Vale do Rio Doce
Depoimento de Cléver Pires Bretas
Entrevistado por: Paula Ribeiro e I. C. Vilarraga
Rio de Janeiro, 7/8/2001
Realização Museu da Pessoa
Código: CVRD_HV098
Transcrito por Andréa Afonso
Revisado por Leonardo Sousa
O depoimento começa pela frase abaixo:
P/1 - ... seus pais, os ...Continuar leitura
Vale do Rio Doce
Depoimento de Cléver Pires Bretas
Entrevistado por: Paula Ribeiro e I. C. Vilarraga
Rio de Janeiro, 7/8/2001
Realização Museu da Pessoa
Código: CVRD_HV098
Transcrito por Andréa Afonso
Revisado por Leonardo Sousa
O depoimento começa pela frase abaixo:
P/1 - ... seus pais, os nomes deles, a origem, por favor?
R - Meu pai, Manuel de Alvarenga Bretas, nascido em Santa Maria de Itabira e minha mãe Lucia Pires Bretas, nascida também em Santa Maria de Itabira.
P/2 - O senhor conhece um pouco a origem da família, a ascendência paterna, materna, um pouco dessa história familiar?
R - Um pouco. O Bretas pela árvore genealógica de alguns parentes que trabalharam nisso dizem que é espanhol. Os meus avós são os fundadores da cidade, aqueles que construíram, inclusive a estrada que liga ou que ligava Santa Maria a Itabira, porque hoje a estrada já está toda asfaltada, modernizada. Mas eles trabalharam muito no desenvolvimento da cidadezinha, que até hoje é pequena a cidade de Santa Maria de Itabira.
P/2 - Tem parentes lá ainda? Tem ______?
R - Muitos, muitos parentes, tem muitos parentes lá.
P/1 - E seus avós? O senhor conheceu os seus avós?
R - Não, eu sou caçula de pais caçulas, entendeu? O meu pai é caçula, a minha mãe é caçula e eu sou caçula. Então, por causa disso eu não conheci nenhum dos meus quatro avós. Então, não tenho nenhuma lembrança deles porque realmente não tive oportunidade de conhecê-los.
P/1 - E a profissão de seu pai, qual era?
R - Meu pai era comerciante quando veio... nasceu em Santa Maria e se casou lá e depois disso foi para Itabira para poder estudar o filho mais velho que tinha se formado naquela época no Grupo, no primário e Santa Maria não tinha então ginásio naquela época, também. Então, ele se mudou para Itabira. Chegou a trabalhar na Vale como caminhoneiro até... na Vale e para a Vale transportando minério de ferro num velho caminhãozinho que ele tinha e depois, passados quatro anos que esse irmão mais velho também se formando no ginásio, ele se viu forçado a ir para Belo Horizonte para poder dar continuidade aos estudos dele. Dele e dos outros irmãos que viam sempre atrás, né? Então, eu morei muito pouco tempo em Itabira, saí de Itabira aos 3 anos de idade em 1957 e por causa disso o meu pai adotou efetivamente a profissão de caminhoneiro. Trabalhou em muitas coisas e durante uma certa época da vida dele ele teve um problema de coluna, chegou a ficar hospitalizado e depois até engessado boa parte do corpo e nessa época que ele precisava de trabalhar, trabalhou com gesso e tudo, no corpo como taxista. Depois, então ele se curou e voltou a ser caminhoneiro. Viajou o Brasil inteiro como caminhoneiro.
P/2 - Ele tinha um caminhãozinho?
R - Tinha um caminhão. Tinha um caminhão dele. Eu cheguei a viajar muitas vezes com ele. Ele chegou a escrever um livro chamado “Um caminhão na minha rota”, e a gente editou o livro inclusive depois da morte dele.
P/2 - Ele rodava o país com essa frete?
R - Pela frete. Pelo Brasil afora: Belém, São Paulo, Rio. O sul ele nunca foi muito não, mais para o norte, nordeste: Recife, Salvador ele foi muitas vezes. Eu cheguei, enquanto criança, cheguei a fazer algumas viagens com ele que gostava muito.
P/2 - Você lembra para onde você foi? Você lembra alguma viagem dessa especial, assim não?
R - Lembro uma que ele cita no livro que é... nós saímos de Belo Horizonte e fomos a Brasília e a ideia era voltar para Belo Horizonte. Aí surgiu alguma coisa - eu tinha cinco ou seis anos nessa época - tivemos que vir para São Paulo direto de Brasília e aí ele tinha que ter recebido um frete e lá nessa situação de não ter recebido e ele recebeu o total do frete só em São Paulo foi quando, um dia, o dinheiro já estava acabando e a gente tinha que se alimentar e eu falei com ele para pagar um sanduíche para a gente porque aquilo resolvia. Eu fiz várias viagens com ele mesmo.
P/1 - Ele contava história do começo lá da vida dele com o caminhãozinho transportando minério para a Vale do Rio Doce?
R - Para a Vale ele contava mais não foi muito tempo porque Itabira ele passou três, quatro anos só. Foram quatro anos porque foi o tempo do meu irmão começar na antiga primeira série do ginásio até a quarta. Ele contava muito do tempo que ele morava em Santa Maria que naquela época, embora fosse caminhoneiro, era quem trazia as novidades da capital. Vamos voltar bastante no tempo, aí uma cidadezinha bem pequena onde o sistema e comunicação daquela época era praticamente nenhum. Então, era ele que conseguia levar tecido para as mulheres, fazia as compras, sapatos, móveis. Então, embora fosse caminhoneiro ele era muito comerciante. Ele ia lá buscar praticamente iguarias, vamos dizer assim, naquela época.
P/2 - Ele era esperado ansiosamente.
P/1 - Era esperado e era também o meio de transporte das pessoas que não tinham como... não tinha ônibus, as pessoas andavam literalmente na carroceria do caminhão. E era um caminhão muito pequenininho, de duas toneladas, coisa assim, bem reduzida mesmo, só que para aquela época era o maior que tinha. Eu tenho fotografias do caminhão, dele, tudo. De Itabira eu lembro muito pouco porque eu saí de Itabira com três anos. Então, me lembro muito pouco da casa que a gente morou lá e eu não cheguei a estudar em Itabira naquela época, a gente ia para a escola com seis anos, por aí. Então, não lembro de quase nada de Itabira.
P/2 - Em BH, para que bairro você foi morar, como era essa casa que você se mudou?
R - Bem, fomos morar num bairro chamado Gutierrez. Era o início do bairro, numa casa alugada. Ficamos lá um ano só e fomos morar num outro bairro chamado Barroca e que lá sim nós moramos muitos anos. Eu até hoje tenho muitos amigos lá, muita gente que a gente se relacionou naquele lugar, foi lá que tinha um campinho de futebol que a gente jogava toda a tarde depois da escola. Foi aí que meus irmãos também todos tinham suas relações alí.
P/1 - Quantos vocês são? Quantos irmãos?
R - Somos seis: cinco homens e uma moça.
P/2 - Todos com “Cle”, como se diz?
R - Tem uma exceção, que foi uma promessa ao padre Eustáquio lá de Belo Horizonte que na época que minha mãe estava grávida, ela teve, naquela época, uma doença séria de tuberculose, então ela fez uma promessa e tal então ele ficou com o nome de Eustáquio. E é o quarto na escala, três acima de mim.
P/1 - E como são os nomes de seus outros irmãos?
R - Cléber, é o mais velho. Aliás ele se chama Cléber Manuel porque na época que ele nasceu e foi batizado, o padre de santa Maria e Itabira não batizava ninguém que não tivesse nome de santo. E Manuel nem santo é mas é de Emanuel.
P/2 - Ele não batizava?
R - Ninguém que não tivesse nome de santo, então ele ficou com o nome de Cléber Manuel. O segundo, eu acho que já tinha mudado de padre ou o padre já tinha morrido e o nome dele é Clénio; o terceiro Clécio, o quarto Eustáquio, a minha irmã é Clemilda e eu por falta de opção acabei, o meu pobre pai nem sabia, mas acabou me dando o nome de Cléver, que mais tarde eu fui saber que em inglês tem um significado. Mas os meus pais não imaginavam. A história que eles contam para mim é que na época não tinha assim, eles estavam pensando, eu realmente nasci fruto de uma gravidez inesperada, um parto muito difícil e que acabou precisando de algum um nome. Então, talvez por isso, a minha família toda torcedora do Atlético, naquela época tinha, na década de 50, tinha um jogador lá com o nome de Clever. Quer dizer, não que fosse por causa dele, mas a oportunidade de achar um “Cle” daquele jeito foi a partir disso.
P/1 - Como é que era a sua casa sem a presença do pai? O pai viajava muito. Como é que era a rotina um pouco da sua casa?
R - Eu acho que era uma casa muito boa, de muita união e tal. E a presença dele era muito muito esperada sempre, acho que era muito boa, a relação sempre foi muito boa. Como muitos homens, lógico que na nossa, na minha não porque na minha juventude eles já eram um pouco mais velhos que eu, meus irmãos, mas eles eram, os jovens daquela época que faziam o que talvez hoje um jovem faz, talvez com aquelas modas daquela época, não é? Mas me lembro da euforia por Roberto Carlos, da euforia por... Para mim, Roberto Carlos já nem tão importante foi na minha juventude, mas me lembro bem disso, da grande proteção que eles tinham com a minha irmã que era a única. Era interessante, mas era muito a nível de esperar o fim de semana para vestir uma roupa bonita. Sair era uma época de muita turma em Belo Horizonte, o que já não aconteceu comigo. Quer dizer a gente tinha turma mas não era uma turma, era mais restrita, de menor. Naquela época deles a turma era maior, era... até se encontrava frequentemente, fazia as suas festas mais frequentemente. Na minha época não, a gente já tinha um grupo mais restrito de cinco ou seis, sete, de estar saindo o fim de semana, estar indo a algum lugar.
P/2 - Tinham programas familiares, Clever? Tinham passeios de final de semana com a família?
R - Nem tanto. Muito ao interior, quando a gente tinha um evento. A minha casa sempre foi uma casa de apoio da família em Belo Horizonte. Meu pai praticamente foi o pioneiro em Belo Horizonte. Então, aí todo mundo que tinha alguma coisa para fazer em Belo Horizonte, se tratar, comprar alguma coisa, se hospedava na minha casa. E até muitos primos meus moraram na minha casa, na casa dos meus pais, por causa de ser o pioneiro de lá e a oportunidade deles poderem estudar em Belo Horizonte, muitos primos. Talvez oito, dez, em épocas diferentes, mas muitos deles estudaram... A família do meu pai é muito grande, a família da minha mãe também é muito grande. Então, muitos deles estudaram, moraram muito tempo em Belo Horizonte na casa dos meus pais.
P/2 - ...muito cheia?
R - Sempre muito cheia. Cheia porque a família já era grande e cheia porque sempre tinha alguma visita do interior.
P/1 - Mas vocês iam a Itabira, voltavam?
R - Íamos muito. Eu mesmo de férias passava em fazendas, na infância, na juventude já nem tanto. Mas na infância voltava muito, não gostava muito de ficar fora de casa, não. Mas gostava muito de ir para a fazenda, de me divertir numa fazenda. Numa cidade pequena que era Santa Maria que, embora eu seja de Itabira, a maioria dos meus parentes são de Santa Maria, que era onde eu podia me locomover sem depender de ninguém, a cidade é muito pequena. Então, era mais fácil Santa Maria do que outro lugar qualquer.
P/1 - E a educação religiosa, vocês tiveram formação religiosa dentro de casa?
R - Meus pais sempre foram muito católicos e a gente desde lá segue essa linha do catolicismo. Embora não desacredite de nada, quer dizer, eu nunca saí dessa linha, não. Não posso dizer que eu seja um católico fervoroso, mas, na medida do possível a gente tenta seguir a linha do catolicismo. Atualmente vou à missa aos domingos e tal e entendo que as coisas que são ditas lá e aquele momento é um momento de reflexão semanal que a gente faz e de alguma maneira a gente consegue refletir sobre a semana, sobre a gente, sobre o que está acontecendo naquele momento.
P/1 - E em relação aos estudos, os pais incentivavam, vocês cedo precisam trabalhar, como é que foi isso?
R - Sem duvida, né, por que meus pais foram sempre se mudando de Santa Maria para Itabira, de Itabira para Belo Horizonte, em função dos filhos para poder dar oportunidade de estudar. E ele sempre fizeram muito gosto, tiveram muito gosto que nós todos estudássemos. Eles participavam efetivamente, naquela época nem tantas escolas existiam. O obstáculo do vestibular era muito forte, muito forte a nível de ser muito difícil alguém conseguir ultrapassar esse obstáculo. Então o primeiro irmão que passou nesse vestibular foi festa e quando se formou foi festa. E por aí afora.
P/2 - Passou em quê?
R - Em engenharia mecânica. Foi o primeiro ano da escola, da Católica de Belo Horizonte, atual PUC. Mas foi o primeiro ano de funcionamento, não me lembro o ano, não, mas deve ser 70, por aí que ele deve ter passado no vestibular, talvez um pouco antes até.
P/2 - Você estudou onde em Belo Horizonte? Em quais escolas?
R - Bem, eu estudei... aliás eu tenho um caso interessante: Eu era do interior, a família era do interior e quando eu fui estudar, meus irmãos todos quando começaram a estudar, estudaram, foram para o primeiro ano do então grupo primário daquela época. E eu insisti muito para começar um ano antes. Então no meu primeiro dia de aula, naquela época no jardim de infância, eu fui para o jardim de infância, e minha mãe era do interior e lá no interior as coisas eram mais simples e eu tinha toda a liberdade nessa época e foi no primeiro dia de aula, eu fui para a aula e a tarde a aula terminou foi muito boa e tal, as mães de todos os meus colegas foram buscá-los e a minha mãe não apareceu, o pessoal não quis deixar eu sair. Eu sabia ir embora para casa, sabia como, mas ninguém me deixou sair. Lá pelas oito, nove horas da noite, a minha mãe sentiu falta de mim, aí que foi lá me buscar. E até, de uma certa forma, insistiu e perguntou porque eu não tinha ido embora. Eu não tinha ido embora porque eu não tinha sido permitido, autorizado sair. Mas, aí, até mudei de escola depois para uma outra escola mais perto de casa e tal e fiz realmente essa preparação para o primário. Mas o primário, você perguntou, eu estudei numa escola, eu estava começando numa escola pequena de religiosas chamado Regina Passes, até hoje existe em Belo Horizonte, um pouco maior, não tão grande e foi lá que eu fiz o primário todo, estudei lá o primário todo. O ginásio até também tem uma coisa interessante porque um dia o meu pai não sei porque cargas d’água estava lá na barroca trabalhando, talvez preparando o caminhão para alguma viagem, e chega o pai de um colega meu e pergunta para ele se eu era filho dele. E a resposta que passou pela cabeça dele foi: “Será que esse menino fez alguma coisa de errado?” E aí o pai desse meu colega... Eu também não sabia de nada, não. E aí o pai desse meu colega perguntou se ele aceitava uma bolsa de estudos para mim. Aí ele aceitou. E aí foi que eu fui fazer o ginásio então num colégio salesiano lá no... na época era um pouco distante do lugar que a gente mora, morava. Para hoje são distâncias não tão grandes, mas aí fiz o ginásio todo num colégio salesiano.
P/2 - Mas porque que ele ofereceu a bolsa?
R - Porque..., bem, porque eu era amigo do filho dele e a gente às vezes ia a casa dele e ele sentiu alguma coisa que ele queria... esse moço tinha alguma relação na secretaria de educação, então ele tinha algumas bolsas de estudo que ele sempre dava a quem quisesse e ele achou por bem que tendo me conhecido na relação com o filho dele lá, ele achou por bem fazer.
P/1 - Mas você era um aluno aplicado? Você estudava?
R - Olha, eu nunca fui um grande aluno, não. Eu acho que eu sempre fui muito esforçado, mas eu nunca fui um aluno a nível de ficar tirando grandes notas. Nunca tomei bomba, mas também não fui assim de dar trabalho também, de também ficar com alguma matéria pendurada, ou alguma coisa desse tipo, não. Mas sempre mediano, vamos dizer assim, para bom mas sem ser nenhum melhor aluno da sala, nada disso. Até porque, quer dizer, mais velho a gente começa a entender o que que é isso: a minha maior habilidade são em relações, quer dizer, o meu negócio não são fazer as contas certas, chegar ao resultado certo. Não que seja impossível disso acontecer, mas não é a minha maior habilidade.
P/1 - Eu ia perguntar justamente isso: quais eram as suas maiores habilidades? O que você gostava mais de estudar?
R - Eu sempre fui muito bom em história e geografia, essas coisas. Não porque história e geografia sejam uma coisa assim, mas acho que é porque isso está mais afeto a minha habilidade, Ter boas relações, não ficar assim tão preso, trabalhar muito com números e com, dessa maneira. Não que isso não seja possível, é possível, eu nunca tive grandes dificuldades não. Mas a minha maior habilidade é trabalhar com relações.
P/2 - E em termos de amigos nesse período já de adolescência, Cléver, que tipo de programa vocês faziam, bailes, etc., onde vocês frequentavam, como que era um pouco essa juventude de Belo Horizonte?
R - Bem, até hoje tenho boas relações com esses amigos de juventude, não é? A gente foi jogador de futebol, por exemplo, cheguei a disputar campeonato de Belo Horizonte de futebol de salão, sempre com futebol de salão porque com algo maior a gente não tinha tempo e tinha que estudar, e a prioridade era estudar. Até oportunidades não faltaram de poder estar indo para um clube maior, alguma coisa assim, mas a gente nunca fez assim tanta força para ir para um clube maior não. Cheguei até treinar no Atlético algumas vezes, mas desisti logo porque vi que não era, meu negócio era outro. Bem, a gente tinha alguns encontros assim de esquina nada combinados com alguns mais próximos, nós íamos nas antigas horas dançantes do Barroca aos sábados. O Barroca era um clube, o Barroca Tênis Clube. E era lá que a gente passava, eram as nossas maiores festas e nossos maiores divertimentos. Embora também o próprio Barroca Tênis Clube era aonde a gente podia jogar bola, nadar e fazia alguma coisa assim fora dos estudos e fora da família também.
P/2 - Fora disso, já trabalhava já nesse período?
R - Bem, com catorze anos eu fui trabalhar com um primo meu, que era engenheiro e construía prédios em Belo Horizonte. E eu era office-boy nessa época, estudava de manhã e ia trabalhar à tarde. O que é que eu fazia? Ia pagar as duplicatas dele, ia pagar as contas, naquela época era tudo na base da duplicata, e pegava fila de banco, essas coisas. Às sextas-feiras, eu me lembro, hoje é impossível fazer isso, eu me lembro que com catorze ou quinze anos era eu que ia ao banco buscar dinheiro para poder, dinheiro mesmo de sair com os bolsos cheios, para poder fazer pagamento dos empregados nas obras. Às sextas-feiras à tarde, toda sexta-feira, a gente fazia envelopamento de dinheiro para que ele pudesse pagar no sábado de manhã para os empregados das obras. Nunca tive nenhum problema, nenhuma tentativa de assalto, nada disso. Lógico, naquela época era muito mais fácil, a segurança era muito melhor. Hoje não dá para fazer isso não. Mas eu fazia isso toda sexta-feira e fiz isso durante muitos anos, até praticamente entrar na faculdade eu fiz isso. Foi quando aí sim eu fui trabalhar já, ainda em sistema de meio horário, que eu também fiz a faculdade pela manhã. Durante toda faculdade eu trabalhei na, aí já numa construtora da qual o meu irmão Eustáquio fazia parte como um dos sócios junto com esse engenheiro, antes de construir os prédios sózinho. E foi lá que na verdade eu aprendi a trabalhar, aprendi a trabalhar lá porque era... e era muito interessante porque não tinha muitas opções. Aprender, por exemplo, naquela época todo mundo precisava aprender datilografia. E eu me lembro que lá tinha um livro muito velho, talvez de 1920, que foi nele que eu aprendi datilografia. Não tinha essa coisa de dar treinamento para ninguém, nada. Então, punha aquele papel por cima do teclado da máquina e você ficava olhando lá e ficava lá: “ A, S, D, F,G.” fazendo aquele exercício, com papel por cima para você não ficar olhando para o teclado. E aí eu comecei a entender um pouquinho de relações trabalhistas, mas era entender o seguinte: pegar a CLT e começava a ler. Efetivamente, lia a CLT, a forma mais clara para a gente poder começar a aprender. Eu me lembro também, e já que nós vamos falar de coisas interessantes, uma das coisas interessantes que tinha é que naquela época às vezes e toda construtora tem, tinha algumas causas na justiça: “Não pagou hora extra.” Então, quantas vezes eu fui à... eu com dezessete, dezoito anos de idade fui à Justiça do Trabalho representar a construtora sozinho, sem advogado. Também as causas eram geralmente era muito pequenas. Mas eu me lembro bem que um belo dia tinha um amigo meu que era juiz e ele estava julgando a causa. E eu o conhecia lá do Barroca, de futebol de Domingo, e ele era carecão e tal, e ele era já mais velho, era goleiro lá, e a gente chamava ele de “Kafunga”. “Kafunga” é o nome de um ex-goleiro do Atlético muito antigo, já até morreu, mas muito mais velho que ele até. E quando ele se dirigiu a mim e eu fui dar a resposta, eu o chamei de “Kafunga”. Aliás, eu nem sabia o nome dele. Justiça do Trabalho, toda aquela formalidade...
P/1 - Ô “Cafunga”!
R - Ele me tirou da sala e falou assim: “Eu sei que sou seu amigo e tal, aqui...” E fez uma... foi muito claro e objetivo comigo, mas ele me fez isso aí, me esclareceu, pediu para que eu não o chamasse de “Kafunga” alí, que lá no Barroca podia chamar e tal. Coisas de marinheiro de primeira viagem.
P/1 - E nessa época de você como jovem, você idealizava para você uma profissão, você pensava sobre isso?
(PAUSA)
R - Eu, para falar a verdade, não estava assim interessado em nenhuma das duas, mas pelo sim pelo não, no meu primeiro vestibular eu fiz para engenharia metalúrgica, não fiz... fiquei muito próximo de passar no vestibular e achei no final de contas que foi bom não ter passado porque não sei, acho que eu não seria um bom engenheiro metalúrgico, não. E até foi nesse momento que eu estava já numa idade de começar namorar e tal e terminei até o terceiro ano do segundo grau na idade normal, nem novo nem velho, mas empolgado com as primeiras namoradas, acabou que o estudo ficou em segundo plano, aquela coisa de… então eu demorei um pouco a passar no vestibular até que um dia o meu pai me disse o seguinte, ele já tinha feito coisa parecida com um irmão meu, mas ele falou o seguinte: “Ó, se você não passar no vestibular nos próximos seis meses, eu vou comprar um táxi para você, porque você vai ser taxista.” Foi quando eu acordei. Já tinha dois anos que eu estava tentando vestibular e não conseguia passar. Depois de ter quase passado, logo saí, mas depois estava deixando a vida correr. E aí foi até muito bom porque aí eu acordei e quando acordei pensei mais um pouco e resolvi fazer administração de empresas, porque aí sim era uma coisa bem afeta a mim, de acordo com a minhas afinidades, habilidades de trabalhar com relações. E achei que foi muito bom eu ter até passado por isso tudo para poder ganhar alguma experiência e conhecer um pouco da vida, conhecer um pouco daquilo que todo mundo precisa conhecer. Não que precise passar dois anos aí sem, mas precisa conhecer e não adianta ter um diploma muito novo porque talvez não vai poder fazer nada de bom com esse diploma.
P/1 - Mas quais eram as farras que vocês faziam?
R - Na juventude?
P/1 - É.
R - Bem, então eu falei de vestibular, eu consegui fazer o vestibular em vinte minutos, exatamente porque eu queria ir namorar. Então, naquela época o vestibular era feito no Mineirão. A gente recebia uma prancheta e a prova vinha, você ia fazendo, era lá no estádio de futebol mesmo.
P/2 - Nas arquibancadas?
R - Na arquibancada, era feito naquele… Eu não sei se era assim aqui no Rio, a gente recebia aquela tábua lá, uma prancheta e fazia em cima da perna. Mas as farras eram muito a gente se encontrar para ir lá para o Barroca nos sábados à noite, tinha sempre um lugar para ir aos sábados pelas sete, oito horas da noite a turma se encontrar, ir para um barzinho, etc. e tal e, às onze, dez e meia da noite, era hora de ir para a hora dançante no Barroca, que era o que a gente fazia muito. Quer dizer, todo fim de semana, todo sábado, todo domingo, a gente estava de manhã jogando futebol, estava nadando lá, um pouquinho de vôlei, mas nada tão grande, tão forte quanto futebol.
P/2 - Dentro da sua casa havia alguma expectativa, o seu pai tinha alguma expectativa que você fosse... quanto a sua carreira profissional?
R - A expectativa que eles tinham era de dar um diploma para a gente. Eles conseguiram dar um diploma para todos nós, mas aí não pensou tanto daí por diante. Ele achava que, tendo o diploma, àquela época tendo o diploma era o que precisava para tocar a vida. Mas o que ele pensava e o que a minha mãe sempre pensou foi isso de estar dando o diploma porque, a partir daí, o resto, no entendimento deles, era mais fácil. Mal sabiam eles que era só o início. O diploma hoje eu acho que é só default. Só isso, não é, porque aí só começa.
P/2 - O que era a administração nesse tempo?
R - Já tinha alguma expressão, acho que era um curso de business, copiado de americanos, acho que no Brasil se deu o nome de Administração, mas talvez nos Estados Unidos devia se chamar uma faculdade de business. E era, na verdade, o princípio de estudar um pouco várias matérias de administração, de material, naquela época nem recursos humanos era, era pessoal, de matemática financeira. A nível de você começar a pensar, por exemplo, em matemática e em juros compostos, que era coisa que nem se pensava tanto, não se administrava da forma como é hoje. A administração de materiais, a compra de suprimentos. Então, a minha escola foi muito assim com uma amplitude muito grande, porque a gente viu muita coisa, muitas matérias, muitos ramos da administração em pouco tempo. Isso nos forçou muito a ter que estudar, a trabalhar muito nisso, para poder entender um pouquinho. Porque se fosse só superficial adiantaria pouco. Mas eu tive muito bons professores, acho que isso ajudou muito poder fazer… não tanto quanto no princípio, eu ainda uso alguns princípios, algumas coisas que eu aprendi lá, há 21 anos atrás. É verdade que muita coisa evoluiu, que muita coisa melhorou, muita coisa está muito diferente, mas ainda existem algumas coisas daquela época que são verdadeiras.
P/1 - Algum professor que tenha lhe marcado muito?
R - Acho que o próprio Newton de Paiva foi que mais me marcou, foi o professor de economia. Ele era o dono da escola, a escola hoje já é uma universidade, já tem muitas faculdades lá e ele era um cara mais inteligente, um cara que provocava mais, um cara que questionava naquela época. Nós estamos falando de 1976, quer dizer, tinha um movimento estudantil razoavelmente grande, que a minha escola até nem participava tanto, era muito mais coisa da federal, coisa desse tipo. Eu só me vi envolvido no meu último ano de escola por causa daquela questão de mensalidade e tal. E aí foram deputados, naquela época, lá para a porta da escola, tinha confusão de estudantes na porta da escola. Eu nunca gostei muito de ser revolucionário ou ser coisa desse tipo. Mas me lembro que a gente acabou tendo que negociar com a escola a questão do reinício das aulas, do pagamento de mensalidades. Primeira e única experiência que eu tive com o movimento estudantil. E além disso tinha uns poucos colegas, não da minha sala, mas contemporâneos de escola que gostavam, gostavam de algum movimento estudantil, mas aí eles iam para outros lugares. A minha escola não tem muita tradição de grandes movimentos estudantis.
P/1 - Qual é o nome da escola?
R - Newton de Paiva.
P/1 - Escola Newton de Paiva.
R - Instituto Cultural Newton de Paiva, que era o nome naquela época. Hoje deve ser algo parecido porque já se tornou universidade, então deve ter mudado de nome.
P/2 - Era uma escola nova naquele tempo, era recém-criada?
R - Nova, era uma escola de cinco anos quando eu comecei. Tinha uma, duas turmas formadas, só.
P/1 - Mas qual era a sua meta fazendo esse curso? Quer dizer, o quê que você almejava como profissão? Quer dizer, você entra numa faculdade de administração...
R - Sinceramente, eu tinha uma grande nuvem pela frente. Quer dizer, o que me esperava eu não tinha idéia, não tinha idéia do que me esperava, porque acho que é até uma grande dificuldade que todo vestibulando tem é saber o que vem à frente. E administração naquela época era muito nebulosa, era muito ocupada pelos próprios engenheiros e por médicos. Nas coisas da área de medicina, por médico e, nas coisas da área de engenharia por engenheiros. Então, a primeira coisa que tinha era de estar tendo que mostrar mais serviços e mais habilidades e qualidades do que médicos e engenheiros. Isso era ponto pacífico e a gente tinha que... Mas nada que, ao terminar a faculdade: “Eu vou fazer o quê?” Não tinha nada de planos assim feitos. O momento era de muito desenvolvimento no Brasil, me formei em 1980, nós estávamos começando a reduzir o crescimento. Mas ainda tinha muito crescimento no Brasil, estava começando... Carajás, por exemplo, em pleno início de obras e contratando muita gente. Mas eu me lembro que naquela época, quando faltavam seis meses para trabalhar, para você ter uma ideia do que eu estou te dizendo, eu comecei a distribuir currículo para poder conseguir alguma coisa. Também era diferente porque naquela época todo mundo se formava e procurava emprego, um pouco diferente de hoje que nem todos procuram.
P/1 - E tinha emprego?
R - Tinha. Tanto é que eu mandava no jornal, eu procurava e mandava muitos currículos, frequentemente, todo fim de semana eu estava mandando currículo, até um dia que o moço do xerox, eu tirava xerox num lugar específico mais baratinho lá, o cara vira para mim e fala assim: “Você não arrumou emprego até hoje não?” Eu devo ter distribuído algo em torno de uns 500 currículos, dava para todo mundo. E o cara do xerox: “Você ainda não arrumou emprego até hoje não?” Eu nem me formado tinha ainda. Mas isso foi muito bom porque, logo que eu me formei, o que eu tinha de chamados para trabalhar foi muito grande, foram mais de dez naquela época. Nós estávamos no início do decréscimo do nível de emprego no Brasil e, ainda assim, eu consegui muita coisa para aquela época. Tanto é que eu fui trabalhar primeiro numa empresa de reforma de tratores na cidade industrial de Belo Horizonte e lá eu fiquei três meses só. E aí apareceu esse da Minas da Serra Geral, que é uma coligada da Vale e fui para lá.
P/2 - Você tinha mandado para lá também?
R - Tinha, tinha mandado currículo para lá também e foi aí que apareceu. Eu fiquei três meses numa empresa de reforma de tratores e depois fui para outras. E nesses três meses eu me lembro que o dono da empresa queria que eu fizesse tudo. Ele era o engenheiro, até que… eu já sabia da necessidade, da parte de administração, propriamente dita, e certamente eu tinha um pouco mais de conhecimento teórico do que ele. Então, ele me deu a área de recursos humanos para trabalhar, então ele me deu a área de suprimentos e armazenagem para trabalhar e aquilo estava até um pouco demais para mim naquele momento. Mas foi muito bom. E logo em seguida, apareceu uma oportunidade de sair, ele ficou muito desiludido naquele momento. “Eu estou pensando tanto em você aqui para a área de Recursos Humanos, para a área de Materiais e você está indo embora?” Eu falei: “Ah, eu acho que a minha possibilidade de crescimento na outra empresa é maior e eu não posso perder a oportunidade não.”
P/1 - E como se deu essa convocação para esse emprego?
R - Para o primeiro?
P/1 - Não, segundo.
R - O segundo foi fruto dos currículos que eu tinha mandado. Eu me formei em julho, essas coisas já vinha mandando alguns currículos, não me lembro exatamente quando eu mandei esse currículo, eram tantos que eu mandei. E, num belo momento, alguém estava procurando alguma pessoa com curso superior e algum conhecimento de relações trabalhistas e eu tinha colocado alguma coisa nesse sentido, que eu estava trabalhando na construtora nessa atividade, me chamaram lá. Até então, não tenho certeza de quando foi que eu mandei, como mandei. Sei que um belo dia, recebo um telefonema, a minha mãe recebeu um telefonema, que se eu me interessasse telefonasse para tal número para conversar à respeito dessa nova oportunidade. Foi lá que eu comecei.
P/2 - A __________ era em BH mesmo?
R - Era em Belo Horizonte mesmo. A Serra Geral eu comecei trabalhando em Belo Horizonte mesmo e fiquei lá dois anos. Foi a época que a Minas da Serra Geral estava em fase de construção de umas maquinas para tratamento de minério. A mina fica em Capanema, que é um lugar entre Itabirito e Ouro Preto.
P/2 - A Serra Geral era uma empresa que já existia ou tinha sido recém-criada?
R - A Serra Geral foi uma empresa criada a partir de uma das visitas do Geisel ao Japão, foi buscar a oportunidade de investimento japonês no Brasil, então se fez uma empresa com 51% de capital da Vale do Rio Doce e 50% de capital japonês. Várias empresas japonesas, muitas delas até detentoras de siderúrgicas lá viram a oportunidade de trabalhar e produzir minério de ferro. O minério da Serra Geral era todo conduzido, era e é, todo conduzido para uma outra mina da Vale chamada Timbopeba. Foi feito e construída uma correia transportadora que na época era a maior do Brasil, porque exatamente transportava minério de Capanema para Timbopeba, por onze quilômetros. E eu fui cuidar da parte de Recursos Humanos ainda. Comecei a fazer folha de pagamento lá.
P/2 - Contratação de pessoal?
R - Contratação também, mas principalmente folha de pagamento. Para você ter uma ideia, nos primeiros três meses que eu estava lá, o computador estava começando a aparecer, não a nível de PC, nada disso, só existiam os grandes computadores, mas nos três primeiros meses nós fizemos folha de pagamento na mão. A Serra Geral não era tão grande assim, mas...
P/1 - Qual era o volume de empregados nessa época?
R - Quinhentos empregados, mas fazer na mão era complicado, cálculo a cálculo. Mas em dezembro de 80 eu já fui à Vitória, então botar a folha da Serra Geral no sistema Vale do Rio Doce. E a partir daí que começou a rodar por computador a folha da Serra Geral, em dezembro de 80. Eu até entrei na Serra Geral em outubro, por aí, de 80. Então, foram poucos meses de trabalhar na munheca lá, com isso.
P/1 - E nessa época, quer dizer, qual era a sua imagem em relação a empresa Vale do Rio Doce, o que que você ouvia falar, o que que significava para você estar entrando numa empresa que tinha parceria com a Vale?
R - Bem, meus pais por serem da região de Itabira, achavam que a Vale era tudo, eu nem tanto. Naquela época... até porque eu não vivenciei muito Itabira, sai com três anos e, naquela época, muitas outras grandes empresas tinham aparecido até mais do que a Vale, por exemplo. A Petrobras era uma grande empresa, todas as distribuidoras de petróleo eram grandes empresas como são até hoje, a Xerox era uma empresa muito grande. Assim, tantas outras eram assim grandes e a Vale, não que fosse pior, mas também não era nada de melhor do que essas outras não, até porque a Vale era muito, era uma empresa de mineração. Naquela época, uma empresa de mineração não era uma empresa assim de muita tecnologia, até muito pouca tecnologia e, até certo ponto, pouco desenvolvida. E então não foi assim, embora por ser o meu primeiro emprego, e realmente eu queria poder mostrar muito do que eu era capaz, mostrar para mim mesmo do que eu era capaz, do que eu ia conseguir, eu mesmo tinha um sonho de poder estar trabalhando e, quem sabe, cinco, seis anos no sentido de ganhar alguma experiência e mais tarde poder ter o meu próprio negócio. Mas eu vi que, com cinco, seis anos no fundo apareceram foram oportunidades de crescimento profissional na mesma linha. Acho que não foi necessário eu ter que buscar realização do que eu pensava no passado. Mas era uma coisa, a Serra Geral era uma empresa pequena que participava da Vale, mas não era a Vale e que a gente ia ter oportunidade de fazer muito pela empresa e de poder mostrar para gente mesmo o que a gente pensou que podia fazer.
P/2 - Comentou de folha de pagamentos, como é que eram os salários nesse período que você entrou?
R - Bem, moeda você não me pergunta não, porque...
P/2 - Não, não moeda, mas em termos de nível salarial em relação a outras empresas, etc.
R - A Vale e as empresas do grupo sempre foram, quer dizer, top de linha em termos de remuneração. Eu me lembro que eu me comparava, por exemplo, com as empresas, com os meus colegas de escola, com os meus colegas da minha turma lá de bairro e alguns até ganhavam mais, não quer dizer que também... Quem trabalhava com vendas geralmente ganhava mais, quem trabalhava com essa coisa da linha de comissão, geralmente ganhava mais. A gente sabia que o nosso não tinha tanta flexibilidade, nem variabilidade, o nosso era fixo mas era uma boa coisa. Então, a gente desde aquela época, a relação da Vale em termos de salário sempre foi a nível de remuneração fixa dos melhores que existia no Brasil, sempre dessa maneira.
P/1 - Nesse período você morava aonde, já era casado?
R - Não, nesse período eu morava com os meus pais em Belo Horizonte e ia todos os dias para Capanema, são oitenta e oito quilômetros de uma estrada relativamente sinuosa, mas ia num ônibus fretado pela companhia. Ia de manhã e voltava de tarde, levantava cedinho porque as oito horas tinha que estar lá no trabalho a oitenta e oito quilômetros de distância. Então, cinco horas da manhã tinha que estar pulando da cama. E eu me casei em 1984, ainda estava lá na Serra Geral. Mas até 84 eu morava com os meus pais e, depois que eu casei, continuei trabalhando na Serra Geral até me mudar para a Bahia em 86.
P/2 - Você chegou a mudar para Itabirito?
R - Não, não, nunca morei em Itabirito.
P/2 - E a saída para a Bahia, conta um pouquinho como surgiu essa proposta, em que momento?
R - Essa foi difícil, porque primeiro Bahia naquela época, quer dizer, era muito longe, era muito distante porque tanto para mim, eu já era casado essa época. Para você ter uma idéia, a minha esposa tinha muito mais experiência de morar em lugar diferente do que eu, porque o pai dela sempre foi gerente de banco. Então, naquela época, gerente de banco tinha muita mobilidade de uma cidade para outra e tal. E eu não tinha a menor experiência, não gostava de interior. Quando morava em Belo Horizonte antes de sair para a Bahia, ir para a Bahia, eu quando tinha a oportunidade de ir para o interior eu geralmente dispensava, mesmo solteiro ou depois de casado, eu geralmente dispensava. Para ir a alguma festa no interior, para algum evento no interior eu nunca, nunca... E, de repente, fui para morar em Serrinha, que fica a cento e dez quilômetros de Salvador, cidade de setenta mil habitantes, muito seca, com falta d’água, com costumes completamente diferentes dos meus e eu fui morar lá. Mas eu sabia que, se eu tinha tido um convite para ir para lá, eu sabia que eu não podia perder essa oportunidade, porque era a oportunidade da minha vida. E para lá eu fui.
P/2 - Era para assumir o quê?
R - Eu era, quando eu cheguei lá eu fui ser gerente de apoio, o nome dado àquela época era gerência de apoio. Bem, e era a parte administrativa da Fazenda Brasileiro que estava apenas começando de uma então superintendência da Vale, da área de ouro, a primeira experiência da Vale fora do minério de ferro. E eu fui cuidar de tudo, cuidar da área de material, cuidar da área de recursos humanos também, que nem tinha tantos problemas, mas cuidar da área de serviços, de limpeza, de vigilância, e numa coisa muito nova para todo mundo, até para a Vale, quando a gente falava em mina subterrânea, com legislação específica, com todas as dificuldades que é uma mina subterrânea com a nossa inexperiência em mina subterrânea... Era tudo muito novo, muito desafiante e tínhamos sim muita vontade de acertar e muito pouca experiência, até conhecimento específico daquelas coisas que a gente ia passar pela frente.
P/1 - A gente que você diz, quem era o seu grupo?
(Fim da fita)
R - Bem, então, em 1986 quando eu aceitei o desafio para ir trabalhar na Fazenda Brasileiro, a primeira mina de ouro da companhia, quer dizer, a proposta era transformar aquela atividade numa atividade de vulto para a companhia e fora do minério de ferro. E eu fui morar com a minha esposa, ainda sem filhos, em Serrinha, que era uma cidade completamente nova, completamente diferente para mim e para ela também, embora tivesse alguma experiência de mudar daqui para ali, mas sempre em Minas Gerais. Bem, foi uma experiência muito boa, a gente conseguiu muitos amigos lá e o desafio da gente trabalhar, como a gente está dizendo, na montagem de um novo projeto para a companhia, com quase nenhuma experiência na atividade de ouro, na construção de núcleo, na construção e montagem desde o início de uma escola para quinhentos alunos, na construção de um pequeno hospital para atender aquela comunidade, que demandava isso, até porque a medicina que existia lá no interior era algo muito precário para as nossas exigências ou dos profissionais que iam trabalhar lá. Quer dizer, a montagem dos clubes, a montagem de um hotel que pudesse hospedar as pessoas da Vale e até fornecedores, prestadores de serviços que iam para aquele lugar trabalhar, a montagem das casas, quer dizer, muita coisa foi muito interessante. Aconteceu usando muito a experiência que a Vale tinha de Carajás, ao contrário do que é hoje, com muito pouca, quase nenhuma experiência na função da comunidade que ia ser atendida. E a gente envolvido, nem tanta idade tínhamos para isso, mas envolvidos no desenvolvimento, mas buscando sempre a melhor qualidade para aquela comunidade e, a gente acha que foi tudo muito certo embora muito empírico. Aquilo aconteceu de uma forma muito boa, com muita discussão entre a comunidade, com muita integração com a comunidade local, sem prejuízo da qualidade. Porque para a comunidade local também foi muito difícil na medida que eles iam dar um salto de qualidade muito grande, porque as escolas públicas que existiam lá eram de qualidade muito baixa. Todo mundo que queria ter os filhos estudando melhor, com melhor qualidade, levava para a escola que a Vale estava colocando lá.
P/2 - Além dos filhos dos empregados, também para a comunidade moradora?
R - Para a comunidade toda. E a gente fez isso para tentar integrar a comunidade. Imagina, a gente, além de tudo, tinha uma preocupação de segurança própria, porque a Vale produzia ouro. Nós valíamos, e até as pessoas que estão lá até hoje valem muito porque naquela época já se falava em sequestro, já se falava em dificuldades de roubo de ouro. Então, tudo isso passava pela cabeça. Então, a melhor segurança que a gente sempre fez foi a integração quanto maior com a comunidade para fazer não um muro de proteção, mas para fazer da comunidade nossos amigos, nossos companheiros, para que eles mesmos nos pudessem ajudar a ficar livres dessa relação difícil de trabalhar com ouro.
P/1 - E isso se dava de forma harmônica? Quer dizer, a comunidade aceitou, recebeu bem esses profissionais da Vale?
R - Da forma como podia ser sempre foi bem, não é. É verdade que, a grande maioria das pessoas que tinham o curso superior, por exemplo, para lidar com as pessoas daquela região… todo mundo daquela região que tinha um pouco mais de desenvolvimento acaba que não fica lá, não é, vai para a capital, vai para a cidade maior. Mas, guardadas as proporções, a gente se relacionou sempre muito bem, nós nunca tivemos grandes problemas com a comunidade, com a prefeitura, com vereadores e com os comerciantes. Sempre foi muito boa a relação, nunca tivemos problemas nenhum com eles, nunca tivemos dificuldades de em algum momento toda a comunidade estar contra a gente. Pelo contrário, a gente sempre tinha muita relação com eles, relação com toda gente dali. Na Bahia é muito comum aos sábados haver um feira, e na feira era o momento de maior integração com a comunidade. Quer dizer, feira de tudo, uma feira onde você compra horti-fruti, granjeiros, mas você compra pente, escova, anel e roupa e coisa que toda aquela região produzia era vendido aos sábados pela manhã. E era muito bom ir à feira, porque umas coisas muito interessantes aconteciam naquela feira. Por exemplo, às vezes, você via a pobreza das pessoas, uma mulher, uma pessoa, uma família punha uma esteira para vender no chão — na feira, a maioria das coisas é colocada no chão sobre uma esteira — você somava tudo que tinha lá para vender não chegava hoje a cinco reais. Se ela vendesse tudo não venderia cinco reais. E por causa disso, ao final da feira, essas pessoas iam para as lojas comprar farinha para levar para casa. E a farinha até... Por quê que eles comem farinha? Misturam a farinha com a água, porque a farinha tem a capacidade de expandir, de dar uma sensação de satisfação no estômago. Mas isso é muito bom, você ter a oportunidade de vivenciar isso tudo, de maneira que a gente vivenciou e até hoje o pessoal que está lá se relaciona muito bem. Já tive em 1987, um belo dia, numa segunda-feira, o então gerente de lá não estava, eu estava substituindo-o e, quando chego de manhã, os ônibus chegam e tal, a companhia invadida, tinha sido assaltada. E aí, não é? Quer dizer, era a primeira vez que isso acontecia, informações do tipo que a minha casa tinha sido vigiada a noite inteira, que sabiam aonde que eu estava, a imprensa chegando. O quê que eu vou fazer agora, não é? E a primeira coisa, ninguém tinha entrado na companhia — vamos permitir, vamos trabalhar. A primeira coisa que eu fiz foi: “Vamos trabalhar e aí vamos ver o que é que tem aí.” Na verdade, eles não tinham conseguido levar nada, os ladrões tinham alguma organização, pareciam até que eram de algum tipo de organização política, porque falavam muito em Miguel Arraes naquela época. Mas o que eles conseguiram levar, na verdade, foi só um pouco de dinamite, muito pouco, que era utilizado para detonação no subsolo, mas muito pouco e não fez falta, porque o cofre forte era muito seguro. Eles tentaram fazer alguma coisa lá, mas não conseguiram.
P/1 - O que que tinha no cofre?
R - Ouro.
P/1 - Vocês guardavam o ouro ali.
P/2 - Que tipo de mecanismo de segurança vocês criaram, quer dizer, esse aprendizado levou...
R - De lá, muita coisa tem sido feita. Em termos de aprendizado, os cofres fortes sempre foram muito seguros, não é? Paredes de oitenta centímetros de largura, com muito ferro, nem com maçarico você consegue desfazê-los. Mas hoje é muito a nível de procedimento, os cofres continuam tão bons quanto eram, mas hoje eles estão todos temporizados, só abrem em determinada hora. Eles têm três, quatro chaves que cada empregado tem uma chave, só as quatro pessoas juntas é que abrem o cofre. E cada uma dessas quatro faz parte de um grupo de mais quatro que cada grupo de quatro sabe com quem que está a chave, os outros três grupos não sabem com quem está a chave. Então, é cheio de coisas que faz com que o procedimento seja de maior dificuldade para abrir o cofre e conseguir levar alguma coisa. Embora, até alguma coisa já tenha sido levada depois, mas na etapa seguinte do processo. Cofre, não, cofre é muito difícil.
P/2 - _______________ transporte vocês cuidavam também? Época do transporte do ouro?
R - Isso já era terceirizado, mas sempre é um problema para quem é o dono da mercadoria, porque roubo é sempre desagradável. Mas Fazenda Brasileiro até hoje permanece sem nenhum evento de roubo. Já existiram em outros lugares da Vale, não é? Já existiu em Igarapé - BA, em Almas, mas Fazenda Brasileiro nunca teve, não. É exatamente por quê? Porque eu acho que a comunidade ajuda muito nisso. O melhor muro que existe de segurança é a própria comunidade, mesmo que os ladrões sejam de fora e tal, acabam deixando alguma coisa sair. E aí a comunidade ajuda. Porque o núcleo lá de _________ é um núcleo aberto, você entra e sai a vontade não tem nada das pessoas da cidade não poderem entrar, elas podem entrar, elas podem ir lá visitar, andar na rua como qualquer outra. Lá é como um bairro, sem nenhuma parede, sem nenhuma porta, sem nenhuma dificuldade para ninguém entrar lá.
P/1 - Mas, por exemplo, a incorporação da mão de obra local à Vale, quer dizer, como é que se dava isso? Era de boca a boca, Um indicava o outro?
R - Existiu muita dificuldade na medida da necessidade de mão de obra qualificada, porque a região nunca teve mão de obra qualificada. Na medida do possível, toda mão de obra que podia era contratada localmente. Mas mão de obra qualificada não existia. De uns tempos para a frente, aí já em Serrinha, que é uma cidade um pouco maior que Teofilândia, eles começaram e fizeram uma escola de mineração e aí começou qualificar um pouco de nível técnico, qualificou um pouco mais a mão de obra e aí deu mais oportunidade de as pessoas de lá mesmo poderem trabalhar na companhia. Se não a maioria era de Feira de Santana que é a segunda cidade da Bahia ou mesmo de Salvador que é capital. Então, hoje boa parte do pessoal de lá já é baiano. Se você for fazer um gráfico certamente estamos por volta de 70% do pessoal são baianos, agora se você falar em termos de comunidade, deve estar em torno de 50%, exatamente pela falta de escola formadora de mão-de-obra para aquela atividade. São equipamentos todos importados com muita sofisticação na operação. Equipamentos inclusive que operam com controle remoto, aparelhos grandes operados com controle remoto. Então, tem que estudar um pouquinho para conhecer e ter um pouquinho de sensibilidade para poder operar um equipamento desses.
P/2 - E esse profissional de mina subterrânea, tem algum diferencial? Como é que é?
R - Um pouco. Acho que ele é um pouco diferente na medida em que... em geral ele é mais fechado por natureza porque ele trabalha em ambiente fechado. Ele até diz que gosta muito de trabalhar no subsolo porque no subsolo ele se preserva na saúde. Por que? Porque a temperatura, a umidade e a luz existente é sempre igual, então geralmente ele não gripa. A mina se é como de Fazenda Brasileiro não tem poeira, ele não tem problema... o grande problema das minas subterrâneas é a silicose, que é a poeira que entra pelo nariz. Lá não tem poeira, não tem silicose lá registrado, então o empregado é um pouco mais fechado porque ele trabalha num ambiente bem fechado, não tem amplitude o ambiente. Mas em geral ele aceita bem, o baiano tem a característica de ser, de aceitar muitas coisas que lhe são orientadas, ele obedece tudo aquilo que com qualidade é orientado, ele aceita e acata. Ele faz efetivamente aquilo que é colocado para ele, com boa orientação ele faz bem. Acho que o maranhense tem um pouco mais de dificuldade de aceitar isso. O baiano é mais dado nesse sentido. E uma coisa que a gente também tinha muita preocupação e que a gente tinha é que o baiano é um povo que gosta muito de festa, que não trabalha... então, uma das primeiras coisas que eu fiz lá foi exatamente começar a medir isso, como é que era a assiduidade, como é que era o horário de chegada e tal. Quer dizer, muitas coisas, o baiano daquela região tem costume de andar com um facão amarrado na cintura. Então, nos primeiros momentos a gente tinha que botar aquilo tudo na portaria, ficava aquele monte de facão na portaria. Porque todo mundo ia com o seu facão, porque aquela região é muito grande e produtora de sisal e aquilo era utilizado para cortar o sisal e até para eles andarem por ali. Mas em termo de assiduidade, em termos de trabalho o que eu consegui medir lá, efetivamente algo muito melhor do que no sudeste. E aí existe uma grande diferença entre o baiano da capital e o baiano do interior que sabe melhor a responsabilidade que ele tem, e a oportunidade que ele estava tendo lá e até hoje é assim. A assiduidade lá é muito boa.
P/2 - Tinha um problema já quando vocês chegaram, um problema de garimpo? Isso existia naquela região ou não?
R - Existia um pouco numa mina próxima a Fazenda Brasileiro que operada por alguns anos começou e depois terminou chamada Maria Preta. Mas nada muito efetivo, garimpo relativamente pequeno, muito longe de Serra Pelada da quantidade de gente de Serra Pelada. Muito, muito, muito longe. Era coisa de 20, 30 garimpeiros até porque o ouro que a gente trabalhava lá era um ouro minério com teor que para a companhia é bom mas para o garimpeiro é muito baixo. Estamos falando de quatro, cinco gramas por tonelada, coisa desse tipo. Muito fino na rocha e o garimpeiro não tem como tirar esse ouro, mesmo com o mercúrio é muito difícil tirar. Ao contrário de Serra Pelada que é possível você conseguir pepita e lá não existe. A possibilidade de ter pepita é muito pequena. Nós mesmo nunca encontramos nada que fosse interessante.
P/1 - Como é que foi para você a primeira vez que você visitou uma mina dessas, que você viu ouro, pepita? Você lembra?
R - Lembro, lembro.
P/1 - Como é que foi o encontro?
R - Visitar uma mina, primeiro a gente faz um conceito de ter, de filme americano, aquele negócio todo escorado, com a terra caindo. Não tem nada disso.
P/1- Não tem nada disso, não é?
R - Porque a segurança é muito boa, você desce de carro, você desce muito à vontade, galerias muito grandes que permitem a circulação de equipamentos e carros e você vê os equipamentos trabalharem, muito diferente de qualquer imaginação que a gente tivesse feito. ________ sempre muito bom e periodicamente, pelo menos uma vez por semana eu fui à mina, para me relacionar com as pessoas, para poder conhecer um pouco mais das características daquelas pessoas e para poder contribuir no desenvolvimento delas mesmas. Acho que isso ajudou muito para poder desenvolver as pessoas daquela região.
P/2 - Tinha algum sistema, voltando para o profissional da mina, tinha algum sistema CLTista diferente, tinha algum regime de trabalho diferente ou não?
R - Tem, tem. A CLT tem um capítulo próprio para mineiros, de subsolo, e eles trabalham seis horas por dia. E nesse caso a empresa é obrigada a dar refeição. Em suma são essas até grandes diferenças: trabalhar seis horas por dia, corridas, trabalhando em regime de revezamento de turno, de tal maneira que a cada semana estava num horário, mas sempre seis horas.
P/2 - E a mina estava 24 horas trabalhando?
R - A mina de Fazenda Brasileiro não pode muito fazer 24 horas, ela faz três turnos só porque o problema de lá, quando você detona produz algum gás e é preciso que os gases sejam evaporados, retirados lá. Então, tem que ter um intervalo entre um turno e outro de tal maneira que, quando houver a presença do homem lá ele já não tenha mais gás lá. Taquari-Vassouras que é outra mina da Vale, aí sim não tem gases, aí pode 24 horas por dia. De seis horas também.
P/2 - Que gases são esses?
R - São uma série de gases. Nada, nada, gás que se produzido numa concentração grande pode até fazer passar mal lá em baixo. Por isso que sempre teve de uma a duas horas de intervalo entre uma jornada e outra, de maneira que não tivesse trabalhar lá na frente de trabalho.
P/1 - Você comentou que a sua esposa foi com você, não é, para a Fazenda Brasileiro, como é que foi, ela se adaptou? Como é que as esposas dos funcionários da Vale? Qual era a atividade? Elas podiam trabalhar? Elas se engajavam em alguns desses projetos que a Vale desenvolvia, como a escola e o hospital?
R - Isso sempre foi pensado pela Vale e, na medida do possível, poder aproveitar a experiência e até não permitir que as esposas ficassem muito ociosas, porque sempre foi um problema também alguma vez ou outra a família de alguém não se adaptava lá e acabava que tinha de voltar, porque a esposa não se adaptava. Então, na medida do possível, todo mundo que tivesse oportunidade, alguma qualidade que pudesse ser aproveitada pela Vale, isso sempre foi aproveitado pela Vale. Minha esposa especificamente até, ela é psicóloga, então não tinha nada que a Vale pudesse aproveitar efetivamente. Trabalhou numa, ainda em Serrinha, numa escola da cidade, depois trabalhou até numa escola de formação de segundo grau para empregado da Vale, mas acabou tendo, na verdade, um comércio lá em Teofilândia, aquela cidadezinha pequena e tal e que era até interessante porque era o único lugar que tinha o cortador de frios da cidade. Para cortar presunto e queijo tinha que ir lá porque era só ela que vendia. E vendia um pouquinho de tudo, um pouquinho de carne, um pouquinho de Kibon, por exemplo, um pouquinho de frango, fazia um pouquinho de tudo.
P/2 - Uma vendinha, uma espécie de vendinha?
R - Uma vendinha até organizadinha, limpinha, ela fazia questão de ser limpa e que os nossos colegas todos gostavam porque era completamente diferente do resto, era mais limpa. Acho que lá o pessoal não tem o costume de estar limpando tudo, todos os dias, toda hora, para manter limpo. Então, ela trabalhou lá nessa vendinha, nessas outras atividades até a gente se transferir para São Luis.
P/1 - Vocês incorporaram alguns hábitos alimentares do local ou vocês continuavam comendo, por exemplo, comida mineira ou comida baiana? Como é que funcionava isso em casa?
R - A gente tendo gente baiana trabalhando com a gente em casa, acabava que comia muita coisa da Bahia. Aprendi a comer vatapá, a comer mininico, essas coisas. Alguma coisa é difícil de acostumar comer como o bode, como mininico, essas coisas.
P/1 - O quê que é mininico?
R - É um mexido de miúdos de bode ou de carneiro, dessas coisas. Mas é difícil de comer, até porque eu já não como essas coisas. Eu, por exemplo, não gosto muito de comer nem de boi nem de porco, quanto mais de bode, de carneiro. Mas é muito comum lá com eles ficar comendo esse tipo de coisa. Bode é normal, na porta dos comércios lá eles penduram no varal a carne de bode para ela secar. Só que a carne de bode é muito dura, não gosto, nunca gostei muito não.
P/1 - Vocês tinham uma pessoa em casa que ajudava?
R - Tinha, tinha. Mas aí, no fundo, acaba que a nossa cultura. Minas Gerais tem fama de ser comida boa, saborosa, embora forte, acaba que a gente comia, quando ia numa festa, quando ia na casa de alguma amigo baiano a gente comia. Mas o normal era comer algo mais mineiro. Eles têm muitos costumes interessantes: No arroz deles, por exemplo, eles colocam água direto, não torram o arroz. Então, o arroz fica diferente, não é igual ao nosso não.
P/2 - A chegada da Vale trouxe transformações assim, em termos de comércio, operação de comércios?
R - Muitas. Tanto Serrinha, que era a cidade maiorzinha da região, quanto Teofilândia cresceram muito em função da Vale, em termos de comércio. Mais para fornecimento para a gente mesmo. Para a Vale nem tanto porque as exigências da Vale eram maiores a nível de equipamento, peças de reposição, essas coisas São Paulo e Minas Gerais é que são os mercados fornecedores. Mas muitos comércios da região se desenvolveram em função da Vale, para atender empregados. Nós éramos quinhentos, até hoje nós somos quinhentos empregados.
P/1 - E o convite para o Maranhão como é que se deu essa sua transferência para lá?
R - Bem, eu já estava há nove anos lá e, na Vale, a gente é muito soldado a nível de não ter muito lugar de morar. E até de certa forma, para o desenvolvimento da gente a mudança é boa, a mudança praticamente é uma mudança de vida completa, um novo emprego. Embora seja a mesma empresa, um novo emprego, tudo novo. Bem, então apareceu uma oportunidade, um convite para ir para o Maranhão. Quer dizer, tudo novo, gente nova para relacionamento, atividade completamente diferente, porque de mina subterrânea eu fui trabalhar com porto, então tudo novo. E eu sempre gostei de desafios. Quer dizer, aquele desafio dos anos oitenta foi bom, nos anos noventa certamente seriam também. Já tinha um pouco mais de experiência, então achei que era a oportunidade de ir trabalhar no Maranhão. Eu nem conhecia o Maranhão, não sabia como que era o povo, nada disso. Assim, fui para lá, fui numa quarta-feira, conheci, com quinze dias depois estava já trabalhando lá. E lembro até que eu não consegui passagem para ir, fui de carro da Bahia até lá. Foi um janeiro e aí, geralmente, é difícil achar passagem e já que é assim, eu preciso ir, vamos logo. Mas o Maranhão também foi muito bom.
P/2 - A esposa topou tranquilo?
R - Como eu disse, a minha esposa, embora já tivesse se engajado numa outra coisa, quer dizer, psicóloga já tinha jogado o diploma pela janela, a Segunda jogada é sempre mais fácil do que a primeira. Mas ela também entendeu que o melhor seria que a gente fosse porque…
(PAUSA)
R - ...uma coisa.
P/1 - Vocês tinham filhos já?
R - Já. A minha filha nasceu em 1990, nasceu em Belo Horizonte. A minha esposa foi em Belo Horizonte para ela nascer e voltou.
P/1 - Nasceu uma mineira, não é?
R - Nasceu uma baiana em Belo Horizonte, vamos dizer assim. Então, nós já tínhamos filhos sim, mas ela estava ainda em idade, quer dizer, tinha quatro ou cinco anos, estava na hora certa de que, se a gente quisesse ir para algum lugar mais distante, estava na hora. E assim fomos nós lá.
P/1 - Como é que foi um pouco assim do seu trabalho no porto?
R - Bem, meu trabalho, primeiro, aí sim acho que uma adaptação grande porque eu já tinha nove anos que estava trabalhando com aquela mesma turma, algumas mudanças mas não tão grandes, a filosofia era a mesma e eu me deparei com uma filosofia completamente diferente, aí sim, marítimo é diferente e tem uma característica mais, mais acentuada que o mineiro de subsolo. E aí, como é que eu me viro com essa? A Vale numa situação diferente, a Vale lidando com marítimos, com pessoal de navio, todo mundo com característica própria. Lá, quer dizer, a relação da Vale era um pouco diferente na medida em a Vale não era a dona do início ao final do processo. Tinha um comandante do navio que comandava o navio, você tinha um prático que era o cara que podia fazer a entrada e a saída dos navios no canal, você tinha a capitania dos portos que era quem regulava a coisa ali, e tinha a Vale que era, nada mais nada menos, a dona do minério que ia colocar no navio para ir embora. Quer dizer, você era menos dono da situação, muito menos dono da situação. Então, isso exigiu muito da capacidade de relacionamento de todo mundo da Vale e minha também. E o marítimo é muito resistente com as coisas dele, geralmente são muito resistentes. E eu acabei chegando lá pouco depois de que um navio tinha sido afundado no porto de São Luís. Porto da Vale, o primeiro caso de navio afundar num porto. E o famoso navio ____________, um navio grego, que ele era um velho navio que fazia transporte de minério de ferro e, parece, que houve um comando errado por parte do comandante do navio e ele acabou quebrando no porto. Quer dizer, impediu a Vale de continuar embarcando por quarenta e tantos dias...
P/2 - Quarenta e tantos dias?
P/1 - Nossa!
R - ...sem embarcar. Quer dizer, a Vale tinha um outro porto muito menor, um porto de atracação muito menor, então começou a atracar e carregar por lá. Mas os grandes navios pararam de ir lá.
P/2 - Então, isso prejudicou muito a Vale?
P/1 - Isso foi em que ano?
R - Esse navio afundou em dezembro de 84, eu cheguei lá praticamente na ressaca do __________, mas estava toda a comunidade envolvida, procurador público fazendo coisas contra a Vale de toda sorte, não é? Até um juiz mandou que a Vale tirasse todo o minério que estava no chão lá e no fundo do mar e voltasse com ele para a mina. Era coisa de advogado. “Tinha que inventar um equipamento, porque até hoje não existe nada nesse sentido que vá tirar esse minério que está aí, que já está todo misturado na areia. Não tem a menor condição de isso acontecer.”
P/1 - E qual era a sua função exatamente?
R - A minha área era administrativa e eu lidava muito com os empregados da Vale, que embora empregados da Vale, tinham características de marítimos também. E com todas as empresas contratadas que faziam manutenção, faziam reboque de navios, alguma coisa com capitania dos portos e até com as tripulações dos navios eu tinha relações. No tratamento, porque aquilo tem toda uma burocracia para cargas, atracação, tem alguma coisa a nível de regularização com o governo brasileiro, de mandar médico para avaliar a qualidade da tripulação, condição física da tripulação para saber se não está trazendo nenhuma doença diferente para o Brasil. Então, todo navio que atraca, antes de atracar vai um médico da vigilância sanitária para olhar, para ver e tal. Mas também é muito difícil de relacionar porque sempre tinha algumas coisas: era tripulação que jogava lixo alí no mar. Isso de lixo no navio é um negócio complicado, porque se não joga ali vai só juntando, juntando. Mas não era ali que tinha que jogar. Eram os chineses que adoravam cachorro, porque eles têm o costume de comer cachorro. Então, São Luís não tem cachorro na rua.
P/1 - Depois do bode...
R - Custava R$ 10,00 para cada menino levar cachorro lá. E ainda brincava com a gente. A gente falava: “Você consegue comer cachorro?” “Consigo e acho muito bom. Você não come porco?” E os chineses falavam com a gente assim. Realmente, o porco é um animal tão ou mais sujo do que um cachorro. Lá em São Luís não tem cachorro na rua.
P/1 - Como é que você administrava essas coisas, por exemplo, o que que exigia de você um jogo de cintura?
R - Todo jogo de cintura possível, não coisas boas a nível de... quer dizer, para mais do que isso, quer dizer, como todas as histórias dizem, os marinheiros quando atracam eles chegam sedentos de sexualidade. Então, para que as mulheres de vida não fossem lá para porta dos navios, nós tínhamos que fazer um banquinho na portaria da companhia, elas ficavam alí. Toda vez que um navio ia atracar, a mulherada toda já sabia e ficava lá esperando. Dali, os marinheiros pegavam um táxi com elas, porque antes elas estavam entrando lá para dentro da companhia, era complicado essa relação. Também não pode acabar com isso, necessidade natural de cada um. Mas a gente organizou isso, botou o banquinho… Com ajuda da companhia dos portos e dos próprios marinheiros lá também.
P/1 - E em relação da questão do lixo? Como era a postura da Vale?
R - Lixo... a postura da Vale foi sempre assim forte: “Ó, sem jogar lixo de navio aqui.” Mas outra coisa problemática é marinheiro fazendo muamba. Um belo dia o meu então superintendente me pediu para que acompanhasse uma repórter da TV local lá no navio, é até o maior navio transportador de minério de ferro. Era uma moça nova com muito pouca experiência e quando eu chego lá dentro do navio com ela, ela com o câmera atrás, eu vejo um chinês, um japonês, alguém amarelo com uma caixa de todo tamanho vendendo pedra preciosa para o comandante e ela com a televisão do lado e eu: “Nossa, e agora?” Ainda bem que ela viu e não enxergou. E também era um lugar, assim uma poltrona, estava a esposa dele lá e ele mostrando uma caixa imensa com mil e um tipos de pedras e eu tirei o comandante dalí e falei: “Vamos ver a cabine de comando.” Mas a menina era assim tão inexperiente que ela começou a perguntar quantos metros quadrados tinha a cabine, se era pequena, se era grande... o comandante olhou e saiu dando passo pela cabine afora medindo quantos metros quadrados para dar a resposta para ela. Certo é que ela conseguiu ver e não enxergar as coisas acontecerem. Isso era um problema, sempre foi um problema sério porque isso entra no navio de várias formas porque entra no meio de alimentação, no meio de coisas que tem que ir mesmo. Embora tivesse polícia na porta, a responsabilidade da Capitania dos Portos ou do órgão local de policiamento, sempre foi muito difícil. Não tem jeito. Completamente seguro, não tem jeito.
P/2 - Drogas também, Cléver?
R - Não, drogas muito pouco. Não posso dizer que não tinha não mas era muito pouco. E marinheiro não é bobo não, se usa ele usa lá dentro do navio, na dele. O marinheiro também tem dificuldade de relacionamento fora do navio. Ele volta. Geralmente, toda noite ele volta. Tem medo de se relacionar fora daquela área dele que é o navio.
P/2 - Ele tem medo?
R - Tem medo? Porque a grande maioria da tripulação do navio é de filipinos. O navio até pode ser de outra bandeira mas eles são a maioria das vezes, filipinos. Por causa de remuneração. Aceitam remuneração mais baixa. Mas não é grande a utilização de drogas. Eles usam! Usam lá dentro do navio. Fora eles sabem que pode complicar a história deles.
P/1 - E para você se relacionar? Por exemplo, vocês usavam uma língua estrangeira?
R - Geralmente inglês. Isso aí a gente tinha que usar e as pessoas que trabalhavam lá mais diretamente até no carregamento do navio, todo mundo se relacionava em inglês. Então, era condição básica que todo mundo falasse inglês.
P/2 - E o trabalhador no porto? Quer dizer greve de trabalhadores, como a Vale não tem o controle de todo processo, como é que isso influía com vocês?
R - O trabalhador da Vale, no fundo era muito pouca gente, a coisa era muito mecanizada e exigia muito pouca gente da Vale, né? O trabalhador que não é da Vale também eram de empresas muito pequenas. Eles eram muito exigentes, até paravam por alguma coisa mas sempre grupos muito pequenos que não davam muita caracterização de greve propriamente dita. De repente cinco paravam no cantinho ali e por poucas coisas. É uma coisa diferente de você ter que se relacionar com duzentas, quinhentas pessoas paralisadas. Cinco, seis, às vezes coisas simples você resolvia de uma forma muito mais fácil. Tinha, mas nada com caracterização de greve propriamente dito. E paravam muito, qualquer coisinha. Você tirava a carne da refeição deles, piorava, eles paravam. Não era tirar a carne, não, a qualidade. Se estava acostumado a comer filé, tinha que ser sempre filé. Se pusesse um contra-filé lá dava paralisação.
P/1 - Você em algum momento era o responsável por essa negociação?
R - Sim, sempre fui. Sempre fui o responsável por estar comandando isso tudo lá. E aí a demanda era grande, cada hora uma coisa diferente de comida, de uniforme, de tudo que você pensasse. Por exemplo, os rebocadores eram um navio pequenininho com muita força, com motor muito grande. Então, ele tem lá... as pessoas muita vezes dormem lá então tem roupa de cama, tem café da manhã, tem essas coisas que influenciam na vida deles lá. Então, tudo, tudo o que você pensar que pudesse ter alguma influência neles a gente tinha que estar envolvido.
P/1 - E a sua vida pessoal e familiar como é que se deu lá em São Luís?
R - São Luís foi muito boa, acho que eu me relacionei muito bem com a comunidade, não me restringia a Vale, coisa que lá na Bahia já era mais difícil. Tinha amigos baianos, mas em São Luís a relação com pessoas de melhor nível cultural e intelectual era mais fácil. Estava na capital e tal. E minha esposa também se relacionou muito melhor lá. Então foi muito bom nesse sentido: a gente se relacionar com a Vale e com o pessoal de fora da Vale, através da escola da minha filha, através do clube que a gente fez parte lá. Então, a gente se relacionou muito lá embora eu tenha ficado só três anos, quase três anos, dois anos e dez meses. Então, a gente se relacionou bastante lá. Até hoje a gente ainda... quer dizer eu estou quase quatro em Belo Horizonte, até hoje temos pessoas que a gente se relaciona. Coisas interessantes aconteceram lá, desagradáveis, tristes, alegres, muitas coisas aconteceram. Triste, por exemplo, no meu décimo dia, quer dizer no décimo dia da minha família de São Luís minha filha caiu na casa que a gente estava morando e teve fratura de crânio. Aos quatro anos. Eu também tinha um mês de São Luís, não conhecia nada de nada e eu e minha esposa estávamos no supermercado na hora. Quer dizer quando a gente soube ela já estava no hospital, já estava no UTI em coma. Quer dizer, bela surpresa! Mas acho que graças a Deus correu tudo bem, ela ficou em coma umas três, quatro horas... eu passei aperto ali a nível do médico falar que à primeira visão era necessário tirar o coágulo e aí por sorte a gente estava em São Luís e São Luís tem tomografia computadorizada, fez o exame e não tinha coágulo e não precisava fazer cirurgia. Então, ótimo. Mas ela precisava voltar, voltar do coma. E aí, o quê que tem de sequela? Hoje, graças a Deus, não tem nada, mas foi um sufoco aquelas três, quatro horas ali de dúvidas, não é? Eu lembro que eu falei com o médico: “Olha, é a única filha, o que eu puder levar essa menina para qualquer lugar do mundo, eu vou levar.” Ele virou e falou para mim: “Se tiver que fazer alguma coisa, não tem tempo. É aqui mesmo que vai fazer.” Eu até expliquei para ele: “Eu não estou desconfiando do senhor, não. Estou querendo fazer o melhor para mim e para ela.” E ele falou: “Eu também não estou achando que você está desconfiando de mim, que eu não sou capaz e nada disso, não. Mas, se tiver que fazer alguma coisa, vai ser aqui.” Graças a Deus não teve que fazer nada. E coisas boas eu tive, por exemplo, em 1996 já se falava muito na privatização da companhia. Quer dizer, aquele clima de privatização já estava instalado, mas eu sempre tive muito boa confiança em mim mesmo e até na minha capacidade, a nível de pensar bem o que que eu posso fazer aqui e quais são as minhas oportunidades. As coisas começaram a acontecer de tal maneira que eu posso tentar voltar para Minas Gerais e aí sim poder realizar aquele velho sonho de ter algo próprio, não é? E já comecei até pensar em alguma coisa, nada assim muito concreto, até porque não ia tomar nenhuma decisão apressada na frente de qualquer atitude que a Vale pudesse tomar. E aí comecei a pensar nisso, vivemos algum tempo assim nessa incerteza de 96 até 97, porque as coisas também não aconteceram logo após a privatização. Mas, de repente, eu até sabia que eu não ia ficar mais... que se eu ficasse em São Luís não seria na posição em que eu estava, seria um pouco mais baixa. Mas recebi um convite de um velho conhecido que eu tinha começado a trabalhar com ele lá na Serra Geral em 1980, por aí. Agora, em 97, tinha passado a ser diretor da companhia e perguntando se eu queria voltar para Belo Horizonte? Quer dizer, eu me lembro bem que ele me falou o seguinte: “Eu queria que você pensasse aí se você queria voltar para Belo Horizonte.” Eu falei com ele assim: “Eu não preciso pensar não, eu posso te responder agora: ‘Conta comigo!”
P/1 - Quem era?
R - Era o Viveiros. Ele já deve ter estado aqui. E eu respondi na hora. E logo que eu desliguei o telefone, eu liguei para a minha esposa, ela estava na cadeira do dentista. Eu falei: “Não, eu quero falar com ela agora!” Assim mesmo, “Arruma as malas!” Aí ela falou assim: “Mas é para ir para Carajás?” Eu disse: “Não!” Ela não estava esperando. “Que Carajás, você vai para a sua terra! É mesmo? Então, vamos embora!” E aí voltei. Eu não tinha a menor expectativa de voltar para Minas Gerais, não, porque eu já tinha doze anos fora. Isso foi muito gratificante.
P/2 - Para trabalhar em quê? Você foi convidado para assumir o quê?
R - Essa gerência geral de suporte e logística da diretoria de metais básicos e minerais industriais. Aliás, ela foi durante algum tempo não ferrosos. Mas agora ficou assim. Então, eu vim para Belo Horizonte. Acho que nós estamos esquecendo, pelo menos eu estou me lembrando que estou deixando de falar que desse período todo, desde Bahia até agora, eu tenho participado por todos os anos, sou o mais velho da comissão de negociação de salários da Vale. O pessoal até brinca comigo que eu sou o decano, mas esse negócio não é muito bom não que a gente vai ficando velho. Eu tenho participado do maior número de negociações da Vale com os sindicatos, desde 88 eu participo.
P/1 - E como é que é essa experiência?
R - Ô, essa experiência é rica, essa é muito rica porque sindicalista sempre muda porque eles são eleitos pela categoria e hora é um, hora é outro e tal. Então, boa experiência, levo comigo, por exemplo, um dia lá na Bahia que eles estavam prestes a fazer greve e eu ainda morava em Serrinha e a ideia dos sindicalistas era não permitir que os ônibus passassem. Então, eu trouxe tantos quantos foram possíveis os carros da companhia, carros menores, porque carro é mais difícil de impedir a passagem. Então, eu fui e pedi ao meu vizinho de frente: “Olha, eu precisava por uns carros aí hoje.” — eu sabia que ele tinha uma garagem grande — “Precisava por uns carros essa noite, você me ajuda aí tal.” Acho que tinha uns quatro, cinco, seis carros lá, para no dia seguinte usar, né? E era um senhor muito bom e mais tarde fico lá eu sabendo que essa moço era o pai de um grande sindicalista, um grande... pai do Gilmar Carneiro que foi presidente do sindicato dos bancários do estado de São Paulo e secretário da CUT nacional.
P/1 - E os carros todos na casa do pai!
R - E os carros todos na casa do pai dele. Depois encontrei com ele em Cajamar e aí eu contei essa história: “É mesmo? Aconteceu?” “Aconteceu.” Mas e aí muitas coisas aconteciam. Na época da Vale estatal a coisa era complicada na medida que a gente precisava estar negociando primeiro com o ministério, com o governo, para ver quais as liberdades que a Vale podia dar em termo de salário, de reajuste, então, no acordo de 90, foi ótimo porque? Ótimo pela dificuldade, naquela mudança de governo se o acordo passasse daquele dia que a gente estava negociando, para o dia seguinte, a gente ia mudar e ter que começar a negociação tudo de novo, porque o governo estava mudando. Então, seria outro ministro, outra equipe econômica, outra negociação completamente diferente. Então, a gente negociou a noite inteira. Negociação a noite inteira é relativo. A gente ficou tentando fechar com o governo alguma coisa de liberdade para a Vale conceder e mantendo os sindicalistas lá aguardando. Como é que se fazia isso? Tinha um velho conhecido nosso, da Vale, chamado Doutor Bráulio que a gente costumava dizer assim: “Quando tem que fazer alguma coisa, enrolar e manter os sindicalistas lá, manda ele explicar o plano de Cargos e Salários. E a gente lembra que ele perguntava: “Quanto tempo você quer que explique o plano de Cargos e Salários? Quanto tempo demora? De três a trinta e seis horas você pode escolher.” “Bom, esse aí a expectativa é a noite inteira.” Então, ele começava, usava o quadro e falava e falava, era tão extenso assim da necessidade. E nesse ano teve sindicalista que realmente estava uma enrolação, enchendo linguiça e teve sindicalista de Itabira que ele deitou atrás da cortina do hotel Glória, que as negociações eram lá, aquelas cortinas grandes de veludo, e ele roncava e roncava e a gente ria e o Doutor Bráulio explicando o plano de Cargos e Salários. Isso às duas e meia da manhã, três da manhã, quando foi às cinco horas da manhã é que saiu a decisão e o Doutor Bráulio explicando o plano de Cargos e Salários da Vale... era superinteressante.
P/1 - Algum embate violento que você tenha?
R - Bom a minha diretoria e minha atividade atual sou Gerente Geral de Suporte Logística da Diretoria de Metais Básicos e Minerais Industriais. Um nome grande, né? Bem ela envolve a tecnologia que está lá no Centro de Desenvolvimento Mineral, na cidade de Santa Luzia. A Docegeo que é a empresa de pesquisa geológica da Vale, e a Cloreto de Potássio que fica em Sergipe e é a única mina brasileira de cloreto de potássio e ainda a Pará Pigmentos que é a empresa que produz caulim lá no norte, próximo a Belém. A essa diretoria está entregue pela Vale a vontade da Vale de ser um grande minerador de cobre. Bem, eu cuido então da parte de administração dessa diretoria, inclusive da Docegeo faz parte. É uma atividade muito boa, na medida de estar inserida com responsabilidade de desenvolver a Vale na mineração de cobre e é onde a Vale pode crescer e conseguir uma nova atividade fora do minério de ferro. Porque embora a Vale seja grande no minério de ferro, ela tem pouco a desenvolver na atividade. Ela tem a desenvolver na quantidade, no volume, afinal de contas. E no cobre ela tem tudo a desenvolver, na medida que o cobre pode vir a ser essa atividade que a Vale pretende estar desenvolvendo. Para isso, a Docegeo está toda voltada para a busca de minério de cobre, no em torno de Carajás já existem algumas boas promessas que estão sendo analisadas para se tornarem minas futuras.
P/2 - Salobo dentre elas?
R - Salobo dentre elas. A mais próxima é uma associação com a _________ com uma empresa chamada Mineração Serra do Sossego. A Docegeo vem funcionando a partir de um contrato que foi feito com o BNDES em 1997. Naquela época, pré privatização, à medida da necessidade de poder estar preservando o subsolo brasileiro para o governo brasileiro, para a população brasileira, foi feito um contrato no qual Vale e BNDES juntos participam de toda a pesquisa e, se algo for encontrado, elas também dividem os resultados do que encontrar. Esse é um contrato que tem feito muito pela pesquisa geológica, fazendo com que a Docegeo, o que vinha acontecendo há muitos anos, mantenha o maior investimento em pesquisas geológicas no Brasil. A Docegeo hoje é uma empresa com 160 geólogos e técnicos, voltada principalmente para cobre. Alguma coisa de níquel, alguma coisa de zinco, alguma coisa, até recentemente, de diamante. Mas tudo ainda muito mais incipiente do que o cobre, que já está numa fase mais evoluída. Bem a Pará Pigmentos é uma empresa que produz caulim e está em fase de expansão, produzia duzentas mil toneladas ao ano e já está chegando a seiscentas mil toneladas e o Cloreto de Potássio que é a única empresa brasileira de cloreto de potássio também está em fase de expansão, começando a fase de expansão, partindo de seiscentas mil toneladas para oitocentas e cinquenta mil toneladas ao ano. Então, tudo o que a gente fala na diretoria hoje é de crescimento, de novas atividades porque isso é muito interessante para nós todos que estamos lá.
P/2 - Suas perspectivas?
R - Minhas perspectivas são de que essa diretoria possa realmente chegar aos objetivos para os quais estão colocados para ela. Acho que tem gente boa, tem gente capaz, tem gente que pesquisa, que procura e que até agora tem conseguido realizar os desafios que foram colocados para eles. Acho que tem tudo para dar certo. E a Vale certamente vai ser um grande produtor de cobre, se ela assim quiser.
P/1 - Você trabalha em Belo Horizonte?
R - Município de Santa Luzia, tá? Nós todos que trabalhamos lá, moramos em Belo Horizonte. Mas é como se fosse um bairro.
P/1 - E em relação a sua formação profissional, antes de ocupar esse cargo você foi estudar fora? Não foi isso?
R - Bem, eu desde que me formei tive sempre a preocupação de poder estar me desenvolvendo. Além de gostar muito de desenvolver pessoas eu gosto também de me desenvolver. Até porque eu morei muito tempo em locais onde esse desenvolvimento era difícil, primeiro lá na Bahia, depois em São Luís, embora fosse uma capital é a capital do nordeste que tem pouco desenvolvimento. Então, logo depois que eu vim para Belo Horizonte eu me apressei a fazer logo alguma coisa até porque eu já tinha alguns anos de formado e eu precisava voltar para o banco da escola para poder participar dessa competitividade cada dia maior. Então, fui fazer pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas e realmente gostei muito do retorno ao banco de escola que terminei agora em junho a minha pós-graduação e agora estou procurando ver o que eu vou fazer porque acho que desenvolvimento é um negócio que não pode parar, ninguém pode parar. No dia que morrer é que vai parar.
P/2 - A Vale incentiva?
R - A Vale incentiva muito mas eu acho que isso certamente tem o esforço de cada um também porque além de ser efetivamente um esforço, é menos tempo que você fica com a família, é menos tempo que você tem para o seu lazer, é menos tempo que você tem para outras coisas afinal de contas mas, por outro lado, é muito gratificante porque você começa a ver o desenvolvimento acontecendo. Então, eu acho que vale a pena e por isso eu já, nesse momento, estou preocupado em saber aonde eu vou agora? Aonde eu vou me desenvolver mais ainda?
P/1 - Você esteve fora do Brasil, também?
R - Eu estive em treinamento duas vezes, uma em 97 fazendo um desenvolvimento de executivos lá na (Kelog?) num grupo de muitos estrangeiros e comigo apenas três brasileiros. Foi uma experiência ótima em que eu tive a oportunidade de conhecer muitos, muitas culturas, muitas formas de trabalhar, muitas formas de gerenciamento de americanos, alemães, franceses, malasianos, mexicanos e companhia limitada. Tinha gente do Brasil e do mundo inteiro. No ano passado eu estive no Insead, aí já num grupo de brasileiros, pela Fundação Dom Cabral, fazendo um desenvolvimento de pessoas que também foi muito bom, porque da Vale apenas eu e outro colega, mas conhecendo muitas atividades de grandes empresas brasileiras e o que se vem nessa matéria, de desenvolvimento de pessoas do Brasil. Do Brasil e fora do Brasil. Eu acho que o campo é super promissor.
P/1 - Você tem conseguido ver aplicação no teu trabalho na Vale com essas coisas que você vem estudando, lendo, participando?
R - Sem dúvida acho essa é uma matéria muito interessante para todo mundo que, até para os que não gostam ela é interessante porque hoje todo mundo precisa disso. Quer dizer, relacionar, poder estar conseguindo com que as pessoas possam estar fazendo aquilo que você quer, da forma que você quer, vai depender única e exclusivamente de quem está comandando, de que está dando a forma de fazer isso. Isso não quer dizer que cada dia mais as pessoas têm razão, as pessoas têm sentimentos, as pessoas têm capacidade de avaliação e análise. E é preciso que todo mundo que esteja no comando saiba que todo mundo tem essas habilidades e capacidades. Mas sabendo usar isso bem, você não só consegue realizar o objetivo, como também consegue muitos bons amigos. Isso eu acho que é interessante para todos nós.
P/1 - E como é que é um dia hoje na sua vida, como é que é uma rotina sua hoje?
R - Acho que a minha rotina...
P/1 - Se é que tem rotina.
R - Tem. Tenho que dizer que... Até não, não é que eu não desgoste de rotina, mas se eu pudesse sair dela, certamente eu vou sair. A minha rotina é muito boa de estar tratando... não só mudando sempre de assuntos, de uma hora estou falando de recursos humanos, outra hora estou falando de contratação de serviços, outra hora estou falando de gestão de custos e assim por diante. Como também uma hora eu estou falando em Sergipe, outra hora estou falando no Pará, outra hora estou falando em Carajás. Então, diversificação muito grande, isso é fascinante. Acho que é fascinante, acho que a gente tem chance de desenvolver, não ter a cabeça muito restrita nem em assuntos, nem em regiões.
P/1 - Em termos de lazer?
R - Bem, eu acho que sempre que eu posso eu vou fazer mais do que posso, não é? Acho que eu tenho um futebolzinho com uma turma famosa, posso até, devo até jogar mais um pouco porque uma vez só por semana esta sendo pouco. Mas é um lazer que eu gosto muito porque acontece num dia específico e especial porque é sempre as segundas-feiras. Mas eu gosto muito da minha família, gosto muito de sair, de almoçar fora, de relacionar com a minha família, porque me agrada e me satisfaz e faz com que a gente se relacione, a gente tem coisas muito boas a fazer juntos ainda. Tudo bem?
P/2 - E uma última pergunta, o que é que você achou de ter prestado esse depoimento?
R – Achei interessante.Recolher