P1 – Bom, pra começar, você poderia dizer seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Me chamo Nelson de Chueri Karam, nasci em Curitiba, em 1959.
P1 – E qual é a sua formação educacional?
R – Eu me formei em Economia, Ciências Econômicas, na Universidade ...Continuar leitura
P1 – Bom, pra começar, você poderia dizer seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Me chamo Nelson de Chueri Karam, nasci em Curitiba, em 1959.
P1 – E qual é a sua formação educacional?
R – Eu me formei em Economia, Ciências Econômicas, na Universidade Federal do Paraná. Concluí o curso em 1980. De 1977 a 1980.
P1 – Qual foi seu primeiro trabalho, Nelson?
R – Meu primeiro trabalho, minha primeira atividade profissional, entre aspas, comecei a trabalhar auxiliando meu avô. Ele tinha uma loja, um estabelecimento comercial e eu ajudava ele. Fazia pagamentos de bancos, ajudava um pouco nas vendas. Foi aí que descobri um pouco minha quedinha pela economia, né? Então, esse foi meu primeiro, em 1974, minha primeira atividade. Depois, mais tarde, na atividade profissional já como formado,
comecei a trabalhar numa instituição pública, no Paraná, que fazia pesquisa e desenvolvimento pro Estado.
P1 – Antes de ingressar no Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos], você já tinha alguma idéia de como era a instituição? O que ela fazia?
R – A primeira vez que ouvi falar no nome do Dieese, foi quando estava cursando Economia. Me recordo muito bem disso. O professor de Introdução à Economia logo no primeiro ano falou: “Olha, existe em São Paulo, uma instituição que faz pesquisa e desenvolvimento pro movimento sindical...” E ele falou o nome do Dieese e eu fiquei com essa pulguinha atrás da orelha ao longo de todo o meu curso. E logo que me formei, que fui trabalhar no Estado, alguns anos depois apareceu uma oportunidade, um processo de seleção para trabalhar junto a uma entidade sindical lá no Paraná, e aí eu ingressei.
P1 – E que tipo de trabalho você executava nesse período de entrada no Dieese? Você está a quanto tempo no Dieese?
R – Eu estou, vou completar agora em 1º de outubro, 20 anos de Dieese. É um período muito longo e eu não me esqueço nunca, porque uns dias antes de
entrar no Dieese minha filha nasceu. Meu período de Dieese é o período de vida dela, faz 20 anos, e eu iniciei meu trabalho no Dieese, numa subseção junto à Federação dos Bancários do Paraná, em 1986. Participei de um processo de seleção. Fui contratado e comecei a trabalhar nessa entidade sindical, que era uma federação que congregava vários sindicatos de bancários do Estado. Ali comecei a desenvolver uma série de trabalhos sobre o setor financeiro, acompanhar as negociações dos bancários em nível regional e em nível nacional também.
P2 – Antes de entrar no Dieese, você estava desempenhando qual atividade?
R – Sim, antes de entrar no Dieese, eu morava em Curitiba e trabalhava no Estado. Eu trabalhei no Ipad, que é um instituto de pesquisa e planejamento. Eu trabalhava numa área vinculada à área de conjuntura econômica. Então produzia estudos sobre diferentes temas da economia paranaense. Ali também me possibilitou um pouco o exercício da minha atividade, enquanto economista. Eu fiquei uns anos ali, menos de três anos no IPAD e por alguns problemas funcionais, fui convidado a me retirar do órgão. Me transferiram para uma outra entidade pública que fazia coordenação dos estudos metropolitanos da região de Curitiba. Então mudei um pouco meu foco ali, para uma análise mais de desenvolvimento regional. Fiquei uns anos nessa entidade, um ano e meio, e depois saí pra fazer um curso de mestrado em Belo Horizonte. Saí de Curitiba e fui fazer mestrado em Belo Horizonte.
P2 – Você fez mestrado e qual era o tema?
R – O tema coincidiu com essa minha última atividade. Era um mestrado com especialização em desenvolvimento regional e urbano, na Universidade Federal de Minas. Então fiquei um ano e meio morando em Belo Horizonte. Concluí os créditos do mestrado e retornei pra Curitiba. Nesse retorno é que apareceu a oportunidade de trabalho no Dieese.
P2 – Mas, eu quero entender o seguinte: a sua entrada no Dieese não está vinculada a nenhuma outra atividade que você fazia anteriormente, então?
R – A minha entrada no Dieese, não necessariamente. Eu tinha comigo, na verdade, uma opção de trabalhar para um segmento da sociedade. Quer dizer, era sempre meu desejo desde o momento em que tomei contato com o Dieese, eu tinha claro isso. O desejo de vir a trabalhar, desenvolver estudos para a classe trabalhadora. E uma coisa que me incomodava muito na Universidade, daí a minha busca pelo Dieese, era a vontade de estar conciliando também todo aprendizado teórico com a prática. Eu enxerguei no Dieese essa possibilidade de você ter todo um conhecimento e colocar todo esse conhecimento a serviço de uma classe e ver esse conhecimento, na verdade, poder estar se espelhando na realidade, interferindo numa realidade. Foi isso que me mobilizou nesse período anterior a entrada no Dieese.
P1 – Pegando o gancho já dessa sua resposta, pra você o Dieese é o lugar onde essa prática pode ser efetivada realmente? Do seu ponto de vista, como é pra você o Dieese nessa interação: o economista e o sindicalista? Porque são duas coisas bem diferentes e no Dieese elas se encontram, se imbricam até?
R – Exato. Eu acho que o rico do trabalho do Dieese é exatamente esse: a oportunidade de conciliar esse trabalho técnico com o desdobramento na ação de um ator social. É diferente, por exemplo, de um trabalho na academia, onde você fica muito vinculado às discussões mais teóricas. Mesmo no próprio Estado, às vezes pela limitação das conjunções políticas que se estabelecem, a tua capacidade de interferir, produzindo conhecimento para um Estado ou governo é sempre mais limitado. E no caso do Dieese, ele te escancara, te abre mais essa oportunidade de fazer esse duplo papel. Eu acho que é o que dá sentido ao conhecimento técnico e ao teórico, que é ao mesmo tempo você estar produzindo conhecimento e estar ali conversando com um dirigente sindical, orientando, buscando passar algumas orientações, algumas pesquisas que possam estar alavancando a ação cotidiana dele. Esse é um dos aspectos mais importantes e interessantes, e eu acho que é o que dá muita vida e muita vontade de trabalhar numa instituição como o Dieese.
P1 – É até meio recorrente, porque várias pessoas que passaram por aqui e deram seu depoimento, elas falaram que diversas correntes de pensamento, partidárias, ideológicas, se cruzam aqui dentro do Dieese. E com todo esse plural, todo esse colorido, como é seu trabalho na Coordenação de Relações Sindicais?
R – Pois é, esse é o, vamos dizer, o desafio cotidiano do meu trabalho. Porque eu faço, na verdade, a coordenação, hoje, de 16 escritórios regionais do Dieese, articulo também o trabalho das subseções - que são as unidades do Dieese dentro das entidades sindicais - e tenho também essa atribuição que é de estar coordenando, articulando essa produção que é realizada pelos escritórios regionais e pelas subseções, com as demandas de trabalho das entidades sindicais. Então, o todo tempo eu estou sendo desafiado a fazer esse papel de articulador. E num quadro de muita adversidade, o que é extremamente positivo, do ponto de vista da realização do trabalho, que é isso que você expressou. Quer dizer, você ter que fazer a articulação desses trabalhos, sabendo que você vai estar dialogando com entidades sindicais, centrais sindicais que têm pensamentos diferenciados, leituras diferenciadas sobre a realidade. Mas têm muitos pontos de convergência. E o que o Dieese vem fazendo, e esse é um pouco o meu papel na parte de coordenação de relações sindicais, é identificando esses pontos de convergências, identificando essas demandas de trabalhos vindos das entidades sindicais e oferecendo um produto, uma pesquisa, um serviço que esteja de acordo com as necessidades das entidades sindicais.
P2 – Você entrou com qual função no Dieese?
R – Eu entrei como técnico da subseção de bancários do Paraná. Trabalhei de 1986 a 1991 como técnico dessa subseção, fui um dos coordenadores do que na época se chamava Linhas Bancárias. Então, eu fui coordenador de uma equipe de técnicos de subseções que trabalhavam junto a entidades bancárias. Posterior a esse trabalho na subseção, eu fui convidado a ser o supervisor do escritório regional do Dieese, no Paraná. Então, eu exerci esse cargo de supervisor até 1995. Daí, eu saí da supervisão do escritório do Paraná, fui fazer um curso de especialização em qualidade e produtividade, a convite do movimento sindical. E aí, retornei às atividades mais cotidianas do Dieese como membro da equipe de educação. Fui por muitos anos membro dessa equipe de educação do Dieese. No ano de 2001, final de 2001, início de 2002, o Dieese iniciou um trabalho, um projeto de capacitação de dirigentes e assessores sindicais, e eu fui convidado a coordenar um ponto desse programa, que era a organização de um conjunto de percursos formativos de apoio às atividades de educação sindical, que se chamaram no Dieese e no movimento sindical de kits, kit de formação sindical. Eu coordenei de 2002 até 2004 a elaboração desses kits. Na verdade, nos últimos anos, antes de assumir a coordenação de relações sindicais, eu estive muito vinculado a todas as atividades de educação do Dieese.
P2 – Você entrou então como técnico. Você trabalhava no Paraná, nessa época?
R – Isso, no Paraná. Fui supervisor do escritório do Paraná.
P2 – E você veio pra São Paulo?
R – Não. Até 2002, eu permaneci em Curitiba. Aí, quando houve o convite pra eu coordenar a execução desses kits, aí eu me transferi pra Florianópolis, porque o coordenador do projeto, o Clemente, que hoje é o Diretor Técnico, ele morava em Florianópolis e facilitava pra gente coordenar o projeto estando mais próximos. Então, saí de Curitiba, fui pra Florianópolis. Permaneço, em tese, até hoje lá. [RISOS] Mas o ano passado, em junho do ano passado, eu fui convidado a assumir a coordenação das relações sindicais, e venho assumindo essas tarefas da coordenação desde junho do ano passado, conciliando minha moradia. Uma semana em Florianópolis, uma semana em São Paulo.
P2 – Como que era esse trabalho com a educação que você fazia? Conta um pouco pra gente da equipe de educação.
R – Então, eu já em 94, o Dieese iniciou um grande Programa de Capacitação de Dirigentes e Assessores Sindicais, que é o PCDA. Eu fui aluno e também depois vir a ser professor, entre aspas, dessa atividade. Então, trabalhei na formatação desse programa de capacitação, trabalhava alguns conteúdos temáticos e sempre estava envolvido no desenvolvimento de seminários pro movimento sindical. E sobre diferentes temas. Naquela época, os seminários que o Dieese mais trabalhava eram seminários de negociação coletiva, então eram seminários de preparação do dirigente sindical pra fazer a negociação coletiva. Eu participei em boa parte dessas atividades. E daí quando mudou um pouco a agenda sindical, na década de 90, quando os sindicatos começaram a discutir outros temas além da questão salarial, ou mudando também o aspecto da própria remuneração, introduzindo discussão sobre participação nos lucros e resultados, produtividade, eu ajudei também na elaboração de conteúdos pedagógicos pra essa nova agenda do movimento sindical. E mais recentemente que eu tive essa oportunidade de ter um contato mais estreito com a área de educação, que foi na elaboração desses 18 kits de formação sindical, onde teve um trabalho intenso de discussão de concepção pedagógica. Porque o Dieese tem toda uma história relacionada com a educação, que rompe um pouco com os padrões tradicionais de se fazer formação sindical. Por isso que eu usei o termo professor, entre aspas, porque a gente não tem essa relação, no trabalho da educação, dessa forma com o movimento sindical. Porque uma das concepções que orientam o trabalho de formação do Dieese é que o conhecimento está presente em todas as pessoas. Então, o mediador ou a pessoa que está ali conduzindo a atividade de formação, ela, na verdade, tem que abrir oportunidade para que esse conhecimento apareça no grupo, e seja trocado, seja reconstruído, enfim. Então foi na elaboração desses kits onde eu tive um contato mais presente com a educação.
P2 – Como é a receptividade entre as pessoas, os alunos, no caso, sindicalistas, tal. Como é o uso, como eles recebem?
R – Então, o processo de construção desse material foi também interessante, porque, na verdade, nós construímos junto com os dirigentes sindicais. Nós primeiro fizemos uma consulta junto ao movimento sindical pra saber quais seriam os temas de interesse que a gente viesse a organizar nesses seminários. Então, fizemos uma consulta, eles indicaram os temas e todo o processo de construção, ele foi feito em parceria com as entidades sindicais. A gente fazia uma elaboração prévia do conteúdo dessas atividades, e depois fazíamos algumas experimentações junto com as entidades sindicais, pra ver se estava de acordo com os anseios deles. Então, o processo de construção sempre foi muito parceirizado. E eu acho que isso, somado a forma com a qual o Dieese trabalha a educação, tem dado, na nossa avaliação, excelentes resultados, né? Lógico que um conjunto temático desses, de 18 seminários, nem todos são utilizados, ou têm um uso cotidiano mais freqüente. Mas, boa parte deles têm sido usados com mais freqüência pelo movimento sindical. A aposta que nós fazíamos nesse material, era a seguinte também, e isso também está relacionado com a forma como a gente pensa educação, a nossa estratégia era de que a gente elaboraria esses seminários, indicando um percurso pra se fazer a conversa sobre um determinado tema. Mas que isso depois pudesse ser apropriado pelo próprio dirigente sindical, e ele mesmo fazer o processo de formação. De tal modo, que ele não dependesse do técnico do Dieese ou do especialista em educação pra poder executar essa atividade. Então, a nossa estratégia foi de buscar junto ao movimento sindical, aquelas pessoas ou aqueles dirigentes que trabalhavam com formação, contar toda essa trajetória de produção desse material, da concepção pedagógica que estava por trás disso e oferecer através desse diálogo a oportunidade pra que esse dirigente pudesse, né, ele mesmo, realizar essas atividades de formação. Eu diria que esse resultado ainda está muito incipiente, porque coincidiu exatamente num momento de crise das escolas sindicais, né? O término desse trabalho que nós fizemos com os kits, foi num momento em que houve uma crise nacional, por restrições financeiras oferecidas ao movimento sindical. Então, o formador, o dirigente sindical que trabalhava com formação, ele na verdade ficou um grupo muito reduzido e a gente não teve essa capilaridade de estar espalhando esse processo de formação mais descentralizado. Mas existem algumas iniciativas de vários sindicatos que atestam que isso é possível, mas a amplitude nesse momento ainda não foi a que a gente imaginava. Mas, de modo geral, a experiência está sendo bastante razoável. São mais de 400 horas de formação que estão à disposição do movimento sindical.
P2 – Depois você mudou pra coordenação, né? Como você sentiu essa mudança?
R – Pois é, na verdade, lógico que cada atribuição nova é sempre um desafio, mas pela minha própria trajetória no Dieese, esse é um aspecto interessante também do ponto de vista institucional, né? O Dieese tem os eixos de trabalho dele, que é a pesquisa, a assessoria e educação. E a gente vem ao longo dos últimos anos trabalhando, sob o ponto de vista institucional, a ideia de que o técnico do Dieese, ele era um técnico que deveria ter a capacidade de trabalhar com essas três dimensões, com esses três eixos de trabalho. Não deveria ser um técnico especialista só em educação, não deveria ser um técnico especialista só em pesquisa e não deveria ser um técnico especialista só em negociação. E eu, pela minha trajetória no Dieese, eu acabei podendo ter essa oportunidade de estar tomando contato com essas dimensões. Meu trabalho de subseção foi um trabalho muito voltado pra negociação, um pouco de pesquisa, talvez a pesquisa mais presente no trabalho do escritório. E depois essa minha inserção nas atividades de educação. Isso me deu um conhecimento institucional e uma possibilidade de estar assumindo essa coordenação, tendo já essas três dimensões integradas na minha forma de trabalhar. Isso me facilitou, o fato de eu conhecer um pouco a realidade dos escritórios regionais, ter sido técnico de subseção e ter tido essa experiência de educação, me facilitou esse desafio de trabalhar na coordenação de relações sindicais, que é uma coordenação que na verdade está o tempo todo vivenciando essas três dimensões de trabalho do Dieese.
P1 – O senhor representou o Dieese no Fórum Social Mundial. O que o senhor tirou dessa situação?
R – Olha, a minha participação no Fórum, na verdade, foi naquele momento em que eu estava vinculado às atividades de educação. Participei, na verdade, do Fórum Social da Educação. Não participei do Fórum como um todo. Acho que ali, na verdade, foi uma experiência bastante interessante, do ponto de vista de estar conhecendo a realidade, a forma de trabalhar as questões de educação em diferentes países. Mas, eu acho que do ponto de vista do trabalho do Dieese, foi uma confirmação, né, de que toda a concepção de trabalho nosso na área de educação, ela era uma experiência, do ponto de vista do contato que nós tivemos com outros países, diferenciada. Enfim, bastante reconhecida do ponto de vista dos atores que a gente pode estabelecer de contato no Fórum.
P1 – Quando eu penso no Dieese, e eu tiro isso de todas as entrevistas que
a gente já fez, a gente vê que ele se tornou muito múltiplo, numa gama de pesquisas. A gente vê na história dele que começou com pesquisa de índice do custo de vida. O que o senhor vê como economista daqui pra frente, nesse aspecto?
R – Eu acho que olhando pra história dos trabalhos do Dieese, a gente tem períodos bem demarcados, o que inclusive orienta o trabalho da coordenação hoje e orientaram no passado. Você teve a década de 80 toda marcada por uma grande discussão na agenda sindical, que era a discussão em torno da reposição salarial. Então, boa parte da agenda sindical, no período da década de 80, estava dominada por essa discussão dos reajustes salariais, que tinha a ver com a conjuntura da época: inflação alta, dos planos econômicos que sumiram com boa parte dos reajustes de salário. Então, as atividades da coordenação que cuidava das subseções e escritórios estava muito focada nessa agenda. Na década de 90, essa agenda começa a se ampliar um pouco mais. Então, você tem aí outros trabalhos, outras demandas do movimento sindical, fruto da nova conjuntura econômica. Então, esse programa de capacitação que eu falei pra vocês, o PCDA, surge da necessidade do movimento sindical entender o processo de reestruturação produtiva que as empresas estavam passando. Isso já colocava um outro ponto na agenda nacional. Então, a década de 90 é uma década de ampliação da agenda de negociação sindical. Saiu, vamos dizer, do foco exclusivo da negociação salarial e é combinado com outros temas, por exemplo, emprego. A questão do emprego aparece muito forte e os programas do Dieese, da coordenação, vão estar muito voltados pra atender essas questões relacionadas ao mercado de trabalho, a questão da reestruturação produtiva, que são temas novos que vão entrando na agenda. Na era dos anos 2000, você tem também uma confirmação dessa ampliação da agenda, né, pras questões, o que sinaliza um pouco o que vai se firmar daqui pra frente, você tem uma série de demandas sindicais. De um lado procurando o Dieese no sentido de estar oferecendo às entidades sindicais um conhecimento mais detalhado sobre o setor em que a entidade sindical representa. Então, nós somos chamados a fazer análise de desempenho de setores, de empresas, com muito mais frequência do que a gente fazia no passado. Como houve um processo também de renovação muito acentuado das lideranças sindicais, então há uma necessidade hoje de as entidades sindicais conhecerem a categoria. Então, trabalhos hoje que são muito demandados ao Dieese são estudos de perfil de categoria. As entidades sindicais querem conhecer quem é essa base que elas representam, em parte porque houve uma renovação das lideranças sindicais, em parte porque também houve uma mudança no perfil da categoria. Então, essa agenda temática vai se ampliando pra questões mais focadas pra categoria e também pra questões, e eu acho que aí sinaliza um pouco pra frente, de uma relação que começa a se estabelecer mais forte entre as entidades sindicais e os interesses mais gerais da sociedade. Então, você tem uma conjugação de demandas de trabalho que de uma certa maneira olham pra própria categoria, e outras que deslocam esse olhar pra fora da categoria. Então, muitas discussões, por exemplo, em torno das políticas públicas, voltadas aí pro emprego, pra inclusão social, pra qualificação profissional, já são um sinal um pouco diferente dessa agenda do movimento sindical. Acho que sinaliza um pouco os trabalhos pra frente do Dieese. E questões que também dialogam com o histórico de negociações do movimento sindical, que são as questões relacionadas à remuneração. Só que com um foco diferenciado. Então, hoje, as discussões em torno dos problemas de participação nos lucros e resultados, a produtividade, são outras formas de abordar a questão da remuneração, que eu acho que vão estar mais presentes na agenda sindical daqui pra frente.
P1 – Em dado momento da sua resposta, você falou dessa questão da sociedade. Você acha que o Dieese, ele devolve uma demanda que nasceu do movimento sindical pra nossa sociedade?
R – Se o Dieese devolve uma demanda?
P1 – Se ele é importante? Colocar noutra palavra...
R – Eu acho que o Dieese tem uma contribuição muito importante pro movimento sindical e pra sociedade. Uma coisa que me marcou muito na minha história no Dieese, foi um depoimento que um ex-diretor técnico do Dieese, o Walter Barelli, deu há uns anos atrás. Ele já não pertencia mais aos quadros do Dieese, e ele conta a história toda de produção do Dieese sobre o custo de vida e num determinado momento falou: “Esse trabalho do Dieese teve uma repercussão extremamente positiva e presente na distribuição da renda do país, através de vários indicadores...”. Eu acho que a constatação disso, que o Dieese em certa medida, ao denunciar nos anos anteriores o sumiço da inflação, a maquiagem dos índices inflacionários e não permitir com esse trabalho que a renda do trabalhador, do assalariado fosse, tivesse sido mais reduzida ainda, é o espelho, o retrato da importância do Dieese. Não só pra aquela categoria ou pra aquela entidade sindical, mas pro conjunto da sociedade. Então, no que se refere a esse ponto da questão nacional, que é uma melhoria da distribuição de renda, uma bandeira do movimento sindical, acho que o Dieese teve uma atuação extremamente importante, decisiva, nesse debate.
P2 – As pessoas com quem a gente tem conversado, demonstram um envolvimento muito pessoal com o Dieese. Eu quero saber se isso acontece também com você? Como você encara isso, na sua vida pessoal?
R – Bom, faz 20 anos que eu não trabalho em outra, não tenho outra atividade a não ser trabalhar no Dieese, né? Eu me sinto hoje com a mesma perspectiva de 20 anos atrás. Ou seja, não escolhi um emprego, escolhi um trabalho. E um trabalho voltado pra um determinado lado da sociedade, no caso a classe trabalhadora. Então, meu envolvimento com o Dieese é diário, cotidiano. Essa minha situação pessoal de estar administrando a família numa cidade e o trabalho numa outra, é um pouco o retrato desse meu envolvimento. Quer dizer, é um trabalho muito prazeroso, dignificante pra mim, cheio de muito sacrifício pessoal. E eu só tenho disposição pra estar me distanciando em alguns momentos da família, deixando de ver alguns pedaços importantes do crescimento das minhas filhas, da relação com a minha mulher, porque eu tenho esse trabalho do Dieese como algo muito forte, muito importante pro significado da minha vida. Então, eu me sinto hoje, podendo realizar esse trabalho, com a mesma vontade os mesmos princípios que eu tinha a 20 anos atrás.
P2 – Como fica isso pra sua família?
R – É muito custoso, né, não é muito fácil de se coordenar esse distanciamento. Hoje é mais, a um e meio pra cá o que mais vem tensionando as relações em casa são as viagens. Mas mesmo quando estava realizando um trabalho na mesma cidade onde morava, a dedicação, enfim, os trabalhos além da jornada normal, os trabalhos de final de semana sempre, na verdade, traziam uma certa indisposição familiar. Então, não é fácil. Agora, de outro lado eu tenho a compreensão deles, né, no sentido que eles identificam a importância desse trabalho pra minha vida, a importância desse trabalho, do significado social desse trabalho, e isso acaba superando um pouco essas dificuldades. Mas nem todas. [RISOS]
P2 – A sua esposa e suas filhas trabalham, estudam?
R – A minha esposa, a formação dela é em antropologia. Infelizmente, eu gostaria até que os economistas e que até o próprio Dieese pudessem estar tendo um diálogo interdisciplinar maior, a ponto de trazer uma compreensão maior da realidade, através desse diálogo com diferentes disciplinas e ciências. Mas, ela trabalha com antropologia, com questões ligadas ao meio ambiente. A minha filha mais velha está na metade do curso de enfermagem. Acho que não vai ter nenhum assessor sindical em casa. [RISOS]
P1 – Você está aqui no Dieese há 20 anos. Tem algum fato marcante pra você, aquele fato que você para e pensa, que vem a sua memória a respeito da sua história no Dieese?
R – Tem. São vários episódio, mas talvez um fato mais marcante que expressa esse envolvimento, essa capacidade de entrega que a gente tem, às vezes sem limites, ao trabalho que você faz, foi a negociação em torno da pesquisa de emprego e desemprego, no Paraná. O Dieese tem essa pesquisa hoje em várias capitais. E nós tínhamos há alguns anos atrás em Curitiba essa pesquisa. E por conjunções políticas daquele momento, o governo do estado ameaçou romper o convênio com o Dieese em torno da realização daquela pesquisa. E aquilo naquele momento mobilizou muito empenho pessoal, muito processo de diálogo com governo, com a sociedade, e acho que marcou muito a realização do meu trabalho no Dieese. Por conta desse processo, a gente viveu situações as mais inusitadas possíveis, né? Nós fomos uma vez numa reunião do Conselho Estadual de Emprego, onde havia, por parte de lideranças sindicais ali, a vontade de estar sequestrando membros do conselho, acorrentando as pessoas numa sala pra terem uma definição sobre a continuidade ou não da pesquisa. A gente viveu esse momento de tensão muito presente. Como desdobramento disso, a gente teve várias reuniões, vários embates técnicos com a Secretaria de Planejamento do Estado, onde nós tivemos que colocar o ponto de vista do Dieese na pesquisa, um debate público na imprensa. Enfim, foi um momento de muita efervescência em torno da discussão do mercado de trabalho. E talvez o episódio mais inusitado tenha sido uma tentativa de negociação que nós tivemos que fazer com o líder do governo na Assembléia Legislativa, que era um Deputado do Paraná, que, enfim, naquele momento, naquela conjunção política da época, era o que dominava a Assembléia Legislativa. Tinha uma boa interferência no executivo e também no Judiciário, né? Então, o apelido dele era Buda. Era uma pessoa tal qual um Buda. Fisicamente, parecia muito com um Buda. E nós tivemos que fazer uma negociação com o Buda pra ver se conseguia manter a pesquisa de pé. E esse parlamentar já tinha a prática de receber em casa essas demandas, enfim. E nós fomos. Marcamos às sete horas da manhã um café na casa desse parlamentar. Ele é até de origem e árabe, que nem eu, e chegamos lá, disse: “Deve ser uma negociação só entre nós”. Que nada. Já tinha uma romaria de parlamentares, de prefeitos, porque o grau de influência dele era grande. E aí nós sentamos numa mesa, uma mesa de café enorme, tal. E ele, pé descalço no chão, só olhando a televisão. E a gente falando, falando, e ele não dava a menor atenção pra... Até que em algum momento, nós colocamos alguma situação, que ele identificou que seria uma oportunidade também política importante pra ele. Ele balbuciou algumas duas palavras lá. [RISOS] Nós ficamos conversando com ele uma meia hora e ele falou: “Hãhã, está bom”. Encerramos o assunto e fomos embora. Mas isso, além desse episódio meio trágico, meio cômico, mostra um pouco essa capacidade que o Dieese tem de estar buscando a interlocução onde ela é possível. Acho que esse é o grande aprendizado, o grande significado que fica pra mim dessa situação e de outras semelhantes que eu vivi no Dieese. Essa capacidade de dialogar, de tentar fazer essas costuras sem perder os valores, os princípios que orientam nossa atividade profissional. Quer dizer, nós não fomos lá nos vender, não fomos lá barganhar, negociar a pesquisa. Ao contrário, mostrar que ela era importante pra referenciar as políticas públicas do Estado. E tivemos que passar por toda essa romaria com o Buda e com todos os outros membros lá.
P1 – Do seu ponto de vista pessoal, qual a maior contribuição que o Dieese dá ao movimento sindical?
R – Eu acho que a maior contribuição é justamente poder, através dessa instituição, estar promovendo o diálogo intersindical. Isso não sou só eu que estou falando, as próprias centrais sindicais, o próprio movimento sindical reconhecem que esse é um dos grandes méritos da existência do Dieese. Tanto é que, vocês já devem ter ouvido isso, ele é uma experiência ímpar no mundo. Então, essa possibilidade que o Dieese abre de estar promovendo o diálogo intersindical, é o grande feito, a grande cara da instituição. E lógico que não faz isso sem ter todo um aparato técnico, de produção, de subsídio e apoio à ação sindical. Mas o fato de ele ter e preservar esse caráter intersindical, de poder fazer com que o movimento sindical, através do Dieese possa dialogar e convergir naquilo que é possível, acho que é o grande, a grande contribuição que o Dieese dá ao movimento sindical e a própria sociedade. Mostrar que apesar de terem algumas diferenças, você pode dialogar e trabalhar naquilo que, em cima dos pontos de convergência.
P1 – E da sua vivência pessoal, qual a maior lição que você tira pra sua vida, com base com o que você viveu aqui no Dieese?
R – Olha, eu acho que o Dieese tem pela característica do seu trabalho, ele tem, talvez uma expressão importante pra mim do trabalho do Dieese, é a capacidade de a gente trabalhar coletivamente. Acho que isso é uma marca importante na trajetória pessoal e profissional. Das experiências que eu tive de trabalho anterior e de conversas que você tem com outros colegas de outras áreas de trabalho, eu acho que essa marca de trabalho coletivo é extremamente importante. Acho que a gente ainda tem muito a crescer, muito a aprimorar. Mas o fato de a gente estar trocando experiência, trocando conhecimentos, o fato de você estar mexendo no texto de um teu colega, ele estar mexendo no teu trabalho, isso são poucas as organizações que abrem essa oportunidade de dialogar coletivamente. E de outro lado a questão da identidade, né? Eu acho que boa parte dos técnicos, dos funcionários que estão no Dieese, estão hoje por um compromisso, por uma opção de trabalho, de vida. Acho que isso é difícil de você reconhecer em outros espaços de trabalho. Acho que isso que dá unidade, que dá tesão pelo trabalho, que te mobiliza pra enfrentar os desafios, as intempéries. Eu tenho comigo isso muito presente. A hora em que eu não acreditar que o meu trabalho está sendo útil, está a serviço da classe trabalhadora, eu vou buscar outra coisa pra fazer na minha vida. Mas esse compromisso eu tenho muito presente comigo. No Dieese, o trabalho coletivo, que essa visão que outros colegas têm, te alimentam pra estar realizando esse trabalho.
P2 – Você acha que essa capacidade de diálogo que existe no Dieese, que as pessoas falam bastante também, quando você entrou no Dieese, começou a trabalhar dessa forma, acha que isso influenciou na sua vida pessoal? Ser uma pessoa que dialoga mais?
R – Eu te confesso que a minha característica pessoal já era um pouco essa. Acho que o Dieese veio reforçar e demonstrar que esse tipo de atitude, não só do ponto de vista profissional, mas pessoal, ela vale a pena. Então, acho que ele me confirmou essa possibilidade.
P2 – Talvez você tenha ficado no Dieese até por já ter essa identidade?
R – Por ter encontrado nele o espaço pra estar podendo exercitar esse meu lado que eu já trazia.
P2 – O que você acha, pensando na história do Dieese que a gente acabou de falar aqui – o Dieese teve vários momentos de crises – que você acha de agora, nesse momento, ele estar investindo nesse projeto de memória? Como você encara isso?
R – Bom, eu sou um entusiasta dessa ideia já de muitos anos, né? Acho que uma instituição como o Dieese, com a história que tem e não ter tido oportunidade de fazer esse investimento na memória, eu achava que era uma lacuna extremamente ruim, do ponto de vista institucional. Eu vejo que essa oportunidade que a gente está tendo de fazer esse trabalho de registro, ela é fundamental. Fundamental não só pra estar registrando nesse momento o que foi o trabalho do Dieese, mas estar contribuindo pra outras organizações, outras instituições, contando um pouco dessa história. Eu, por muitos anos, trabalhei em escritório regional, acho que a capacidade de registro e resgate de memória fora de São Paulo é mais complicada ainda, então acho que esse registro é extremamente importante do ponto de vista institucional.
P2 – E o que você achou de ter participado desse projeto?
R – Do projeto de memória? O que eu acho é que me sinto muito, [RISOS] muito honrado em poder dar uma parte do testemunho, de na qualidade de coordenador de ter possibilitado abrir dentro dos leques de trabalho institucional, enfim, com várias demandas, com várias projetos que a gente vem tocando, de parar um momento e falar: “Vamos olhar pra nossa história, vamos ver quão bonita ela é”. Acho que isso, do ponto de vista das pessoas que estão chegando e de nós que estamos um bom tempo, só vem recarregar nossa bateria. Parar e falar assim: “Puxa, nós já fizemos tanta coisa. Tanta coisa linda, tanta coisa que deu errado”. [RISOS] Mas o saldo aí é positivo. Isso renova pra gente que está há muitos anos trabalhando no Dieese a capacidade da gente se doar e se entregar nesse projeto.
P1 – É isso. Obrigado.
R – Obrigado vocês.Recolher