no Teotônio. As canoas lá tudo eram canoas grandes. Canoa de dez metros, 12 metros, oito metros. Tudo canoa pra motor de popa, pra voadeira, motor 40. E aí eu caí matando. Eu trabalhei durante 14 anos com esse patrão meu. Catorze anos direto. Fez 18 anos que eu trabalhei com ele direto. O dinheiro que eu ganhei, eu tinha uma casa lá, mas não era minha, a casa era dele, eu morava na casa dele e o dinheiro que eu ganhava direto não teve tempo porque eu não parava também. E eu quatro anos que eu trabalhei só fazendo canoa eu consegui fazer uma casa que é do tamanho dessa daqui lá na rua.
P/1 – Lá em Porto Velho.
R – É.
P/1 – Agora me conta desde o começo, Seu Amazona, como é que faz, da onde vem a madeira, como é que faz a canoa?
R – Olha, as madeiras eu compro das... As primeiras eu tirava de motosserra, né? Porque era proibido. Era proibido, mas você podia cortar. Pro uso você podia cortar. Aí eu tirava de motosserra. Era Cedro Mara, Cedro-rosa e castanha.
P/1 – E qual madeira o senhor prefere pra fazer a canoa?
R – Hoje é o Cedro Mara.
P/1 – Cedro Mara.
R – É mais mole pra se trabalhar, mais maneiro quando ela tá seca. Só que pra durabilidade mesmo é a Itaúba. Só que a Itaúba você não acha quase. Nessa região tem muita Itaúba, mas é fina. Madeira fina. Não da pra... Pra você mexer com canoa ela tem que ter pelo menos 60 pra você tirar tábua de 35, 40. Só que é proibido agora. Se a polícia me pegar com uma tábua de Itaúba me prende.
P/1 – E depois que você tem a madeira como é que você a trabalha? O que você faz?
R – Primeiro eu talho, eu coloco pra secar que nem estão essas aqui tudo gradeada. Eu a coloco pra secar, depois que ela está seca eu vou e talho. Isso aqui é talho de canoa.
P/1 – Talho são esses...
R – É. Os talhos delas, esses moldes. Faço o molde delas todinho, aí eu plaino todinho, bem plainadinho, aí eu vou montá-la.
P/1 – Aí eu te falo como que eu quero a canoa e você faz um tamanho.
R – É. Você faz do jeito que você quer. Quero uma canoa pra passeio, uma canoa pra pescaria... Pra pescaria de tarrafa, de linha parada, ela é um feitio. É uma canoa meio larga, canoa que você pode ficar em pé, pode fazer o que quiser. Já você diz: “Eu quero uma canoa só pra eu pescar jogando linha ou jogando canição”. Que a nossa pescaria é mais assim, ou andar em igarapé cerrado. Aí eu já vou fazer uma canoa pra ti mais estreita, uma canoa mais baixa de altura. Uma canoa fina própria pra andar. “Eu quero uma canoa pra andar”. Aí você já desenha a canoa do jeito pro cara andar mesmo. E aí o feitio assim: “Eu quero uma canoa enfeitada tipo um barco”. Aí eu faço, que nem eu tenho ali na beira. Lá na beira tem as canoas, você olha, tipo um barquinho assim toda frescalhada. E o cara: “Essa tá bonitinha. Eu quero uma desse jeito”. Eu vou fazendo, né?
P/1 – Então você fazia as suas bem feitas pros outros olharem a sua e...
R – Eu sempre...
P/1 – Sempre faz todas bem feitas?
R – É. Só que tem umas que a gente capricha mais.
P/1 – Pra chamar atenção.
R – É. Então, como é o ditado, aqui mesmo, as canoas que tem aqui quase todas sou eu que faço. Aqui dentro do Mutum tem um monte de canoa, a maior parte tudo é feita por mim.
P/1 – E quanto tempo leva uma canoa?
R – A durabilidade dela ou...
P/1 – Pra fazer uma canoa.
R – Pra fazer essa daqui eu passo três dias pra fazer uma canoa dessa.
P/1 – Três dias pra fazer uma canoa dessa.
R – É. Eu pegando direto, né? Pego três dias... Se eu enrolar, né? Eu não trabalhando meio forçado. Se eu trabalhar forçado mesmo com dois dias ela está pronta. Mas eu já não dou conta mais trabalhar direto assim porque eu tenho problema de coluna. Muito tempo em pé dói. Aí já trabalho de manhã até cinco horas da tarde. Porque quando eu venho dali pra cá eu só vou almoçar às vezes de noite, só vou comer de noite. Porque eu acostumei desde menino que eu passo o dia todinho. Agora na hora da janta se não tiver comida pra jantar, eu não sei comer pão, não sei comer outra comida. Não adianta, não. Eu como, a barriga pode estar estourando, mas eu não to com fome. Aí tem que ser um caldo de peixe ou uma carne, qualquer coisa.
P/1 – Agora o senhor estava falando pra mim das canoas, você estava falando um pouco das pescas. Conta pra mim um pouco do jeito que se pesca, quais são os jeitos, os jeitos diferentes, como você pesca.
R – Nós aqui mesmo, nós pescamos mais de malhadeira, né? De linhada. Jogando linha. Jogando linha nos pedrais você puxa Jatuarana, Tucunaré, Piranha, peixe de couro. E é nosso modo de pescar, de arpão.
P/1 – E você prefere pescar como?
R – Eu gosto mais do arpão e do caniço na linhada.
P/1 – Já pescou muito peixe?
R – Já. Muito. Muito mesmo. Minha vida, se fosse pecado matar peixe não eu não tinha mais salvação.
P/1 – Está certo. Então, Seu Amazona, o senhor ficou quatro anos lá em Porto Velho depois que o senhor voltou pra fazer barco.
R – Foi. Quatro anos. De lá eu voltei pra cá de novo e aí pronto, aí não fui mais pra lá.
P/1 – E aí quando você voltou pra cá já tinha acabado o garimpo, o que tinha?
R – Não. Lá até hoje ainda tem garimpo.
P/1 – Tem até hoje garimpo?
R – Tem. Só que enfraqueceu, né? Tem muito pouco. Agora acho que se contar as dragas tudo que tem acho que não dá 30 dragas. De lá do Ribeirão ao Santa... Até abaixo de Porto Velho, acho que se contar todas não dá 30.. Até eu trabalhei de 96, 95 até em 2001 no garimpo.
P/1 – Trabalhou aonde em 95?
R – Aqui no garimpo de novo depois que eu voltei.
P/1 – Ah, você voltou pra trabalhar no garimpo.
R – Foi.
P/1 – E como é que estava o garimpo agora?
R – Estava fraco, né? Só que eu trabalhava porque o rapaz que eu vim trabalhar com ele, nós fizemos uma proposta, um acerto eu mais ele. Na época ele me pagava, em 95 ele me pagava 500 contos livres, pra eu tomar conta do posto pra ele, pra despachar o óleo, né, e entregar o óleo e o peixe que eu pegasse nós dividíamos meio a meio o lucro. Ele dava a despesa, que eu entrava com as frisas e a despesa de óleo, que era motor de luz no rio aí e eu pescava. O peixe que eu pegasse nós dividíamos o lucro.
P/1 – Ah, você continuou não trabalhando diretamente no garimpo?
R – É. Continuei.
P/1 – No garimpo você fugiu do garimpo.
R – Aí eu tomava conta do flutuante, entregava óleo, comprava o ouro do pessoal. Às vezes eu ia a Porto Velho entregar ouro, comprar o caminhão de óleo. Mas meu serviço era aí dentro. Aí eu pescava, né? Todo mês eu tirava 500 contos, era livre o meu salário, era 500 contos livre. E tinha mês de eu fazer 2000, 2500 só a parte do peixe que tocava pra mim.
P/1 – E como que, Seu Amazonas, o senhor falou que levava o outro pra Porto Velho, levava o ouro pra Porto Velho e lá fazia o que com esse ouro?
R – Lá vendia. Entregava lá na Paraná Metal.
P/1 – Na Paraná Metal?
R – É.
P/1 – Era a loja pra onde vocês...
R – Era a compra de ouro de Porto Velho. Tinha Paraná Metal, tem a Maça, tem a Ouro Minas. Tudo compra o...
P/1 – E aí variava o preço?
R – É. Aquela que tivesse com o preço maior a gente vendia, pegava o dinheiro e comprava óleo lubrificante pra trazer, óleo diesel pra vender pro...
P/1 – Você estava falando que você ganhava, você chegou a ganhar 2500 reais com peixe por mês daquela época?
R – Em cima do flutuante, né? Eu não podia pescar todo dia. Era só de noite que eu pescava.
P/1 – Você prefere pescar à noite?
R – É porque eu colocava malhadeira. Eu colocava a rede de noite. E no flutuante nós ficávamos de dia na beira assim do jeito que estava, vinha algum flutuante aportar, a gente colocava a linhada de espera, a hora que eu pensava que não os filhotões Piraíba, Jaú, pegava aquele macetão.
P/1 – Que peixe que dá nesses rios pra cá?
R – Todo tipo de peixe. De escama, de couro, tudo tem. Não tem coisa, não. Todo tipo.
P/1 – E me conta uma coisa, Seu Amazona, o que mudou aqui em Mutum depois dessa época que você voltou?
R – Pra cá mudou mais o movimento depois, né? Porque quando acabou a primeira remessa do garimpo, aí o pessoal foi embora tudo. Aí ficou quase acabado, né? Quando foi em 95 que eu voltei estava fraco o movimento aqui. Era muito pouco o movimento aqui na vila. Aí já foi já...
P/1 – Mas essa vila aqui já existia quando você voltou?
R – Só de lá da beira da pista do avião, né? Pra cá não tinha, não. Isso aqui eu tirei, esse terreno aqui eu tirei já em 98. Este terreno pra cá, essas áreas pra cá foi em 98 que começou já a construir pra cá. Foi quando as serrarias começaram a construir aqui.
P/1 – As serrarias chegaram quando?
R – Em 90 e... Dois mil, 2002. Mas só que eles tinham ali na entrada do Rio Madeira eles tinham duas serrarias lá, né? Aí a gente comprava madeira lá e trazia pra cá pra construir aqui. Depois que montaram essas três serrarias aqui, aí pronto. Aí exalou de casa que toda serraria precisa às vezes de 20 famílias pra casa uma serraria, porque são dois turnos, às vezes são mais de dez pessoas que trabalham por cada turno, né? Então são 20, 30 famílias pra casa uma serraria.
P/1 – Então quando veio a serraria mudou bastante?
R – Aí mudou. Melhorou o movimento tanto pra gente vender peixe como pra serviço de construção mesmo de casa. Eu fiz muita casa aqui. Eu tenho muitas casas feitas por mim. Tanto feito só a mão de obra como a tiração da madeira também. Eu tirei muita madeira de motosserra pra fazer casa aí nessa vila. Porque em 2004 mataram o outro meu patrão. Aí eu fiquei desempregado de novo.
P/1 – Mas até lá, antes dele morrer o senhor continuou, o senhor trabalhava fazendo casa e...
R – Tudo. Aí 2004 o mataram, aí pronto. De lá pra cá eu digo: “Agora eu vou cuidar da vida mesmo. Agora não vou mais arrumar patrão, não”. Graças a Deus estou levando a vida eu e a mulher. O dia que eu não estou no... Rapaz, era pra eu estar lá pra beira do rio, lá pro…. Eu não saio porque eu falei que ia esperar, né? Que eu ia lá pra beira do Madeira atrás de pescar hoje. Eu digo: “Não. Vou esperar”. Aí eu comecei a ajeitar as malhadeiras ali até quando você chegar.
P/1 – Parado você não fica, né?
R – Ah, não tem jeito, não. Eu não aguento, não. Se você me achar em casa deitado lá você pode ir na certeza que eu estou doente. Não tem jeito, não.
P/1 – Agora, Seu Amazona, você falou que está com uma mulher, o senhor conheceu a nova mulher aqui em Mutum então?
R – Foi já em 99.
P/1 – E aí se conheceu onde?
R – Nós nos conhecemos aí dentro do garimpo mesmo. Ela tinha o marido dela, largaram-se, aí vivia andando pelo garimpo, sempre ela ia lá pro flutuante aí nós nos juntamos e pronto. Eu estava já solteiro já também, tinha separado da minha mulher. Temos três meninas aí, um menino e duas meninas e graças a Deus é da mulher do jeito que eu gosto, que eu não gosto de mandar ninguém. Eu sou um cara que quando tem as coisas pra fazer eu não gosto de estar mandando. Ela toma iniciativa das coisas, graças a Deus. Então nós estamos levando. E ela é do bagaço também que ela não gosta de estar em casa de jeito nenhum.
P/1 – E esses filhos tudo aqui você está criando em Mutum, esse daqui mesmo?
R – É. Se Deus quiser...
P/1 – Nascido e criando.
R – Eu pretendia criar eles tudinho aqui, mas agora com essa mudança.
P/1 – Vamos falar um pouco disso, dessa mudança. E aí quando que veio a usina pra cá? Quando que o senhor ficou sabendo? Como você tomou conhecimento/
R – Rapaz, foi 2007. Dois mil e seis começou o negócio da Furna. Eles começaram a andar por aí. Dois mil e seis eles já estavam fazendo pesquisa por aí. Dois mil e sete já começaram constante. Quando foi em 2008 eles começaram a fazer o cadastro do pessoal aqui pra tirar.
P/1 – Mas 2006 essa pesquisa o que era isso?
R – Eles só eram, só iam andando aí, fazendo pesquisa, fazendo medição da água, conhecendo as áreas e tudo. Andavam por dentro do mato aí, mas ninguém não estava nem sabendo que mexia com esse negócio. Já quando foi 2007, final de 2007, aí começamos já a ouvir falar que iam fazer as usinas aí. Quando foi em 2008 que eles começaram a fazer o cadastro do pessoal aqui já empataram, já começaram a empatar a gente a fazer as coisas. E aí quando foi agora final de 2008 começaram já o trabalho aí. Aí acabou com tudo. Aí desgraçou com a vida da gente aqui.
P/1 – O que desgraçou? O que mudou?
R – Porque eles começaram a bombardear as pedras nas cachoeiras lá e os peixes não subiram mais. Enfraqueceu o peixe aqui que tem dia que você vai pescar, peixinho você pega, né? Lambari pra comer. Peixinho você pega. Mas que nem nós pegávamos Jatuarana... Vejo subir, na boca da noite quando era uma hora dessa eu chegava aqui com cem quilos, 120 quilos de peixe Jatuarana. Só Jatuarana. Não tem mais, não. Os peixes de couro, Pintado não subiu mais.
P/1 – Isso há dois anos já?
R – É. Eu até dois anos, até final de 2008, começo de 2009 ainda conseguia guardar dinheiro ainda, graças a Deus, dinheiro que até de 5000 reais cansei de ficar aí guardado. Só ganhando o dinheiro daqui e não dever nada pra ninguém. Graças a Deus até hoje ninguém deve nada, não.
P/1 – Isso só com venda de peixe?
R – Só com venda de peixe e fábrica dos barcos.
P/1 – Ah, fazer casa e canoa o senhor nunca parou de fazer casa e canoa aqui?
R – Não. Eu não pretendo parar tão cedo, né? Porque se não tem o peixe eu procuro fazer outra coisa, né? Porque ninguém tem emprego fixo. A mulher não sabe nem assinar o nome. Mas numa linhada não é qualquer pescador que bate ela. Então nós na beira do rio... Por isso que eu preferia indenização, porque ali naquele seco ali não tem condição pra nós, né?
P/1 – E aí te propuseram a indenização? Como é que foi isso?
R – Ah, propôs indenização, a carta de crédito que era pra eu pegar outra casa lá.
P/1 – Quais foram as opções que propuseram então?
R – Carta de crédito, a indenização ou uma casa na tal de Agrovila, que nem eu falei, uma casa com dois hectares de terra. Uma casa de 80 metros quadrados com um ano de salário mínimo.
P/1 – Isso aonde essa Agrovila?
R – Até agora ainda não vi sair essa Agrovila ainda.
P/1 – Não viu.
R – Diz que vão fazer ainda. Mas logo quando eles vieram fazer o cadastro que eu perguntei a eles aonde que iriam fazer a cidade que eles falaram que iam fazer lá nas pedrinhas, pra lá das pedrinhas eu já pedi, eu digo: “Então no meu cadastro aí você coloca a indenização”. Porque aí eu sabia que pra mim já não...
P/1 – E por que lá não dá pro senhor?
R – Porque eu não tenho carro, eu não tenho transporte pra ir pescar. E longe pra ir pro rio. Dá 17 quilômetros pra chegar a beira do rio.
P/1 – Não tem como viver lá.
R – Não tem como viver. Você sabe que lá casa é tudo de alvenaria. Lá ninguém vai construir casa de madeira. Canoa você não vai fazer canoa lá no seco, né? E a minha opção veio logo. Ou o Jacy ou o Abunã, né? Porque pra cá eu conheço também, beira de rio eu conheço tudo. Conheço os cantos de pesca tudo, até Guayará Mirim eu conheço tudo. Aí eu apelei: “Não. Eu vou pegar a indenização”. Que com o dinheiro da indenização, se der um dinheirinho mais ou menos eu vejo se com a metade do dinheiro eu construo uma casa que nem essa que eu tenho aqui, né? Que o terreno eu sei que eu não ia pegar mais que nem esse. Só se tivesse muito dinheiro, bastante dinheiro pra eu comprar agora. Meu irmão pegou um loteamento no Jaci, eles estão com cento e tantos lotes pra vender, ele quer por força me vender os lotes, fazer um lote que nem esse aqui. Eu digo: “Não, meu irmão, não quero mais comprar lote limpo porque lote limpo, só se eu tiver sorte de viver um bocado, né,
ai pra ver de novo, construir de novo. Aí foi quando... Aí não veio a...
P/1 – Indenização.
R – Indenização. Só que eles pagam só metade primeiro.
P/1 – Eles pagaram metade da parcela? E quanto que foi isso?
R – É. Deu 59 reais 770. A primeira parcela.
P/1 – Aqui ficou 120?
R – Deu 119 e 900 e uns quebradinhos. Acho que tem um negócio de um desconto lá, não sei de que é. Eu sei que veio, a primeira parcela veio 59.977.
P/1 – Eles pagaram a primeira parcela?
R – Pagaram. E a outra parcela só quando desocupar o terreno. Desocupar, tirar a casa. Mas só que essa casa aí tem dois cantos que são alugados. Dois pedaços dela que são alugados. Um pra um rapaz que mexe com pescaria desde 2000 que ele mexe com pescaria, aí é alugada uma parte pra ele.
P/1 – Ah, o senhor alugou pra ele?
R – É. E ele tem o depósito, que é o depósito dele guardar as coisas. Foi cadastrado e até hoje ainda não veio a coisa deles. Hoje então eu fui lá e falei pra eles: “Olha, eu só vou sair da casa quando vocês pagarem”. Embora que eu demore pra receber a outra parcela, mas com a primeira parcela que veio eu comprei a outra casa e dois terrenos.
P/1 – Ah, o senhor já comprou uma casa e dois terrenos? E onde o senhor...
R – Já. Lá no Jaci.
P/1 – Lá no Jaci.
R – É. Bem perto de um colégio. Então eu já comprei lá já.
P/1 – Perto de uma escola?
R – É.
P/1 – Pra colocar as molecadas na escola?
R – Se não fosse a molecada nós íamos pro lote. Meu irmão tem um lote, a metade do lote é meu. Lá no contra, acima do Jaci. Dá sete quilômetros do Jaci lá no lote. Se não fosse..
.
P/1 – E lá vocês vão conseguir viver? Como que você tá pensando?
R – Lá eu conheço muita opção de pescaria também. O rio é bom de peixe, ainda tá bom de peixe ainda. Tem mais peixe do que aqui ainda, porque aqui o rio é pequeno e é só um canto e lá não. Lá tem vários cantos ainda e a barragem lá de baixo tem muito peixe que vai subir nela, porque eles fazem só uma parte do rio, né? Porque aqui, daqui a uns quatro, cinco anos talvez melhore aqui. Porque aí vai ficar represada, tem muito peixe pra cima, eles resolvem é descer, né? Se eles não proibirem não vai ser tão ruim porque de lá eu posso vir pescar também aqui.
P/1 – Agora, sua casa vai ser toda alagada? Toda essa área vai ser alagada.
R – Mas não vai ser alagado aqui tudo não. Pela medida que eles fizeram vai ficar terra por aqui ainda. Mas só que não pode ficar porque é área de risco. Você vê o que tá acontecendo aí pra fora. As barragens se enchem e quando estoura levam as casas com tudo aí.
P/1 – Agora, Seu Amazona, se o senhor pudesse escolher você ia ou não ia embora?
R – Ah, eu ficaria aqui. Ficaria aqui direto. Por pior de peixe que estivesse, mas eu ficaria aqui direto. Uma que as minhas coisas, você vê tudo... Só dinheiro de cupuaçu, com negócio de din-din, suco, essas coisas aqui a gente... E negócio de... Essas coisas que a gente vende mesmo. Banana, as coisas tudo a gente vende aí, engraçado, a gente... Se não fosse essa mudança nós estávamos com o quintal cheio de galinha de novo. Eu ia arrumar minhas cercas todinhas. Aqui pra nós criarmos 150 cabeças de galinha aqui em quatro meses nós já estávamos com elas tudo no ponto de vender já. Que a gente compra esses frangos de granja, esses frangos de granja grande e compra ração de crescimento. Ah, é ligeiro demais. Mulher pra ficar com 500, 600 contos não faltar nada na bolsa dela eu duvido. Só com dinheiro de galinha aí. Todo dia dez, 12 galinhas. Galinha grande e tratada. Que aqui ninguém tem preguiça, não. O quilo do peixe aqui a gente vende ele bruto a sete reais, né? Os caras: “Não, eu quero tratar”. A gente trata são oito reais. Eu meto um real no quilo. É ligeirinho. Uma galinha limpa é 15, bruta é 15, dá 20 reais a gente trata ela agorinha. Já sai tratada. Mas é na hora já sai. Engraçado e a gente vai ganhando. Agora não tem: “Não, é difícil de ganhar”. Dinheiro não é difícil de ganhar. Difícil é o cabra ter coragem pra correr atrás dele. Porque se você tiver coragem você não tem nada difícil, não. A única coisa que eu acho difícil é adoecer. Porque às vezes o cara adoece, tá bom, adoece e fica difícil, né? Mas estando de saúde não tem nada, graças a Deus.
P/1 – Seu Amazona, eu to indo pro final da entrevista, eu vou te fazer as três últimas perguntas agora. Eu queria te perguntar primeiro se o senhor tem um sonho ainda por realizar.
R – O meu sonho a realizar eu quero ver meus filhos, pelo menos os últimos estudados. Porque os primeiros não teve essa coisa, que nos separamos, vive fora um do outro. E outro quero correr atrás do sonho que eu tenho é de... Quero viver até morrer sem adoecer pra depender dos outros. Se um dia for pra eu ficar dependendo dos outros peço que Deus me tire logo pra não depender dos outros.
P/1 – Tá certo. E, Seu Amazona, como é pro senhor poder se lembrar da sua história, poder contar a sua história? Como o senhor se sentiu?
R – Ah, eu sinto bem, graças a Deus, né? Lembrar os tempos, que tem dia que eu to deitado na cama me lembrando pra onde eu andava, pra onde que eu já fiz, o que eu passei. Graças a Deus de mal eu nunca gostei de fazer nada pros outros, graças a Deus. Se eu não puder fazer o bem também mal eu não pretendo fazer. Então, como é o ditado, eu deito e graças a Deus durmo sem ter medo de nada, sem ter... Uma que graças a Deus o cara pra dormir bem, viver sossegado ele não pode dever, ele não pode ter inimigo. O cara não deveu, não teve inimigo, teve saúde, ele tá... Porque a pior coisa é você dever pros outros. Se é pra você dever pra um peão igual a gente, você dever pra uma firma grande. É. Porque às vezes a firma coloca você na justiça, você vai e se coisa e o peão igual a gente ele já parte é pra ignorância.
P/1 – E me deixa perguntar uma coisa pro senhor, Seu Amazona. Tem alguma coisa que eu não perguntei que o senhor gostaria de falar, que eu deixei de te perguntar?
R – Não. Por hora, graças a Deus, estou mais ou menos na boa.
P/1 – Tá certo. Então eu te agradeço. Está registrada aqui a sua história. Obrigada, Seu Amazona.
FINAL DA ENTREVISTA
Dúvidas em grafia de nomes e trechos:
Primeiro Áudio:
Sempre eu gosto de trabalhar com motosserra e arremato com serrote. Você corta ____00:36:40____.
– Página 13
Segundo Áudio:
Quando foi uma hora da madrugada ____00:14:15___ meu irmão chegou lá me chamando e eu fique assustado, meu pai bateu na janela do meu quarto, eu digo: “Pô, mataram algum irmão meu, né?”. – Página 18Recolher
Título: Navegando pela história de Seu Amazona
Data: 27/06/2010
Local de produção: Mutum - Pa
Personagem: Odilson de Souza Lima (Seu Amazona) Autor: Museu da PessoaO Museu da Pessoa está em constante melhoria de sua plataforma. Caso perceba algum erro nesta página, ou caso sinta falta de alguma informação nesta história, entre em contato conosco através do email atendimento@museudapessoa.org.
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