Programa Conte sua História
Depoimento de Érica Borges Feitosa
Entrevistada por Carol Margiotte
São Paulo, 31 de agosto de 2018
Entrevista número PCSH_HV659
Realização: Museu da Pessoa
Revisado e editado por Bruno Pinho
P/1 - Érica, boa tarde.
R - Boa tarde.
P/1 - Obrigada por ter vindo aqui, hoje, para a gente escutar a sua história. E, para começar, seu nome completo?
R - Érica Borges Feitosa.
P/1 - Local e data de nascimento?
R - Espírito Santo do Pinhal, São Paulo. Dia 02/12/88.
P/1 - E você sabe por que seus pais te deram esse nome, “Érica?”.
R - Não sei. Na verdade, minha mãe achava que era homem, era Erick, então, acabou que, na hora, descobriu que era menina, ficou Érica, super criativa.
P/1 - Mas ela já tinha preparado tudo para vir um menino?
R - Não, não tinha. Naquela época, não tinha muita coisa, então… Mas a minha mãe não quis fazer, mesmo. O exame, nada.
P/1 - Mas seus pais contavam para você a história do dia do seu nascimento, como foi?
R - Minha mãe comenta quando eu pergunto.
P/1 - E o que ela conta?
R - Agora eu não vou lembrar, mas hoje eu perguntei o porquê o nome, porque ela escolheu, e ela falava que ela queria Erick Henrique, mas aí era menina e ela colocou Érica. Aí eu falei “criativa”, mas nada em especial.
P/1 - E conta um pouco dos seus pais, o nome deles, o que eles fazem, como eles são.
R - Meu pai chama Sérgio Aparecido Cornélio. Ele trabalha em Campinas. Ele é policial. E minha mãe chama Rosemari Borges Cornélia. Ela é secretária. Trabalha no AME, lá na minha cidade, em São João da Boa Vista.
P/1 - E você conhece a história deles, como eles se conheceram?
R - Aonde eles se conheceram, não, mas foi bem novinho, assim. Acho que meu pai devia ter dezesseis e minha mãe dezessete, que ela é um pouquinho mais velha que ele, mas foi na fase de adolescente, assim, tanto que eu nasci e minha mãe tinha dezoito e meu pai dezessete. São novinhos.
P/1 - E onde eles foram morar quando eles casaram?
R - Eles casaram três anos depois. Eu fui daminha do casamento deles e eles moraram lá, em Pinhal, em Espírito Santo do Pinhal. Minha avó tinha uma casinha lá e deu para eles morarem.
P/1 - E seu pai, quando ele voltava do trabalho, te contava histórias do dia a dia?
R - Então, quando eu era pequena, ele trabalhava no haras lá, na minha cidade, então, ele mexia com cavalo, essas coisas. Aí quando eu tinha uns cinco anos, ele entrou para a polícia e está até hoje.
P/1 - E ele já te contou alguma história de como é ser policial?
R - Ah, ele conta algumas, mas hoje, mais velha. Quando era pequena, ele não comentava muito.
P/1 - E você tem irmãos?
R - Tenho dois.
P/1 - Pode falar por ordem de nascimento.
R - Tem a Isabela, que fez 21 agora, em agosto, e meu irmão Leonardo, que vai fazer 18. 30, 21 e 18. Interessante.
P/1 - E você conheceu os seus avós, Érica?
R - Eu tenho até bisavós, bisavó e bisavô vivos. Meu bisavô deve ter 92, e minha bisavó 91. Meu avô, não. Meu avô não é vivo. A minha avó casou de novo e tem meu padrinho, que é como se fosse meu avô, que me criou.
P/1 - O bisavô e a bisavó é de qual lado?
R - Do lado da mãe.
P/1 - Como eles chamam?
R - Aparecida e Salvador.
P/1 - Como é essa relação com eles?
R - Bem. Meu bisavô não se lembra de muita coisa. Ele tem um pouquinho de Alzheimer, então, ele não lembra. Agora, a minha bisavó é totalmente ativa. Ela mora no fundinho da casa da minha avó e faz tudo sozinha. Faz crochê, limpa casa, faz comida e faz tudo sozinha e pede um tataraneto.
P/1 - E você conhece a história deles?
R - Mais ou menos, porque eles são separados, na verdade, há muito tempo. Há mais de cinquenta anos, eles se separaram, então, aí ele fica lá com a minha avó, na casa dela, e minha bisavó fica lá no fundo, porque ela não gosta de ficar perto dele.
P/1 - E a família tem alguma tradição, Érica?
R - Não. Tradição, assim? Não.
P/1 - Em que momentos que vocês se reúnem?
R - Em todos. Dia dos pais, algum aniversário, natal, todo aniversário a gente se reúne. Sempre tem um churrasco, um almoço, alguma coisa, que a família é pequena, assim, então, a gente sempre se reúne, está sempre junto.
P/1 - E na sua infância, em que momento você ia para a casa dos seus avós?
R - Uma parte da minha infância, eu morei com a minha avó. Minha mãe morava em Pinhal e eu acabei ficando em São João, com a minha avó, que tem um filho que é um ano mais novo que eu, então, praticamente, a gente foi criado como irmãos. Eu acho que eu fiquei alguns anos com ela, enquanto minha mãe trabalhava na outra cidade, mas assim, era final de semana, de quinze em quinze. Eu não fico longe dela, da minha avó.
P/1 - E que lembrança que você tem dessa época, da infância, em relação a sua avó, do dia a dia, do cuidado dela com você?
R - Bastante. Na época, meu padrinho tinha um sítio, então, todo feriado a gente ia para lá, passava as férias, férias de escola, ficava trinta dias lá, eu, ela, meu tio. Bem bacana. A cidade do interior é mais tranquila.
P/1 - E em que bairro que você morava com a sua avó?
R - Lá no centro.
P/1 - Você consegue descrever para mim como era a casa?
R - Quando eu morei com ela é a casa que a minha mãe mora hoje, então, ali, eu tenho bastante lembrança, assim. Eu não brincava na rua, não existia isso, que ela não gostava, mas dentro de casa, brincava bastante com meu tio. E depois, ela mudou para uma casa maior, que é no centro, e lá tinha uma parte que tinha bastante árvore, essas coisas, então, subia em árvore, pulava muro, aprontava bastante.
P/1 - Teve alguma vez que você deixou sua avó preocupada?
R - Sempre. Teve uma vez que eu fiquei presa. Tinha uma árvore de manga. Fiquei presa. Peguei aqueles acessórios de pintor, amarrei. Subi com a escada, me pendurei lá, eu e meu tio. A hora que amarrei a escada, caiu e ficamos presos lá, gritando, que era longe. Até ela dar falta e ir lá resgatar a gente. A gente aprontava bastante.
P/1 - E como que ela resgatou vocês?
R - Ela ouviu a gente gritando. Aí ela desceu lá para ver o que estava acontecendo.
P/1 - E como é que ter um tio da mesma idade?
R - Irmão, praticamente irmão. Tudo que um tinha, o outro tinha; um vai e o outro também vai, “vou comprar para ela, vou comprar para ele, também”. Igual irmão, que meus irmãos, na verdade, são bem mais novos, então, eu ajudei a criar, não tive esse negócio de brincar. É diferente. Com meu tio foi mais assim.
P/1 - E o que a menina Érica queria ser quando crescesse?
R - Eu não lembro. O que eu queria? Nossa, agora não lembro mesmo.
P/1 - E você lembra-se dos seus primeiros anos da escola?
R - Eu lembro que eu estudei, quando eu morava em Pinhal, em uma escola que era de freira, que eu amava a escola. Eu passo lá até hoje e fico lembrando. Tinha as senhorinhas que eram tudo freiras. Tinha casa de boneca, plantava. Era bem legal. Eu lembro bastante dessa época da escola, dessa escola.
P/1 - E tinha algum professor que tenha sido marcante nesse começo?
R - Professor, eu não lembro. Eu lembro mais das freiras.
P/1 - Mas tinha uma que...
R - Tinha, tinha uma que era bem senhorinha, que ela sempre estava ali, brincando comigo, estava junto, mas eu também não lembro o nome dela, mas eu lembro que ela, eu gostava bastante.
P/1 - E Érica, passando, agora, um pouco mais para a adolescência, sua avó ou sua mãe falavam com você sobre transformações do corpo nessa época?
R - Não, minha mãe falava. Falava um pouco, assim, que eu tinha minha tia, também, que ela é um pouco mais velha, então, às vezes, eu vivia na casa da minha avó, aí ia usando as coisas da minha tia, como se fosse irmã mais velha, então, pegava sapato, roupa, maquiagem, tudo dela, então, com ela eu falava bastante.
P/1 - E como foi ficar adolescente?
R - Eu era terrível, aprontava bastante. Saía. Lá, como é pequeno, então, a gente se reunia. O cinema era ali, perto da casa da minha avó e ia tudo a pé, voltava a pé, ia tomar lanche. Minha avó “volta para orar” e eu não voltava. Era bem gostoso.
P/1 - E que transformações você começou a sentir no seu corpo na adolescência?
R - Agora...
P/1 - É que você cresceu junto com seu tio.
R - É.
P/1 - Que é homem.
R - Isso.
P/1 - Como que era essa relação?
R - A gente conversava bastante. Ele começou a namorar muito cedo, então, ele começou a me contar bastante coisa, eu também tinha, então, a gente se abria bastante um com o outro. Era bem legal. Ele contava, e eu era muito amiga da namorada dele, também. A gente era bem aberto um com o outro, contava bastante. Tudo que acontecia comigo, eu ia correndo contar para ele, e ele, vice-versa.
P/1 - Você teve uma primeira paixão nessa época?
R - Tive.
P/1 - Conta para gente como foi descobrir a paixão.
R - Tive. Eu acho que eu tinha catorze anos, é. Ele chamava Thiago e foi o primeiro menino que eu fiquei, que me relacionei. Fiquei apaixonada por ele um ano e pouco, mas nunca namoramos, nada sério, mas sempre final de semana se encontrava, saía com a turma, “vamos para tal festa, aniversário de não sei quem”, então, sempre via. Tinha uma amiga minha, que é amiga até hoje, que também saía com amigo dele, então, a gente sempre estava junto.
P/1 - E quando foi a primeira vez que você ouviu falar em dermatite atópica?
R - Eu tenho desde sempre a dermatite, desde pequenininha, só que era menos. E eu era pequena e, às vezes, sempre dava uns vergões, então, já estava acostumada. Eu não podia comer muito chocolate, sol, calor, para mim era horrível, então, já estou acostumada desde pequena. Tenho bronquite, também, então, uma coisa leva a outra.
P/1 - Mas você tem essa memória dos seus pais te levando ao médico? Como que era?
R - Lembro. Teve época que eu ficava com a minha avó, e como lá é uma casa antiga que ela mora, me dava muito bronquite, mais que a dermatite, então, eu vivia acordando de madrugada com falta de ar e para melhorar, era só no hospital tomando remédio na veia e eu tomo bombinha. A bombinha vive na minha bolsa e eu não saio sem ela, mas tinha que vez que atacava feio e tinha que ser... Eu tenho muita alergia a cachorro, gato, cavalo. Animais, eu tenho alergia, então, não posso ter contato. A minha família sempre teve, mas nunca fui de ficar pegando, agarrando, porque me atacava à alergia.
P/1 - Mas você sabe quando que veio o diagnóstico de dermatite atópica?
R - Testes. A gente começou, minha mãe me levou para fazer testes e aí começou a dar o que realmente tinha alergia.
P/1 - E quais eram os cuidados dos seus pais com você?
R - Com animais, tinha que tomar cuidado, não podia ficar pegando. Não podia ter urso, poeira, cortina, tapete, não tinha nada. Não podia ficar tendo, porque tudo isso ajudava a piorar.
P/1 - E seus pais tentaram, alguma vez, algum tratamento caseiro?
R - Caseiro, não, mas eu sempre tomei remédio ou a bombinha que sempre estava comigo, mas caseiro, não. E também, creme. Passar bastante creme, porque a pele é bastante seca, para quem tem dermatite.
P/1 - E essa coisa da adolescência, que tem essa valorização do corpo, como que você lidou com a dermatite?
R - Então, é que eram pontos. Às vezes, eu tinha, às vezes eu não tinha nada, sumia, então, não era sempre, e também era emocional. Se, às vezes, mexia alguma coisa, piorava. Às vezes, não. Então, eram pontos. Quando eu tinha, escondia embaixo das blusas compridas e está tudo certo.
P/1 - Mesmo no calor?
R - Eu faço isso até hoje.
P/1 - Você pode descrever para mim qual é a sensação?
R - Horrível. Pior sensação. Aí eu mudei para São Paulo e piorou, piorou muito, então, antes eram só nas dobras que eu tinha. Agora, é no corpo inteiro, então, piorou bastante, e coça muito. Eu tenho vontade de arrancar a pele.
P/1 - Você pode contar alguma história de algum desconforto que você tenha passado por conta da dermatite?
R - Sim. Às vezes, é uma coceira insuportável. Às vezes, eu não consigo trabalhar. Dormir, então, é a hora que eu mais coço, então, eu não consigo dormir direito. Acordo, coço, machuca, até sangra, então, é bem desconfortável.
P/1 - Mas teve alguma vez que você achou que você não fosse conseguir?
R - Então, na última vez, foi quando me deram remédio errado e aí eu tive um surto, que eu não aguentava mais. Foi onde eu fui procurar outro médico e ele começou a resolver. Ainda estou em tratamento, mas já está melhorando.
P/1 - E teve alguma vez que você percebeu que você não era a única?
R - Isso, sim, porque eu sempre pesquisava, sempre procurava, então, eu sempre vi depoimento de bastante gente, via bastantes pessoas assim, e quando eu fui ao médico, ele ainda falou “têm pessoas muito piores que você que eu já consegui tratar”, então, falei “então, menos mal”.
P/1 - Você consegue perceber algum avanço desde quando você é pequena para hoje? Avanço, eu digo, de você lidar com a dermatite.
R - Eu já acostumei, mas como piorou muito, aí começou a me incomodar muito. Eu não consigo por uma blusinha regata que já fica com o ombro, e isso já me incomoda. Eu estou em tratamento desde o ano passado, tentando resolver, desde quando eu mudei para cá.
P/1 - Quantos tratamentos você já fez?
R - Nossa, milhões. Coisa do meu patrão falar “vai no médico. Vai embora, vai no médico, você está muito ruim”, era assim. Eu já fui a vários médicos, já fui a vários lugares. Têm uns que querem dar injeção, outros querem fazer isso, e nada resolvia. Dava uma melhorada e piorava. Nada de alguma coisa que você vê melhorando.
P/1 - Qual foi o pior tratamento que você já fez?
R - Me deram remédio para sarna, errado, achando que era sarna. Aí seca, quem tem sarna, e começou a secar a minha pele. Aí eu passava a mão e saía à pele, assim. Foi aonde eu tive o surto “agora, eu vou ter que procurar alguém decente, algum médico que faça sentido para tentar melhorar”.
P/1 - E como foi essa busca?
R - Eu já tinha um em vista, que já tinha um indicado, só que ele atendia só no particular, aí eu tive que abrir mão de outras coisas para ir ao médico, porque dermatite sofre, porque é muito caro, o tratamento é muito caro, o creme é muito caro, o remédio é muito caro, então, não é fácil, mas valeu a pena. Está valendo. Estou fazendo o tratamento, ainda.
P/1 - E como é que é pensando no seu convívio social? Como que as pessoas encaram e olham para você? Você sente um...
R - Desconforto? Sim, porque, às vezes, quando está muito vermelho, a pessoa já fica do teu lado, já fica olhando. Quem já me conhece, já que eu tenho, mas quem não conhece já estranha. No passado, saíram umas feridas, feridas abertas, mesmo, no corpo inteiro, então, chegava perto da pessoa, à pessoa já até assustava. Não sabe o que é.
P/1 - E o que você sente quando você recebe esses olhares?
R - É horrível. É ruim. Você não sabe o que você faz, tanto que eu fico de blusa até onde dá. Prefiro não ficar mostrando. Não gosto, então, eu tento evitar.
P/1 - E como que a dermatite impacta no seu dia a dia, pensando em decisões para a vida social, profissional?
R - Roupa, você tem que olhar a roupa que você põe, não é qualquer roupa que eu posso por. Tentar esconder ao máximo. O calor, também, é muito ruim para mim. E, no serviço, acabaram que acostumaram, porque todo mundo já sabe que eu tenho, então, é mais tranquilo.
P/1 - Eu queria que você contasse como foi essa vinda para São Paulo.
R - Então, eu mudei ano passado, em janeiro do ano passado. Eu recebi uma proposta para cá, na Natura. Aí eu queria e falei “vamos se aventurar”. Aí resolvi vir, vim para cá. Mudei minha faculdade para cá, também, e vim com a cara e a coragem.
P/1 - E quais as primeiras impressões da cidade?
R - São Paulo é assustadora. É estranha. Você não conhece nada. São Paulo é muito grande. Eu não sabia andar de metrô, eu não sabia andar de nada, de trem, aí tive que ir aprendendo tudo com o tempo, mas é um aprendizado legal. Você trabalhar em uma empresa que tem cinco mil funcionários é bem diferente do que trabalhar na minha cidade, que era uma empresa que tinha cem pessoas. É bacana.
P/1 - E como essa mudança impactou na sua pele, mesmo?
R - Ela não gostou. Piorou da água para o vinho. Estava bem, eu mudei para cá e começou a piorar: stress, correria do dia a dia, que a gente sai muito cedo e volta muito tarde. A mudança da faculdade foi o que mais mexeu comigo, porque eu tive que sair de onde eu conhecia, tinha amizade com todo mundo, vir para um lugar estranho, que você não conhece ninguém na metade da sua faculdade, então, foi bem estranho nessa parte, mas no serviço foi tranquilo.
P/1 - E como se deu a escolha do seu curso?
R - Eu já trabalhei sempre em financeiro, a parte de finanças. Eu já trabalhei em escritório de contabilidade, então, eu já sabia que era o que eu queria, fazer contabilidade. Eu vim para cá porque eu queria trabalhar na área.
P/1 - E você lembra quando foi o dia que você descobriu que tinha passado?
R - Sim, eu voltei embora chorando. Voltei para minha cidade chorando. Eu não sabia o que eu fazia, se eu vinha, se eu não vinha, e eu tinha prova nesse dia, na faculdade, então, eu tenho muita amizade com os professores de lá, então, eu cheguei e conversei com eles e perguntei o que eles achavam, o que eu deveria fazer, se seria bacana, se não seria, se largava tudo lá para vir. Aí foi isso.
P/1 - E você é casada?
R - Hoje, eu sou casada.
P/1 - Como chama seu esposo?
R - Jefferson.
P/1 - Conta como você conheceu o Jefferson?
R - Ele é da minha cidade, também, então, a gente já se conhecia lá. A gente tinha bastantes amigos em comum e a gente já tinha uma história lá e ele trabalhava em Campinas, também. Aí eu vim para São Paulo. A gente acabou de aproximando um pouco mais. Assim que eu mudei, eu mudei em janeiro e, em março, a gente começou a namorar e aí ele passou em um outro concurso, que ele podia escolher qual região ele ia trabalhar, e ele veio para aqui, perto de São Paulo, e a gente foi morar junto.
P/1 - E aí, como é que é esse começo de casada? Quais os desafios?
R - Foi tranquilo, bem tranquilo. A gente namorou seis meses e logo já foi morar junto. Acho que nem isso. Alugamos um apartamento. Aqui, eu morava com umas meninas, em uma república com umas meninas e para quem morava sozinho, é bem estranho, você ter que dividir o apartamento com outras pessoas, então, não gostava muito. Aí ele veio para cá, também, a gente procurou apartamento e começamos a mobiliar o apartamento. Isso foi em comecinho do agosto do ano passado. Aí mobiliamos, tudo, e final do ano, a gente casou. Final do ano, casamos no civil e começo do ano, casamos no religioso.
P/1 - E como que foi avisar a família que você ia casar?
R - Teve gente que assustou, a maioria achou que eu estava grávida. Eu falei “não, gente, não estou grávida, só estamos oficializando, porque a gente já estava casado, porque, morando junto...”, então, foi bem legal. Todo mundo aceitou muito bem.
P/1 - E para o seu casamento, como que foi a questão da dermatite? Ela apareceu?
R - Apareceu.
P/1 - Você ficou mais sensível?
R - Sim, apareceu.
P/1 - Como você lidou?
R - Injeção. Injeção de corticoide. O médico até brigou comigo quando eu falei que eu tomei e ele falou “não pode”. Nisso, o médico lá da minha cidade já tinha me dado, então, eu tenho a receita e quando eu quero, eu vou lá e tomo. Aí, o que eu fiz? Eu tomei uma injeção e, uma semana depois, tomei outra, então, aí melhorou, porque o corticoide melhora, é a única coisa que me tira da crise na hora, assim, então, melhorou. Eu falei “eu não vou casar cheia de marca de jeito nenhum”. E aí sumiu tudo.
P/1 - Mas traz algum efeito colateral?
R - Agora, não, mas para frente, sim. Pode dar problema nos ossos, um monte de coisa, tanto que eu fui no médico e ele falou “você vai fazer densitometria para saber se está tudo bem com seus ossos”, que eu já tomei bastante injeção. Na minha cidade, eu ficava ruim, e ia lá e tomava injeção. Eu tinha receita e o médico me deu, eu ia lá e tomava. Eu não sabia que os efeitos eram tão...
P/1 - E como que é o Jefferson é com você, pensando a dermatite, o cuidado com a dermatite?
R - Ah, ele me ajudou bastante, tem bastante paciência, porque eu vivo me coçando, então, ele me dá bronca “para de coçar, você está machucada”, principalmente dormindo, eu coço bastante, me machuco bastante. Aí ele me ajuda, na parte de ir ao médico, também, me apoia, então... E é ruim você estar com o corpo feio, assim. Eu não gosto, te dá uma baixa autoestima, assim.
P/1 - Mas como que é esse negócio de se coçar a noite? É uma coisa consciente?
R - É consciente, mas eu não consigo parar. É uma coisa que, a todo o momento, eu estou me coçando. Dormindo, eu nem vejo. Eu estou lá e estou me coçando e arranco até sangue. Na hora que eu olho na cama, no pijama, está tudo cheio de marquinha, porque sangra, porque faz machucado de coçar, então, acaba machucando.
P/1 - Vocês têm filhos?
R - Não. Ainda não, mas se Deus quiser, vou fazer um tratamento para que ele não tenha, porque é difícil. Nossa.
P/1 - Você colheu algum aprendizado, assim, ao longo desses anos, pensando a dermatite?
R - Sim. Tem que se cuidar. É que os tratamentos lá na minha cidade são totalmente diferentes, então, acabou que eu vim para São Paulo, descobri que há outros tratamentos, ao invés de ficar só tomando corticoide, então, sarar não vai. Dermatite não tem cura. Dermatite, você tem que curar ela, deixar ela normal. Têm os altos e baixos, mas tem como você...
P/1 - Como que é lidar com isso, saber que você tem uma coisa que não tem cura?
R - É horrível. É ruim, porque mexe com emocional, já ataca, já começo a me coçar, já começo a piorar, então, tem que tentar controlar.
P/1 - Eu queria que você falasse um pouco dessas diferenças de tratamento de uma cidade para outra. O que em São Paulo te trouxe de novidade em relação à dermatite?
R - Bastante coisa. Se você não achar em São Paulo, você não acha em lugar nenhum. Mas aqui, eu fiz vários exames que eu nem sabia que existiam, e descobri que eu tinha alergia a fungo. Animais, eu até já sabia, mas que era o emocional, também. E lá na minha cidade, a maioria me dava corticoide. “Ah, está na crise? Toma corticoide”, então, aí eu parava de tomar, voltava tudo, porque você toma, ele tira, na hora que ele volta, ele rebate e volta pior, então, era isso, ia indo. E, aqui, eu já não estou tomando corticoide. Só comecei a tomar quando eu fui ao médico para tirar da crise, que estava bem ruim, porque me deram o remédio errado e aí agora eu estou fazendo um tratamento bem diferente, que eu jamais imaginei que existia. Estou tomando ciclosporina, que é um remédio que quem toma é transplantado, quem faz transplante toma ele, e estou fazendo tratamento, e esse tratamento é a longo prazo.
P/1 - Você já deixou de fazer alguma coisa que você queria muito por conta da dermatite?
R - Deixar de fazer, não, mas acredito que... Que nem, amanhã, eu vou a um aniversário. Eu já queria colocar um vestido, porque está calor, já não vou poder. Já coloco uma calça, uma blusa de manga, mais ou menos. São coisas que você deixa de fazer. Também, por causa do tratamento, não posso beber, tenho que tomar certos cuidados, então, abrir mão para tentar melhorar.
P/1 - Mas por que não colocar um vestido?
R - Porque todo mundo fica perguntando e eu não gosto “o que você tem? O que você fez? O que aconteceu?”. Semana passada eu coloquei e fica todo mundo reparando. Aí eu não gosto de ter que ficar explicando toda vez, então, prefiro não colocar.
P/1 - O que você diria para alguém que tem dermatite e que não sabe muito bem como lidar?
R - Eu tentaria explicar e tentar levar em um médico bom, primeiramente. Falar para procurar um médico bom, que há vários outros que não sabem nem o que estão falando. Teve um médico que eu fui, que ele disse que eu tinha que nascer de novo, porque não tinha o que fazer e eu tinha que nascer de mãe e pai diferente. Simples assim. A primeira vez que eu fui à consulta, ele falou isso. Aqui em São Paulo. Aí conversamos. Ele falou “você tem que tomar uma vacina”. Beleza, passou. Aí nunca mais voltei nele. Fui à outra e ela também “tem que tomar vacina”, mas eu falei: “mas como eles vão me dar uma vacina sendo que nem pediram o exame, nem pediram as coisas? Não é assim”. Aí eu comecei a tratar no HC. Fiquei um ano tratando lá no HC. Foi o ano que, também, eles estavam me fazendo de cobaia, tentando me dar mil medicamentos e nada dava certo e eu achando que o que ia me resolver era a vacina. Até um dia, que onde eu mudei, achei um médico certo que ele me deu um remédio que vai melhorar e não é a vacina que vai me resolver.
P/1 - Mas já tinha um diagnóstico de dermatite?
R - Já, sempre. O médico olha “é dermatite”, mas eles não querem procurar, examinar. Eles já querem vender o deles, porque a vacina são eles que fazem, então, eles que vendem. Não é terceiro, é deles.
P/1 - E o que você diria para uma pessoa que não tem dermatite atópica?
R - Dai graças a Deus, porque é bem ruim. Às vezes, eu olho o pessoal de regatinha, nossa, eu falo: “ai”... Às vezes, melhora. Às vezes, dá para eu usar, mas tem hora que está muito ruim e eu não consigo. Eu me sinto mal de colocar. Eu prefiro evitar. Praia, lugares mais úmidos, minha pele melhora. Então, estou achando que eu vou ter que ir a São Paulo, para praia.
P/1 - Muito bem. A gente está quase caminhando para o fim. Você tem alguma história que você queira contar, que eu não te estimulei a dizer?
R - Não. As loucuras que eu fiz foram mais essas, tomar duas injeções para poder casar. Mais ou menos isso.
P/1 - E como você se sente, hoje, contando essa história para gente?
R - É gostoso poder passar todas as experiências. Já passei por altos e baixos, chora, não chora, fica nervosa, e vai ao médico, e volta, faz exame. Eu falei que, de sangue, já me arrancaram tudo que eu tinha, de tanto exame que eu fiz, mas é legal saber que tem como melhorar. Curar, não, mas manter estabilizado já é um alívio, assim.
P/1 - E, para finalizar, quais são os seus sonhos?
R - Ter filhos. Estou esperando ter o momento certo no serviço. Também não quero ter, aqui, em São Paulo, que isso aqui é loucura, e viajar. Eu gosto muito de viajar, meu marido também gosta. Ter minha família, um emprego estabilizado, tranquilo, para gente poder viver bem.
P/1 - Muito bem, Érica. Então, em nome do Museu da Pessoa, muito obrigada.
R - Obrigada. Eu que agradeço a oportunidade.
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