Nasci em Minas Gerais, numa pequena cidade, mas nunca morei lá. Fui gerada na praia e meus pais viajaram de volta ao passado para que eu nascesse na grande família. A família com a qual nunca convivi, a não ser em alguns momentos importantes e algumas férias na juventude.
O lugar onde nasci é...Continuar leitura
Nasci em Minas Gerais, numa pequena cidade, mas nunca morei lá. Fui gerada na praia e meus pais viajaram de volta ao passado para que eu nascesse na grande família. A família com a qual nunca convivi, a não ser em alguns momentos importantes e algumas férias na juventude.
O lugar onde nasci é lindo, cheio de matas, rios, cachoeiras, montanhas muito sol e ceu estrelado.
Morei em muitas cidades diferentes. Nossa família mudou pelo menos nove vezes de casa, cidade ou estado. Éramos seis crianças e a mesa do café, almoço ou jantar era uma alegria.
Mamãe era advogada e gostava de muita ordem. Papai era um artesão e adorava pescarias, circos, cavalos e vivia encantando a gente com suas mágicas. Nossas festas eram sempre muito alegres e cheias de surpresas, pois mamãe era criativa e adorava fazer teatrinho, cantar e contar historias. Muitas são as belas lembranças desse tempo feliz da minha infância.
Quando eu tinha 15 anos, mudamos para São Paulo e fiquei muito só. Perdi minhas referências, amigas, turma e meu diário, que não achei mais. Fiquei um tempo sem conhecer ninguem, até que encontrei na minha escola uma velha amiga dos tempos de infância. Com ela fiz muitas aventuras, passeios, acampamentos e juntas namorávamos e íamos em festas e bailes.
Nessa época eu adorava representar, fazer música, escrever poesias e peças de teatro. Cheguei a fazer teatro e propaganda ao vivo para televisão. Sonhei em fazer cinema, mas arrumei um namorado ciumento pelo qual me apaixonei e decidi casar com ele.
Tivemos juntos três lindos filhos, que educamos com todo amor. Éramos felizes até que, um dia, uma bruxa disfarçada de mulher bondosa, roubou o coração dele e fiquei muito doente. Mas não muito tempo depois foi a minha vez, e me apaixonei perdidamente por um homem maravilhoso, que me encantou e eu fiquei paralisada. Só pensava nele e acabei me divorciando para me casar com ele.
Fizemos juntos um projeto novo de vida. Iria morar na Inglaterra, formando uma nova família. Levaríamos as crianças e já havíamos planejado onde elas estudariam e o que íamos fazer. Era um sonho lindo e eu acreditei que era possível de ser realizado. Mas o destino que me esperava era bem outro. Fiquei sozinha com as três crianças, pois acabei me divorciando.
Tivemos que nos separar e só nos reencontramos quase sete anos mais tarde. Ficamos sem nos ver, sem nos encontrar, falamos algumas vezes por telefone, escrevemos centenas de cartas de amor e depois, para não sofrer mais, decidi não alimentar algo que pensei: deve ser para um outra vida.
Parei de entrar em contato, de responder as cartas e viajei para o Canadá, para tentar mudar para lá. Era uma fuga. Queria fugir de tudo. Mas fracassei. Não seria fácil ir com três crianças sem emprego. E eu queria trabalhar na minha área.
Decidi voltar ao Brasil depois de cinco meses e retomar minha vida, meus filhos, minha casa. Me reergui e consegui criar um ninho delicioso para nós. Reformei a casa e quem entrava nela sentia o aroma de casa cheia de vida e calor. As crianças eram lindas e me ajudavam a deixar o ambiente alegre e cheio de cor.
Passaram-se quase sete anos da separação. Meu querido me ligou perguntando se eu ainda queria casar com ele. Fiquei pasma ao escutar aquela voz grave e calorosa.
Precisávamos nos reencontrar, rever e sentir um ao outro.
Marcamos o esperado dia e era tanta a ansiedade que fui uma semana antes, ficando decepcionada e arrazada até descobrir o engano.
Foi como se nenhum tempo tivesse passado. Ficamos abraçados um ao outro durante uns 15 minutos, mudos, sentindo apenas o calor dos nossos corpos e ouvindo nossos corações baterem. Nesse primeiro dia já sabíamos que iríamos ficar juntos e realizar aquele velho sonho de sete anos antes, que não pode ser realizado, mas de forma transformada.
Um tempo em que a lenha da fogueira não fora queimada, pois sequer fora acesa. Foi como se colocássemos achos de lenha diariamente, formando uma enorme fogueira que só agora poderia ser acesa.
Era o ano de 1993 e, em maio, no aniversário de minha filha mais velha, ele veio para ficar conosco e desde então nunca mais nos separamos.
Casei-me oficialmente dois ou três anos mais tarde. Mas não foi fácil. Meus filhos ficaram em São Paulo com meu ex-marido. Nós dois decidimos que assim seria melhor para eles. Eu vinha toda semana para dar orientação, buscar na escola e fazer companhia. Mas sentia falta deles, sentia a nossa casa vazia e sem vida. Chorava quando vinha a noite, ao entrar nos quartos vazios. Meu coração estava partido de dor.
Ao voltar para meu amor, deixava um pedaço de mim com os filhos. Ao voltar para meu amor, sentia que eu não era aceita, as pessoas não me conheciam, não sabiam quem eu era. Eu acho que naquela época eles não me viam como um ser humano que tem filhos, que sentia falta deles, que gostaria de tê-los junto. Eles também não percebiam que eu lutava o tempo inteiro para não me ver mais separada do amor que havia sido tirado de mim anos antes e tudo o que ameaçava minha estabilidade no nosso relacionamento era motivo de grande resistência, pois meu sofrimento sozinha com os três filhos fora muito grande.
Eu sentia que eu era uma ameaça a quebra da manutenção da velha estrutura da família de meu querido esposo. Uma família incrível, linda, maravilhosa, que queria ser preservada e se sentia ameaçada e essa ameaça era eu, aquela mulher que chorava quase todas as noites no silêncio da noite, sentindo-se incompreendida. Por outro lado, a família dele era uma ameaça para mim, pois eu não me sentia integrada e sempre achava que todos queriam tirá-lo de mim.
Depois veio um tempo, decidimos construir uma casa para nós e fizemos uma linda casa no meio de um jardim e que passou a ser o nosso ninho. Lá poderia receber meus filhos, netos que já estavam chegando. Nosso jardim tornou-se um lugar sagrado.
Eu montei meu ateliê e comecei a trabalhar com as pessoas. Foi um tempo delicioso, pois tambem iniciei grupos de trocas biográficas e os vínculos entre as pessoas eram visivelmente fortalecidos.
Meu querido marido decidiu sair da empresa familiar em que trabalhava. Vários fatores contribuíram para essa decisão, que não foi fácil. Ele era um dos pioneiros, havia trabalhado lá há mais de 35 anos. A empresa era como um filho dele. Ele tinha orgulho quando passava pelas unidades e via tudo o que tinha sido realizado. Muitas foram as conversas e foram difíceis momentos que passamos juntos.
Moramos nos EUA para dar um tempo, depois ficamos 4 anos em São Paulo até que voltamos novamente para aquele ninho que havíamos construído. Queríamos recomeçar, estávamos felizes ao voltar à nossa casa maravilhosa e ao nosso jardim, que passou a ser um santuário com plantas florindo nas diversas estações do ano.
No início de 2009, ele adoeceu gravemente, tendo que retirar um tumor canceroso do intestino. Isto fez com que redirecionássemos nossas vidas. Decidimos fazer uma grande mudança e viver mais livremente. Nossa relação com o tempo e a vida mudou. Nossos valores eram outros. Lemos nesse tempo um livro The New Earth, de Ekhart Tolle, que o irmão dele nos deu de presente. E agora estamos em fase de iniciar a grande mudança.
Decidimos vender tudo o que temos e morar na Europa. Estamos recebendo apoio de muitos amigos, respostas que nos dão a certeza de que estamos no caminho certo.
Hoje estamos nos desfazendo das nossas coisas. Percebemos que juntamos tanta coisa que nem nos era útil. Percebemos que nossa história também assusta as pessoas, mas alimenta muitos sonhos que as pessoas pensam que não podem ser realizados.
(História enviada em dezembro de 2009)Recolher