Projeto BNDES 50 anos
Depoimento de: Marcelo Nardim
Entrevistado por Bárbara Tavernard e Imaculada
Rio de Janeiro 12/04/2002
Realização Museu da Pessoa
Código: BND_CB045
Revisado por Ligia Furlan
P/1 – Boa tarde, obrigada por esperar. Por favor, seu nome, local e data do seu nascimento.
R- ...Continuar leitura
Projeto BNDES 50 anos
Depoimento de: Marcelo Nardim
Entrevistado por Bárbara Tavernard e Imaculada
Rio de Janeiro 12/04/2002
Realização Museu da Pessoa
Código: BND_CB045
Revisado por Ligia Furlan
P/1 – Boa tarde, obrigada por esperar. Por favor, seu nome, local e data do seu nascimento.
R- Meu nome é Marcelo Nardim, eu nasci aqui no Rio de Janeiro, em 17 de agosto de 1956.
P/1- E como e quando se deu seu ingresso no BNDES?
R- Eu vim trabalhar no BNDES no dia primeiro de maio, Dia do Trabalho, feriado, de 1978.
P/1- E você veio trabalhar no dia primeiro de maio?
R- Não, claro que não Bárbara, eu vim no dia dois, provavelmente.
P/1- Você prestou concurso?
R- É, eu prestei concurso para estagiário, eu já tinha trabalhado em alguns lugares fazendo pesquisa, aí um dia uma colega minha da faculdade falou “Ah! Tem um estágio aí, uma coisa muito legal, o BNDES”. Eu não tinha a menor ideia do que era o BNDES, vim, fiz a prova, não sabia muito bem onde é que eu estava entrado. Era um emprego, ganhar uma grana, sair da casa dos pais, morar sozinho, virar gente.
P/1- E como foi? Você entrou como estagiário. E depois?
R- Olha, primeiro foi um estranhamento. Primeiro a gente foi contratado, teve um treinamento. Foi muito estranho, um monte de gente falando um monte de coisa esquisita, aquela turma de estagiários ficava assim “Pô, quem são esses caras? São esquisitos, falam e se comportam de uma maneira muito esquisita.” Porque o trabalho no banco é um trabalho onde as pessoas se expressam muito, faz parte do nosso trabalho ter uma personalidade, ter opinião, não era aquela coisa pasteurizada, aquela entrevista de emprego careta. E me mandaram trabalhar num lugar... O BNDES estava em 13 prédios no Rio de Janeiro nessa época, e me mandaram para o prédio do Bank Boston. Me levaram
pra uma sala, eu mais alguns estagiários, a gente entrava por uma porta. Uma pessoa, que era o chefe lá, explicou qual era o trabalho e por uma outra porta ia entrando uma pessoa e levando um estagiário embora, para dentro de um prédio, e foi todo mundo indo embora, aí chegou a minha vez e eu também fui. Um cara que me levou para uma sala que não tinha janela e tinha uma mesa com muito papel, uma pilha e falou: “Essa é sua mesa, está vendo esses papéis aqui? Agora você tem que ler esse negócio todo”. Mas era muito papel, se eu tivesse lendo talvez estaria levando eles até hoje. Era um trote na verdade, mas eu não sabia, porque o BNDES prepara você assim: “Agora você vai fazer a privatização, se vira” (risos).
P/1- Você fez a privatização?
R- Não, aqui no debate interno eu sempre fui muito crítico à privatização, hoje em dia eu faço uma autocrítica da minha posição, acho que a privatização tem uma série de problemas, mas o trabalho do BNDES foi magnífico com relação a ela.
P/1 - E quais são as atribuições da sua área?
R- Hoje, depois do BNDES estar reestruturado, minha área cuida do acompanhamento do desempenho da gestão; quer dizer, eu faço um trabalho sobretudo para auto administração, voltado a administrar melhor o BNDES,
fazer o BNDES atingir mais o que ele pretende.
P/1- E como isso se dá?
R- Meu trabalho não tem um contorno muito nítido, eu não tenho uma rotina, faço o que for necessário para ver como o BNDES está se desempenhando e procuro articular e trabalhar no sentido de que os problemas que existem sejam resolvidos. Antes da reestruturação eu era chefe do Departamento de Planejamento e Orçamento, eu continuo fazendo a mesma coisa, mas agora a gente chama isso tudo de gestão estratégica. É a ideia de que você vai gerir a empresa no mais alto nível, porque tem vários sistemas de gestão dentro da empresa, esse é o sistema de gestão estratégica, que está lá no alto, onde a diretoria está administrando o BNDES, olhando cinco anos na frente.
P/1- Você trabalhou numa área por muito tempo, qual foi?
R- Eu trabalhei em muitos lugares no BNDES, aqui é um lugar em que você pode fazer mil coisas diferentes. Eu tive orgulho, na primeira área que trabalhei com projetos sociais do BNDES, em 82, a área do Fim Social, onde nós começamos a criar um trabalho do BNDES na área social. Nós íamos ocupar esse prédio aqui, tinham duas ou três estruturas aqui, que ocupavam. Uma era a Assessoria de Segurança Interna, que era a ASNI, que existia nas empresas estatais nessa época, a outra eram os garotos do Fim Social, que eram os garotos realmente que estavam inventando trabalhar com o social na época da abertura política, um trabalho que era visto como quase subversivo, não tinha nada de subversivo.
P/1- E quais os projetos que você participou, que você considera importante? E algum projeto atual, que você participe?
R- É, nessa época do Fim Social muitos projetos foram importantes, porque na verdade nós estávamos criando toda uma percepção do que é o social, o social não para o Ministério, para uma ONG ou para a ação assistencialista, mas um social que se respeite, que se entenda como um negócio que tem que dar certo... Tem que ter retorno. A gente brincava muito nessa época, porque o Tim Maia falava sempre assim “Cadê o retorno?”, por causa das caixas de som, e a gente ficava
________: “Cadê o retorno desse projeto?”. E projetos sociais cujo retorno não era necessariamente financeiro, econômico, mas era em qualidade de vida, então dessa época eu me orgulho muito de ter feito o primeiro projeto que tratava da saúde da mulher, na rede pública de saúde. Era o financiamento de um projeto em Goiás que cuidava para que a mulher na rede pública de saúde tivesse um atendimento igual a qualquer mulher de classe média tem em uma clínica privada. Acesso a métodos contraceptivos, discussões sobre sexualidade, questões muito normais para nós, mas que para as populações não incluídas, como são chamadas hoje, eram praticamente inacessíveis naquela época. Hoje a gente tem uma rede de saúde que tem até acupuntura, se você procurar direito, tem tudo na rede de saúde. Naquela época não tinha nada, você tinha mal e mal uma saúde pública muito incipiente, então eu me orgulho muito de ter participado dessa discussão, uma discussão muito difícil, naquela época existia um movimento pela esterilização em massa dos pobres, e a gente obviamente não aceitava essa posição, é uma discussão interna muito difícil também porque o BNDES estava acostumado a trabalhar dentro de padrões lógicos muito rígidos. Você pode encontrar sempre equações em projetos econômicos e em projetos sociais, as equações são bem mais complicadas, não são tão claras. Mas essa evolução, ela existiu no pensamento das pessoas aqui dentro, e dez anos depois, em 92, nós fizemos um trabalho de planejamento, uma pesquisa com os executivos do BNDES: de dez temas que eles consideravam mais importantes para o BNDES, sete eram sociais, dez anos depois. Dez é rápido, embora digam que nossos projetos são lentos, eles são um pouco lentos também. O meu trabalho agora, acho que... Com certeza, talvez tenha sido o trabalho mais importante que eu fiz na minha vida. É o processo de reestruturação do BNDES, que eu tive a oportunidade de coordenar o processo de planejamento estratégico que nós fizemos agora em 2000, de 2000 a 2005. Depois de dez anos sem planejamento no BNDES, como consequência das mudanças que ocorreram no governo desde a época do Collor, nós tivemos a oportunidade de fazer uma discussão coletiva sobre o que o BNDES deve ser até 2005, foi uma discussão muito rica e resultou numa reestruturação do nosso modelo de negócios, que existia há 50 anos e funcionando muito bem, então porque se muda uma coisa que está funcionando muito bem? Porque provavelmente você vai precisar ter outra cara daqui a cinco anos, então tem que começar agora. É difícil, mas é um trabalho que a gente está fazendo e está acontecendo aí.
P/1- E agora conta alguma lembrança marcante do seu dia a dia no BNDES, alguma história engraçada.
R- Olha, o BNDES dos anos 80 era um BNDES de festa, era um pessoal muito jovem, todo mundo feliz da vida, mulheres lindas e muita festa, muita viagem, a gente se divertia muito. Tem muitos episódios engraçadíssimos, eu não saberia nesse momento apenas um, mas um povo muito disposto a fazer o seu
trabalho,
muito feliz por estar fazendo, muito vivo, todo mundo com 30 e poucos anos... Vou contar uma história engraçada da época do Fim Social. O Fim Social era o Bye Bye Brasil né. Nós viajávamos pelo Brasil inteiro, e numa feita eu estava na Transamazônica com dois colegas, o Ricardo e a Deise, e nós ficamos hospedados num lugar chamado Barra Hotel e Churrascaria São Jorge, uma cidade perdida no meio da Transamazônica. E o banheiro não tinha porta, os três no mesmo quarto, então quando a Deise queria trocar de roupa a gente tinha que ir para fora do quarto e tal, e o quarto com ventilador... Porque era no meio da Amazônia, um calor desgraçado, você não pode abrir a janela porque entra um monte de bicho, pelo menos tinha um ventilador né. E no meio da noite a gente acordou sufocado, o ventilador tinha parado, porque funcionava à base de um gerador que desligava meia noite, então não tinha jeito, tivemos que abrir a janela e passamos o resto da noite sendo jantado, literalmente, por todos os animais que
voavam naquela floresta. No dia seguinte a disposição para o trabalho era nenhuma, o avião que vinha pegar a gente não pôde aterrissar, tivemos que andar mais 70 km de Picape Bandeirante, aquela que mói os rins. Na hora do almoço a gente parou num bar, não tinha nada pra comer, tinha um pastel que parecia bom, o Ricardo − que é mais corajoso − deu uma mordida e falou “é legal, gostoso, vamos comer”, a Deise falou “não vamos comer esse biscoito”, estava lá desde que a Transamazônica tinha sido aberta, quando ela abriu o saco ele virou poeira, e a gente comeu aquele pastel, comemos outro e perguntamos: “Esse pastel é de que?” “É de macaco” (risos). Tudo bem, pastel de macaco, ok. Mas isso não se compara com a história dos velhinhos que eu fazia acompanhamento de projeto_________. Eu andava de avião na década de 50, eles estavam lá indo de burro (risos).
P/1- E o que é o BNDES para o senhor?
R- O BNDES é, para mim, o principal agente público de investimento. Quer dizer, o governo brasileiro, quando precisa investir em alguma coisa, quando ele quer alavancar alguma coisa, chama o BNDES, e aí a gente tem que inventar como arrumar o dinheiro, como pôr o dinheiro lá e ele não desaparecer, e depois tem que inventar como o dinheiro volta para você. A maior parte das vezes que a gente fez isso no passado... Hoje em dia nós temos uma economia sólida, com empresários e tal, mas não era bem assim. O BNDES entrava numa oficina e dizia: “Você vai ser o empresário do bem de capital” e construía para o cara. Hoje a gente faz isso na área social, a gente vai lá, procura um projeto social, uma coisa que a gente vê que tem potencialidade e investe junto com aquela pessoa numa ideia, dando um formato para que aquilo assuma a cara de um projeto. Para nós, projeto é uma palavra muito cara, ela tem uma aplicação muito precisa. Para nós projeto tem começo, meio e fim, e quando chega no final o que a gente quer é que tenha melhorado a realidade inicial. Muitas vezes não é assim, mas nem tudo dá certo na vida.
P/1- Agora, pra finalizar, o que o senhor achou de ter participado dessa entrevista e de ter contribuído para o Projeto de 50 anos do BNDES?
R- Eu acho isso um orgulho muito grande, em primeiro lugar, em segundo uma alegria. Só de estar aqui esperando a gente encontra um monte de gente que não vê há um tempão, e é isso, eu acho esse projeto maravilhoso, sou fã dele.
P/1- Muito obrigada Marcelo, por ter esperado e por tudo.Recolher