P/1 – Maura, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Primeiro, eu gostaria de agradecer de você ter aceitado o convite pra essa entrevista e ter vindo até aqui ao Museu da Pessoa pra essa conversa. E pra gente começar, eu queria que você falasse pra gente o seu nome completo, o local e a data do seu...Continuar leitura
P/1 – Maura, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Primeiro, eu gostaria de agradecer de você ter aceitado o convite pra essa entrevista e ter vindo até aqui ao Museu da Pessoa pra essa conversa. E pra gente começar, eu queria que você falasse pra gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Maura de Araújo Leão. Nasci em Bauru, dia 30 de julho de 1960.
P/1 – E Maura, fala pra gente o nome dos seus pais.
R – Meu pai é Nelson Leão e minha mãe Vilma de Araújo Leão.
P/1 – E conta um pouquinho pra gente da origem da sua família, tanto do lado da sua mãe quanto do lado do seu pai, um pouquinho da história dos seus avós.
R – Bom, minha família é bem paulista do interior de São Paulo. A família do meu pai vem da região de São Manuel e a família da minha mãe é da região de Araraquara, mas meus pais se conheceram em Araraquara porque ambos fizeram Odontologia, que na época era a faculdade fora da capital, em Araraquara. E lá eles se casaram e se mudaram pra Bauru, bem no centro de São Paulo, que foi onde nós nascemos. Somos em seis filhas, as seis nasceram em Bauru, eu sou a número três; a gente sempre teve números pra ficar fácil, que era difícil lembrar o nome de todo mundo (risos). Mas éramos em seis meninas então a gente acabou sendo uma família até bem conhecida na cidade porque éramos seis meninas indo pra escola num carro que tinha que caber todas as seis meninas (risos). Sempre foi bem legal ter essa família grande. E nossos avós, na verdade, moravam em Araraquara, por parte materna, e os meus avós paternos moravam em São José do Rio Preto. Mas no final da vida deles eles vieram pra Bauru. Mas a princípio a minha infância toda foi em Bauru e de lá pra cá desbravar o mundo.
P/1 – E vocês tinham contato com esses avós?
R – Meus avós maternos bastante, a gente ia quase que semanalmente pra Araraquara, passávamos Natal, passávamos Réveillon até mais com a minha família materna por conta deles terem uma casa que comportava a família toda porque a família da minha mãe também era bem grande, eram sete irmãos e nas festas de final de ano se reuniam todos os netos, os filhos na cidade. Eu sei que a gente se esparramava pela casa da vizinhança, então ficou bem marcante essa relação de família grande, avós. E meus avós paternos não moravam na cidade então a gente não teve tanto contato nessa coisa das festividades, Natal e Réveillon, que eram as festas de família bem grande. Mas eu sempre tive muito contato com família da minha mãe e contato com meus avós, apesar de minha avó ter ficado doente, até era o motivo que a gente ia semanalmente, porque no final dos 50 anos dela ela teve uma trombose. Então a gente sempre ia ver minha avó e ela acabou morrendo cedo, com 60 e poucos anos. Mas família é uma coisa bem forte, é o que marcou os nossos princípios como pessoas, de todas minhas irmãs, é essa relação familiar que a gente sempre teve.
P/1 – Conta pra gente como era a sua casa de infância lá em Bauru.
R – Uma delícia, muita farra, muita gente, mas tudo muito apertado porque tinha que dormir três num quarto e três no outro. Uma das minhas irmãs é temporão, a número seis, acho que ela tem oito anos de diferença, então em princípio a gente vivia em cinco e depois veio a sexta. Mas a gente sempre brincou muito na rua, sempre brincou muito de qualquer coisa, de brincar de casinha, brincar de fazer teatro, brincar de fazer circo com os vizinhos, subir na árvore, isso marcou bastante. Porque naquela época a gente não tinha outra coisa pra fazer a não ser brincar. E minha mãe punha a gente pra brincar porque devia ser bem difícil você ter esse tanto de filhos (risos). Apesar dela ter formação, ser dentista, ela também abdicou de seguir a carreira pra poder ficar cuidando da gente. A gente teve a presença muito forte da minha mãe, do meu pai, todo dia almoçar junto. E muita frequência de amigos, a meninada da vizinhança que brincava em casa, isso até a nossa adolescência, a minha casa sempre foi recheada de pessoas e de amigos. Cada uma trazia os seus amigos e isso foi fazendo parte da nossa vida.
P/1 – E seu pai seguiu a carreira de dentista?
R – Isso, meu pai seguiu a carreira e minha mãe voltou a seguir a carreira dela depois que a gente cresceu e antes dela ter tido a última filha ela voltou a ser dentista. Na verdade ela seguiu o que ela gostava, o que me deixa feliz por isso. Infelizmente ela morreu cedo, minha mãe morreu com 51 anos, deixou de fazer parte da nossa vida. Mas ela deixou um legado muito grande nessa coisa da nossa formação como meninas e como pessoas, o tempo que ela conviveu com a gente foi bem importante.
P/1 – E como é que era essa convivência com muitas meninas na casa, como é que era isso?
R – Família grande tem sempre quem se dá melhor entre si, né? Eu como era do meio eu fiquei um pouco independente porque tinha as da ponta e tinha as do final (risos), eu ficava no meio. Mas tinha que compartilhar muito porque a gente é uma família que não tinha luxo e a nossa condição financeira, porque o meu pai era assalariado, por um período a minha mãe não trabalhava então a gente tinha uma condição ali: comprar sapato uma vez por ano, comprar uma roupa bonita uma vez por ano. Mas uma coisa que a gente fazia todos os anos desde que eu me conheço por gente era fazer uma viagem de férias. Todas fomos criadas em esperar janeiro porque a gente ia pra algum lugar. A gente começou desbravando o Brasil em São Vicente, depois foi pra Santos, aí foi subindo, Praia Grande, conhecemos o litoral inteiro até chegar lá no Nordeste, isso era uma prática da família. A gente sabia que a gente não queria gastar durante o ano porque a gente precisava fazer a nossa viagem e não é fácil fazer uma viagem com tantas pessoas. A gente fazia e eles nunca deixaram de fazer. Agora, a convivência na família tinha lá as brigas de menina mas a gente sempre foi muito unida, quando começou a crescer íamos em festa junto, vai em carnaval, era tudo junto, não tinha essa coisa de vai cada um prum canto, tem que fazer tem que ir todo mundo. Se convidasse uma pra festa, tinha que convidar todo mundo (risos). Fazia parte da família esse esquema de grande grupo das Leões chegando nas atividades (risos).
P/1 – E conta pra gente, Maura, quais são suas primeiras lembranças da escola.
R – A escola. Eu fui a primeira filha, na verdade, que foi pra uma escola particular porque as minhas duas irmãs mais velhas estudavam, naquela época ainda era super bom o ensino em escola pública e eu fui a filha que foi pra uma escola católica, de freiras, que naquela época era só de meninas. Nem sei se tem, hoje acho que tem mais de menino, né? Mas era só de menina. Eu fui pequenininha, eu entrei na pré-escola, que hoje não sei como é a denominação, eu tinha cinco anos. E sempre foi uma experiência muito positiva pra mim porque eu sou amiga dessas minhas amigas de cinco anos até hoje, todos os dias quase a gente se fala, principalmente com essas novas tecnologias (risos). Então marcou muito. A minha vida escolar é muito, não tenho nada que tenha... As bagunças que a gente fazia no colégio de freira, né? Tinha que ir na missa toda sexta, de vez em quando, a gente dava umas enganadas, se escondia atrás pra ninguém descobrir que a gente não tinha ido na missa. Mas era tudo muito ingênuo, não tenho nada que eu recorde que tenha marcado negativamente a não ser um professor ou outro que era chato, aquela coisa toda. Mas escola era uma coisa valorizada na minha casa. Até essas minhas irmãs depois passaram a estudar na mesma escola que eu e todas as outras também estudaram na mesma escola. Só fui eu que comecei desde o início nessa escola. E as outras mais novas também já foram direto. Então escola pra nós também era um valor muito importante na família.
P/1 – E você se lembra do uniforme, como era ir pra essa escola?
R – Ah, tinha uniforme! Lembro até a cor (risos). Desde pequena a gente usava, como era escola de meninas tinha que usar um calção em cima, porque se estivesse usando sainha não podia aparecer nada. Chamava calção porque tinha elástico na cintura e nas pernas. E como era freira não podia aparecer nada a não ser o calção do uniforme. Era azul claro na educação fundamental, que naquela época chamava-se escola primária, e a gente usava uma blusinha branca com a saia azul clara e depois a gente tinha o nosso uniforme de gala. Era gala quando tinha festa, quando tinha missa, aí a gente usava boina, usava gravata, era legal. A saia de prega. Tenho amiga que tem até hoje essas saias, essas roupitchas aí que tem gente que gosta de guardar. Tinha uma que nunca mudou muito o tamanho dela, outro dia ela apareceu numa festa a fantasia com o uniforme da escola. Mas são momentos preciosos. A gente só deixou de usar uniforme quando entrou pro Ensino Médio, que eu fiz na mesma escola, só foi interromper depois quando eu fui ter experiência fora.
P/1 – E como era o percurso pra escola, ver que depois desse começo suas irmãs começaram a ir junto também?
R – Quando eu comecei a frequentar a escola, que eu era pequenininha, obviamente acho que meu pai levava, nem todo mundo naquela época tinha carro – estou falando em 1965, quando comecei a ir pra escola – eu ia de carro. Depois, quando a gente começou a crescer, a gente ia a pé pra escola e meu pai buscava no final do período quando nós saíamos juntas. Mas quanto mais velha a gente ia ficando, mais liberdade a gente ia tendo. E eu nunca fui de transporte público porque nem tinha e era viável ir de carro. Depois, eu mudei de casa, que também não era tão longe da escola, e a gente continuou indo pra escola a pé. Porque cada uma começa a ter um horário e a família tem que administrar. Cada um tinha que acordar num horário pra chegar na Educação Física. Chegar na escola era administrado ou a pé ou pegava carona, mas de algum jeito você tinha que chegar. Mas uma coisa que não tinha realmente é transporte público e eu nunca usei transporte escolar pra ir pra escola.
P/1 – E antes da gente seguir com a sua vida escolar, conta pra gente qual era a sua brincadeira favorita nessa sua meninice.
R – Ai, a gente gostava de brincar na rua. Pé na lata, jogar queima, nossa, era coisa boa. Coisa que mais a gente fazia era isso mesmo, brincar na rua com as amigas, de ficar na calçada, de fazer farra. Uma coisa que eu adorava era subir na jabuticabeira, uma coisa que eu gosto até hoje é chupar jabuticaba. E eu tinha uma vizinha que tinha uma jabuticabeira gigante que tinha muita jabuticaba e ela deixava a gente subir na jabuticabeira dela. Coisas assim, simples, bem simples. E brincar de boneca, fazer roupinha, fazer sapatinho de Susi. Quando começou a ter chamava Susi, que agora é Barbie, mas naquela época era Susi. Que na minha casa tudo era muito pouco, tinha uma bicicleta, era uma pra todo mundo. Eram outros tempos mas a gente era feliz assim (risos).
P/1 – E você tinha alguma vontade de ser alguma coisa quando crescesse? Ou falava que queria ser isso ou aquilo?
R – Eu não sei, eu era bem focada na escola. Eu não me lembro muito de ter sido muito revoltada com as coisas, sempre fui uma pessoa que ok de seguir as regras, tem que fazer assim, nunca fui reivindicadora. Talvez porque eu estava satisfeita com o que estava sendo feito. Eu recebia muito estímulo: “Ah, por que você não faz inglês?”, então eu tinha 12, 13 anos e fui fazer inglês. Porque minha mãe, eu acho que ela era uma pessoa que tinha uma visão. Eu lembro que quando a gente fazia nossas viagens pra praia ela dizia que, se ela ganhasse na loteria, ela tiraria todo mundo da escola e faria uma viagem ao redor do mundo. Então eu fui criada com uma mãe falando isso pra gente. E minha mãe sempre escreveu muito. Hoje, quando a gente pega as coisas dela, você vê que ela escrevia, ela copiava poesias, ela lia muito. E apesar de ter sido pouco tempo que ela conviveu com a gente, que eu tinha 22, 23 anos quando ela faleceu, ela deixou plantada essa semente, da gente ir desbravar. Eu acho que a vontade de ser alguma coisa vinha muito disso: “Ah, eu quero conhecer”. Mas eu nunca pensei: “Ah, eu quero ser médica”, ou, “Eu quero ser dentista”. Eu queria ser alguma coisa e fazer direito alguma coisa, mas realmente eu não me lembro de ter colocado na minha cabeça que eu queria um nome pra minha profissão.
P/1 – E da escola, de ter feito todo o seu desenvolvimento escolar no mesmo colégio, teve algum professor que marcou, alguma matéria que você gostava mais?
R – Por incrível que pareça, apesar de não ter nada a ver hoje comigo, eu gostava muito de Biologia. Adorava Biologia, talvez porque a professora fosse legal e a gente tinha que ficar vendo microscópio, às vezes eu pedia de aniversário, eu tinha microscópio, ganhava enciclopédia, mais porque eu acho que eu era curiosa, de gostar de aprender e a Biologia tinha muito isso. Não gostava de Matemática (risos), tinha que estudar muito. Aí quando entra no Ensino Médio tinha que estudar Física. Eu nunca fui uma pessoa que repetiu de ano ou ficou de segunda época, nada. Tinha que estudar, eu sabia quais eram minhas fraquezas. Por exemplo, Física, tinha que passar a noite estudando, mas passava. Mas tinha que estudar muito. As outras matérias que a gente gosta mais é onde você tem mais facilidade. Mas eu me lembro disso, de gostar. Eu acabei depois fazendo tradução muito na área médica, então eu acho que a Biologia me abriu isso, mesmo eu tendo seguido uma área de Humanas eu usei esse gosto por Biológicas em Humanas, por um bom tempo. Então é mais ou menos isso.
P/1 – E como é que foi que você descobriu o AFS? As suas irmãs mais velhas fizeram intercâmbio? Como é que chegou essa história pra você.
R – Meu
vizinho quando eu já estava morando na outra casa que eu falei que a gente tinha mudado acho que ele era o presidente do AFS em Bauru e ele era dono da escola de inglês que eu fazia o inglês. Eu comecei a fazer o inglês por incentivo da minha mãe, que ela incentivava obviamente todo mundo, aí tem quem fazia, cada filho vai de uma forma. E eu comecei a fazer o inglês até motivada que o meu vizinho era o dono da escola, eles davam carona pra mim na hora que eu ia pra aula. E a minha professora de inglês tinha sido intercambista do AFS. Porque normalmente quando você chega de uma viagem naquela época você já vai começar a trabalhar e a primeira coisa é dar aula de inglês. E aí ela (risos) começou a me incentivar, porque naquela época, nos anos 70, a gente tinha que fazer uma prova de seleção pra poder passar. Eu cheguei em casa, ela começou a me incentivar e eu falei pra minha mãe: “Tem um negócio aí, uma prova pra fazer intercâmbio, tal”. E minha mãe mais uma vez: “Por que você não faz?”, acho que ela nem imaginava que eu ia fazer mesmo. Eu acabei fazendo a prova, eu lembro que eram 50, 60 pessoas e tinham quatro, cinco vagas, um negócio assim. E aí eu acabei sendo selecionada. E a prova naquela época não era de inglês, era de conhecimentos gerais e o inglês não contava muito, mas você tinha uma entrevista em inglês. Mas como eu tinha uma professora que era super legal de inglês, super motivadora e tal, na entrevista eu lembro que eu cantei: “Fala aí alguma coisa”. Não, eu declamei uma poesia que eu tinha decorado pra aula de inglês. Então acabou que eu fui selecionada. E eu era nova na verdade, eu poderia até prestar no outro ano mas aí eu passei nesse ano, cheguei em casa e tive que falar pra minha mãe que eu tinha passado. E aí foi aquela coisa, da decisão. Foi assim que o AFS entrou na minha vida, pela professora, o estímulo do vizinho, pessoas, né? Nada que eu fui pesquisar, não tinha internet, você vai pesquisar. E pra mim era novo porque não existia ninguém na família, minhas irmãs mais velhas não tinham feito, meus pais não tinham feito. E ninguém da minha família, do círculo de amizades havia feito a não ser uma amiga que tinha feito um outro programa, ou ia fazer, não me lembro muito bem. E aí essa professora, eu passei, cheguei em casa, foi a coisa de administrar de como é que a gente vai fazer isso acontecer. Porque você tem um investimento, você tem uma família grande e como é que você fala sim pra um sendo que você tem outros filhos? Mas tudo deu super certo, aí foi negociação, o que eu vou deixar de fazer pra poder viabilizar isso, desde não vou tomar sorvete, não vou sair pra poder juntar o dinheiro que precisava pra viabilizar. E naquela época o AFS também tinha muito o quanto você consegue pagar pra poder fazer sua viagem. E aí foi bem isso. E teve entrevista com a minha família, com meus pais. E esse foi o início dessa decisão de ir fazer o programa.
P/2 – Maura, você falou da escola de inglês que tinha o professor do AFS. O presidente do comitê, tinha o comitê em Bauru, você conheceu as pessoas?
R – Isso, é exatamente essa estrutura. Porque o AFS, aí eu fui conhecendo, ele tinha sido um ex-intercambista, ele era o presidente do comitê e tinha a estrutura das pessoas que faziam a prova, a seleção dos candidatos, as entrevistas, todas as pessoas que eram voluntárias. E eu não me lembro o número de pessoas que fazia parte do comitê naquela época, eu me lembro das pessoas, algumas, até que eu sou amiga até hoje, de que fizeram minhas entrevistas, que fizeram parte da minha história de gente que batalhou para que eu fosse. “Não, tem que ser ela”. E era exatamente isso, foi assim que começou. Depois eu tive uma história bem longa com o AFS além de ter feito o intercâmbio.
P/1 – E como foi pra você ir conseguindo vencer essas etapas? Fazer o seu esforço pra juntar o dinheiro, ver que está chegando perto, começar a arrumar as coisas, meio ansiedade de esperar o que vai ser, pra onde que vai. Conta como foi o final desse período pré-viagem.
R – Bom, naquela época, era tudo esperar o carteiro chegar, na verdade eu tenho até saudades porque hoje você não espera o carteiro chegar (risos). Porque as notícias vinhas através do carteiro, do correio. Então a minha expectativa era exatamente essa: o carteiro vai chegar? Porque desde a resposta do AFS Internacional, era tudo pelo correio, tudo através de cartas, haja vista que eu tenho várias coisas que eu guardei até a chegada da família. Esse preparativo, eu me lembro o dia que eu sentei à mesa com meus pais pra conversar sobre a viabilidade. A minha mãe era uma pessoa mais ousada do que meu pai, o meu pai, óbvio, ele tinha a responsabilidade da família, como é que a gente vai conseguir viabilizar isso? Aí a gente teve que sentar e conversar, eu carrego isso até como uma experiência na formação dos meus filhos: “Vamos sentar, conversar”, porque eu me lembro direitinho, eu sentada na ponta, um na frente, porque como é que a gente vai fazer? Qual é o dinheiro que nós vamos ter que investir sabendo que a gente não era uma família que tinha condição financeira que desse pra tomar decisão sem nenhum problema. Mas as coisas foram acontecendo, foram amadurecendo e o próprio AFS viabilizava dentro das suas condições. E até a data da ida, eu lembro que chegou meio em cima da hora pra família que eu fui colocada, inclusive eles me contaram depois que eles também decidiram de última hora me receber. Então eu me lembro que eu acho que foi final de junho, uma coisa bem em cima da hora, que eu recebi. E eu embarquei dia 19 de julho de 1977, acho que foi final de junho. Então era assim... Imagina, vai morar fora um ano, aonde? E aquela que eu contei, a minha mãe tendo que superar as objeções das pessoas: “Como assim, vai mandar a filha morar fora?”, que não era comum isso, eram poucas pessoas que faziam isso. E você precisava ter coragem, porque não era todo mundo que tinha interesse. É isso que eu falei, das minhas amigas, amigas de infância mesmo, eu acho que foi eu e mais uma, as outras nunca se interessaram. E das minhas irmãs também não. Depois teve uma que tentou ir pelo AFS na época e não conseguiu, mas aí ela tinha condição de tentar, quando a gente fala tentar, você tem que fazer essa prova. E naquela época era concorrido mesmo porque não tinha outras opções, eram bem poucas. E é isso, foi dessa forma que começou até o dia que eu fui embarcar. Não sei se você quer que eu conte. Quando você recebe sua colocação, vem o dia que você vai embarcar, naquela época lá de Bauru eu tinha que ir de ônibus de Bauru até o Rio de Janeiro, que era o aeroporto internacional, e é uma viagem super longa. Mas antes disso eu tinha que fazer passaporte, eu tive que ir pra São Paulo. E minha mãe mais uma vez, eu falo bastante dela porque ela era a pessoa que tinha que ter coragem porque ela me pôs num ônibus, eu tinha acho que 15 anos porque quando eu embarquei eu tinha 16 anos, com a minha irmã de dez pra me fazer companhia pra ir pra São Paulo fazer meu passaporte. Eu falei: “Ela é louca, né?”. Mas ela, na cabeça dela achava que se eu queria morar fora eu tinha que saber andar de ônibus, então ela me pôs num ônibus em Bauru, fui pra São Paulo, me lembro que a gente vinha na Praça da Sé aqui em São Paulo, que a Polícia Federal era aqui. Era o único jeito de fazer passaporte. Eu vim, fiz o passaporte com a minha irmã de dez anos lá no centro de São Paulo. Tinha o Mappin [loja de departamento], essas coisas todas que eu me lembro mais ou menos, voltei. Esse foi o princípio da minha experiência, preparar a documentação até o dia que eu peguei o ônibus pra ir pro Rio de Janeiro pra embarcar. Só que tive uma semana de preparação que antes eles faziam assim, não sei como funciona hoje, a gente ficou uma semana na PUC de São Paulo conversando sobre a história do Brasil, Geografia, Ciências Sociais, Ciências Políticas, porque naquela época a gente recebia uma preparação, não sei se fez muita diferença mas eu achava legal, antes de você embarcar pra você saber exatamente quem você era no contexto do Brasil porque obviamente você vai representando seu país quando você sai. Então foi assim que começou.
P/1 – E a mala? Como é que foi fazer isso, preparar as coisas, o momento da despedida, de falar tchau pra família, pras irmãs, pros pais, amigas, escola?
R – É, eu tenho até o registro aí, começa
a despedida com os amigos, então você ganha os presentes. Eu até me lembro, eu tenho até hoje uma correntinha que eu recebi com meu nome dos meus amigos. Porque é aquela coisa, isso tudo era muito novidade, era tudo muito diferente, essa coisa do sair de casa para morar fora. Então era muito legal, era bem genuíno o sentimento. E eu tinha minhas irmãs, eu tinha 16 e tinha irmã que tinha ainda 14, 13, uma de três anos, então elas eram pequenas e as mais velhas, mas pouco mais velhas, tinha 17, 19 anos, alguma coisa assim. Mas todo mundo foi super colaborativo, a minha mala tinha muita coisa feita porque antigamente a gente, até pelo perfil da minha casa, eu estava olhando algumas fotos e eu estava vendo que as minhas blusas eram de tricô ou alguém que fez de crochê, a echarpe, a blusa de lã, então muito personalizada a minha mala. Eu lembro direitinho. Aí comprando os presentes porque quando você recebe a sua família você vai ver que presentes eu vou levar, aí você já leva os presentes de Natal, os presentes de aniversário de todo mundo. Então a mala foi recheada com esses presentes que você vai dar pra sua família e supostamente a roupa que você vai usar ao longo daquele ano porque a gente não tinha essa facilidade de como enviar, então você tem que fazer um planejamento sem conhecer muito. Porque qual é a temperatura, quão frio vai estar? E obviamente que quando você chega você está com um monte de coisa meio desconectado do que você realmente você vai usar. Mas a minha família foi bem participativa nesse processo da preparação porque eu acho que a família compartilha muito, principalmente a minha participou muito no processo da preparação, do emocional, porque você vai cortar um vínculo por um período pra ficar longe e voltar depois de um ano que você fica fora. E eu fiquei literalmente 12 meses. Porque hoje a gente fala em um ano, às vezes são dez meses apenas porque sai o período acadêmico, mas eu fiquei literalmente os 12 meses fora de casa.
P/1 – E desses presentes que você levou, você se lembra de algum que foi, que levou daqui pra lá?
R – Ah, por
incrível que pareça eu lembro. Porque tinha uma vizinha que era dona de uma fábrica de calçados e, naquela época, nos Estados Unidos, calçado de couro, sapato, era uma coisa super legal pra dar, aí eu levei. Mas era engraçado. Perguntamos o tamanho e eu levei sandália de couro pras minhas irmãs. Eu me lembro que eu levei chale feito de crochê, sabe aqueles chales feitos de lã? Tudo feito a mão, tudo coisa manual. Me lembro direitinho pra cada um o que eu levei, só não lembro o que eu levei pro meu pai americano, mas todo mundo ganhou presente, que era um valor que a gente tinha em casa, coisas, até as roupas nossas alguém fazia, o shortinho, a blusinha, então as coisas que eu levei eram coisas feitas por alguém pra poder ter mais valor, que é o que a gente acreditava.
P/1 – E como foi embarcar no avião, esse momento de que caiu a ficha: “Estou indo, agora é de verdade”?
R – É... A gente teve aquele preparatório lá de uma semana antes, eu não me lembro se era exatamente uma semana, mas eram uns dias antes que aí você vai quebrando um pouco o gelo, você vai sendo preparado. Aí você vai embarcar e era
a minha primeira viagem de avião, então tem tudo, é muita novidade. Primeira viagem de avião saindo do Rio de Janeiro que, apesar de eu ter família no Rio de Janeiro, tinha tios, a família do meu pai, minhas tias moravam no Rio, não era uma cidade desconhecida pra mim. Mas aí embarcar, só que era um voo fretado, todo mundo do avião era estudante de intercâmbio, que era maravilhoso, e todos da mesma faixa etária. Então era uma farra. E você já tinha convivido com eles no preparatório lá na PUC do Rio, então você já tinha algumas amizades ali que você começou a fazer, fora os teus amigos do seu comitê, da sua cidade, todo mundo tinha o seu grupinho. Aí você vai começando. E assim, a viagem era longa, então você tinha o processo de fazer os amigos no avião, quem que senta do seu lado. Mas eu me lembro que foi uma farra geral dos meninos com a aeromoças, tenho uma foto com a aeromoça porque era uma coisa, elas deixavam a gente super à vontade, mas foi uma grande farra. Aí a gente sai do Brasil, na verdade, o voo era Rio de Janeiro-Nova York. Todo mundo vai pra Nova York e a gente é recebido lá. Eu me lembro também o choque da temperatura porque quando eu cheguei em Nova York eu me lembro que eu estava toda arrumadinha, camisa de manga comprida, uma echarpezinha também feita a mão, 40 graus em Nova York. Super calor, super úmido, então assim, foi o primeiro choque que eu me lembro e que marcou a minha vida foi a temperatura. Vários choques, foram vários choques, mas todos maravilhosos.
P/1 – E a adaptação à família, como foi? Eles irem te buscar lá, ficar nessa cidade ou ir conhecendo a casa, os hábitos.
R – Várias coisas engraçadas. A gente faz uma orientação ali em Nova York, no CW Post College e como eu fui colocada numa família que morava bem próximo eles foram me buscar. Eu já sabia que isso ia acontecer porque você recebia que horas você tinha que estar em tal lugar lá naquele lugar de orientação, aí chegou a minha mãe americana, que é a Diana com a minha irmã mais velha, que era a Cindy. As duas foram me buscar e o primeiro, esse que eu acho que é o grande choque, na hora que você vê. Mas eu tinha os meus amigos da orientação que estavam tudo ali super curiosos pra ver porque eles iriam ainda pegar avião, então eles ainda estavam a algumas horas do choque. Eu já estava tomando o choque ali. Mas foi normal, ela foi super simpática. O mais engraçado, eu conto isso até hoje, a gente entra no carro. A ideia que a gente tinha de americano naquela época é assim, capitalista, dinheiro, não sei o quê. Aí eu entro no carro, eu sentei no banco da frente do lado dela e minha irmã atrás, me dá um potinho que vocês eu não sei nem se conhecem, que era o filme da Kodak que tinha uma tampinha cinza, aí eu chacoalhei e eram umas moedas. Eu falei: “Nossa, a mulher já está me dando dinheiro”. E não era, era para eu ajudar a pagar o pedágio, que na hora que chegasse no pedágio você joga a moeda num recipiente que você joga a quantidade do pedágio. E na hora que a gente chegou no pedágio ela ficou esperando que eu desse, então foi choque pra ela também porque na cabeça dela não existia que eu não sabia que era isso que ela estava falando. E tinha o choque do inglês, come on, não falava nada de inglês. Eu com o dinheiro, ela parou no pedágio que tinha que passar rápido e nada de eu abrir a tampinha daquele negócio, nada de pegar moeda. Aí ela viu que eu não estava entendendo nada e eu muito menos, porque eu falei: “O que ela quer com dinheiro”. Ou seja, esse foi o primeiro choque cultural dela comigo e eu com ela porque a gente viu que a gente precisava muito. Aí tinha uma distância enorme do que um sabia do outro. Esse foi o primeiro choque. Aí a gente chegou na nossa casa, aquele calor danado: “Vamos pra piscina?”, no clube que ficava perto da casa. Eu ia morar numa cidade de nove mil habitantes, que era bem pequena perto da cidade que eu morava, Bauru naquela época devia ter 300 mil habitantes, então era pequena, apesar de ser bem perto de Nova York, mas eu ia morar nessa cidade. Ok. E a minha casa também era afastada da cidadezinha, tinha isso, não tinha vizinhos. Até então eu não tinha percebido muito tudo isso. Mas aí o clube também era longe, ok. “Então vamos pra piscina”. Aí eu fui pedir toalha, não conseguia falar toalha. Eu fiquei olhando o que ela vai usar, biquini, maiô, tal. Mas era muito meu perfil como pessoa, eu não gostava muito de causar transtorno a princípio, então eu falei: “Deixa eu ver o que ela vai usar”, porque é óbvio que eu tinha um biquininho, eu era magrinha, morena, falei: “Deixa eu olhar”. Quando eu vejo ela põe um maiô que era daqui aqui assim e eu falei que eu não tinha levado meu biquini. “Como assim, você não trouxe?” “Não trouxe, não trouxe”. Porque eu não ia usar o meu biquini depois que eu vi aquilo. Aí ela me emprestou e eu fui pra piscina com aquele negócio daquele jeito mas era o que eu usei no verão inteiro. Eu conto porque é engraçado mas eu tinha uma opção, ou eu usava meu biquini e causava um transtorno no clube porque ninguém usava ou eu usava aquele negócio, eu preferi seguir pela segunda opção, mas é uma história, foi bem no início, foi o choque cultural do jeito que eu era com o jeito que eles eram e aí foi onde eu tinha que fazer uma opção, o que seria mais fácil, eu me adaptar a eles. Mas são histórias boas de contar.
P/1 – E como foi quando começou a escola, uma escola diferente, primeira vez que você mudou de escola e de forma radical? Conta como foi esse primeiro dia de aula.
R – Eu tive um tempo pra me adaptar até o início das aulas porque minhas
aulas, me lembro até hoje, começaram dia sete de setembro. O estado de Nova York começa mais tarde até que outros estados, por isso que eu lembro da data. Eu tive de julho até setembro pra me adaptar à cidade, à família, ao inglês. Aí minha mãe americana me levou pra escola pra conhecer. A mudança foi radical porque eu estudava numa escola católica de freiras, de meninas, na época que eu saí da escola já tinha começado a ter menino, tinha cinco meninos na minha turma. E aí fui pra uma escola pública, é uma escola pública mista e quando começaram as aulas no dia sete era um choque porque era uma escola maior. Outra coisa que a minha escola no Brasil, ela tinha desde a Educação Infantil até o Ensino Médio e nessa outra escola era só o que seria hoje o nono ano até o terceiro do Ensino Médio, seriam quatro anos na escola, então a faixa etária era um pouco mais velha e eu já convivia com criança. Foram as grandes mudanças. A coisa da diferença da escola, porque você tem que escolher as matérias, mas eu tinha um orientador, isso é uma coisa que ajudava muito, mas sempre na cabeça que era eu sozinha sem dominar o idioma tendo que falar o que eu fazia. Eles olham o que você fez, o seu histórico escolar, e eles vão a princípio sempre, porque como no Brasil a gente tem muita carga horária em Matemática, Física, eles acham que todo mundo gosta de fazer isso e até eles entenderem que aqui a gente é obrigado a fazer isso eles me colocaram com todas as matérias, Biologia top, ok. Top por quê? O número de horas que eu tinha de aula já me deixava apta a frequentar essas matérias que seriam as mais avançadas, até eu entrar, começar a fazer e falar: “Pelo amor de Deus eu não quero mais fazer isso porque eu não quero ficar morrendo só de estudar” (risos). Mas a escola que eu frequentei era muito boa, era uma escola pública de muita qualidade, então tinha matérias avançadas de todos, Química, a área de Artes, Música, Inglês. Porque quanto mais avançado tem a matéria mais preparando você está pra entrar na universidade, era uma escola muito boa a que eu frequentava, que eu diria até melhor do que a minha própria escola no Brasil. Então isso já era uma grande diferença. E a coisa de primeira vez na vida que eu mudava de sala por cada matéria. Você vai aprendendo, aí você tem o que eles chamam de locker lá, que é o armário. Tudo é um aprendizado, você tem que aprender a abrir o seu cadeado que você recebe da escola em tempo recorde porque você tem que abrir seu cadeado, trocar de livro e ir pra sala de aula. Então você se imagina num lugar assim que você é novo, você não fala direito o idioma, você tem que abrir um cadeado, saber o número, não sabe nem perguntar direito pros colegas (risos). Mas você tem 16 anos então você é muito mais aberto pra qualquer coisa, eu acho. Por isso que é legal fazer isso com essa faixa etária porque você vai de boa, entendeu? Mas foram muitas mudanças e muitas diferenças em relação à escola. Mas que eu gostei muito porque a escola me dava muita oportunidade de fazer coisas que eu nunca tive, né? Porque como você tem um currículo aberto você tem as matérias obrigatórias, mas você também pode fazer. Você gosta de Música, você faz Música; você gosta de Artes, você faz Artes; você gosta de Cultura, Culinária e assim vai. Então foi uma coisa bem legal.
P/1 – Mas antes da escola foi o seu aniversário. Então como foi logo na chegada comemorar o aniversário sem a família, meio nesse processo de adaptação, ainda assim ter começado a escola?
R – Ah, é mesmo, né? Quanta coisa que eu fiz, hein? (risos) Então, até lembrando ainda, a preparação antes
de ter saído do Brasil eu lembro que o presidente do AFS que fazia a orientação final falou pra minha família que eles não podiam ficar me ligando, até porque naquela época a ligação telefônica era super cara, então já tinha um motivo que era caro, mas também pra ajudar a gente a se adaptar. E eu fazia aniversário logo depois, que eu cheguei nos Estados Unidos dia 20 e na minha família acho que dia 24, por aí. Dali uma semana eu fiz aniversário, uma semana, dez dias. Daí eles até: “Não, no aniversário dela vocês podem ligar”, então minha família me ligou. Agora o engraçado era eles ligando, os americanos atendendo e ninguém sabendo falar direito. Mas foi uma emoção e eu não podia mostrar muita tristeza porque estava tudo muito novo porque senão a minha família ia ficar desesperada, e eles a mesma coisa. Então foi um segura aqui, segura ali, mas teve isso. A minha família foi super receptiva, fizeram bolo, ganhei presente. Eu ainda tive o capricho de guardar os pedacinhos de papel de presente, escrevi o que cada um me deu. Mas teve todo esse carinho de me receber, porque não é fácil você estar longe numa data do seu aniversário, mas foi bem receptivo por parte da família. E a minha irmã americana faz aniversário, nós três na verdade, as três meninas. Porque a minha família tinha três irmãos, duas irmãs mais novas que eu e um irmão novinho. As duas meninas e eu fazíamos aniversário bem próximo, em julho, o meu foi o último bolo de julho, então cada uma teve o seu bolo, eles tiveram esse cuidado também, entendeu? Cada uma teve seu bolo e no dia do meu aniversário eu tive o meu bolo, o happy birthday, assim. Então eu cheguei na escola mais preparada com a cultura que eu estava vivendo porque setembro já fazia um tempinho que eu estava lá.
P/1 – E conta de alguma experiência marcante que tenha ocorrido durante esse período, algum evento, alguma coisa.
R – Do ano que eu fiquei fora? Olha, a escola era uma coisa muito importante porque é onde a gente fica a maior parte do tempo, né? Você vai de manhã pra escola e fica o dia inteiro na escola e é onde você faz teus amigos. Então os meus amigos de escola foram muito, eu tinha amigos muito legais, foram super receptivos. Eu tenho lembranças no restaurante, cafeteria que falam, eu logo no início lendo um livro que tinha que ler pra turma de inglês. Tudo pra mim era mais complicado, mais demorado. Aí eu lembro, isso é até uma experiência engraçada porque eu estou lendo o livro e aí tem uma frase que eu precisava saber de uma palavra. E aí eu pergunto no meio dos amigos: “O que é essa palavra?”, todo mundo ficou vermelho. É óbvio que na hora eu percebi que era um palavrão. E aí eu aprendi esse palavrão naquele dia, daquele jeito. Mas é uma experiência que marcou muito porque foi muito engraçado, todo mundo ficou sem graça porque era meio ridículo eu perguntar aquilo mas pra mim aquilo lá foi a primeira vez que eu estava vendo. Mas são pequenas coisas que você vai lembrando que fizeram parte. O que foi muito importante foi a escola que me proporcionou muitas opções de viagens. Como era muito próximo a Nova York eu fui muito a teatro, coisa que eu gosto de fazer até hoje, ir em teatro. Eu participava de tudo. O diretor da minha escola era super gente boa, super carinhoso, tudo ele permitia que eu fizesse. Se eu não tivesse dinheiro ele viabilizava através da escola, então eu fui muito feliz na escola. A minha família também foi, eles eram bem diferentes da minha família, super fechados. Os meus pais, na verdade, e depois que eu fui ver, eles já não se entendiam muito, haja vista que eles se divorciaram depois que eu voltei pro Brasil, mas eu achava que aquilo era uma relação normal deles (risos), já que era diferente: “Vai ver que é assim mesmo”. Porque eles não se falavam muito, mas eu falei: “Vai ver que é isso”, mas no fundo era porque eles não se davam muito bem. Mas nada que eu tivesse. E hoje eu sou amiga dos dois, sempre fui, a minha mãe americana acabou casando com outra pessoa, eles já vieram pro Brasil, conheço. E ele não se casou mas eu tenho contato, já visitei separadamente. Foram
experiências que marcaram muito mas eu acho que o conjunto da relação com a minha família americana e da escola que eu acho que era uma coisa importante pra mim e da própria organização do AFS. Eu fui bem ativa e também fazia tudo o que o AFS esperava. Porque assim, eles proporcionavam momentos de encontro com os outros intercambistas da região em que eu morava, isso era muito legal na época, que eu era a única brasileira na minha escola. Mas aí tinha um sueco tantas milhas distante, uma do Equador, a outra da Suíça, outra da França, então nós éramos amigos internacionais mas que compartilhávamos dos mesmos anseios, das mesmas carências, tinha saudades das suas famílias, dos amigos. A gente era amigo profundamente porque na hora que se encontrava era como se tivesse nascido grudado. Mas é porque nós éramos da mesma idade, tendo a mesma experiência, então isso foi muito marcante pra mim. Eu acho que é essa coisa do conviver com pessoas muito diferentes, de outras culturas, mas que nós éramos muito iguais naquele momento nas nossas vidas. Então isso eu acho que é o que mais marcou em relação, não coisas específicas, eu acho que foram os sentimentos que foram sendo desenvolvidos. Volto a falar das cartas, isso me marcou muito, eu ficava esperando as cartas chegarem, eu ficava esperando, espiava da minha janela, via o carteiro chegando, tanto no Brasil pra vir, pra ir para os Estados Unidos como quando eu cheguei nos Estados Unidos esperando as cartas do Brasil, vinha uns pacotões desse tamanho assim. Porque eram os meus amigos mandando, era o único jeito de se comunicar. Eu tenho cartas que dá pra escrever livro, que as pessoas escreviam muito, né? Elas contavam tudo da vida delas nas cartas (risos) e eu passava horas lendo, então isso marca muito. Pra mim são essas coisas que marcam muito, essas vivências de emoções.
P/1 – E como é que foi a hora de voltar, de ir embora, encontrar com a família, encerrar esse ciclo?
R – Também teve todo um preparo do AFS, do programa, pra gente chegar nesse momento. Teve uma viagem que a gente chamava de bus trip, organizada pelo AFS, com esse grupo de pessoas que a gente se via ao longo do ano e mais alguns, nem me lembro, sei que era um ônibus inteiro e isso foi uma viagem que a gente fez no final do programa, então ajuda você a começar a se separar da sua experiência. Mas como eu voltei em julho, me lembro que eu voltei em julho, as minhas aulas já tinham acabado já fazia um tempo, acho que acabado no meio de junho, um negócio assim, nem me lembro direito, mas eu fiquei bastante dias ainda convivendo com a minha família. A separação com a minha família foi bem difícil, a minha irmã americana mais velha, apesar de sermos bem diferentes, muito diferentes, a gente ficou bem apegada. E aí foi uma choradeira só, uma choradeira só. Porque ao longo do ano a gente também supera um monte de coisa, ciúmes. Porque como intercambista naquela época você passa a ser meio centro das atenções naquela escola, aí é mais fácil você fazer amizade. Aí eu tinha uma irmã que era mais tímida, mais fechada, tal, então pra ela era mais difícil e eu era uma pessoa que trouxe muita coisa pra ela nos relacionamentos, tal. Então na hora da nossa separação foi super difícil, acho que foi a primeira vez que eu tive uma coisa. Porque eu estava voltando pra minha família e nunca mais voltaria, supostamente, pra lá. Mas aí teve esse rompimento inicial. Aí eu fui no bus trip, que eu acho que é a preparação da sua volta pro seu país. Então a gente convive com essa moçada toda, fomos conhecer alguns lugares, Boston, é uma viagem preparada mesmo pro final da sua experiência. E a chegada no Brasil, você já quer que eu chegue lá? (risos).
P/1 – Pode ir contando.
R – É a mesma coisa, embarca em Nova York, tudo organizado, sempre tudo muito organizado como essas viagens eram feitas e a gente chega no Brasil, aí é aquela ansiedade danada, né? E um medo, como é que é que as pessoas vão te receber? Porque a gente muda em um ano, hormônios, ou você está mais gorda, ou você está mais magra, normalmente a gente está muito mais gordinha, menina principalmente (risos). Os meninos crescem, tudo acontece. Então você fica assim. Minha família toda saiu de Bauru, todo mundo, amigo, periquito, todo mundo, excursão, foram pro Rio, continuou ainda sendo Rio de Janeiro pra me esperar no aeroporto, era o Galeão, que também marca esses aeroportos, eles passam a ser uma coisa importante, embarcar no Galeão, chegar no Galeão, que era chique (risos). Hoje nem tem, né? Que eu embarquei, na ida eu fui de Pan Am [Pan American World Airways] e eu acho que na volta a gente voltou de Braniff [International Airlines], alguma coisa assim, que era outra companhia aérea. As duas não existem mais. Você vê como história é bom contar porque tem coisa que nem existe mais (risos), mas eram as duas companhias aéreas. Mas a chegada foi muito legal. Mas eu ainda fiquei alguns dias no Rio de Janeiro, como eu contei que tinha família, foi quebrando o gelo, mas a volta acaba sendo um pouco complicada porque você deixa também uma história muito importante que você vivencia pra trás e que você sabe que você não vai voltar tão breve. A sua família você sabe que você vai voltar, então eu acho o retorno, se você não se preparar bem é complicado. Mas pra mim fluiu bem apesar de eu ter ficado alguns meses num silêncio.
P/1 – E o que você diria que você trouxe na bagagem de volta como experiência?
R – Olha, eu acho que eu sou a pessoa que sou hoje por conta de ter tido essa oportunidade, de ter tido esse incentivo da minha família, dos meus pais terem se esforçado. Eu acho que tudo isso faz parte. A motivação que eu recebi pra fazer, eles se mobilizarem com a família pra poder viabilizar, isso vai ajudando na sua formação, foi um legado que eles me deixaram, essa oportunidade que eu tive é muito o que eu sou hoje como pessoa, profissional, a carreira que eu resolvi seguir, obviamente que eu fiz várias coisas já, mas hoje o que eu faço está muito vinculado a isso, o meu jeito de ser. Porque você desenvolve uma resiliência muito grande porque você fica sozinho, você tem que superar as suas fraquezas sozinho, você tem que resolver suas coisas sozinho. Apesar, todo mundo estava ali do seu lado, né, mas ninguém fala a sua língua, ninguém sabe exatamente o que você está passando, então isso te transforma como ser humano, não vou dizer nem se pra melhor ou pra pior, mas te transforma, com certeza você não vai ser a mesma pessoa que você era antes de você ter embarcado. Então é um processo de grande transformação e que é o que eu carrego como bagagem mesmo, não é o que eu comprei ou o que eu li, mas é o que eu sou hoje, que eu tenho absoluta certeza e acredito e passo pras gerações que eu sou responsável do quanto isso é importante pra gente entender diferenças, essa convivência com pessoas diferentes. Só uma lembrança que eu lembro, a minha amiga espanhola que era super politizada, na década de [19]70 a Espanha também estava. Eles me chamavam e falavam: “Como assim, você vive numa ditadura”. E eu sou de uma geração que a gente já não falava muito sobre esse assunto. E na escola não podia falar sobre política, então eu tinha amigos que me punham na parede e falavam assim: “Como assim?”, aí eu falava: “Ai meu Deus, eu tenho que prestar atenção”. Os meus amigos da Suécia falando de Amazonas lá na década de 70, aí eu falei: “Nossa, não estou nem prestando muita atenção”. Você vai se transformando: “Nossa, eu tenho que ficar politizada, eu tenho que saber mais sobre o Brasil, eu tenho que saber mais sobre a Amazônia”. Na época era a Transamazônica. E eles sabiam muito mais que eu. Eu acho isso uma riqueza do tamanho do mundo, né? Esta oportunidade que eu tive que talvez eu seria outra pessoa se eu não tivesse pessoas que me ajudaram a abrir os olhos. Uma coisa que eu fiquei muito, é muito brasileira, sempre. Viajo hoje muito, sempre viajei, mas sou muito brasileira, quero ser brasileira, tenho orgulho e eu acho que eu desenvolvi isso a partir dessa experiência.
P/1 – E aí você voltou e teve que enfrentar toda essa outra adaptação de volta e logo terminou o colégio. Como foi essa etapa de finalização do colégio, começar a pensar na carreira, ou em faculdade, ou o que fazer depois de acabarem as aulas?
R – Quando eu me formei, naquela época ainda era possível, eu me formei no ensino médio lá. Eu fiz um semestre aqui de terceiro ano e fiz dois semestres lá e acabei me formando lá. Quando eu voltei, já fui direto fazer cursinho e na época eu decidi seguir Línguas. A minha mãe gostava, eu falo bastante dela porque ela é a pessoa que eu acho que ficava mais incentivando o que fazer, tal, e ela achava que falar idiomas era o máximo, tal, não sei o que lá, ela me incentivou nessa história. Eu acabei seguindo a carreira, depois eu segui alemão, eu sou formada em alemão porque eu achava que eu já falava inglês. E
logo que eu cheguei dos Estados Unidos eu fiquei um pouco introspectiva, eu tenho que falar, a gente fica introspectivo porque parece que as pessoas não estão entendendo muito o que você passou. E como é que você vai contar tudo o que você fez? Ao longo da vida você vai contando (risos). Você não chega numa noite só e conta tudo, então isso te deixa um pouco introspectivo e tem pessoas que entendem, mas eu sempre tive amizades muito profundas, das minhas amigas de infância, porque a gente sempre conviveu muito. Então eu tive esse apoio mas eu me lembro que eu fiquei uma pessoa mais fechada, mais introspectiva e a minha mãe percebeu isso bastante. Mas logo que eu cheguei eu já fui trabalhar porque eu vim com esse espírito americano que você tem que ir à luta se você quer alguma coisa você tem que ir, então eu cheguei aqui e nunca mais parei, porque eu já fui trabalhar, eu já fui fazer tradução, foi aí que eu comecei a fazer tradução. Em Bauru tem Hospital de Malformação Craniofacial da USP [Universidade de São Paulo], daí foi lá que eu comecei a fazer tradução, traduzi muita coisa na área médica, naquela época poucas pessoas falavam inglês, traduzia, fazia, vinham as visitas. Você imagina, isso lá no final dos anos 70. E foi quando eu comecei. E eu fazia cursinho, trabalhava, mas isso veio de um espírito que eu vi lá fora. Lá fora, por mais que você tenha condição o jovem lá é estimulado a ir atrás do que ele quer. Se ele quer fazer alguma coisa no verão ele vai e trabalha no verão de garçom, garçonete, de babysitter, então eu trouxe comigo esse espírito que eu achava legal. Eu trouxe as coisas que eu achava legal (risos). Então comecei a trabalhar, fiz cursinho, depois entrei na faculdade em São Paulo e foi o que eu segui. Depois eu tive outros trabalhos, trabalhei com publicidade mesmo fazendo faculdade, mas no final eu resolvi seguir a carreira na área de línguas. E essa experiência sempre tem calcado muito, cada trabalho que eu tive eu vou lá e busco alguma coisa dessa experiência, do jeito de fazer ou do jeito que eu vi, dos lugares que eu visitei, porque você vai a museu, você vai a lugares, United Nations. Eu lembro que naquela época eu falei: “Nossa, eu quero isso. Eu quero viver isso”. Então são pequenas experiências que vêm se multiplicando.
P/2 – Exatamente nesse período, nesse retorno, você chegou a se voluntariar, fazer parte do AFS, continuou colaborando?
R – Até esqueci de contar. É muita coisa! O AFS, como a gente vive nesse espírito do voluntário, as pessoas que fizeram a minha prova, todo mundo era voluntário, que me escolheram, que viabilizaram a minha ida. Aí eu venho, passo uma experiência que todo mundo também lá é voluntário, os que organizam as viagens, parárá. Então você volta querendo retribuir isso. No princípio eu cheguei a ajudar um pouco o comitê de Bauru, mas aí eu não tinha muito tempo porque eu comecei a trabalhar e fazia cursinho, então eu fiz poucas participações pontuais em seleção de estudante ou atividade que tinha no final de semana. Aí vim morar em São Paulo e me desliguei do AFS por falta de tempo, porque eu também continuei a trabalhar e estudava. Estudava à noite e trabalhava durante o dia, então não dava tempo. Mas aí depois que eu me casei, a coisa vai ficando longa, eu fui morar em São José dos Campos e foi quando eu retomei a minha relação com o AFS, porque aí eu já estava numa outra fase da minha vida. E a presidente do AFS lá era uma senhora e eu comecei a ajudar. “Não, eu ajudo”. Comecei a ajudar e depois um dia ela falou: “Maura, você não quer assumir?”, ou seja eu fiquei dez anos com o AFS, entre ter começado e sendo presidente de comitê e fizemos um trabalho bem legal no comitê lá porque a gente colocava muito estudante estrangeiro na cidade, cheguei a receber sete, oito estrangeiros e mandar vários meninos, que hoje são todos adultos. Eu tive meus filhos sendo voluntária do AFS, amamentava, falava no telefone (risos). Mas quem faz isso é porque gosta, porque você tem que ser apaixonado, dá pra reparar (risos). A gente fica apaixonado pela coisa e é uma corrente de pessoas que querem se ajudar. Então eu tive esse trabalho e foi onde eu desenvolvi também muito do meu conhecimento, até do que eu faço hoje. Eu só não continuei porque não tinha condição mas eu fui preparando algumas pessoas. Eu tinha uns braços adultos comigo, ou seja, pessoas da minha faixa etária que me ajudavam nas coisas e os jovens que normalmente não têm muito tempo porque eles estão entrando na faculdade, tal. Mas a gente tinha um grupo de pessoas que se ajudava pra poder viabilizar. Mas o trabalho voluntário tem muito isso, o tempo que as pessoas precisam despender pra poder fazer o trabalho. Mas o que era legal era desenvolver o espírito de ser voluntário, coisa que não existe muito ainda no Brasil, acho que está agora começando o jovem ter mais interesse, mas naquela época as pessoas: “O que é isso, voluntário? Mas vocês não ganham dinheiro pra fazer isso?” (risos) “Não, a gente é vo-lun-tá-rio”. E isso era legal, só que a gente tinha que fazer todo um trabalho de pessoas, mas eu fiz bastante tempo, fiz bastante tempo. Cheguei até uma irmã minha que morou no Rio de Janeiro trabalhou no escritório, daí ela trabalhou no escritório do AFS. Eu tive uma relação sempre muito grande com o AFS. E não sei, cheguei a me casar com meu marido, também fez intercâmbio pelo AFS e eu brinco que intercâmbio leva até a casar porque quando eu o conheci: “Por que você fala inglês?”, foi a época que eu fui tradutora lá na USP e ele fazia mestrado na Odonto [Faculdade de Odontologia] de Bauru que tem um câmpus da USP. Aí: “Ah, por que você fala inglês?”
“Porque eu fiz intercâmbio pelo AFS” “Nossa, eu também fiz intercâmbio pelo AFS”. Aí 26 anos de casados, já fizemos muita coisa pelo AFS, já viajamos, já fomos fazer viagem de 50 anos do AFS Internacional. Meus filhos fizeram intercâmbio mas não pelo AFS, por conta de tempo e do que eles queriam fazer, mas intercâmbio é uma coisa que é um princípio da família (risos), uma coisa que a gente acredita e o AFS realmente teve toda essa importância na minha vida principalmente.
P/1 – Retomando um pouquinho, você falou do seu período em São Paulo. Como foi essa mudança pra lá, o período da faculdade e os trabalhos que foram sendo desenvolvidos depois até a mudança pra São José?
R – Quando eu saí de Bauru e vim pra São Paulo, cheguei a ter vários trabalhos, mas eu trabalhei grande parte com publicidade, tudo por oportunidade. E aquela coisa que eu falei, acho que quando você desenvolve essa coisa de perder medo do novo você é mais aberto a coisas novas. Então alguém me ofereceu: “Tem um trabalho aqui” “Ok”, se eu precisava, eu ia porque eu não tinha muito medo de enfrentar o novo. Mas eu fiquei, quantos anos eu morei aqui em São Paulo? De 1979 até... dez anos, até eu me casar. Mas aqui eu trabalhei, nesse meio tempo eu conheci meu marido. Aí eu sou formada em alemão, estudei no Instituto Goethe aqui em São Paulo além da faculdade, que eu fiz tradutora intérprete. E aí eu tinha muito essa coisa de traduzir. Quando eu me casei, eu tinha acabado de fazer uma especialização, que além de eu ser formada na parte do idioma depois eu fiz especialização com bolsa de estudo pelo Goethe aqui em São Paulo porque eu era ensino do alemão para adulto e eles têm uma especialização que eu recebia bolsa do governo alemão. Então eu tive uma relação muito forte com essa coisa de idioma, de aprender (risos). Aí eu me casei, não sei se eu fui muito rápida pra chegar, casei em 89, eu estava fazendo a especialização. Tem uma história engraçada que quando eu me casei a lua de mel foi rapidinha porque eu estava fazendo especialização, ele fazia já doutorado, a gente só tinha dez dias pra poder sair uns diazinhos de lua de mel. E quando eu cheguei da lua de mel eu tinha ganho uma bolsa pra ir pra Alemanha. E eu tinha acabado de casar. Mas eu falei pro meu marido: “Olha, eu fiquei a vida inteira pra conseguir isso, não vai acontecer agora que eu vou falar não”. Com um mês de casada eu fui morar na Alemanha três meses com uma bolsa, mas aí ele acabou indo. Então assim, a minha vida com meu marido é tudo isso, é intercâmbio, é viajar, é bolsa de estudo. Porque é aquilo que eu te falei, são valores da família, é educação, é estudar, é conhecer, mas também ser feliz. Então foi esse processo de São Paulo, foi isso, aí eu me casei, voltando até porque eu perdi o fio da meada, eu fui morar nos Estados Unidos porque aí ele ganhou uma bolsa, nós fomos morar dois anos nos Estados Unidos. Terminei minha especialização, ele ganhou a bolsa, fui morar em Michigan, depois voltei a morar em Nova York, foi quando minha família americana emprestou o apartamento deles pra gente achar um apartamento, porque eu morei em Manhattan, que ele fez o University of Michigan e depois New York University. E aí a minha família americana deu essa super ajuda, que a gente ficou lá um mês até que nós achássemos um apartamento que nós pudéssemos morar. E dali a gente voltou pro Brasil com a proposta dele ir pra São José dos Campos, foi assim que eu cheguei em São José. E aí ele foi dar aula, ele é professor universitário da Unesp [Universidade Estadual de São Paulo] e foi chegando em São José eu tinha que me desenvolver, porque na verdade eu saí de cena pra ele desenvolver a parte profissional dele, porque já que a gente é parceiro: “Ok, agora é a sua vez”. Aí ele terminou
o doutorado, fez a bolsa nos Estados Unidos, a gente voltou, fomos pra São José por opção de trabalho e ali eu comecei a ir atrás do que eu ia poder fazer em São José. Mas falava pra ele: “Fica tranquilo que vai dar tudo certo”. E deu tudo super certo. Foi assim que eu comecei a me aproximar do AFS, você vai conhecendo uma pessoa, aí eu fui atrás, que também são portas que vão se abrindo porque é uma forma de você ter pessoas que já fizeram alguma coisa que tem a ver com você num lugar desconhecido. Porque eu acho que o grande lance do AFS é essa rede de pessoas espalhadas no mundo inteiro, qualquer lugar do mundo que você vá você vai encontrar alguém que fez AFS. Porque são tantos anos que se você estiver lá no meio do nada você vai achar alguém que já teve algum relacionamento com alguma pessoa pelo AFS. E em São José foi assim que começou. Eu fiquei esses dez anos lá trabalhando como voluntária e preparando esses jovens e com isso conheci muitas pessoas. Eu posso até contar uma história legal do AFS de São José que eu achei uma foto que na verdade eu deveria até ter mandado pra vocês. Eu consegui uma Bolsa Zero, que na época eles chamavam, eu vou falar sempre na época porque eu não sei hoje como está. Bolsa Zero era um estudante que iria receber tudo patrocinado, desde a passagem, desde tudo. E teria que ser um estudante que estudasse em escola pública. E o meu comitê, como era muito ativo, a gente podia concorrer pra isso. E aí eu tinha uma mãe de um estudante brasileiro e ela era professora de Matemática de uma escola pública, eu falei: “Maza, vamos comigo achar?”. Nós fizemos concurso na escola e uma das meninas ganhou. E era uma menina que era órfã de mãe, super simples e ela ganhou uma Bolsa Zero pra ir pra Tailândia, imagine o choque cultural de tudo isso (risos). Eu achei a foto esses dias, eu, o pai dela. E a gente indo lá. Porque nós tivemos que preparar tudo, é uma família que nunca viu isso na vida, mas era uma menina que tinha um super potencial. Então tudo isso foi uma coisa muito legal. Então lá em São José a gente desenvolveu esse trabalho bem legal, tivemos a bolsa zero. Essa menina foi e até depois eu vou atrás pra saber o que ela é hoje. Ela viveu um ano na Tailândia e a gente preparou tudo, desde a religião, pra ela saber o choque cultural, alimentação, as palavras. Mas tudo o AFS dando suporte pra que nós lá pudéssemos fazer isso. Mas essa transição de São Paulo-São José, o AFS e lá estou eu até hoje.
P/1 – E conta pra gente um pouquinho da Belta. Como é que foi a sua trajetória com eles, como que funciona, como ela está vinculada à sua história.
R – A Belta , que é a Associação Brasileiras da Agências e Operadoras de Intercâmbio. Eu tenho hoje uma empresa que tem 13 anos que é o Yazi Travel e faz parte da Belta. E como já era Yazigi, desde 1997, então quando eu assumi a empresa como CEO [Chief Executive Officer] a gente já era membro da Belta e logo no início eles já me convidaram pra fazer parte porque a Belta tem a diretoria e tem o comitê de ética e eu comecei fazendo parte do Comitê de Ética. Eu passei por todas as funções da Belta ao longo desses anos. Eu cheguei a ser presidente da Belta e aí eu não me lembro se o AFS já era, mas eu estimulava bastante, acho que era o Eduardo [Assed] que era o presidente. Eu tenho memória de história, como eu contei bastante, mas de nome nunca tenho, mas acho que era o Eduardo. E aí eu sempre fui muito de chamar, vem participar, eles sempre participaram das coisas que a Belta realizava. E eu gostava de compartilhar essa história do AFS, que eu acho que eles são muito importantes para o mercado brasileiro, mesmo que hoje tenham várias empresas trabalhando de formas distintas e eu tenho certeza que muitos empresários donos de empresas tiveram uma experiência do AFS também. A Belta tem esse princípio de organizar o mercado com muita ética e qualidade pra poder mandar estudante pra fora. E hoje eu voltei a ser presidente da Belta novamente, eu estou até 2018, serei, só se não tiver um impeachment (risos), até lá supostamente serei a presidente da Belta que faz esse trabalho de divulgar a importância da experiência internacional pro estudante brasileiro de qualquer faixa etária. Então é essa a minha relação de AFS, Belta e da minha própria empresa que é o Yazi Travel.
P/1 – E quais são as atividades que a Belta faz? Como que ela faz isso ou mostra essa importância para os estudantes brasileiros?
R – Ela é a fonte de referência pra mídia. O estudante que quiser: “Ah, eu quero fazer um programa, onde que eu acho informação?”, ele tem como se informar através da associação, do site. E a associação tem relacionamento com os órgãos oficiais representativos dos países. Porque é muito importante isso quando a gente trabalha com educação internacional, a gente saber quais são as políticas de cada governo em termos de visto, o que é esperado do estudante. Isso é um papel da associação pra estar divulgando essa informação de forma super adequada. E pros órgãos oficiais nos países também é importante ter um representante que fale em nome de todo mundo. A associação faz esse papel, ela sempre vai estar intermediando os processos e ela é, se a gente tiver que conversar com o governo brasileiro sobre alguma situação: “Queremos trazer mais estudantes pro Brasil, como é que está a situação de visto pro estudante estrangeiro vir ao Brasil”. Então a associação tem esse papel porque ela também tem um braço do Study in Brasil que é promover o Brasil como destino de educação, isso tudo é associação. Porque como associação ela tem muito mais força pra poder defender ideias, trazer discussões, promover discussões e também ser uma fonte de formação pra mídia, que eu acho que isso é muito importante porque uma empresa só, uma instituição, ela não tem voz. E a associação, como ela congrega várias empresas e num número bem grande de estudantes que ela promove educação, então ela tem uma voz ativa muito grande. Esse é o papel da associação.
P/1 – E como que é e funciona essa parceria com as empresas? Então com a sua empresa, com o AFS?
R – Bom, nós somos membros. Eu sei que o AFS é membro, o Yazi Travel é membro, assim como são 57 membros, agências ou operadoras que tiveram os requisitos atendidos, porque pra ser membro você tem que atender aos requisitos e a partir do momento que você é membro você paga lá um valor da associação, mensal, e os nossos dados são divulgados através das mídias sociais da própria associação, da revista que ela lança anualmente, ela participa de feiras internacionais no Brasil levando a informação de todos os associados. A gente senta, tem assembleia pra discutir assuntos, a gente tem estatuto pra seguir, pra você ser membro da associação e se manter membro você tem que cumprir ali, você não pode sair fazendo qualquer coisa, né? Você tem que ter uma conduta ética dentro dos princípios da associação. E aí a nossa convivência é saudável no ponto da troca de informação quando a gente tem que resolver alguma coisa que afeta todo mundo. Por exemplo, o visto que deixa de ser... por exemplo, a Inglaterra está mais complicado tirar visto? Como é que funciona isso? Aí todo mundo tem que compartilhar da informação e a associação pode ser a fonte de informação pra nós caso a gente não saiba exatamente o que está acontecendo na Inglaterra ou no país x. É isso, por mais que sejamos empresas diferentes, distintas, a associação congrega e oferece informação pra todo mundo igualitariamente.
P/1 – E qual você diria que é a importância dessa educação internacional? De você tanto mandar os brasileiros ou jovens pra essa experiência fora quanto ao contrário, trazer pro Brasil e mostrar a nossa forma de educação.
R – Eu lembro até que o que mais em encantou depois que você vai crescendo como um AFS ao longo da experiência, porque você vai crescendo, a sua relação com o AFS. Era a coisa do promover a paz. Porque eu acho que a educação
internacional é a única forma que eu vejo da gente solucionar conflitos entre os povos, entre as pessoas. Quanto mais as pessoas estiverem expostas a diferenças, a gente já vê as diferenças nossas, culturais, dentro do Brasil que já são grandes, do nordestino, de quem vem do norte, do sul e assim vai, que a gente já tem algum choque cultural quando você se desloca de um lugar para outro. Mas quanto mais a gente conviver, mais você vai entendendo, vai aceitando. Eu acho que a educação internacional, a importância dela, é isso, promover a exposição das pessoas, as diferenças pra que elas sejam mais tolerantes, pra que elas compreendam porque cada um faz de um jeito diferente, não é fazer melhor, é fazer diferente. A gente precisa passar por isso pra entender que não é porque um é melhor o outro mas é só diferente. Eu acho que as pessoas se tornam mais fortalecidas pra resolver lidar com conflitos, né, quando eu falei da resiliência, eu acho que esse é um dos grandes diferenciais quando a gente se submete a uma educação internacional. E também eu acho que adquirir conhecimento de formas distintas, porque de repente a gente aqui tem uma escola num padrão mais conteudista, por exemplo, eu tenho um filho hoje que obviamente com essa formação que eu tenho, com a do marido, super focado em educação internacional, nossos filhos são criados assim. Eu tenho filho que fez o Ensino Médio fora e hoje está fazendo um ano da universidade. E ele sai de uma universidade bem conteudista, que ele faz engenharia mecânica na Poli e ele está hoje numa universidade na Alemanha que é bem focada na experimentação, inovação. Então, qual é o ganho que ele tem disso? Ele está fazendo coisas que ele não tem oportunidade aqui, então quando ele voltar agora ele vai fazer coisas, ou vai ter visto. Não é que lá é melhor do que aqui, porque a universidade que ele faz é boa, mas lá ele faz alguma coisa diferente. Eu acho que o complementar, porque eu não acho que a gente deve achar: “Ah, só quem faz isso é bom”. Não, já que você está tendo oportunidade, a riqueza de você ter a opção de ter uma educação internacional é isso, é você vivenciar possibilidades que enriqueçam o seu jeito de ver o mundo, você passa a ter uma visão mais ampla, mais globalizada e que vai ter fazer um profissional, eu acho, mais completo, prum mundo que está mais complexo também. As empresas hoje têm que se virar na hora que vem uma crise, ela tem que se renovar, então ela precisa de pessoas assim, que precisam se reinventar rapidamente, trocar de papel porque a empresa precisa seguir novos rumos. Eu acho que é pra isso que a gente caminha, pra viver num mundo mais pacífico com pessoas que estejam mais abertas a vivenciar coisas diferentes e minimizar os radicalismos e as crenças únicas.
P/1 – Você falou do seu casamento e dos filhos. Quantos filhos você tem? Conta um pouquinho deles pra gente. Falou desse que estuda na Poli e que está viajando.
R – Eu tenho dois meninos queridos, maravilhosos, uma mãe bem coruja, que também foram estimulados a fazer intercâmbio. Perguntou de intercâmbio pra mim é assim, eu passo o dia falando. Eles tinham 11 anos quando eles foram na primeira experiência, eles fizeram pelo CISV [Children's International Summer Villages], que é um programa de criança. Eles passaram quatro semanas, um foi pra Suécia, o meu segundo filho que é o Gabriel que hoje tem 20 anos e o outro foi pros Estados Unidos com 11 anos, é o que tem 21. Eles têm um ano e sete meses de diferença. Eles dois começaram já a ter uma exposição com educação internacional já bem novinhos. E os dois fizeram ensino médio fora, um fez na Alemanha, o mais velho que é o Tomás, e o outro fez no Canadá, porque ele queria francês, inglês, ele fez em Montreal. Aí os dois, hoje um é esse que foi pra Alemanha está de novo na Alemanha, que faz engenharia mecânica, ele está pelo Ciências sem Fronteiras. E o outro faz São Francisco, acabou de terminar o segundo ano de Direito, indo pro terceiro ano e também já pensando na porção de educação internacional que ele possa vir a fazer através do Direito, então ele já está seguindo em frente com o francês pra ficar avançado. Eles são bem envolvidos com essa história de educação internacional, convivem com pessoas assim, gostam de viajar. Nós vamos nos encontrar agora lá na Alemanha pra passar todo mundo junto (risos). Então é uma história de vida muito calcada em cima de... A Belta pra eles também, eles eram pequenininhos: “O que é essa Belta, mãe?” “Não é alguém” (risos). Porque eles sempre me ouviram falar muito da associação, defendendo as coisas, falando com as pessoas. É mais ou menos a história da família mas cada um seguindo, nós nunca criamos os meninos pra seguirem nossas coisas. No meio disso tudo aí, que eu não falei, a gente fundou uma escola de educação internacional em São José dos Campos, que hoje é uma escola IB, que a gente acabou de vender a escola para um grupo de educação, esse ano é o nosso último. É uma escola que tem 11 anos, uma escola linda. Então educação, internacionalidade, idiomas, trocar cultura é muito o que a gente acredita e o que a gente prega pras pessoas que a gente convive. Eu sempre falei disso muito pros meus amigos, quem manda os filhos e assim vai.
P/1 – E conta um pouquinho dessa escola.
R – Por que eu fui falar, né? Eu esqueci (risos). Mas é uma história muito bonita. De uma forma rápida, eu e meu marido e um casal de amigos que a gente conheceu em São José, através até do trabalho que eu comecei a fazer, que eu comecei a trabalhar no Yázigi lá dando aula de alemão e aí eu acabei ficando bem amiga dos donos da escola, que é um casal mais novo que a gente. Mas um dia a gente conversando na praia: “Ai, nossa, a gente queria uma educação assim, assado, São José não tem uma escola assim, assado, parárá”. Saímos de lá: “Vamos atrás de fazer uma escola”. A gente foi atrás de um consultor, ou seja, fundou a escola que hoje fez 11 anos. É uma escola que começou como uma escola bilingue, é a única escola no Vale do Paraíba, ela já é uma escola IB, International Baccalaureate, que tem um currículo internacionalizado. Mas a gente queria que fosse uma escola brasileira, currículo brasileiro, mas que trouxesse uma internacionalidade, que a gente acreditava. A gente não queria um sistema, a gente visitou um monte de escola aqui em São Paulo e sabia o que a gente queria e o que a gente não queria. E mais as experiências que cada um tinha tido de ter morado fora, foi assim que a gente criou a escola, do zero, na planta, com pessoas que a gente foi trazendo através de uma consultoria. E hoje a escola trouxe o interesse e ela foi adquirida, até porque a gente queria mais pra escola e precisava de alguém que perpetuasse o que a gente acredita, que é super qualidade. Então hoje eu estou saindo de mantenedora pra fundadora. Ontem foi a festa de confraternização da escola que tem mais de cem funcionários, tem 450 alunos e crianças que hoje a gente já tem aluno que estuda nos Estados Unidos. Meu filho mais novo, esse que faz Direito, foi aluno da escola. Então tudo isso não teria acontecido se a gente não tivesse lá atrás sido exposto a isto. Por isso que a gente acredita em levar pra frente esse legado de promover educação de forma globalizada para o maior número de pessoas. E através da escola a gente vem conseguindo fazer isso.
P/1 – Qual é o nome da escola?
R – Chama Esfera Escola Internacional. Esfera.
P/1 – E pra ir encerrando a gente vai entrando numa parte de avaliação. Eu queria que você falasse pra gente quais foram seus maiores aprendizados com toda essa vida de dedicação à educação internacional, desde o intercâmbio até os dias de hoje com a empresa.
R – Olha, eu acho que é você através disso poder ajudar pessoas a realizarem sonhos, porque as pessoas têm sonhos. E deixou também de ser sonho só pra quem pode financeiramente. Porque se você se planeja e se você tem alguém que vai te ajudar a planejar você consegue viabilizar. E como a gente vive num país onde a cultura do planejamento não é uma coisa muito forte, então as pessoas são imediatistas e acham que o sonho delas não dá pra realizar. E não é verdade, se você tem um sonho não precisa ser amanhã, dá pra ser depois se você se planejar. E eu acho que é esse o legado, que é você ajudar as pessoas. E a gente vê que tem pessoas que têm muito esse desejo e eu acho que você poder ajudar em todos os níveis, desde um programa de férias que a pessoa vai só aprender o idioma até um programa mais elaborado, até pra um profissional que precisa fazer um programa que vai ajudá-lo a elaborar, ter um inglês mais técnico, ou alguém que vai fazer uma pós. Hoje a gente já tem gente fazendo a graduação fora do Brasil, coisa que as pessoas não pensavam nisso. E eu acho que quanto mais brasileiros tiver essa oportunidade de sair, mas pra voltar, né? Porque a gente tem que ir, aprender o que eles sabem fazer bem, ensinar pra eles o que a gente sabe fazer bem e voltar pra cá pra plantar sementes mais elaboradas. Eu acho que é isso que eu acho que é educação, poder fazer isso, proporcionar educação internacional é isso, é você ajudar as pessoas a serem mais elaboradas pra que elas possam plantar as sementes melhores e a gente tem um país melhor pras futuras gerações, né? Eu acho que é esse o legado da educação internacional. Até porque o Brasil é um país língua portuguesa, lindíssima, porém não falada pela grande maioria, então a gente precisa ter uma comunicação de uma língua que atualmente é o inglês, pode vir a ser o chinês, brevemente, o mandarim (risos), mas atualmente é o inglês. Então essa oportunidade de sair pra poder falar melhor um idioma que é hoje da comunicação também é muito importante, abre mais portas pra brasileiros, abre mais portas pros estudiosos, pesquisadores e assim por diante.
P/1 – E aí não é avaliação mas eu não posso deixar de perguntar, conta pra gente como foram os primeiros casos ou primeiro estudante da sua empresa, seus primeiros passos como empresária não dá escola mas dessa sua outra atividade.
R – Assim, eu sempre trouxe muito essa minha experiência, então me dá muita segurança falar sobre isso. E eu acho que as famílias quando decidem mandar os filhos, elas precisam, não é só uma questão de: “Quanto eu vou pagar?”, quem está por trás disso? Quem é responsável por isso? E é bem ousado esse trabalho que a gente faz, é muita responsabilidade, porque você pega um jovem pros programas daquela faixa etária e você manda ele pra fora pra ficar, no caso do programa de Ensino Médio, um ou dois semestres fora de casa. Então é bastante, tanto pra quem está recebendo lá fora quanto pra quem está mandando, você tem que gostar muito disso, você tem que acreditar e você tem que ter muita paixão. Então eu vou dizer que eu acho que eu trouxe essa paixão, mas muito a crença, eu acredito muito nesse trabalho, nesse diferencial que a gente faz na vida das pessoas. Então me ajudou bastante até o fato dos anos todos que eu fiz do AFS selecionando família, indo atrás de escola, lidando com as coisas que acontecem ao longo do processo, família cancelando um pouquinho antes do aluno chegar, isso ainda os estrangeiros que vêm pro Brasil. O Brasil é um país que não tem muitas... É tudo muito novo pra todo mundo, então tudo isso e aprendi fazendo, muito fazendo. Eu sou assim até hoje na empresa, eu ponho muito a mão na massa, até pra poder ensinar as pessoas. Mas eu aprendi muito através dessa experiência que eu tive com o AFS pra poder trazer pra minha empresa que tem também uma história grande, já mandei milhares de estudantes pra tudo quanto é tipo de programa. Continuo mandando, mas essa formação eu adquiri com essa experiência inicial de receber estudante estrangeiro aqui no Brasil e de mandar os brasileiros, porque a gente fazia seleção dos meninos, escolhia os países e eram países diversos, Letônia, que é o que o AFS traz. E a gente ia conversar com a família o que era aquele país até também a bolsa zero para uma família que precisa você falar tudo do zero pra ela. Então isso foi uma escola de vida que eu trouxe comigo pra experiência que eu tenho hoje como empresária.
P/1 – E pra encerrar eu queria que você contasse pra gente o que você acha dessa iniciativa, desse projeto do AFS de contar a sua história por meio da trajetória de pessoas que estão ligadas à essa história.
R – Eu acho que esse projeto tem a cara do AFS (risos), porque o AFS sempre foi assim ligado com a história, ele nasceu de uma história do início, da ambulância, que começou trabalhando na guerra ajudando os feridos de guerra com pessoas que eram inimigas se ajudando e das primeiras pessoas que saíram da Europa vindo para os Estados Unidos que eram inimigos porque o princípio era: “A gente tem que promover a paz como? Fazendo com que pessoas que se estranham possam conviver juntas”. Eu acho que o AFS tem esse gene, esse DNA de contar história, que começa de histórias verdadeiras. E eu achei bem interessante. Eu até não teria nenhum tempo de estar aqui hoje, mas eu não sei porque eu me dispus a vir (risos) talvez porque, talvez não, eu acho importante contar histórias verdadeiras pras pessoas e pras gerações mais novas que podem tocar em você e ver que você é de verdade, que você fez acontecer através de alguém que também ajudou. Então eu acho que o compartilhar histórias verdadeiras é bem legal, mais uma vez eu fico fã do AFS, estou aqui dando mais uma vez o meu tempo, fico feliz de estar voluntariando pra esse projeto e acho que é maravilhoso, espero que fique lindíssimo.
P/1 – A minha última pergunta é quais são seus sonhos?
R – Será que eu tenho sonho? Não, eu tenho sonhos (risos). Quando eu estava pra casar, só brincando, eu fui lá conversar com a pessoa, eu falei: “Não quero isso, não quero isso” e ela falou: “Mas você não tem sonho?”, eu falei: “Não, eu tenho um monte de sonho, mas eu não tenho sonho assim de vestidão, festona, meus sonhos são outros (risos). Meu sonho é viajar”. Porque é engraçado que sonhos são diferentes, mas eu achei engraçado ela me julgar achando que eu não tinha sonho porque não eram iguais aos dela. Mas isso é só um aparta. Mas meus sonhos eu acho que é isso, é deixar legado, é ajudar pessoas a concretizarem os sonhos delas, esse é o meu sonho. Eu já mandei gente pra fora que não teria a mínima condição se você não ajudar a pessoa a chegar nisso. Então como eu estou muito envolvida com isso o meu sonho é continuar realizando sonhos. Através dos meus filhos que vão poder também continuar com isso, mas eu não tenho sonhos maiores a não ser continuar a ajudar pessoas a realizarem os sonhos.
P/1 – Está certo. Então em nome do AFS e também do Museu da Pessoa a gente agradece a sua entrevista, muito obrigada.
R – Agradeço vocês e sucesso absoluto. E deixo aqui o meu agradecimento enorme ao AFS, lá o pessoal da década de 70 que viabilizou a minha experiência, tá bom?
P/1 – Tá certo, obrigada!
R – Obrigada.Recolher