Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Maria Alice Gonçalves dos Santos
Entrevistado por Claudia Leonor e Miriam Colares
Rio de Janeiro, 19/11/2003
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV150
Transcrito por Leon Tolentino Bucaretchi
Revisado por Ana Calderaro
P – Qual o seu nome,...Continuar leitura
Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Maria Alice Gonçalves dos Santos
Entrevistado por Claudia Leonor e Miriam Colares
Rio de Janeiro, 19/11/2003
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV150
Transcrito por Leon Tolentino Bucaretchi
Revisado por Ana Calderaro
P – Qual o seu nome, data de nascimento e local de nascimento?
R – Meu nome é Maria Alice Gonçalves dos Santos, eu nasci no Rio de Janeiro no dia sete de dezembro de 1962.
P – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Manoel da Silva Oliveira Santos, e minha mãe Maria Adelaide Gonçalves dos Santos.
P – O nome dos seus avós paternos.
R – Teste de memória. É Rosa Maria dos Santos e Francisco Oliveira Santos.
P – E os maternos?
R – Esses são mais fáceis. Abel do Amor Divino Gonçalves e Maria Alice Gonçalves da Ponte. Porque viveram comigo mais tempo, então por isso é mais fácil.
P – E qual era
a profissão deles, o que eles faziam?
R – Bom, meu pai era português e os meus avós moravam em Portugal. Meu avô trabalhava com madeira, extração, fazia tamanco, extraía madeira e fazia produção com a madeira, geralmente tamancos. Minha avó não trabalhava porque lá é difícil, principalmente naquela época. Era muito difícil mulher estar trabalhando. Os meus avós daqui, o meu avô, da minha mãe, veio de Portugal para trabalhar aqui com a parte de comercio e acabou tendo uma fonte de água, fonte de água Santa Rita, que hoje ainda é a... Durante vários anos ele viveu da fonte, foi um grande comércio para ele, durante muitos anos da vida dele. Depois ele se aposentou, vendeu a fonte e ficou aposentado durante muitos anos, até falecer. Minha avó também trabalhava em casa, no início ela lavava roupa, fazia bolos... Todo imigrante, quando chega, tem que ter um jogo de cintura para sobreviver, vivia muito disso no início. Depois, quando a coisa se estabilizou, ficava só em casa cuidando dos filhos.
P – E seu pai?
R – Meu pai tinha comércio, era autônomo, vendia carro, trabalhou com caminhão, foi motorista de ônibus... Acho que de tudo um pouco ele já fez na vida, tinha feito na vida. Nos últimos anos de vida ele tinha uma distribuidora de produtos de perfumaria, e aí acabou não mais estando entre nós, digamos assim.
P –Ele nasceu aqui?
R – Não, ele nasceu em Portugal e veio pra cá fugido da guerra na Angola. Ele teria que servir em Angola e aí veio fugido. Veio pra cá e ficou um tempo trabalhando em armazém até começar a parte mesmo de motorista de ônibus e caminhão e começar a fazer a vida dele.
P – Maria Alice, o que você reconhece dessa sua origem portuguesa? Os traços culturais?
R – A gente tem muita coisa da família. A preocupação com a família é muito uma coisa do português, a união é muito forte, que eu vejo mais... Não sei eu, com quem eu convivi, que foram os meus avós, que são pessoas mais próximas, são pessoas muito… Não sei se a palavra é desbravadora, mas eu acho que se aventuram muito. Quer dizer, meu avô veio de Portugal pra cá sem nada, meu pai fez a mesma coisa, então eu acho que eu tenho um pouquinho dessa coisa do desafio, buscar coisas diferentes, e tenta estar sempre aprendendo um pouquinho com as coisas que você vive no seu dia a dia. Eu acho que isso é uma coisa não sei se do português, mas da minha criação e do que eu vivi com a minha família.
P – E em termos de culinária?
R – Isso aí tem os famosos bolinhos de bacalhau, que isso aí não dá pra resistir. O bacalhau à espanhola, o bacalhau de forno, que é uma coisa bem típica, bolo de nozes, broas... Isso são coisas que a gente vai passando lá em casa, no Natal, rabanada de vinho, que normalmente as pessoas não conhecem, só conhecem a de leite. O português faz rabanada de vinho, normalmente vinho tinto ou vinho branco, que eu amo de paixão. O Natal pra mim é maravilhoso só por causa das rabanadas. Amo, adoro. Então essas coisas a gente vai deixando, vai continuando de pai pra filho mesmo.
P – Em qual parque você passou a sua infância aqui no Rio?
R – Eu morei até os oito anos em Brás de Pina, perto da Penha. É até onde meu avô tinha o depósito da fonte, a fonte era em Magé e o depósito era lá em Brás de Pina. Até os oito anos eu morei lá e depois fui pra Tijuca. E aí morei na Tijuca o resto da minha vida, até o ano de 2000, que eu fui pra Belém, fui representar a fundação lá em Belém. Fiquei um ano e voltei pra cá em 2001. Fiquei também mais dois anos aqui no Rio de Janeiro e em Janeiro desse ano eu fui para Teresópolis, fui buscar outros ares. (risos)
P – Vou recuperar. É Brás Pina?
R – Brás de Pina.
P – Lá em Brás de Pina, o que você lembra? Como era a rua sua casa?
R – Bom, há quarenta anos atrás não tinha o movimento que tem hoje, então a gente tinha... Os vizinhos eram muito próximos, eram quase família pra gente porque eram poucos. A gente mais ou menos se conhecia, eram compadres e comadres, a gente brincava muito na rua porque não tinha trânsito, não tinha movimento. Então era brincadeira de boneca na casa do outro, pique, eu estudava em um colégio de irmãs, e normalmente tinha muita coisa de teatro, coisas de artes plásticas que a gente fazia. São coisas que a gente marca muito na infância. Eu ia sempre de ônibus e eu lembro que tinha o motorista de ônibus que era a minha paixão, Seu Átila, que até hoje a gente lembra, coisas que a gente guarda na memória. Eu era a primeira a entrar no ônibus e a última a descer, e era o xodó, porque normalmente eu entrava no ônibus toda arrumadinha, eu ia, brincava, fazia tudo o que tinha que fazer e voltava arrumadinha. Era uma das únicas que conseguia chegar igual como tinha saído, então era o xodó pra ele. São coisas que marcam muito e, pra mim, entrar na escola foi difícil, porque eu fui filha única e primeira neta durante seis anos, então era o xodó. Minha avó morava na frente e a gente morava atrás, na casa de trás, então minha mãe brigava comigo, eu corria pra frente e pedia socorro para a avó, que era a madrinha. Era meio confuso, e aí me resolveram, em um belo dia, me colocar na escola. E eu não queria ir, tava na boa vida ali, não tinha nada pra fazer, não queria ir pra escola e aí fui. Mas foi um desespero, porque acho que tinha que ter quatro ou seis irmãs me segurando para eu poder entrar na escola, porque eu não queria entrar na escola. E aí, no primeiro mês indo à escola, todos os dias passei na secretaria da escola porque eu não ia pra sala de aula. Então tinha uma irmã, a irmã do Rosário, que tinha uma paciência que até hoje eu não sei de onde ela tirou, que ficava comigo na secretaria porque vendia lápis, caderno. Então eu ficava com ela lá. Depois de um mês dela tentar me catequizar para eu ir para a sala de aula, ela resolveu ir comigo para sala de aula, aí a cena era linda: todos sentados na sala de aula, eu aventureira sentada e a irmã do meu lado até a hora do recreio. Aí, na hora do recreio, ela falou que precisava voltar para vender os livros e eu falei: “Tudo bem, eu posso voltar com a senhora e a senhora volta depois.” “Não, não, fica e eu vou.” E assim eu fiquei. Foi quando eu comecei a realmente estudar pra valer, porque até então era só brincadeira. Essas coisas a gente guarda. Foi muito legal, era uma época que minha mãe ficou grávida, aí vinha minha irmã. Quer dizer, tinha todo um processo ali de “tô perdendo meu lugar”, mas foi muito legal.
P – E vocês iam à mina brincar, mina d’água?
R – Não, é distante. A fonte ficava em Magé, que é caminho para Teresópolis.
Eu lembro de ter ido uma ou duas vezes lá, mas a gente ficava mais na fábrica, onde tinha a parte de engarrafamento da água. Aí a gente via colocando água nas garrafas, colocando as tampinhas - que eram de vidro naquela época -, e aquelas tampinhas tipo garrafa de cerveja, e tinha toda uma produção. Então isso meu avô deixava a gente ver porque não era arriscado, tinha todo um controle. Da fonte mesmo eu não me lembro, não me lembro de ter ido à fonte mesmo ver, não sei se fui, não me lembro. Então a gente ficava ali mesmo e onde meu avô tinha o depósito, que aí era um espaço onde ficavam os caminhões carregando, tinha aqueles engradados de água...
P – E aí, quando você foi pra Tijuca...
R – Meu avô ainda ficou com a fonte e a gente foi pra Tijuca. Aí já era um outro processo. Mudei de escola, fui pra escola pública, meu avô morava num outro prédio, eu morava mais distante e a coisa foi andando. Alguns anos depois, não sei quanto tempo depois, ele acabou vendendo a fonte, aí a gente perdeu o contato todo com essa questão de Magé, tinha os terrenos lá, ele viveu da aposentadoria durante alguns anos mais até falecer.
P – E o que mudou? O bairro, as brincadeiras?
R – Era completamente diferente. Quando você chega, Brás de Pina era um bairro pequeno, todo mundo se conhecia. A maioria veio de Portugal, é toda uma ligação histórica. E aí, quando você vai para um bairro como a Tijuca... Primeiro porque a gente não tinha nascido na Tijuca, a gente já estava indo de intruso, e não tinha essas amizades de criança, de ter vivido junto, então a gente tinha no prédio algumas pessoas com que a gente conviveu, cresceu junto no prédio. Tinha grandes amigos com que a gente estudou junto, brincava junto de pique bandeira, essas coisas, no prédio onde meu avô morava. Mas aí já era uma relação diferente mais fechada. Dentro da escola... Ou você brincava na escola ou no prédio, porque onde eu morava na Tijuca era na Conde Bonfim. Quer dizer, uma rua super movimentada, de ônibus e tal. É complicado. Então era uma relação totalmente diferente, a gente tinha um espaço para brincadeira. E onde eu morava em Brás de Pina, não, a gente podia brincar em qualquer lugar, tava livre pra brincar em qualquer lugar, não tinha perigo, não tinha nada.
P – Você lembra de alguma traquinagem que você aprontou?
R – Até que eu era tranquilinha, não era complicada. Minha irmã fez muita, eu ficava só assistindo. Eu era tranquila, traquinagem eu não me lembro de nenhuma, não. Eu só aprontei uma, que eu acho que não foi aprontar, mas aconteceu quando eu tinha quatro anos. Fui a Portugal pela primeira vez conhecer meus avós de lá e tal. Minha avó e madrinha daqui também foram, só que um ficava no sul e outro ficava no norte. Eu era pequenininha, tinha quatro anos, era muito agarrada com a minha madrinha, e a gente chegou lá em Portugal para visitar os meus avós. Minha avó querendo fazer tudo pra me agradar e eu com febre, não queria comer nada, com febre, chorava, só chamava pela minha madrinha. E aí, minha mãe sem graça, porque estava na casa da outra avó e chama pela madrinha. Mas já pelas tantas minha avó que era minha madrinha ligou e aí ficou sabendo que eu tava doente. Ela pegou o primeiro trem para a casa da minha avó de lá. Quando ela chegou lá, foi ela chegar, sentou do meu lado, eu comi, eu bebi e a febre passou. Minha mãe fala que ela não sabia onde enfiava a cara, porque era a mesma coisa que dizer assim: “Eu to aqui, mas eu quero a outra viu!” Então foi uma situação muito complicada, coisa de criança. Até os quatro anos eu vivia na barra da saia da minha madrinha, eu tava num lugar diferente, com pessoas que eu não conhecia, completamente diferente, então essa ai foi complicada. É o que eu conto ate hoje. De traquinagem essa foi uma. Outra foi quando eu era muito pequenininha, não me lembro quantos anos eu tinha. Minha mãe tinha um casamento pra ir e eu não queria ir ao casamento com a roupa que ela tinha escolhido. Ela deu uma roupa nova cheia de babados, aquelas coisas e eu não queria, eu queria ir com a roupa velha que eu gostava, é óbvio. Aí eu não fiz nada. Deixei ela me vestir todinha, tava chovendo um dia antes e na frente de casa tinha aquelas tampas de bueiro. Eu não duvidei. Saí toda arrumadinha, deitei no chão, virei pra um lado, virei para o outro... Eu de branco, meu vestido era branco! Ela conta isso até hoje. Virei para o lado, voltei pra dentro de casa: “Mãe, escorreguei, olha o que aconteceu.” Olha, quando meu pai viu aquilo, não falou nada. Como bom português, virou a mão e me deu um tapa. E eu, muito branquinha, fiquei com os cinco dedos marcados. Ninguém foi ao casamento, claro, e eu chorei o resto da noite por causa disso. Então já era atacada desde aquela época e não fui, não fui com a roupa que eu queria, nem
fui com a roupa que ela queria, mas não fui. Era triste. Que eu me lembre, os vexames que eu dei pelo caminho foram esses.
P – E a época de adolescência?
R – Foi uma adolescência muito tranquila, a gente ficava muito no prédio brincando, conversando até altas horas. Mas não era de aprontar, não. Tinha aqueles amigos mais chegados, que normalmente estudavam comigo ou eram do prédio, mas não me lembro de nenhuma traquinagem, não. Um pouco mais velha eu já aprontei, de sair e dizer que ia pra barzinho, fui parar em Petrópolis, e aí só voltei no outro dia às cinco horas da manhã, fingindo que tava comprando pão, aquelas coisas. Aí já era bem mais velha, com meus vinte anos, já não era mais adolescente, aprontando.
P/2 – Vocês iam com frequência para Portugal?
R – Eu fui pra Portugal com… Com frequência, não. A gente foi para Portugal quando eu tinha quatro anos, eu fui de navio. Depois eu fui mais duas vezes, fui em 1980 e… Não, fui mais uma vez em 1989. É, eu fui duas vezes, uma com quatro anos e a outra em 1989, que a minha irmã não conhecia, aí fui pra minha irmã conhecer. Duas... Acho que foram duas. Duas ou três, eu não me lembro agora. Mas acho que foram duas vezes que eu fui a Portugal. Na segunda eu consegui conhecer uma parte maior de Portugal, que a gente foi até o Algarve.
P/2 – Tem parentes lá?
R – Tem os meus tios. Os meus avós já morreram, mas os meus tios, irmãos do meu pai, ainda moram lá. De vez em quando a gente troca e-mail e fala por telefone, eles vieram aqui há algum tempo atrás. A gente de vez em quando se fala. Eu gosto muito de lá, é muito bonito.
P – O que você admira na paisagem, nos lugares?
R – Eu acho bonita a relação que eles tem, entendeu? Entre eles, eles tem um... Hoje eu vivo isso um pouco mais em Teresópolis, na Tijuca era mais difícil. Você, quando está numa cidade grande, você fecha a porta da sua casa você e não sabe quem está do seu lado. Se tem alguém morrendo do seu lado, você nem sabe. Morreu e você nem viu. E lá, não. Os vizinhos, as pessoas são muito próximas, às vezes, até um pouquinho demais. Invadem um pouco a privacidade mas há uma laço maior de amizade. Por exemplo, quando a gente foi, logo depois que eu entre para a Fundação, eu fui passar férias lá, foi em 1988. Quando eu fui foi uma coisa muito legal porque os vizinhos queriam fazer jantar pra gente, tipo assim: “Vamos comemorar que eles estão aqui.” Então faz um jantar, janta na casa de um num dia, janta na casa de outro no outro dia, então é uma receptividade tão grande, as pessoas te tratam com tanto carinho, é uma união tão grande que é bonito isso. Isso você consegue ver em uma cidade menor. Em Teresópolis eu tenho também grandes amigos, passei a minha infância inteira indo de férias para Teresópolis, então muitas pessoas ainda moram lá e a gente convive com isso. Então acho que quanto menor a cidade, essa proximidade acontece mais. Numa cidade como o Rio de Janeiro é impossível, raramente você vê o vizinho, sabe o que está acontecendo. Eu gosto dessa coisa de ter contato, de participar, acho muito gostoso.
P – Maria Alice, essa parte da adolescência, o que você pensava em ser quando crescesse?
R – A gente passa por um monte de fases, na primeira era aeromoça. Eu não sabia que no futuro eu ia conseguir isso sem ser aeromoça, viajar do jeito que eu ando viajando na fundação. É pior do que aeromoça mas tudo bem. Então primeiro foi aeromoça. Depois eu pensei em ser professora, como todo mundo pensa, porque a minha tia era professora e tinha toda uma ligação afetiva. Aí depois eu tive uma grande amizade, até de Teresópolis, que fazia psicologia, aí a gente conversava muito sobre o que era, o que não era, e eu me interessei pela psicologia. Então, quer dizer, eu não tive muitas escolhas. A psicologia, para mim, era muito forte, era uma coisa que eu achava que tinha a ver comigo, Aí eu acho que com dezessete... Dezessete não porque eu já tava entrando na faculdade. Mas com quinze eu já tava quase que certa. Fiz o meu teste vocacional, que deu relações humanas... Quer dizer, tava indo pelo caminho que eu gostaria de ir mesmo.
P – E nessa época, quinze, dezesseis anos, o que te encantava na psicologia?
R – Conhecer mais como é o processo de ligação das pessoas, como é o comportamento das pessoas, como você lida com isso, como você tenta ajudar ou até levar aquela pessoa à uma determinada decisão, alguma escolha. Eu achava isso muito interessante.
P – E seus pais, sua mãe, o que eles…?
R – Eles nunca interferiram no processo de escolha. Não sei porque meu pai não estudou, tinha só o primário, minha mãe também não estudou, então eu acho que o que a gente optasse, tudo bem, era uma escolha nossa. Isso foi muito bom, porque não teve uma forçação de barra, “tem que ser isso ou aquilo”, então a gente teve liberdade para escolher. Eu sou psicóloga e minha irmã é fisioterapeuta. Desde o início a gente foi pensando bem no que queria fazer, pesquisando, conversando com pessoas que trabalhavam na área e a gente fez a opção sem nenhum problema.
P/2- Prestou vestibular?
R – Eu prestei vestibular pra faculdade pública e não passei. Fiz pra PUC [Pontifícia Universidade Católica] também, que é particular, e não passei. Passei pra Gama Filho, mas eu só fiz um vestibular. Quer dizer, um num ano e aí passei. Eu tinha dezessete anos quando entrei pra faculdade, era muito novinha também, e aí não tava muito preocupada se não passasse porque eu me achava muito novinha pra estar entrando na faculdade. Mas passei logo no primeiro ano que eu prestei, fiz o último ano num cursinho para dar preparo para poder fazer vestibular e aí fiz e passei pra Gama Filho. Fiz os quatro anos lá, trabalhava nas Sendas como estagiária, ia de manhã cedo para as Sendas e aí ficava até a hora do almoço, pegava um ônibus das Sendas até a estação de trem, pegava o trem até Piedade, estudava a parte da tarde toda e aí voltava pra casa. Era uma programação.
P – Nossa, uma aventura eu diria.
R – Hoje eu não sei se eu faria isso, negócio de pegar trem, eu não sei. Mas na época íamos eu e mais duas ou três pessoas juntas. Pegava ônibus até Madureira, e de Madureira pegava o trem até Piedade.
P – Era sempre um divertimento, não é?
R – Sempre uma brincadeira ou outra, era sempre um divertimento. Teve uma época que eu ia de carro, que aí meu pai... Quando eu já tinha carteira, mas aí já no final da faculdade, 21 anos assim… Com dezessete a vinte... Com vinte anos é que eu ganhei carro e aí comecei a ir. Mas ia de vez em quando, quando não tinha o estágio, aí eu ia de carro. Mas na maioria das vezes a gente ia de ônibus e de trêm.
P – E a turma da faculdade?
R – A turma da faculdade foi muito boa, porque até hoje eu tenho contato com algumas pessoas. Como eu sempre fui do mesmo turno, tem isso, porque era crédito, às vezes, nem sempre eram as mesmas pessoas. Se o turno era o mesmo a chance da gente se encontrar era maior. Então, quando era dia de matrícula, a gente marcava antes: “Qual você escolheu? Escolhi essa.” Para a gente poder ficar na mesma turma, então tinha quatro ou cinco pessoas de quem a gente sempre estava próxima. Hoje uma está na Espanha, morando na Espanha; outra tinha uma agência de viagem que eu não sei como ta agora; uma trabalha com psicologia; a outra também trabalha com psicologia, tem uma agência de empregos. Então, mal ou bem, umas quatro ou cinco... A outra mudou para Portugal, foi morar em Portugal, que o marido é de lá, trabalha com psicologia e marketing lá. Mais ou menos a gente vai acompanhando a mesma distância, vai vendo o que as pessoas fazem.
P/2 – E a Casas Sendas, como você chegou ao estágio lá?
R – A Casas Sendas, eu comecei a estagiar lá em 1984. Teve um processo seletivo eu entrei para o estágio e ficava com a parte de seleção. Tinha prova, normalmente de manhã cedinho tinha uma fila lá no Shopping Sendas - bendito Shopping Sendas - e aí as pessoas se inscreviam para fazer provas. Era uma prova de português e matemática que era como um pré-teste. Aí, de acordo com aquela classificação ele ia passar pela parte seguinte de testagem, só que tinha um problema muito sério porque, normalmente, tinha um processo de contratar as pessoas que moravam próximas às lojas onde tinha vaga. As pessoas já tinham percebido que isso acontecia e, às vezes, mentiam o endereço, então os meninos iam lá pra baixo, perguntavam onde moravam, já selecionava dali quem não estava dentro das vagas que a gente tinha e mandavam subir. E só subia realmente quem estava próximo ao endereço. Só que uma vez eu já tava quase no final do estágio e entrou uma menina, e na hora da prova a gente ficava olhando porque eles colocavam o endereço no cabeçalho da prova. A gente ficava olhando pra ver se o endereço batia com o que a gente tinha de vaga e uma dessas a garota subiu dizendo que morava na zona sul, mas morava em São João de Meriti, eu vi que ela botou o endereço e fiquei na minha. Falei: “Bom, na hora do final da prova, faço que estou corrigindo, digo que ela não passou e pronto.” E assim fiz. Ai ficaram ela e a irmã dela, que eu não sabia que era irmã dela na sala. Ela me entregou a prova e falei: “Olha, você não passou.” “Como não passei? Tenho certeza que eu passei.” Falei: “Não, você não passou.” Aí começou uma discussão e ela falou assim: “Você está mentindo.” Eu disse: “Quem está mentindo é você, dizendo que morava num lugar que não mora.” Aí começou um bate-boca, a irmã dela tentando segurar ela, e eu sozinha na sala. Eu, estagiária, sozinha na sala. Ela falou: “Você tem filhos?” Começou a ser grossa e eu disse: “Não, mas tenho pai e mãe.” Ela disse: “Mas eu preciso de um emprego pra dar de comer aos meus filhos.” Eu disse assim: “Eu sei dessa coisa mas eu não tenho nada a ver com isso.” Aí ela veio pra cima de mim pra me dar um tapa na cara, eu desviei e saí correndo gritando pelo Juninho, que era o menino que fazia a seleção lá embaixo: “Juninho, pega essa mulher.” E aí ela saiu correndo pelo corredor, isso no meio da Sendas. Aí saiu o Julinho correndo atrás da mulher, todo mundo correndo atrás da mulher e ninguém achava a mulher. Ela tinha saído pelo portão. Como o shopping é no alto, o ponto de ônibus fica dentro do Shopping Sendas e ela parou no ponto de ônibus e começou a falar com a irmã: “Porque é um absurdo...” Discutindo. E eu nervosa lá. Aí os seguranças perceberam que era ela, levaram ela para dentro da cabine de segurança e me chamaram pra reconhecer a garota: “Eu não vou, ela vai me bater lá dentro.” “Imagina, não vai te bater.” Aí fui eu e minha chefe. Aí ela vira pra mim: “Você, me desculpa. Eu estava muito nervosa. Aliás eu nem bati em você, não é?” Olha, eu tinha vontade de esmurrar a garota naquela hora quando ela falou isso que falei. Cadê minha chefe? “Vamos embora, pelo amor de Deus, vamos embora me tira daqui.” Aí eu sei que depois ela ficou lá o dia inteiro, não deixaram ela sair, não deram comida pra ela, não deixaram ela ir ao banheiro, ela ficou de castigo lá o dia inteiro e nunca mais apareceu. Então, quer dizer… Isso eu acho que, para mim, não foi uma coisa muito legal, óbvio, mas começou a me dar um preparo para lidar com situações com que eu não estava preparada ainda, porque eu era muito novinha.
P – Quantos anos você tinha?
R – Isso foi em 1984, eu tinha vinte e poucos anos, 22 anos, entendeu? Então era muito novinha, aquilo foi um baque pra mim. Aí eu falei: “Bom, pelo menos agora eu já sei como eu posso lidar com essas situações.” Essa foi uma que eu vivi lá dentro, depois foi tranquilo quando eu fui contratada pra fazer o processo seletivo lá para as Sendas de Alcântara.
P – A inauguração da unidade toda... Queria que você recuperasse essa história.
R – Eu fiquei como estagiária um ano, aí eu acabei o estágio e me formei. Isso em janeiro de 1985. Eu me formei e aí fiquei até junho de 1985 no grupo de estudos em Gestalt terapia, que é uma parte da psicologia que eu gosto, e a gente fez grupo de estudo, grupo de terapia. Aí, quando foi em junho, a Sendas me chamou porque eles iam inaugurar uma filial em Alcântara, uma filial que precisava de pelo menos quinhentas pessoas trabalhando na loja, e eles achavam que eu poderia estar ajudando nesse processo seletivo. Aí fui contratada por três meses, eram julho, agosto e setembro. Aí entrei. Todo processo seletivo... Todo, não, mas a maioria, foi feito na Sendas do Barreto, e tinha dias de ter milhões de pessoas na filial e agente ter que gritar com as pessoas para poder o pessoal esperar ser atendido. E, normalmente, eram os processos seletivos para ser atendido para a segurança, então eram aqueles marmanjos dois por dois e eu pequenininha ali no meio. Eu ficava: “Vou apanhar aqui, vão me matar no final.” O carro parado no estacionamento e pensei: “Na hora que eu sair não tem carro, não tem ninguém porque não vou nem conseguir sair daqui.” Mas, não, foi super tranquilo, o pessoal super legal da própria filial ajudou no processo de seleção, a gente conseguiu montar a loja com todo mundo lá dentro, no prazo, e depois que a Sendas foi inaugurada - em setembro -, eu fui efetivada. Aí fiquei responsável pelo recrutamento externo. Tudo quanto era vaga das outras filiais de processo seletivo externo, eu tomava conta, e tinha estagiárias comigo, então era muito legal. Eu lembro uma vez, numa dessas seleções, que eu tava nessa Sendas do Barreto e eu detestava fígado. Coisas que a gente guarda na memória, vamos falar de memória. Aí minha mãe fez uma quentinha pra mim e eu adoro bife à milanesa, então tinha arroz, feijão, bife à milanesa, estava no carro guardadinho. Eu falei: “Bom, na hora do almoço pego minha quentinha e vou comer.” Aí o gerente da loja, querendo ser bonzinho: “Não, vamos almoçar com a gente lá em cima.” Eu, morta de vergonha, não ia pegar minha marmita e levar lá pra cima, o cara tava cheio de boas intenções, querendo servir o melhor que ele tinha na filial. “Vamos lá em cima.” Aí, na hora que eu sento na mesa, o que tem na mesa? Fígado. Falei: “Não posso acreditar que eu vou ter que comer bife de fígado lembrando do meu bife a milanesa no carro.” Olha, aquilo pra mim foi horrível, aí eu botei um pinguinho de arroz, um pinguinho de feijão, peguei uma isca de fígado... “Não vou conseguir comer isso.” E tinha ovo, eu adoro ovo, falei: “Vou pegar um ovo e misturar isso no meio do ovo pra comer. Aí depois eu fui contar isso pra minha mãe em casa e ela ria muito. Falou: “Isso é castigo porque você não come em casa, foi obrigada a comer na rua, entendeu?” Não tem saída, na rua você não podia dizer que não. Então teve essas coisas. Você acaba passando por tudo isso mas aprende muito, é uma grande escola. Lidar com o público diretamente, ainda mais no processo seletivo, é uma grande escola.
P –E aí em 1987 você saiu?
R – É, eu saí de lá por outros... Assim, com quem eu trabalhava nas Sendas, na época, a gente não se entendia muito bem, eles colocaram uma pessoa de fora que não era muito comigo, tínhamos estilos diferentes de trabalho. Aí eu não concordei com o estilo de trabalho dela e eu falei: “Já que á assim, se a preferência é pelo estilo de trabalho dela, eu estou saindo.” Aí fiquei, saí em fevereiro, e em abril entrei na Beneficência Portuguesa. Aliás, no lugar onde eu nasci, acabei trabalhando.
P – Ah, é?
R – É, eu nasci no Hospital da Beneficência Portuguesa, aí trabalhei lá como encarregada de recrutamento durante um ano. A gente só não fazia processo seletivo para os médicos, era só pra o pessoal da enfermagem, a parte administrativa. Os médicos eram indicações. E fiquei lá até vir pra cá, para a Fundação, em maio, não acho que foi em abril porque eu fiquei um ano na Beneficência. Em abril do ano seguinte teve um processo seletivo para a Fundação, para recrutamento de seleção, gerente de recrutamento de seleção. Uma amiga minha que era da Fundação, estava indo para outra área e me indicou para participar do processo. Inclusive, quando ela veio pra cá para a Fundação, a gente trocou figurinhas sobre que tipo de testagem colocar, as que eram mais usadas. A gente meio que montou juntas o processo, aí eu participei do processo de seleção para fundação, fui chamada e acabei vindo para o recrutamento de seleção. Aí tinha uma estagiária comigo e uma ajudante, a gente fazia processos internos e externos de seleção. Primeiro a gente tentava internamente, via se a gente tinha a pessoa para encaixar na vaga, e quando a gente não tinha, a gente passava para o processo externo.
P – Dentro do próprio quadro da Vale?
R – É porque na época eu entrei e a Fundação fazia administração da condomínio, então a gente tinha todo esse prédio do EBM, a administração era feita pela Fundação. Todas as recepcionistas, o pessoal da manutenção, tudo isso fazia parte do nosso quadro de pessoal, então eram nossos. E fora do Rio também, a Albras, que tinha prédio, tinha recepcionista. Tudo isso era um processo nosso, a gente fazia. Então a gente, primeiro... Por exemplo, surgiu uma vaga de recepcionista, a gente procurava em outro lugar alguém que tivesse as qualidades necessárias, o perfil, e tentava encaixar. Recepcionista é um cargo muito difícil porque, normalmente, é a porta de entrada da empresa. Mas, por exemplo, você saia de recepcionista para um auxiliar administrativo e assim ia passando para as outras áreas. Primeiro a gente tentava internamente, se a gente conseguia, ok. Senão a gente passava para o processo externo e aí a gente fazia seleção mesmo, currículo, mandava para testagem fora. Normalmente a gente só fazia teste de português, matemática e conhecimentos específicos dentro da empresa, o teste psicológico era feito por uma empresa de fora, terceirizado. Aí fiquei um bom tempo nessa área de recrutamento de seleção e a empresa foi passando por um processo de modificação do quadro. A parte de condomínio saiu da administração, passou a ser condomínio mesmo, administrado pelo condomínio, e aí a gente tinha um número menor de pessoas. A empresa passou a não ter só a área de recrutamento de seleção, tinha a área de benefícios e recrutamento de seleção. Depois saiu disso e passou para RH, que ai já envolvia benefÍcio, recrutamento de seleção, departamento pessoal, tudo em um mesmo espaço. Então fui passando. Primeiro entrei como recrutamento de seleção, vivenciei seleção, fui para benefício, fui para recrutamento e aí passei pra folha de pagamento. Fiquei muito tempo na folha de pagamento, não só na folha como sentido de pagamento, mas quando você fala “folha de pagamento”, você se refere a tudo que entra dentro da folha, benefícios, encargos... Então passei muitos anos trabalhando com isso. Não era muito a minha praia, não, mas a gente precisava, então vamos nessa!
P – Vamos voltar um pouco. Quando você entrou na Vale, qual era a sua perspectiva de trabalho?
R – Quando eu entrei em 1988 na Fundação, era um grande sonho você falar “Vale do Rio Doce”, então quando eu entrei na fundação eu pensei: “Estou entrando na Fundação hoje, daqui um tempo eu posso estar entrando na Vale do Rio Doce” Todo mundo que entrou na fundação naquela época tinha esse mesmo pensamento. Depois de um tempo que eu já tava no recrutamento de seleção, isso já não era mais o meu objetivo futuro, não. E hoje não é meu objetivo futuro ir para a Vale. Quer dizer, na época eu comecei a gostar do que eu fazia na Fundação, e pensei que a gente podia ser tão grande ou suntuosa quanto a Vale. Mas dentro daquele espaço eu gostava do que eu fazia e das pessoas em que eu trabalhava, aí a Vale era uma coisa mais distante, uma coisa meio longe. Fui trabalhando, conhecendo outras áreas, acho que isso me interessou muito. O que me manteve muito na fundação foi que eu não fiquei num só lugar, eu passei por várias áreas conhecendo coisas diferentes, pessoas diferentes. Quando eu fazia folha de pagamento, a gente ia pra Vitória. O processo da folha mesmo, como ela é feita, como você processa, eram coisas diferentes que eu ia aprendendo que, pra mim, era muito legal, porque saia da rotina. Então, para mim, era uma coisa muito boa, vai aprendendo acrescentando coisas muito boas. E foi muito legal quando a Vale privatizou. A gente ficou muito preocupado. Quer dizer, o que vai ser da gente agora, enquanto Fundação? Nós éramos um grupo bem menor, um grupo de, talvez, cem pessoas. O que vai acontecer com a gente? Aí a gente continuou trabalhando. A diretoria, na época: “Vamos investir na parte social porque acho que o caminho é esse.” A gente começou a agir em projetos sociais sem foco no início. Vamos fazer qualquer coisa de social, porque o nome da fundação é Vale do Rio Doce, de habitação e desenvolvimento social, então habitação a gente já não ia fazer mais porque a gente já tinha concordado que habitação ia passar para a Vale terceirizada, e a gente ia trabalhar só o social. Então a gente começou a trabalhar a questão social, isso pra mim foi uma coisa nova e muito legal, porque tinha a ver com o resgate da psicologia e com o público. São projetos sociais de transformação social, tem tudo a ver com o que eu gosto, com o que eu escolhi para minha profissão, então fui indo, fui caminhando e hoje eu estou aqui.
P – Antes da privatização, como era a coisa da habitação?
R – A fundação era agente financeiro.
P – Agente financeiro?
R – É, ela construía moradias para os empregados do Grupo Vale ou financiava para compra de imóveis avulsos. Então ela tinha uma carteira hipotecável na época. Eu não entrei na fundação logo no início. Ela começou em 1968 e naquela época, onde a vale ia colocar mina, não tinha casa, normalmente não tinha nenhuma estrutura, então eles começaram a fazer casas de pré-moldado em Vitória, no Pará, o núcleo urbano lá de Carajás... Toda uma construção em que aí vamos colocar a Fundação para fazer esse trabalho de agente financeiro. E ela ficou durante todos esses anos como esse agente financeiro. Ela financiava a maioria dos empregados e, quando a privatização chegou, a grande maioria dos empregados já tinha imóvel. Naquela época da privatização isso já não era uma coisa tão grave. Em 1968, 1970 a moradia era uma coisa muito grave, as pessoas tinham dificuldade realmente de conseguir moradia. O banco não financiava, ou financiava com juros altíssimos, era diferente. Os juros que a fundação oferecia eram baixíssimos, um prazo de pagamento super extenso. No fundo ela era uma mãe, tinha todo esse processo. Fora que você estava sendo atendido pela empresa, você ia dentro da empresa, falava com pessoas que estavam ligadas à empresa, tinha um tratamento diferenciado de você chegar lá fora e ser mais um.
P/2 – Chegaram a ser montados bairros?
R – Por exemplo, lá em Belém. Eu não conheço muito, não, tá? Mas lá em Belém, onde a Vale teve um empreendimento, um bairro inteiro de casas pré-moldadas que foi feito pela Fundação, a gente tem em Vitória coisas mais isoladas. Tem no bairro tal, no outro bairro. Quer dizer, dependia muito de onde a Vale estava situada. Então isso variava muito. Lá em Vitória, por exemplo, a gente tinha uma fábrica de pré-moldados, então as casas eram todas de pré-moldados de dois, três quartos. Aí a pessoa modificava. Ganhava a casa daquele jeito e mudava, botava um quarto, fazia uma garagem. Mas a estrutura inicial era toda de pré-moldado, era uma fábrica de pré-moldados. Era muito legal, muito de acordo com a realidade de onde tinha a demanda de aquisição de imóvel. A Fundação ia ver o que era mais viável. Ou a construção, como a gente teve aqui no Rio também, a gente teve em Botafogo, que até as pessoas que moram lá são da Vale. Teve na Barra também mas foi muito mais pra fora daqui. Teve em Minas, Itabira, Mariana, Ouro Preto, Vitória, porque tinha todo o Porto lá, em Belém do Pará, muita coisa de pré-moldado, principalmente. Então dependia muito da demanda dos empregados. Onde precisava, a Fundação ia como agente financeiro.
P/2- Em que momento é que muda isso dentro da Fundação?
R – Começou a mudar um pouco antes da privatização, porque a demanda já estava muito pequena. A maioria dos empregados da Vale já tinha imóvel, eram poucas as pessoas que não tinham, então a Fundação começou a pensar qual seria o futuro. Então, se a maioria das pessoas já está resolvida nessa questão da moradia, o que a gente vai fazer agora? E com isso veio a privatização, então a Vale não ia mais, foi a política da empresa não trabalhar mais com habitação. Então, o que a gente vai fazer? Vamos investir no social, porque a gente já tinha uma questão da Vale com a RDI estarem trabalhando o social, não da maneira que a gente trabalha hoje, mas já com essa preocupação. Então vamos investir nisso. A gente já tinha algumas ações isoladas de apoio a projetos e tal, e a gente pensou: “Vamos fazer alguma coisa com o social.” No início o foco foi muito aberto, e a gente começou a focar. “Não, a gente precisa focar para a coisa funcionar.” E aí a gente, em 1990, a Vale foi privatizada em 1997, em 1998 para 1999, se não me falha a memória a gente começou a pensar na “Escola que Vale”, que era importante a gente ter um grande projeto. A gente achava que a gente tinha que ter um grande projeto que fosse a cara da Vale, que fosse o nosso carro-chefe, como a gente chamava na época, e aí a “Escola que Vale”, foi construída para isso, um grande projeto para a gente estar levando a cara da Fundação como um agente social.
P/2 – Que é exatamente...?
R – A “Escola que Vale” trabalha a autoestima dos professores da rede municipal. Quer dizer, como? Através de capacitação, de oficinas… Ele possibilita que a escola passe a ser um espaço de convívio entre professores, direção da escola, comunidade, pais. Deixou de ser um espaço escola para ser o espaço de todos, eleva a auto estima do professor dando oficinas de arte, literatura, teatro, dando possibilidades ao professor de trabalhar o conteúdo através de recursos que ele não tem no dia-a-dia. Então as escolas, algumas, foram equipadas com televisão, com vídeo, com maquina de tirar retrato, as crianças trabalham com projetos, lendas da minha terra, comidas da minha terra, um resgate da história local através dos professores. Normalmente eles ficam dois anos ou dois anos e pouco em cada local, e ele não sai e vai embora. A preocupação é que haja uma continuidade, então a gente chama de “continuando a conversa”. A gente deixou um espaço que a gente chama de “casa do professor”, equipada em parceria com a prefeitura. A prefeitura cedeu espaço e a Fundação equipou com computador, televisão, vídeo, tudo que você possa imaginar de pesquisa, porque é um espaço para troca não só entre os professores do programa, mas entre os outros professores da rede que não tiveram possibilidades de passar no programa. Então é um espaço de troca entre eles, e alguns desses lugares nem tem teatro, não tem cinema, é uma oportunidade até de servir como centro cultural, é uma possibilidade futura até disso. Agora, o pessoal que trabalha com a gente, que é o SEDAC, e que executa o projeto, eles agora estão fazendo o bate-papo online, as professoras entram e ficam conversando, tirando dúvida, como é que podem trabalhar um determinado tema. E é um processo contínuo de troca, não só com o SEDAC, que executa o projeto, mas a ligação de uma escola lá de Barcarena com uma aqui de Catas Altas, há uma troca de cultura e de informação que é muito rica.
P/2- E os alunos?
R – São do ensino fundamental, normalmente as escolas da rede municipal de ensino fundamental. Não sei como é que está hoje. No ano de 2000 eu acompanhava mais de perto, então, por exemplo, lá em Marabás, as escolas de ensino médio não são do município, são do estado. Eu não sei se é a realidade dos outros locais. Quer dizer, a gente faz a parceria com a secretaria municipal de ensino, então a gente atinge aquelas escolas que são do município, normalmente elas são de ensino fundamental. A gente vê o orgulho, porque tem uma entrega de certificados a cada semestre, e aí há uma exposição dos trabalhos que eles fazem, eles já fizeram fitas. Então quando o pai da criança vai na escola e vê o que eles fizeram, produzido mesmo com fotos, fita, há um orgulho muito grande. Aí você começa a se sentir mais dentro do processo.Quando as crianças fazem as receitas típicas da terra, eles fazem mas não para qualquer um, fazem para os pais experimentarem. Os pais passaram a receita, os filhos fazem e os pais experimentam. Há uma troca, é muito legal.
P/2- Esse projeto está em...?
R – São dezessete municípios hoje, em alguns já acabou, está só continuando a conversa.
P/2- Todos municípios próximos a...
R – À Área de atuação da Vale. a gente teve um caso, acho que foi Catas Altas, que a cidade era muito pequenininha e aí pegou todas as escolas. Agora falam que parece uma pedra num lago: ela vai irradiando. Então, nas cidades próximas do programa, os professores lá de Catas Altas já estão sendo multiplicadores sem ter o programa. Então é uma coisa em que você vai ampliando o seu raio de atuação, aí você consegue atingir muito mais.
P – E essa opção por trabalhar com comunidades onde a Vale atua?
R – Isso foi uma decisão que veio da Vale, a gente precisava focar, vamos fazer o que? Vamos fazer educação, tratar da educação, porque educação é base pra tudo. A gente está tratando de uma coisa que é essencial, mas no Brasil inteiro não dá. Hoje, por exemplo, a Fundação tem doze pessoas. Como você vai trabalhar a educação no Brasil inteiro com doze pessoas? Não dá. Então vamos cair na real. Como a gente faz isso? Onde a Vale tem atuação? Foi uma opção, então a gente começou com alguns municípios que eram mais críticos, se a palavra é essa. A gente tinha possibilidade de parceria mais fácil. E a gente está começando a abrir conforme aparecem as oportunidades. A gente hoje está mudando um pouco esse processo, está trabalhando até para esse planejamento estratégico, que a gente passa por partes. Não vai levar um projeto psra uma cidade sem saber primeiro o que aquela cidade precisa. A gente chama de “Cidade Vale Mais” os projetos que a gente está fazendo hoje. Cidade Vale Mais, Colatina Vale Mais. A gente vai através de uma parceria com uma ONG, que é a Agência 21, não sei se vocês conhecem. Eles levantam dentro daquele município, as lideranças comunitárias, órgãos públicos, e ai colocam todo mundo no mesmo espaço, em um seminário para estar discutindo os problemas daquele município e as possíveis soluções. É em cima desse projeto de construção que a gente vai poder saber que tipo de projeto a gente tem hoje na nossa carteira, digamos assim, que possa estar melhorando o que eles tem lá, o que eles precisam realmente. Por que a gente chega e: “Você quer a escola?” Mas pode não ser o problema deles, eles podem ter um problema sério de saúde. Então a gente hoje está tentando ver de uma outra forma, tentar participar de todo o processo da Vale da implantação até a hora da saída, visando o que aquele município realmente precisa e o que a gente tem que possa estar contribuindo.
P – Você sempre trabalha em parceria com ONGs?
R – Sempre, a gente não executa, nós somos gestores dos projetos, então na fundação nós somos quatro gestores de projeto, dos gerentes que são pessoas mais estratégicas, tem envolvimento com a política tal. Eles é que fazem essa parte. Quando o projeto já está acontecendo, os gestores é que acompanham. Então nós somos em quatro. Na maioria cada um tem de sete a oito projetos para estar acompanhando, só apenas. No Brasil todo é uma beleza, alguns são ótimos mas outros... Nossa senhora! São de arrancar o cabelo. Aí a gente faz todo o acompanhamento, desde o financeiro, da liberação, até o dia-a-dia do projeto mesmo. Na hora que alguém vai perguntar na Vale como é que está o projeto, vai perguntar para o diretor e ele vai chamar o gestor do projeto para estar respondendo. Então, hoje, a gente acompanha mais de perto isso. É um problema, mas a gente tenta, porque tem uns que são, como o próprio “Escola que Vale”, que está com a Aline. São dezessete municípios. Para você acompanhar dezessete municípios se você tiver só um projeto, você consegue. Mas a gente, como tem cinco, seis, sete projetos, é complicado. A gente não sabe até que ponto a coisa vai realmente se resolver lá na frente, mas a gente acha que o ideal para cada gestor é que tivesse dois, no máximo três projetos para a gente estar acompanhando, para que a gente possa realmente dizer o que está acontecendo no projeto, mas é um desafio, como sempre.
P – Você acompanha algum mais de perto?
R – Eu acompanho oito.
P –
Oito?
R – Alguns são meras parcerias, porque são assim: alguns a gente chama de projeto próprio, como a “Escola que Vale”, que foi idealizado pela Fundação e a gente contratou uma ONG pra estar fazendo o projeto; outros, não, outros são projetos que já existiam e que a gente entende que é um projeto que tem o seu reconhecimento e que a gente resolveu apoiar financeiramente. Então esses são mais tranquilos porque a gente não tem muita influência no projeto, a gente acompanha mas não põe muito o dedo na história. Então eu acompanho, por exemplo, o Vale Informática CDI, que é uma parceria com o Comitê Para a Democratização da Informática, do Rodrigo Baggio. Ele não é um projeto próprio nosso, só que a gente enfia o dedinho nele porque, no fundo, o que acontecia? O CDI trabalhava só nos grandes centros. Como a realidade da Vale é o interior, a gente fez o CDI levar as escolas para o interior do estado, e isso foi um problema para eles pela locomoção, acompanhamento das escolas e tal. E a gente montou toda uma estrutura de apoio para que eles pudessem fazer esse acompanhamento. Dentro do processo a gente tem uma avaliação, e com essa avaliação a gente está conseguindo a cada dia melhorar o processo de qualidade das escolas. Por isso é que eu falo que é um projeto meio nosso, embora seja com certeza deles, do Rodrigo. Mas a gente conseguiu mudar algumas coisas dentro do processo pra ficar mais com a cara da gente, da Vale. Esse é um que eu acompanho, eu tenho o programa de voluntariado da empresa, um grande desafio que começou no ano passado, que é no futuro a gente estar fazendo um programa único de voluntariado na Vale. Só que, hoje, nas áreas operacionais a gente já tem a questão do voluntariado acontecendo há muito tempo, e no Rio de Janeiro não. No Rio de Janeiro é uma coisa em que cada empregado fazia esporadicamente sua ação voluntária sem ter nenhum vínculo com a empresa, e a gente está tentando fazer uma coisa mais uniforme, mais com a cara da Vale, mas isso é um grande desafio.
P – Mas o que é?
R – A gente no ano passado fez uma pesquisa interna, viu que de mil e quinhentos empregados, cerca de quinhentos querem trabalhar com o voluntariado. Alguns já tem algumas iniciativas próprias, mas que fazem sem nenhum apoio da empresa. E a gente o que fez? A gente tem que construir algum apoio em cima disso. A gente chamou a Mônica Valeano, que é uma consultora de voluntariado, para montar qual é o nosso objetivo, nossa função, nossa proposta, e a gente foi trabalhando esse processo todo durante o ano. Fizemos um concurso de ideias em que a gente, dentro da Vale, no Rio, as ideias que as pessoas tinham para trabalhar com o voluntariado, quem quisesse, premiamos algumas ideias. Foram três projetos e duas campanhas, e a gente está trabalhando agora na formatação desses projetos para o próximo ano.
P – Desses premiados?
R – Que seria o espaço para os empregados do prédio estarem atuando como voluntariado. Uma das campanhas que a gente fez no ano passado, meio que corrida mas fez, que foi o arraial solidário, que era uma festa junina solidária
onde
ingresso era um alimento. Aliás, material de limpeza, calçado, roupas que a gente entregou para duas instituições que vieram na festa. As crianças vieram participar da festa, muito legal, quadrilha, teve gerente de terno e gravata dançando quadrilha, foi muito legal. A gente botou as barracas de graça, uma barraca era a barraca solidária, cada coisa era um real que era revertido para a instituição. Fizemos sorteio, o pessoal comprou rifa, então foi muito legal em termos de interação. A gente pôde trazer as crianças da entidade para cá, trazer uma realidade que não é a do pessoal do prédio. o pessoal agiu super bem, foi muito legal, e a gente vai repetir isso no ano que vem, se Deus quiser. A gente tem agora a campanha de Natal, que a gente vai estar fazendo a semana dos voluntários Vale, que é o nosso nome, na
primeira semana de dezembro, e a gente está montando os projetos para o próximo ano. Vamos estar trabalhando disponibilizando espaço para os voluntários que querem atuar, só que a ideia, no futuro, é que a gente possa ter um grande projeto de voluntariado que seja da Vale inteira. Eu não sei quanto tempo isso vai levar para ser construído, porque é uma construção conjunta. Agora, nas campanhas eu acho que a gente pode estar fazendo uma coisa mais uniforme, acho que isso não interfere em nada. Respeitar sempre o que o operário faz na área operacional, porque eles estão muito mais tempo à nossa frente, conhecem com certeza muito mais que a gente, e acrescentar o que a gente tem de planejamento, que talvez eles não tenham lá no dia-a-dia. Então é uma troca, uma construção. Os outros projetos que eu tenho sã o “Vale Criança”, que esse ano a gente relançou e em 2002 a gente não fez, que no fundo é um incentivo ao empregado a adular do imposto devido à FIA, Fundo da Infância e Adolescência, que esse FIA é gerido pelo Conselho Municipal da Criança e do Adolescente. E esse dinheiro, nos últimos anos a gente fez um convênio com alguns municípios, onde a gente aportou o valor da doação, e a gente acompanhou os projetos. A gente doou uma determinada quantia de 70% desse valor, a gente dizia a eles em que projeto eles iam colocar e o restante ficava para eles estarem aplicando em projetos deles ou até na capacitação do próprio conselho. A gente sabe que é uma coisa difícil hoje. A gente teve resultados muito interessantes, principalmente lá no norte, porque os empregados de Carajás participavam do conselho e aí puderam acompanhar mais de perto as entidades. O que aconteceu em Vitória também, a gente teve um resultado... A grande maioria dos resultados foi muito positiva, o dinheiro foi efetivamente aplicado em instituições que realmente precisavam, e a gente apoiou um projeto chamado “Família Acolhedora”, que são crianças que estão em risco familiar e são tiradas da família mas não se isolam da família, há um convívio entre a família que acolhe e a família de origem para tentar reintegrar a criança à família de origem. Isso a gente trabalhou no Vale Criança. A gente tem o Rede Criança, que é de Vitória só, que é um projeto de meninos de rua. É todo um processo de tirar o menino da rua e dar um espaço para estar sendo trabalhado em um horário que não seja de escola. Por exemplo, nesse espaço ele tem artes circenses, teatro, música, artes plásticas... É um resgate mesmo da cultura. Agora tem a sala de informática que vai ser trabalhada também, provavelmente em parceria com o CDI, e isso é um projeto da prefeitura de Vitória e que a gente só apóia, mas a gente está sempre de alguma forma dando uns pitacos. Aí tem o de educação ambiental, que também acontece no Espírito Santo, que a gente não sabe bem se quer continuar ou não, que eu também acompanho. Tem um em Rosário do Catete... Acho que só, chega, né?
P – Qual é a sua paixão desses projetos, que você curte mais?
R – Eu tenho a minha paixão, o voluntariado pra mim é um grande desafio, gosto muito do que a gente fez até agora, acho que a gente tem muito para construir. Então o voluntariado, pra mim, é um desafio, e acho que se a gente conseguir fazer o que a gente tem de idealizado pro futuro, vai ser um trabalho muito bonito. Depende de outras coisas que não são da gente só, por isso é um desafio. Se dependesse só da gente, era fácil, mas não depende só da gente, então eu acho que o voluntariado é uma grande paixão, o CDI é uma grande paixão. No fundo, quando você consegue ir à uma escola dessas e ver que você mudou alguma coisa, porque eles trabalham... Eu não sei se vocês conhecem as escolas, como é que é feito o processo, não é informática por informática, as turmas são formadas e eles levam questões da comunidade para serem trabalhadas dentro da sala, eles elegem um tema e, em cima daquele tema, eles trabalham todo um projeto até de mudança mesmo, de transformação local. Através do Word, Excel, eles usam as ferramentas da informática para trabalhar os problemas que eles têm lá fora. Quando você consegue ver que um projeto desses consegue mudar lá fora, a realidade, nossa! É apaixonante, é muito bonito. O Rede Criança é outro em que você vê as crianças cantando, um coral que ensaia três meses e dá show, é de arrepiar. Eu sou meio suspeita porque, quando você fala de trabalhar com social, você consegue visualizar a transformação daquelas pessoas, principalmente crianças. Acho que não tem nada que pague, é um grande presente trabalhar com isso. (risos)
P – Em quê é benéfico para a Vale investir nesses programas como o voluntariado?
R – A gente discutiu muito isso na hora da constituição do comitê de voluntariado. A gente tinha uma ideia, no início, de que o empregado vai estar usando o nome da Vale, a gente vai estar usando o nome da Vale, mas é uma ação voluntária da pessoa. A gente estava discutindo isso muito no grupo que convocou a consultora. Aí a gente estava falando que o empregado tinha a satisfação de estar trabalhando numa coisa que ele gosta, e a partir do momento em que ele está representando uma empresa, essa empresa apoia ele de alguma maneira. Óbvio que não vai operar liberando horas de trabalho. Tudo bem, pode apoiar com transporte, alimentação, tem outras maneiras da empresa apoiar. Isso se for uma maneira construtiva, a empresa realmente botar pé firme. “Não, eu apoio o voluntariado com isso, com isso e com isso.” Cria um clima de cooperação, de relacionamento dentro de uma empresa que constrói muito. Hoje você está trabalhando com um objetivo comum, tem uma pessoa da área jurídica, outra da financeira que estão em áreas diferentes, mas com o mesmo objetivo. Une as pessoas. E para a empresa aquilo é positivo, se as pessoas vestem a camisa da empresa com satisfação, têm o apoio da empresa para uma ação que é transformadora, que vai realmente fazer uma diferença lá na frente, todo mundo ganha, ganha a empresa com relação à responsabilidade social que ela está fazendo. É um direito dela porque ela está apoiando de alguma maneira, e ganha o empregado porque ele está sendo reconhecido por uma coisa que ele gosta de fazer e a empresa apoia ele. Acho que é por aí.
P – Queria que você falasse um pouco da experiência de Belém no meio disso tudo.
R – É, no meio disso tudo eu fui parar em Belém. A gente tinha, antes da Vale privatizar e um pouquinho depois que privatizou, o que a gente chamava de coordenadorias operacionais, onde a Vale tinha escritório. A gente tinha um coordenador e, normalmente, um assistente, um analista que apoiava nessa questão dos projetos locais. Belém, em 2000, tinha toda uma questão política com o governador e não tinha ninguém muito próximo, a pessoa de contato direto era de São Luiz. Então, em alguns momentos ficava uma brecha ali. E tinha projetos acontecendo em maior quantidade naquele momento lá em Belém, então eles acharam que era interessante ter uma pessoa lá em Belém ligada a São Luiz, mas que fosse alguém que representasse a fundação em Belém, para que nesses momentos que precisasse de alguém para responder pela fundação tivesse alguém lá. Tipo assim, a Fundação reconhece, a Vale reconhece que o estado do Pará é importante, era mais ou menos essa a questão política. Colocaram uma pessoa lá para responder por isso e eu fui pra representar a Fundação no escritório em Belém durante um ano, ligada ao coordenador de São Luiz, mas ficava sozinha lá em Belém, no escritório que era dividido com a Docegeo.
P – Como foi sair do Rio depois de ter morado lá a vida inteira?
R – De novo foi um desafio. Você já percebeu que desafios fazem parte da rotina. Me deram algumas alternativas, eu tinha dois dias para ir para lá, para ver casa, escola, emprego para o marido. Falei: “Vamos ver no que vai dar, quando voltar a gente vê como é que fica.” E eu tinha amigos que trabalhavam lá na época que a empresa tinha a coordenadoria habitacional, ainda tinha pessoas que eu tinha contato por telefone, um deles era corretor inclusive, aí eu pedi: “Separa umas coisas assim pra eu dar uma olhada, de apartamento, escola, porque eu não vou ter tempo.” E foi assim, ele me levou pra ver três apartamentos. O segundi que eu vi, me apaixonei e falei “é esse”, chorei no ombro da proprietária: “Pelo amor de Deus, a senhora não aluga pra ninguém.” Aquela história, estou indo para o Rio e a mulher muito assim: “Isso não vai dar certo, essa mulher vai me enrolar.” Consegui, o colégio que eu botei as crianças era o colégio que o filho dele estudava, mudei até de escola, mas pelo menos tinha conseguido encaminhar. Só não consegui o emprego para o marido, que depois veio trabalhar em uma cooperativa que também não deu certo, mas acho que quando as coisas são pra acontecer, tudo conspira. Então, em dois dias eu consegui mais ou menos resolver tudo e aí voltei para o Rio. Aí tinha uma questão de salário, porque o que eu tinha feito de conta que daria pra sobreviver lá não era o que a empresa tinha me dado. Era muito menos, mas era uma questão muito profissional pra mim, acho que eu tinha muito a ganhar profissionalmente indo pra lá, nesse ponto eu tive muito apoio da minha família, o pessoal falando: “Não, vamos, vamos!” Tudo bem, vamos. Fui eu, meu marido, meus dois filhos, levei minha mãe pra poder cuidar das crianças... Eu sabia que ia viajar muito lá e não ia deixar as crianças sozinhas com uma pessoa que eu não conhecesse e levei minha mãe. Aí tinha mais um agravante porque minha mãe tinha um irmão mais velho que era excepcional, que dependia dela, e que também foi junto. Então, ao invés de quatro, eram seis, e aí vamos nós, nos aventurar em outro estado. Foi uma experiência muito rica. Eu lembro hoje do meu mais velho, Bruno, perguntar: “Mãe, que língua fala lá?” Quando eu falei que a gente ia para Belém, porque não tinha noção, eu falei: “Bruno, vem cá.” Aí mostrei o mapa do Brasil: “A gente está aqui, a gente vai para cá.” “Ah, então é Brasil.” Quer dizer, isso enriqueceu muito eles, a cultura diferente, o jeito de falar, então acho que foi bom. Para mim, profissionalmente, foi uma escola, você lida diretamente com o poder público, com negociação, foi uma escola. E para eles também acho que foi uma coisa muito legal de crescimento. Mas tudo tem um prazo, a minha intenção quando voltei era ter ficado pelo menos mais um ano, mas financeiramente, para mim, não estava mais dando pra ficar. Eu tinha toda liberdade na época de falar com os diretores e, caso não desse certo, eu poderia voltar. Aí eu expus os meus problemas e acabei voltando, mas foi uma experiência muito positiva.
P – Quando você soube que teria que ir pra lá? Você soube...
R – Deu um nó, não foi assim, eu não soube que teria que ir, me fizeram uma proposta, aí eu tive dois, três meses para pensar nisso, fazer conta, buscar informação de aluguel e essas coisas todas pra ver o que era viável e o que não era viável. Foi um processo de amadurecimento, embora curto, porque dois, três meses para você mudar tudo, três mil quilômetros de distância.
P – Você já tinha ido até Belém?
R – Já conhecia, conhecia há dez anos atrás. Para mim Belém era aquela província lá de trás. Quando eu fui agora, já era diferente, uma estrutura completamente diferente. Ainda é muito província mas já tinha uma estrutura diferente da época que eu fui que foi quando eu entrei na Fundação. E aí fui, todo mundo topou, aí vamos nós! Ainda voltei com mais um integrante, que eu trouxe a cachorra, comprei uma cachorra lá e trouxe junto. A gente vai em seis e volta em sete. Aqui no Rio a gente tinha cachorro, que eram da minha irmã, e aí quando a gente foi pra lá os meus filhos ficaram no meu ouvido: “Mãe, não tem cachorro, a gente tá com saudade dos cachorros.” Ai um dia a gente tava passando por uma loja e tinha uma Poodle Toy desse tamanho. Encheram a minha paciência. Eu saí da loja, enchendo a paciência... Eu passei a tarde inteira com eles amofinando o meu juízo. Desisti, voltei à loja e comprei a bendita da cachorra. E aí não podia deixar a cachorra lá quando vim embora, se não era outro drama. Aí despacha a cachorra para vir com a gente para o Rio. A gente tem uma paraense lá em casa, que é o xodó da casa, desse tamanho, não teve jeito.
P– Mas aí você voltou e não foi morar no Rio?
R – Vim para o Rio...
P – Foi para o Rio e depois para Teresópolis?
R – Vim para Teresópolis só agora em janeiro deste ano. Eu queria ter ido direto para Teresópolis, mas aí teve um... Assim, foi tudo muito corrido, eu vim em novembro mas não dava tempo de ver colégio, de ver escola, falei: “Não, gente. Não vou fazer tudo atropelado de novo, deixa as coisas se ambientarem, as crianças estão saindo de um lugar, vão voltar ao menos pra escola antiga deles para eles reverem os amigos, darem uma certa esfriada. Depois, se a gente realmente ver que é viável, a gente vai para Teresópolis.” Aí chegou um momento que o meu mais velho só saia com o vidro do carro fechado assustadíssimo: “Cuidado, não vai parar no sinal.” Eu vi que não dava mais, aí eu comecei a procurar no meio do ano passado um lugar para morar, uma escola com calma, levei eles para conhecer a escola, foi um processo mais tranquilo de construção. Aí a gente foi para lá em janeiro. Eles estão felizes da vida e eu mais ainda, é outra vida.
P – Você vai e vem todo dia?
R – Uma hora e meia pra ir e uma hora e meia pra voltar. Vou dormindo e venho dormindo, acrescento mais uma hora de sono no ônibus. Eu levo menos tempo pra ir pra Teresópolis do que se eu morasse em Jacarepaguá. Se eu morasse em Jacarepaguá, eu levava pelo menos duas horas, duas horas e meia pra chegar lá. Para lá é uma hora e meia uma hora e 45 minutos, fora que não é trânsito, é estrada, então desgasta muito menos. É uma cidade pequena, é tranquilo, as crianças andam sozinhas, vão pra escola sozinhas, o custo de vida é muito mais barato, outra realidade. Para mim é um resgate do passado porque eu passava as minhas férias sempre lá, eram as férias que eu tinha de escola, dezembro , janeiro e fevereiro, eram três meses, então tem muita gente que tem filho da idade do meu, que viveu comigo, fazendo baile de Carnaval, andando de bicicleta. Então pra mim é um resgate e pra eles é uma condição, porque é uma liberdade que eles não têm aqui.
P – E o clima é agradabilíssimo.
R – Nossa, eu chego lá de casaco e não tiro. No verão tem que fechar a janela porque tá fresquinho demais. Às vezes, de madrugada, esfria. O mais quente que eu cheguei lá esses dias, estava vinte graus a noite, esse é o frio de lá.
P – Você tem alguma coisa de responsabilidade social que você queira...
P/2 – Não, ela já respondeu...
R – Vai saindo, isso vai saindo, não tem jeito, está no sangue. (risos)
P – Já que você está falando dos filhos, queria saber o nome deles, a idade...
R – O Bruno tem doze anos, nasceu... Aliás, os dois nasceram enquanto eu estava na Fundação. O Bruno tem doze anos, muito parecido comigo, um pimentinha, e a menor é a Bianca, que tem nove anos
P/2 - E o seu marido, como ele se chama?
R – Alexandre.
P/2 - Como você conheceu ele?
R – Ele era irmão de uma estagiária minha das Sendas. (risos) A gente foi a um show uma vez, eu conheci ele no show e a gente acabou ficando juntos. As coincidências da vida... Virou cunhada! A estagiária passou a ser cunhada.
P –
Maria Alice, o que você gosta de fazer nas suas horas vagas?
R –Gosto de ver filmes de ler. Eu sou messiânica, então eu gosto muito de ir para o Johrei, de participar um pouquinho da rotina do Johrei, acho muito legal isso. Acho que me ajuda muito a manter um certo equilíbrio. Nem sempre dá pra eu fazer o que gostaria porque às vezes o tempo é corrido, é curto, mas eu gosto muito disso, eu gosto de não ter compromisso nas minhas horas de folga. Hoje eu tô a fim de ver um filme, hoje eu tô a fim de ler um livro, ficar na rede não fazendo nada, vamos andar de bicicleta... Eu não gosto da coisa muito programadinha, não. O que eu quero fazer agora... Isso que eu gosto de fazer nas minhas horas livres, de preferência com as crianças. Eu fico tão pouco tempo com eles que, quando dá pra ficar junto no fim de semana, a gente curte mais.
P – E você continua viajando muito?
R – Esse mês até que eu to assim, calminha, mas o mês de outubro... Aliás, todo mês de outubro pra mim é um complicado, porque passo quase que a maioria do tempo viajando. E no fim de semana é que eu volto pra casa, porque normalmente é onde as coisas começam a acontecer, os projetos, finalização, você tem que estar um pouco mais perto e te exigem um pouco mais no final do ano. E outubro normalmente é um mês carregado. Agora é que tá mais tranquilo. Em dezembro vai vir outra seção de viagens de fechamento, daí vamos ver o que eu faço, se eu me enforco, me divido em duas... Vamos ver o que vai acontecer.
P – Você está na Vale desde 1988?
R – Quinze anos.
P – Da experiência que você teve de recrutamento, o que você trouxe pra Vale?
R – Eu acho que, quando eu entrei, todo processo seletivo de uma Sendas é muito diferente de uma Vale do Rio Doce. No processo seletivo da Vale do Rio Doce são pessoas indicadas, o nível é diferente, mas eu acho que quando você aprende a lidar com situações como eu te contei, inesperadas, agressivas, muitas vezes até grosseiras, eu acho que aquilo te dá uma sensibilidade para que você possa, quando a coisa é mais leve, tirar o máximo de proveito daquilo. Quando eu vim para a fundação, a gente lidava muito com o público, mas o público interno, não mais um público externo. Aquela maneira com que a gente trabalhava lá nas Sendas - de lidar com pessoas de fora que você não conhece mas com as quais você tem que ter um jogo de cintura para fazer entender que aquilo não é o melhor pra ele e talvez uma outra opção seja melhor - te enriquece e acaba te ajudando no seu trabalho interno. Quando eu entrei para a empresa, eu não conhecia ninguém também, isso foi muito importante para você respeitar o espaço do outro, ter esse jogo de cintura pra saber trabalhar essas relações pessoais, porque isso é complicado numa empresa. E como a Vale é uma empresa muito grande, as relações interpessoais são complicadas, o jogo de cintura dentro de uma empresa - pequena, média ou grande - é uma coisa muito importante. Tem que ter jogo de cintura.
P – E, olhando para trás, nesses quinze anos aqui, o que você acha?
R – A gente constrói muita coisa. A gente constrói amizades, a gente constrói sonhos, a gente constrói projetos. Eu me sinto meio realizada, porque você nunca está totalmente, a gente tem muita coisa para fazer. Mas eu vejo que quando eu entrei, eu era uma pessoa e hoje eu me vejo outra, graças a Deus, com muito mais amigos, com uma bagagem diferente de vida, com uma bagagem diferente profissionalmente. Então eu acho que, para mim, a Vale foi uma grande escola, a Fundação, todo convívio, essa troca é uma grande escola. Não sei o que vai ser para a frente mas, de qualquer maneira, eu acho que sempre a gente tira alguma coisa de bom para ser usada lá na frente. Então eu tiro que é uma grande escola, fora o lado pessoal de amizade que, nossa... A gente passa um filminho e vai se lembrando de todo mundo que conviveu com você. Alguns ainda estão aqui, outros já estão em outras empresas, não estão mais entre nós, mas a gente vai gravando aquilo na memória da gente o que aquelas pessoas acrescentaram na sua vida profissional e pessoal, então para isso é só agradecer.
P – O que você achou de ter dado essa entrevista?
R – Foi legal, eu não sabia muito como ia ser. Eu falei: “Vai falar de responsabilidade social, meu Deus do céu! Será que eu sou a melhor pessoa pra falar de responsabilidade social?” Eu fiquei pensando nisso comigo, mas como a gente vai falando meio que informalmente, acho que a coisa vai fluindo. Espero que tenha acrescentado para vocês também. Para mim foi muito bom.
P – E ter participado do projeto?
R – No inicio, eu não entendi por que eu...
P – Vale Memória...
R – É porque, eu... Afinal, tenho só quinze anos de empresa, tem gente que tem vinte, trinta... E da Fundação… Quer dizer, não sou Vale do Rio Doce, por que eu? Para ser franca, eu fiquei muito lisonjeada porque, participar de um projeto de memória como a Vale, não sendo da Vale, para mim foi um grande presente.
P – Queria agradecer a entrevista.
R – Obrigada a vocês, me desculpem as tossidinhas da garganta!
P - Imagina!Recolher