IDENTIFICAÇÃO Moacir Nonato da Silva. Eu moro em Carauari, mas nasci em Eirunepé, no dia 1º de outubro de 1965. Vou fazer 40 anos. FAMÍLIA Pai: Januário Nonato da Silva. Mãe: Osmarina Ferreira da Silva. Não conheci meus avós. Meu pai trabalhava nos seringais, cortand...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Moacir Nonato da Silva. Eu moro em Carauari, mas nasci em Eirunepé, no dia 1º de outubro de 1965. Vou fazer 40 anos.
FAMÍLIA Pai: Januário Nonato da Silva. Mãe: Osmarina Ferreira da Silva. Não conheci meus avós. Meu pai trabalhava nos seringais, cortando seringa. Ele já morreu. Minha mãe trabalhava em casa, ela cuidava da casa. Tenho seis irmãos homens e quatro irmãs. Eu sou o terceiro e depois de mim ainda tem mais cinco. Ninguém ajudou minha mãe a me criar, só os meus irmãos mesmo, que ajudaram desde quando eu era pequeno. Não tenho nenhum primo.
CIDADE / IGARAPÉ Minha cidade era pequena. Quando eu vim a conhecer mesmo, eu morava dentro de um igarapé, eu já trabalhava. Comecei a trabalhar dentro do igarapé. Quando eu tive o entendimento, já era trabalhando dentro de um igarapé, um centro deserto, que não tinha ninguém no mundo. Para a gente ver uma pessoa levava um monte de dias. Se a gente precisasse, por exemplo, de um médico, de uma coisa, tinha que embarcar na canoa e andar um dia para poder chegar onde estava o pessoal que podia dar um remédio; um negócio muito complicado.
BRINCADEIRAS A gente não brincava, só fazia trabalhar, não tinha brincadeira nenhuma. Não sobrava tempo, a gente só trabalhava. Com dez anos, eu comecei a trabalhar, a cortar seringa. Mas quando era tardezinha, que a gente chegava, a gente ia lá, caía n’água, fazia aquela zoada, tomava banho no igarapé. Era no Rio Boana.
REGIÃO DO JURUÁ A cidade Eirunepé fica antes da região do Juruá. Eirunepé e Carauari. Ela é de Juruá mesmo que fica entre um e outro. O Juruá é um rio grande. O maior rio é o Amazonas, mas o Juruá também, de rio pequeno, já é um rio muito grande. Ele entra no Solimões até Eirunepé. Onde era o Eirunepé ele ainda passa, mas até no Eirunepé a gente conhece. A gente não pode basear direito a lonjura, porque fica muito complicado.
MUNICÍPIO DE EIRUNEPÉ O igarapé onde a gente nasceu é no mesmo município de Eirunepé. Só que nós nascemos lá, mas nós viemos ser criados mais para baixo de Eirunepé, nesse igarapé. Eu não me lembro direito de Eirunepé, porque eu não fui mais lá, depois que eu vim de lá, sabe? Não me lembro mais como é direitinho, não. Porque numa época que eu fui lá – eu fui com um pessoal tirar madeira – nós passamos poucos dias lá, uns quatro dias, não deu para a gente olhar tudo. Mas é uma cidade legal e tudo, tem uma vista e na frente é bonita.
TRABALHO NO SERINGAL Com 10 anos eu comecei a trabalhar. Meus irmãos também, todo mundo trabalhava. Nesse tempo não tinha negócio da gente estudar, ninguém tinha escola, não tinha nada nessa época. Eu ia com papai, ia com meu irmão mais velho. Ia cortar seringas, tirar soro. Porque, naquela época, a gente cortava a seringa e vendia borracha. Você tirava o leite da seringa, defumava e vendia a borracha para poder comprar as coisas, mas a gente não tinha um patrão assim. A gente trabalhava para sustentar nós mesmos, porque nós éramos muitos. A gente trabalhava para o dono do seringal. Todo mundo trabalhava naquela época. Agora não, hoje em dia, se a gente tiver um irmão ou um filho, ele não quer trabalhar. Mas nessa época todo mundo trabalhava. Hoje em dia, a gente bota o filho da gente mais para estudar, a gente dá a oportunidade para ele estudar, aí ele fica estudando, não trabalha, só fica junto com os amigos dele e está na aula. Aí, se a gente for colocar para trabalhar ele não vai querer, porque já está desacostumado.
FABRICAÇÃO DA BORRACHA
A gente corta a seringa, traz o leite para casa, defuma, aí faz a bola, tipo uma bola mesmo. Aí, quando chega em casa a gente coalha, coloca um suco – desses sucos mesmo que a gente bebe, qualquer suco, de morango, que tem aquele pozinho – dentro do leite, ele coalha na hora. Aí é que enrola. Aí defuma em cima daquele enrolado e faz a borracha. Aí a gente vendia essa borracha para o dono do seringal, para poder comprar a alimentação para a gente. A própria comida. A gente não tinha uma base de quantas bolas a gente fazia por semana, era por ano – porque a gente ia vendendo e a gente só via o resultado no final. E, no final do ano, via: “Quantos quilos eu pesei de borracha?” Aí que ele ia somar lá e ia dar: “Ó, tu pesou tantos quilos”. Era uma base de 600 quilos, 700 quilos por ano, só da nossa família. Aí ele puxava lá e falava: “Ó, deu tantos quilos.” Mas tinha que tirar 20 por cento sobre esse tanto. Aí é que a gente ia saber o que sobrou para a gente. Quando meu pai morreu, eu tinha 16 anos.
FAMÍLIA Depois continuei trabalhando ainda com minha mãe mais dois anos, aí me juntei. Já fui tomar conta da minha própria casa. Minha mãe não trabalhava no seringal. Quando eu saí, já tinha meus outros irmãos, que estavam maiores, que ficaram trabalhando para ela, até ela ir embora para Manaus. Eu fui ter a minha casa. Eu namorei com uma mulher lá e não deu certo, eu me juntei, fiz uma casa, abandonei, depois construí outra família. Tinha meninas lá no seringal, lá no barracão. No seringal não faltava menina, porque todo mundo naquela época morava lá. Tinha festa. Tinha um tocador daqueles que tocava sanfona. Aí a gente dançava e namorava. Naquele tempo, não tinha negócio de beijar na boca não, era só cheirar, dar um cheiro. Lá tocava forró. Se eu gostava de dançar? Eu gosto ainda Aí teve essa casa que eu montei com a primeira mulher. Depois eu me juntei de novo, construí outra. Aí desmanchei a que eu tinha feito. Tive um filho com a primeira mulher. Mas ele não morou comigo, eu não sei o nome dele. Eu não alcancei porque ela foi embora. Quando ela saiu estava com nove meses. Na época dela ganhar neném, nós nos separamos. Eu conheço ele só por foto, porque ele sempre manda foto para mim. Ele mora em Manaus. Eu ontem fui procurar ele, mas não o encontrei. A moça que eu conheci depois, lá no interior, é que é minha esposa. Ela trabalha no serviço de casa mesmo. Mas quando eu conheci, ela trabalhava e morava no seringal. É Raimunda Gomes da Silva. Já tem 17 anos que a gente se casou. Passou mais três anos para ela poder ter filho. Eu casei novo. Nesse tempo não tinha esse negócio de ter idade para casar não. Naquela época, todo mundo se casava, porque não tinha esse negócio. A primeira vez que eu me juntei, eu tinha 15 anos. Aí eu já fiz casa e me juntei, depois deixava e mudava de novo. Foi com a Francisca. Depois, quando eu me juntei com a Raimunda, ela tinha 13 anos. Eu já tinha 16 para 17. Aí nós montamos essa outra casa.
FILHA A Raimunda custou a ter filho, porque ela era muito nova. Nós temos uma filha que nós criamos, foi uma outra mulher que deu para a gente. Foi uma amiga dela lá. Eu não conhecia ela direito não, essa mulher. Ela não tinha para quem dar, ela teve no hospital, não tinha condições de criar. Nesse tempo, a gente não tinha filhos. A minha mulher queria e aí nós criamos. O nome dela é Jordana. Na hora que ela nasceu no hospital, nós pegamos ela. Já foi em Carauari. Ela nasceu, nós já pegamos. O primeiro hospital que teve aí em Carauari foi nessa época.
VIDA NO JURUÁ Quando eu casei com a Raimunda, a gente já foi morar perto de Carauari. Quando nós viemos lá de cima, nós saímos do seringal, depois que o meu pai morreu, nós viemos para cá. Carauari é dentro de Juruá. Ficamos morando perto de Carauari, quando deu mais condições nós viemos. Nós morávamos lá no Ueré, aí quando teve mais condições nós viemos para aí, sabe? O Ueré é um igarapé, afluente do Juruá.
PESCA Eu gosto de pescar, a gente pescava e o produto da gente era peixe liso, a gente pesca bicho de casco. Você sabe o que é bicho de casco? Bicho de casco é tracajá, tartaruga... Vocês já viram tartaruga? Tartaruga é um bicho assim grande. Tem dele com até 50 quilos, mas a base dela é 35 quilos. O tracajá dá uns oito quilos. O maior é de oito quilos, aí já vai baixando até cinco quilos. É gostoso. A gente assa, tira a carne, faz batido no casco – quando a gente tira a carne e faz tipo um picadinho – aí coloca no casco dele mesmo. Fica gostoso. O tracajá parece uma tartaruga pequenininha.
Tem tambaqui também. Tambaqui é pequeno, o pirarucu é o grandão. Tambaqui também é gostoso mesmo. Eu estava falando para ela, se ela fosse lá, a gente ia pegar um tambaqui fresquinho. O peixe que eu mais gosto é matrinchão. É gostoso, mais gostoso que tambaqui. É amarela a carne dele, um pouco amarela assim. Ele é pequeno. O maior dá dois quilos.
OUTROS ANIMAIS Tem muitos outros tipos de bichos: porco-do-mato. É gostoso para a gente comer também. Macaco a gente vê, mas depois que eu comecei a trabalhar no Urucu, eu nunca mais matei macaco. Eu trabalho no Urucu ajudando um negócio de meio-ambiente. Eu tenho pena de matar eles. Porque aquilo é o mesmo que matar um cristão. Macaco a gente não come. Ninguém na nossa casa come macaco. Porque a gente trabalha naquele ritmo que trabalha lá. A gente não matava ele não. Cobra também aparece. Mas cobra é uma coisa difícil de ver, porque ela só vive escondida. É complicado para a gente ver cobra, é difícil. Só mesmo quando morde as pessoas...
SOL Na minha casa eu não tinha medo de me perder, não. Dava para andar sozinho, por causa do sol. A gente fazia o relógio da gente pelo sol, e a direção também. Quando a gente saía por aquela luz, se a gente fosse entrar, a gente botava o sol nesse lado, quando volta, a gente voltava com ele no outro lado. Aí saía no mesmo lugar. Já tinha base.
CARAUARI Lá em Carauari, o que mais ajuda a cidade, o que tem mais saída é peixe. É o comércio e o peixe que vem para Manaus, porque vem muito peixe para cá, de Carauari para Manaus, vem a farinha. A gente usa mais aquela farinha amarela, a farinha d’água. Então o peixe vai para Manaus, a maioria que sobra, porque lá sobra, porque é um canto que tem muito, aí a sobra vem para Manaus. Vem direto no frigorífico. Em Carauari também tem mais oportunidade de ter mais dinheiro, porque tem Urucu. Oitenta por cento do pessoal de Urucu é de Carauari. É por isso que tudo fica mais fácil para a gente de Carauari. Carauari é uma cidade do centro de Juruá, é a cidade por onde corre mais dinheiro. Tefé, Coari... Carauari é uma que bate recorde, porque é onde cai mais dinheiro do Urucu. A maioria do pessoal que trabalha no Urucu é de Carauari, que fica a 30 minutos de avião. Mas só dá para ir de avião de Urucu a Carauari, porque a mata é fechada e é longe. São trezentos e poucos quilômetros.
ÍNDIOS Ali na região do Juruá tem índio, mas índio manso. Eles chamam mesmo só de caboclo, o pessoal chama de caboclo: “Ô, caboclo”, “Caboclo ‘fulano de tal’”. Mas eles são mansos, legais mesmo. Eles continuam morando lá na floresta. Eles têm a aldeia deles. Já fui lá, já fui foi muitas vezes lá. A aldeia é Ueré.
PLANTAS MEDICINAIS Conheço também as plantas da região. Eu conheci desde pequeno mesmo, porque a minha vida era só na natureza, na mata. Eu conheço planta desde pequeno, usava como remédio. Minha mãe fazia chá, colocava casca de molho para quando eu estivesse bom no outro dia, para a gente beber também. Era casca de qualquer árvore que sirva para chá, de qualquer folha. Tem gente que faz o chá da folha e tem outros que fazem da casca.
Quando eu ficava com febre, o chá que mais fazia era de paracanaúba. Não era da folha, era da casca mesmo. Paracanaúba, saracura, que é para febre também. Ela tem um pouco de amargo e ela cuida do fígado da gente. Então, a gente já tomava, porque a febre ofende logo o fígado. Aí a gente ficava bom mesmo Muito remédio da natureza, você pode ir no Urucu que não dá. Toda hora é gente querendo trazer, querendo tirar lá para beber lá mesmo, porque se sente bem, com remédio da natureza mesmo. Esses remédios eu aprendi mais com papai. Eu fui aprendendo com papai, porque o papai conhecia. A mamãe nunca “coisou” muito no mato assim não, eu fui aprendendo com o papai e eu também aprendi com meu outro irmão. Eu tinha um irmão que já sabia mais. Ele já tinha aprendido bem com meu pai, aí me ensinou. De um a gente vai passando para o outro e a gente vai conhecendo. Aí, passa uma pessoa, a gente já ensina para aquela pessoa e ela já ensina para outro, e vai ficando. Nessa época não existia médico, a gente não tinha esse negócio de remédio. Mesmo agora a gente ainda pega muito remédio da natureza.
FAMÍLIA / COTIDIANO A mamãe cozinhava mesmo, cuidava só da casa, plantava milho, mandioca, capinava a roça, esses negócios assim. Quem mandava na casa era o papai. Ele não era brabo, não. Era bom, era legal. Não era valente assim não. No tempo todinho que eu conheci ele morando junto com minha mãe, eles nunca brigaram. Por isso que, até hoje, eu com minha mulher, nesse tempo todinho que eu estou com essa mulher, nunca teimei com ela, só por causa disso, porque eu nunca vi o papai teimando. Todo mundo ajudava – eu, meus irmãos.
IDA PARA URUCU Rapaz, nem sei quanto tempo eu fiquei trabalhando no seringal Eu acho que fiquei bem uns seis anos ou sete, aí já consegui vir para Urucu. Eu fui para Urucu contratado por uma empresa que se chamava J. Ramalho. Fui fazer desmatamento. O helicóptero levava o material, eles montavam lá, aí de lá é que o helicóptero começava carregar a sonda, depois de montado, porque era tudo floresta, não tinha estrada. Isso foi quando Urucu estava começando, quando a Petrobras estava chegando para montar.
Aí fiquei lá trabalhando nessa firma até acharem o primeiro poço. Eu me lembro disso. O pessoal, quando estavam furando lá, que saiu o gás, correu todo mundo. Porque a gente fica assustado. Sai gás assim de esguichar, porque a pressão é grande. A pressão é muito grande, quando a sonda está furando. O gás é que faz subir o petróleo; tudo sobe por causa do gás. Aí o gás vem em cima mesmo. E faz barulho. Aí deu susto em todo mundo. Todo mundo colocava aquela máscara com oxigênio, com medo de ser um gás venenoso. A gente achava que tinha gás venenoso, o pessoal tinha medo, só falava nisso. Quando dava uma explosão assim, a gente ficava com medo. Desde essa época, eu fiquei todo tempo trabalhando em Urucu mesmo. Trabalhei uns quatro anos na sonda, que era negócio de furar, “furamento” de poço.
TRAJETÓRIA PROFISSIOAL / VIVEIRO EM URUCU Aí vim para o viveiro. O viveiro é só para recuperar o que foi desmatado. A sonda chegava lá e ela desmatava uma área. Vamos dizer que uma quadra era desmatada, 100 metros quadrados. Aí nós tirávamos a semente daquela mesma área, daqueles mesmos tipos de árvores e plantava num viveiro. Quando estava com 50, 60 centímetros de altura levava e plantava de volta na mesma área, para recompor o que foi destruído. Aí eu fiquei no viveiro, não saí mais do viveiro. Eu gostei de trabalhar na sonda, mas o negócio é que nessa época eu ganhava só um salário, sabe? Quando voltei para trabalhar no viveiro, o meu dinheiro melhorou, voltei a ganhar dois salários. Porque aí tinha que ser alguém que entendesse, para subir. Porque no tempo que eu cortava seringa e seiva, eu aprendi a subir. Meus irmãos me ensinaram, nós mesmos que começamos a tentar, porque nós achávamos que se subisse era melhor. Aí nós mesmos mandamos fazer o material para nós, que é uma espora feita de ferro. Eu subo árvores de 50 metros. É alto. A espora agarra, mas a gente também vai com o cinto para cima, um cinto de corda, vai esticada na árvore, para dar segurança, sabe? Eu comecei a subir em árvore com uns 12, 13 anos, a gente já treinava. Quando foi nessa época que precisou de uma pessoa para subir, aí não iam contratar uma pessoa de fora, porque a gente já sabia. Eu fui, me apresentei, porque eu já sabia e já conheciam que nós sabíamos mesmo. Ficamos eu e um amigo meu, a gente trabalha desde pequeno juntos. Desde o seringal. Hoje um fica sendo back do outro. Quando um sai, o outro fica. Faz muito tempo que nós trabalhamos juntos. Ele é meu back e eu sou o back dele.
ESPÉCIES DE ÁRVORES Uma das árvores mais altas é o Angelim. O angico também é uma árvore muito alta e grossa. Dá para abraçar não. Com duas pessoas ainda não abraça. É muito grossa. É alta e grossa. São as mais altas. A que eu acho mais bonita é a samaúma. É linda. Porque ela é grande. Tem dela que dá um metro lá em cima, um metro de ponta. Ela é muito grossa. É mais grossa do que o angico. Mas só que a gente não coleta a semente dela, porque ela fica muito alta e a semente dela é no algodão. Se a gente for atrás para coletar, ela espalha, a gente junta mesmo embaixo, lá em cima a gente não pode pegar. Ela dá o algodão. A semente dela já sai no algodão, quando ela abre, a flor eu acho que é aquela vagem/baia. Quando já abre e já sai o algodão, é tipo uma munguba. Eu vi até uma aqui no Rio. Reconheci também um apuí, tem um monte Não é o apuí que serve de remédio para câncer, que o pessoal diz? Mas a senhora não viu na televisão? No Globo Repórter já passou. Eu vi aí na estrada mesmo, na subida da rua. Tem um monte aí.
Aqui [no Rio] acho que não vi nenhuma árvore que eu não conheça, não. Tem nenhuma não, eu acho que eu conheço quase todas. As daqui são todas plantadas, ela não cresce como essa da natureza. Porque essa da natureza, ela cresce mesmo, porque ela fica “sombrada” e quer pegar o olho do sol. Tem que pegar a luz do sol e fica no “sombrado” das outras, aí ela cresce muito alto.
PETROBRAS EM URUCU A Petrobras contratava uma empresa, aí a empresa nos contratava. Eles falaram: “Vocês vão desmatar para o pessoal da Petrobras furar lá”. Aí nós fomos para fazer o desmatamento para a sonda descer. Depois, quando já estava lá, fui contratado para tirar semente para o viveiro. Era uma oportunidade para a gente arranjar um emprego, para a gente comer. Ficava melhor. Eu não sei nem a minha idade nessa época não. Acho que eu tinha bem uns 20 e poucos anos, 22, 23. Foram eles mesmos – essa firma – que vieram me procurar. Porque sabiam que eu era do interior, era um cara trabalhador. Porque gente do interior, a gente já é diferente do pessoal da cidade. Porque o pessoal da cidade, se eles forem pegar um material para trabalhar com terçado, um machado, eles não sabem. E a gente que mora no interior já sabe. O pessoal da firma foi lá em Carauari. A empresa era de lá mesmo, de Carauari mesmo. Aí me interessei e fui. Achei tão bom que fiquei todo tempo. Era um dinheiro pouco, naquela época. Mas era melhor do que estar trabalhando no seringal, porque no seringal, a maioria do pessoal engana a gente. E o pior é que nessa época eu não sabia ler, nem escrever e não sabia de nada. Aí ficava mais difícil ainda. Eu comecei a estudar agora. O pessoal do seringal me passava a perna, passava mesmo. Eles enganavam a gente, porque a gente não sabia de nada. Eles davam o que eles queriam. Naquela época tudo era difícil mesmo e arranjar outro emprego pela região era muito difícil. Naquela época, se não fosse Urucu... Só se fosse pela prefeitura. Na época que eu comecei a trabalhar em Urucu, era o pessoal da Petrobras mesmo, eles que trabalhavam junto com a gente. Agora não, o pessoal da Petrobras não trabalha mais não, só as empresas contratadas que fazem mais o serviço. Mas naquela época eram eles mesmos que trabalhavam na sonda, eram eles. A gente era ajudante deles mesmos. A gente não era ajudante do pessoal da contratada, a gente era ajudante deles, trabalhava junto com eles mesmos. Mas a gente já tinha ouvido falar da Petrobras antes.
COTIDIANO DE TRABALHO / ATIVIDADES NO VIVEIRO / COLETE DE SEMENTES Nós tínhamos a quantidade e as qualidades [de sementes] que a gente tinha que tirar. Vamos dizer que nós fôssemos plantar 2000 sementes. Aí, nós colocávamos pelo menos cinco qualidades, para ficar naquele nível daquelas que tinham sido tiradas. As principais eram biorana, angico – de planta eu conheço tudo –, angelim, visgueiro. Essas plantas eram suficientes, tinha que ser dessas mesmo, porque era da mesma localidade de onde a gente tirava, do mesmo local.
A gente tira as sementes lá de cima. Algumas dessas árvores também dão fruto. Ela dá vagem/baia, sai a semente mesmo, a folha. Ela fica lá. A gente olha para cima, tem um binóculo que você olha, aí: “Está boa?”, “Está Ela está madura.” Aí coloca a espora, sobe, chega lá e coloca o cinto de segurança, aí puxa um podão. Aí do podão é que a senhora vai coletar, a senhora vai só cortando assim, só aquelas pontinhas. Porque não pode cortar galho grosso.
Aí as sementes vão caindo e o outro, que é o mateiro, vai juntando no chão. Se cortar galho grosso, a árvore vai se atrasar. Porque a gente coleta e marca a árvore. No outro ano nós coletamos de novo, marcamos de novo para ver se a grossura está aumentando. Aí a senhora me pergunta: “Qual foi a árvore que tu coletou de angico esse ano, moço?” Eu digo: “Foi árvore ‘fulano de tal’.” Porque aí eu sei já qual é ela, né? “Foi árvore ‘fulano de tal’, eu coletei ano passado”. Eu conheço: “Ó, ano passado eu coletei tanto de ‘fulano’, esse ano eu coletei lá de novo”. Então eu sabia qual é, já vai só lá.
COTIDIANO DE TRABALHO / ATIVIDADES NO VIVEIRO / ACOMPANHAMENTO DA MUDA Quando a gente vai passando, a gente vai vendo como as mudas estão. Você já vai conhecendo. Elas custam a crescer. Mas ela custa a crescer até um tamanho. Quando ela fica maiorzinha, com uns quatro metros para cima, ela já vai tratando de crescer mais rápido.
Aí, para a semente pegar é um processo muito grande. Precisa “quebrar a dormência”, como a gente chama. Porque tem um tipo de semente que se colocar na sementeira lá, para germinar, tem que colocar ela no aço ou então na água quente, para quebrar a dormência. “Colocar no aço”, que a gente chama, é colocar na água quente. Vamos dizer que tem uma semente que passa seis meses para ela germinar. Se a senhora quebrar a dormência com água quente – colocar água no fogo e deixar ela ficar com 40 ou 50oC de temperatura, depois colocar a semente dentro – ela vai nascer em quatro dias, ou então em três dias, conforme o tempo que a senhora vai passar. Aí então quer dizer que vai fazer aquela semente nascer mais rápido. Se não colocar a semente ali, ela vai custar mais, porque ela vai germinando por conta dela mesmo. Aí a gente quebra a dormência e ela nasce mais rápido. Aí ela germina e quando ela está com dois ou três centímetros de tamanho, a gente leva para o saquinho com terra. Aí depois tira ela de lá e faz a repicagem no saquinho. Quando ela está com 50 centímetros para cima, ela vai sair para o campo. É um processo custoso. Eu fico encarregado de acompanhar esse processo todo também. Não é só pegar semente. Eu trabalho com a semente e cuido das sementeiras. Dou quebra de dormência, tudo. Da quebra de dormência até devolver a árvore de novo para a floresta, tem umas que levam seis meses, tem uma que leva um ano, conforme o tipo das árvores, porque tem uma que cresce bem, mas já tem outras que crescem mais devagar. As que crescem bem são o angico, a caporana, guarapari. Essas aí crescem legal. A que cresce mais devagar é copaíba. Copaíba é bom para ferida, para qualquer tipo de dor, garganta. Para gente que tem problema de garganta, copaíba é bom.
PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO EM URUCU Quando eu cheguei no Urucu já disseram: “Rapaz, tu vai ter aula para estudar” Estudar para eu aprender a fazer ao menos o meu nome, porque é ruim, não é? Quando eu trabalhei de empregado e eu ia receber, se tinha um monte de gente na fila, eu não ia lá receber, com vergonha de melar meus dedos. Só ia receber quando todo mundo saísse. Eu ficava lá de longe. Aí o pessoal todo recebendo e eu não ia para a fila, não. Só ia quando já estava bem pouquinho, aí que eu entrava na fila. Porque tinha vergonha de melar meu dedo. Aí apareceu [a oportunidade]. “Eu vou é estudar lá em Urucu.” Tinha uma menina que trabalhava lá, ela era digitadora. Ela disse: “Eu vou dar aula para vocês, para vocês aprenderem ao menos a fazer o nome de vocês.” Mas ela não ganhava nada não. Tinha um quartinho lá, aí eu pensava: “Está bom, já pode dar uma estudada”. Comecei a estudar. Estudei três dias. Ela perguntava: “Moacir, que letra é essa?” Aí o “o” eu dizia era “a”, porque eu não sabia mesmo. Aí mangavam de mim. Eu saía e pensava: “Não vou mais estudar não”. Ela ensinava para muitos, nós éramos muitos. Nós éramos uns 20 nessa época. Ninguém sabia de nada. Tinha uns que já conheciam mais as letras. No rumo não sabia juntar, mas já conhecia. Aí eles ficavam mangando de mim e eu saí.
ESCOLA ESPERANÇA / TRABALHO Aí, quando começou a Escola Esperança, essa outra, eu disse: “Eu agora vou estudar.” Eu já tinha comprado uma carta de ABC para mim, eu já tinha aprendido. Eu tinha rasgado ela, mas eu já tinha aprendido quase tudo sozinho. Eu levava para casa, mostrava para a minha filha, minha filha aí estudava lá. Eu mostrava para ela e ela me ensinava quando eu tinha tempo, porque quando eu chegava lá, eu serrava também, porque eu serro com moto-serra.
Serro madeira para vender para as oficinas fazerem móveis, cadeiras, mesas. A oficina que compra faz só negócio de móveis mesmo, só para fazer para a região mesmo, cadeira, mesa, guarda-roupa. Tem muita oficina. É que a oficina é só para fazer móvel, para dentro da cidade mesmo. Não é para exportar, é para fazer guarda-roupa, cama, esses negócios assim, sabe?
Tinha vezes que eu ia serrar, quando eu chegava de noite: “Papai, venha cá que eu vou lidar uma lição.” Pegava a carta de ABC, começava a olhar, aí dava um sono. Aí eu dormia. Quando eu cheguei no Urucu começou a Escola Esperança, eu digo: ”Vou estudar agora. Agora ninguém vai mais mangar de mim, não” Teve gente que me ensinou e eu já estou ensinando.
PETROBRAS / APOIO AO ESTUDO O pessoal da Empresa avisou que ia começar a escola. Eles deram muito apoio, porque eles diziam: “Olha, vocês têm que estudar porque, daqui a um tempo, quem for analfabeto, quem não souber de nada, não vai entrar mais aqui no Urucu. E vocês são as pessoas que são entendidas, vocês têm a prática de vocês, vocês sabem muito, então vocês têm que se interessar e estudar.” Eles davam todo apoio. E a gente estudava. Só que em todo canto tem gente que não se interessa mesmo. “Eu já estou velho, rapaz, não aprendo mais.” Tinha gente que dizia isso. Eu dizia também “Rapaz, não vou estudar não, porque eu já estou velho, para que eu quero estudar se já estou para morrer?” A gente pensava isso. E não é que isso serve mesmo É bom a gente saber. Nem numeração eu conhecia. Se a senhora me mostrasse um número era o mesmo que nada. Preço de supermercado, eu ia comprar com a minha mulher e a minha mulher não sabe também. Ela está estudando, mas ela fica com raiva, ela estuda dois dias de aula e já fica com raiva, porque sai muito tarde e ela reclama. Aí ela não sabe não. A gente comprava no supermercado, pegava um monte de coisa, não sabia o preço, ficava olhando: “Será que é isso?” Todo preço é pregado lá, mas a gente não sabia. Pegava, levava lá para frente e o cara cobrava o que ele quisesse, porque a gente não sabia. Agora eu levo a calculadora no bolso Já sei quanto é que deu a conta. Quando chego lá, se o cara puxar 10 centavos, eu digo: “Não, amigão, está faltando 10, aqui deu “tanto”, porque que tu botou esse 10?” Agora ninguém me tapeia, graças a Deus
COTIDIANO DE TRABALHO A escola fica lá no Urucu mesmo, bem pertinho do nosso alojamento. As aulas são das 19 e 30 às 21 horas depois do trabalho. Lá em Urucu, nós pegamos às sete horas. Nós saímos de lá às seis, pegamos o ônibus. Às sete horas a gente começa a trabalhar. Tem vezes que chegamos lá no canto mais cedo, porque de lá a gente pega o ônibus para poder chegar lá onde a gente vai ficar para trabalhar, sabe? Eu moro no Urucu mesmo, mas de Urucu a gente pega um ônibus para chegar nos cantos que a gente trabalha. Por exemplo, se a senhora mora aqui, aí a senhora vai trabalhar lá no outro bairro, a senhora pega o ônibus daqui para lá. O mesmo é com a gente lá. Nós moramos aqui, mas nós pegamos o ônibus. Aí, quando é sete horas a gente começa. Aí, quando é 11 e 30 a gente larga e pega de volta 13 horas. Aí, quando é cinco horas nós largamos e vamos para a academia, porque lá tem academia para a gente, sabe? Eu gosto de ir para a academia. Depois, quando é sete e meia, a gente sai da academia. É só tomar banho, jantar e vamos para a aula. Fazer academia é bom porque eu também faço parte do grupo da brigada. A brigada é por causa do derrame de óleo. Então eu tenho que estar sempre em forma. Por isso que nós somos da academia. A Petrobras deu tudo, deu roupa, deu calçado, deu tudo para a gente.
EMPRESAS TERCEIRIZADAS Eu não estou trabalhando na mesma firma desde o início, não. Já estou trabalhando por outra. Porque de dois em dois anos, toda firma contratada, naquela época, perdia o contrato. Por exemplo, ela era contratante, mas se a senhora queria o contrato, colocava o valor mais baixo do que o valor que a primeira contratante queria. Aí a senhora ficava com a Petrobras, porque ficava quem cobrasse mais barato.
Então, eu já saía da outra empresa, recebia uma indenização, já passava para a empresa da senhora. Aí a senhora já perdia para outro, e eu já passava para o outro, aí ficava todo tempo assim. Urucu é assim: de dois a três anos, já troca de empresa. Há 17 anos que eu estou assim. Só que nessa empresa em que eu estou, já estou nela há quatro anos, ela ainda não saiu. Porque ela vai ficar seis anos, ela pegou o contrato duas vezes. Ela pegou um contrato de dois anos e pegou outro contrato de quatro anos.
BRIGADA DE INCÊNDIO Mas é a Petrobras que dá roupa para a academia. A Petrobras mesmo que deu. Porque nós fazemos parte da brigada e nós não ganhamos como brigadista, nós não ganhamos. Nós fazemos parte da brigada, porque ficamos lá para dar um apoio, se precisar, se der um derrame de óleo, no igarapé que tem lá. Todos nós já conhecemos o igarapé todinho, pode ser de noite, pode ser de dia. Em qualquer hora a gente resolve, porque nós já fazemos parte dela, já conhecemos. Nós fizemos treinamento e disseram que a gente vinha até aqui para o Rio de Janeiro fazer treinamento também. No treinamento, eles vão lá e dão o curso lá. Eles dão uma palestra, explicando como que eles colocam uma barreira, como que a gente vai tirar o derrame de óleo grande, como que a gente vai fazer, o que a gente tem que evitar para não ter incêndio, só negócio de segurança mesmo.
EDUCAÇÃO
Então eu fico na academia até 19 e 30. Aí eu chego, tomo banho e volto para a aula. Tem vezes que eu chego cinco minutos, dez minutos atrasado. Aí tem vezes que eu não janto, porque não dá tempo. Vou direto. Só faço chegar, vou direto para a aula. Tem vezes que acontece: “rapaz, vamos embora lá Vamos embora lá na aula”, “rapaz, hoje a gente não agüenta não.” Eu digo: “Rapaz, vou ver se eu vou.” Aí eu vou, porque se a gente perder um dia de aula e perder dois dias de aula, a gente não quer mais ir, porque dá preguiça da gente ir. A gente não perdendo toda vez, a gente vai querer ir, não é? Quer aprender mais. E agora eu estou mais interessado porque eu já aprendi e tudo.
Quando eu ia fazer meu trabalho no viveiro, tem que contar semente, tudo a senhora tem que saber para fazer. Tinha os meus outros amigos lá que sabiam, aí diziam: “Rapaz, anota isso daqui para mim”. Depois nem ligavam para mim, iam embora e eu ficava lá com o papel na mão, sem saber o que eu fazia. Agora tem vezes que falam: “Moacir, eu vou te ajudar”. Eu falo: “Não, não quero que vocês me ajudem mais, porque primeiro vocês não me ajudavam, agora vocês querem me ajudar? Agora eu faço o meu trabalho e vocês fazem o de vocês.” Porque agora eu sei fazer. No tempo que eu não sabia eles viraram as costas, iam embora e eu ficava lá, com o papel na mão sem saber o que eu fazia. Não sabia anotar, não sabia nada, contar, anotar.
Porque lá no meu trabalho, nós pegamos tudinho e quando é de tarde é que nós entregamos lá para a nossa chefe, sabe?
A VIDA ANTES DA ALFABETIZAÇÃO Antes de ser alfabetizado, eu guardava [as informações] na cabeça. Eu guardava só na cabeça e de tarde tinha que dizer, por exemplo: “Tem 1.500 sementes de um, duas mil da outra”. Tinha que ser tudo gravado para a hora da anotação, de tarde, de entrega de cor. Guardava tudinho só na cabeça. Era: “Semente de ‘fulano de tal’?”, “Duas mil.” “Semente de ‘fulana’?” “Mil e tantos, 800, 400...” Aí ia indo.
A IMPORTÂNCIA DA LEITURA Eu já estou na Escola Esperança há três anos. Já terminei a terceira série. Estou começando na quarta série. Rapaz, eu comecei a ler foi agora há pouco tempo, eu lia, mas só gaguejando. Agora eu já vi que eu melhorei mais, porque eu comecei a ler mais. Quando a gente lê mais, a gente melhora. Eu não leio muito bem não. Mas lá em casa, a minha filha, que está na quinta série, ela pega um livro da escola, aí fala: “Papai, eu vou ler essa daqui, essa daqui é sua, essa daqui é minha.” Aí, a gente vai lendo, a gente melhora. A sensação de ler sozinho, de fazer as coisas sozinho, é muito boa É muito bom É uma alegria que eu senti muito grande na minha vida. Porque a gente depende da gente mesmo, de estar enxergando ali o que a gente está vendo. Porque, primeiro, se a senhora me desse um papel desses, que fosse para eu matar: “Moacir, tu vai morrer em tal canto”. Eu ia, porque eu não sabia Agora, se me der um papel, eu olho e digo: “Isso daqui não vai dar certo”.
É a coisa mais importante da vida, porque é uma coisa que a gente não deixa para ninguém, a gente leva. Porque se a gente tem dinheiro, a gente vai deixar para os outros o dinheiro. Mas o saber da gente, se a gente morre, a gente leva, só serve para nós mesmos. É uma coisa importante, não é?
AULA DE DESENHO O que eu achei mais difícil na escola foi desenhar. O desenho que eu fazia era muito ruim A professora pegava na mão da gente, para a gente desenhar. Não era o desenho das letras, não, era desenho mesmo. As letras não eram muito ruins de fazer não, porque nós começamos com a televisão, com um vídeo na televisão, na fita. Aí, o vídeo ficava lá ensinando, ensinando tudinho, ele ia fazendo a letra, tudo bonitinho lá. Aí a gente ia só colando por ali. Aí já ficava mais fácil. Mas, na hora do desenho... Eu me lembro que eu fiz um tatu. Meu Deus do Céu Ainda está lá em casa de amostra, no meu caderno, está lá. Não parecia um tatu. Eu, mesmo acostumado com bicho do mato, não sabia fazer. Eu queria que ficasse ao menos parecido, mas não ficou nem parecido. E a professora para me ajudar: “Está bem bonitinho, Moacir, você está desenhando bem bonitinho” Mas estava feio. Mas ela anima a gente, para a gente não desistir. Eu queria ao menos parecido, ali não estava parecendo, eu achava que estava muito feio mesmo.
PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÂO - PROFESSORES
A média de alunos na turma é 20, 25, só na minha sala. Tem gente mais velha do que eu e tem mais novo. Tem um que eu acho que tem 52 anos, que está estudando lá na minha sala. O mais novo eu acho que tem 20, 21 anos. Tem gente nova também. São dois professores só numa sala. Na nossa sala são dois. Um é Josué, outra é Cristiane, eles dois.
A Sandra foi a minha primeira professora, ela mora em Coari. Ela deu aula para a gente uns dois ou três anos. Ela que sofreu, sabe? A gente aperreava ela. A gente aperreava tanto ela e ela era bem boazinha. Porque tem pessoas que dão aula para a gente, que são bem boazinhas. Se não entende, explica, o cara não acerta, ela volta de novo, explica de novo. Ela era boa professora. Eles todinhos são bons, mas ela foi a melhor professora. Eu disse para ela que no dia que eu aprendesse eu ia lá onde ela estava. Outro dia eu fui lá em Coari, eu digo: “Rapaz, estou com uma vontade de ver a professora” Para ela ver. Porque ela fez um curso, parece que ela queria ser enfermeira. E ela saiu de lá. Aí entrou o professor Josué. Ele é legal também. Explica direitinho. O problema é aqueles módulos que eles trabalham – porque nós não trabalhamos assim com esses módulos. O módulo que nós trabalhamos é um papel que já vem com as coisas. Isso já não é nem do Brasil, é daí de fora. Aquilo dali é coisa de uma pessoa que tem o primeiro grau, ele não faz uma coisa da terceira série. É complicado, é um baile de cabeça. É difícil. Precisa o cara ler e prestar bem atenção para poder responder os exercícios. Eu já dei um módulo para nossa chefe, que é nossa engenheira, fazer. A resposta que ela faz, que ela ensina para a gente fazer, é diferente do outro módulo que tem, que a professora dá. Porque a professora já ganha um bocado do módulo já feito, aí ela vai estudando também. Nós estamos estudando e ela vai estudando também, fazendo os dela lá, para ela poder, quando a gente responder, ter a resposta certa. Lá já tem uns feitos, que são para ela poder comparar, ver se está parecido com a resposta.
PORTUGUÊS E MATEMÁTICA Os exercícios que eu acho difíceis são de português. Matemática é mais fácil. Eu aprendi a fazer conta desde que eu comecei a estudar. A conta que eu achei mais difícil foi de dividir. Mas nesses negócios de parêntese, colchete, chave, “xis”, tudo eu fui direto, eu não me amarrei em nenhuma não. Foi mais fácil do que aprender as letras. A conta, para mim, é mais fácil. Quando a gente começa com negócio de dividir, eu achava mais difícil, logo no começo eu achei meio ruim. Mas depois que eu comecei a pegar, depois que a gente vai pegando, vai encaixando tudinho. A gente vai aprender pegando mesmo a base. Conta eu não acho muito ruim. Não sei se é porque eu já sou mais acostumado com conta de cabeça.
AULA DE COMPUTAÇÃO Para eu terminar a quarta série, eu tenho que chegar no módulo 71. Aí termina a quarta série. Eu estou no 60. Quer dizer que só faltam 11 módulos. Aí, eu terminando, eu termino a quarta série. Aí já vou fazer a quinta série, a quinta e a oitava. São três séries, mas faz tudo de uma vez. Eu quero terminar. Agora, até em computador eles deixam a gente pegar, a gente já está pegando. Toda semana, a gente tem dois dias na computação. Eu já sei ligar. No primeiro dia era igual galinha comendo milho, era só tchum, tchum. Agora a gente já está com o dedo mais treinado, mais maneiro. De repente dá o horário [de acabar a aula], mas a gente fica tão entretido, ninguém nem vê quando dá o horário. Passa rápido. O cara quer fazer muita coisa e não dá. Nós escrevemos no computador. Nós queremos escrever mesmo no papel, aí faz só passar para o computador, faz só botar o papel lá. É bom demais. Eu disse para a minha menina: “Minha filha, eu vou comprar um computador para nós, porque é para a gente também aprender, ficar craque”. Porque a gente comprando, em casa todo mundo aprende, não é?
FILHOS Eu tenho seis filhos. Com a Raimunda eu tenho cinco e tem a Jordana, que nós criamos. Ela está com 14 anos, é a mais velha de todos. Tem a Jaiana, que tem 13 anos. Depois que nós pegamos a Jordana, com um ano e pouco a minha mulher saiu grávida da Jaiana. Tem a Maiana, de 10 anos, que nós chamamos só de Mic, pelo apelido. “Mic” é porque ela era gêmea e tinha um filme que era Mic e Dominique. Tinha esse filme, aí botei o nome dela de Mic. Depois vem a Joana, que tem seis anos. A Joana tem seis anos, quase sete. É a menor. Aí vem o Jeferson e vem o Edu. O Jeferson tem 11 e o Eduardo tem dois anos e seis meses.
Só o pequenininho que não estuda, os outros todos estudam. A Jaiana está fazendo a oitava série. Mas a Jordana... Dizem no interior que menino que não mama na mãe não tem a cabeça boa para estudar. Porque essa minha menina, ela está na quinta série, igual a que tem 10 anos, a Mic. E a outra já está na oitava série, que é mais nova do que ela. A Jaiana nunca repetiu um ano, desde pequena, nunca repetiu um ano. Eles estudam desde os quatro anos. Com quatro anos as meninas todas já estavam estudando, já iam para a escola. Estudando não, riscando, não é? Agora, esse meu menino que tem dois anos e seis meses, ele já quer ir. A mãe dele, outro dia, comprou um caderninho para ele, ele chora, chora, chora para ir com a irmã dele pequena. Ele quer ir, chega lá e sai pegando o lápis assim pelo meio. Quer riscar tudo, ele gosta. Já tem interesse, desde pequenininho. Os meus filhos já estudavam mesmo antes de eu entrar no Urucu. Eu não estudava porque eu trabalhava. Quando eu chegava, eu ficava dormindo. Tinha vezes que eu passava só três dias em casa, para ver se conseguia mais dinheiro. Naquele tempo eu ganhava menos. Então era para ver se eu conseguia mais dinheiro para casa, porque seis filhos dentro de casa é muita coisa. Eles estudam na escola do governo. Só tem uma que está estudando computação, que é pago. É essa que conversa sempre comigo, que estuda comigo, é a Maiana. Ela é a mais interessada, ela sabe esse negócio de computação. Ela tem 10 anos, mas ela quer aprender tudo. É ela que fica lendo comigo: “Papai, essa daqui é uma minha, essa daqui é sua, essa aqui é não sei de quem...”
Por causa dela que eles ficaram todos chorando quando eu vim, porque eles tinham medo, diziam que eu ia me perder. Eu comprei uma máquina novinha e não vou poder tirar uma foto. Uma tristeza Quase 200 reais. Ela veio esculhambada, dei o meu dinheiro, todo perdido. É por causa do flash, que não tem, não veio. Eu comprei o filme e tudo, mandei o cara colocar lá, porque eu não sabia nem colocar, o cara disse: “Ah, rapaz, isso aqui não tira nada não”. Eu falei: “Rapaz, deixe disso, porque eu comprei essa máquina agora, bem novinha”. Ele disse: “Rapaz, está faltando o flash.” Aí foi uma tristeza. Não adiantou nada. Comprei o filme, comprei a máquina e a máquina está aí, não vou tirar uma foto para eu levar.
TRABALHO E ESTUDO Tem dia que a gente vai para a aula mesmo porque a gente precisa ir. Porque se a gente não for, se perder um dia, já faz falta, não é? Mas tem dia que a gente se baqueia mesmo, é difícil, fica muito cansado. Mas vale a pena Faz falta. Vale a pena o cara se esforçar, o cara se interessar. Mesmo que a gente fique mais cansado, mas vale a pena ir, porque já melhora mais para nós mesmos. Porque a gente vai enxergar melhor, a gente vai ter mais conhecimento com as coisas.
PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO EM URUCU [Aprender a ler e escrever] mudou muita coisa na minha vida. Primeiro, porque melhorou na hora da gente gastar, porque a gente já conhece, não tem como enganarem a gente. Se a gente tiver um documento, uma coisa para resolver, a gente já sabe resolver também, não precisa ficar pedindo para ninguém resolver para a gente. Se mandam alguma coisa para a gente, se mandam uma carta, se a mulher da gente escreve uma carta, a gente não precisa depender de ninguém, não precisa dar para ninguém ler. Porque, antes, se alguém mandasse algum recado para a gente, a gente ia lá: “Lê isso daqui para mim?” Aí ficavam fazendo galhofada, achando graça. E agora a gente mesmo sabe, a gente mesmo olha, sabe o que veio. Se vier uma coisa boa a gente guarda, se vier uma coisa ruim a gente rasga, joga fora, não tem quem saiba, o segredo é da gente. Isso aí é o mais importante para mim, é por causa disso, porque a gente não depende dos outros. E ajuda muito a fazer economia também Porque a gente chega lá no supermercado, vê o preço de uma coisa, aí outro já está mais barato, você reconhece. Aí vai pegando o mais barato, porque a gente não vai pegar o caro, que é a mesma coisa, não é? Aí chega no supermercado, entra: “Rapaz, aqui as coisa estão mais caras.” Se o fulano de tal baixa 10 centavos, 20, a gente já vai para lá, porque a gente sabe tudo, já conhece. Quer dizer, já ajudou também no gasto da gente. A escola, para mim, mudou muito a minha vida, me ajudou muito. Porque, mesmo com o emprego do Urucu, se a gente quiser fazer o próprio negócio da gente, saber é muito bom, não é? Porque, se eu sair do Urucu hoje, se eu quiser montar qualquer coisa para mim, eu monto, já vou depender de mim mesmo, não vou depender nem dos meus filhos – porque eu sei que os meus filhos sabem. Eu já vou depender de mim mesmo. Para mim foi importante eu ter estudado e eu ter aprendido o que eu já aprendi e continuo estudando. Tem muita gente que diz: “Ah, eu vou estudar, porque pode ser que daqui a uns dias no Urucu não peguem mais gente que não sabe ler e escrever, eu vou estudar por causa do emprego.” Eu gosto do meu emprego. Mas eu estudo não é tanto por causa do emprego, eu estudo porque eu quero mesmo aprender, para mim é importante porque ajuda muito na vida da gente.
BARRACA DE AÇAÍ Eu fico no alojamento, em Urucu, mas minha esposa e as crianças moram em Carauari. Eu passo 14 dias em Urucu e 14 dias de folga. Quando eu estou lá em Carauari, eu faço só açaí. Fico direto fazendo açaí. Eu tiro e faço. Eu vendo todo dia 600 litros, 500 litros. Porque eu compro do pessoal, faço e vendo. Eu tenho uma casinha bem ajeitadinha, com duas máquinas dentro. Trabalhamos eu e minha mulher. Quando eu não estou lá, ela faz. A minha filha estuda de manhã, e o açaí só chega à tarde. Então, de meio-dia em diante é que chega. Aí ela faz, faz junto com minha filha. Nós vendemos só o açaí puro mesmo. Só tipo uma polpa do açaí. Aí nós vendemos. Se a pessoa quiser tomar logo, toma, se não quiser, leva para casa, aí lá ela toma, compra farinha, ela que compra, ela mesmo. Eu compro o caroço, aí eu tiro a polpa e vendo. Eu estou mandando até para Manaus. Eu mandei para fazer uma amostra, para ver se o pessoal vai se interessar, porque, se interessar, vou ficar vendendo para eles, para uma fábrica lá, um amigo meu pediu para eu mandar uma amostra. Eu mando já no ponto, congelo e mando no gelo. Eu já mandei assim para ele ver, porque todo barco desse que viaja tem frigorífico. Aí é só colocar no saco, colocar dentro do frigorífico e vai embora. Fica bem geladinho. Do meu jeito. De Carauari para Manaus dá para ir de barco. Vai pelo Juruá, até pegar o Solimões, quando vem baixando, descendo, quando vai daqui para lá, subindo. Já fui lá muitas vezes. São quatro dias de baixada, quatro dias, com quatro noites. E de subida é seis dias e seis noites. Porque vai parando também. Vai entregando as mercadorias para aquelas comunidades maiores, vai parando. Tem vezes que passa duas, três horas só num canto. Tudo o que eu aprendi também ajuda na minha barraquinha. Deus me livre Ajuda em todo lugar. Ajuda a vender e passar troco, não é? A gente sabe fazer soma. De repente o cara compra tanto: “Traz aí o caderno” Aí, soma, tem a calculadora, que rapidinho dá o resultado. Você não sabendo, fica pensando: “será que vai dar quanto?” E fica pensando. Porque eu compro lá deles, aí já faço e já revendo de novo, sabe? Eu já tenho um pessoal – quando eu não estou lá – que já tira e leva direto para a minha esposa lá. Já fico vendendo. São pessoas da própria cidade mesmo, que pegam e já deixam lá em casa, eles que coletam. Eu já tenho aquele pessoal certo, aquele tanto de gente já certo. Eu já sou o chefe deles Eles ficam trazendo para mim e eu só fico comprando deles. Aí eu ajudo eles. Eles me ajudam e eu ajudo eles. Eu digo para eles: “Rapaz, é para ajudar uns aos outros.” Eles
precisam, eu tenho o dinheirinho de Urucu, e compro deles. O meu lucro é pouco, mas para matar a comida, eu mato lá. Meu dinheiro de Urucu é mais para comprar uma coisa que a gente quer, porque lá em Carauari as coisas são muito difíceis para a gente conseguir. Para conseguir comprar uma televisão boa, já vai ter que fazer economia. Porque se quiser comprar uma coisa de valor, tem que fazer mais economia para poder conseguir. São caras as coisas. Muito caro. Mas eu compro tudo lá, não vou para Manaus. O meu pessoal mora tudo em Manaus, mas eu nunca fui comprar nada por aí. Lá é mais barato, mas fica muito difícil. O cara tem que depositar dinheiro – tem que não sei o quê – e botar em barco e chega lá amassado. Por exemplo, vamos dizer que a senhora compra uma geladeira. Aí vai comprar lá em Carauari. Vamos dizer que ela custa 900 reais. Se a senhora for comprar em Manaus, sai por 700, mas vai ter que embarcar no recreio, aí quando chega no recreio, chegou amassado. Aí, lá em Carauari não, lá a senhora vai na loja, escolhe uma do jeito que quer e sem amassado sem nada. Fica mais fácil.
ANIMAIS EM URUCU De animais que eu já topei na mata que dão medo, só mesmo onça, queixada. Em Urucu a gente vê direto, elas. Dá medo, quando a gente vê logo, dá medo. Mas depois passa. É que logo que a gente vê, dá medo. Ela me viu Ela rosnou, elas rosnam. Nós vemos quase todo dia. Mas o negócio é que eu não ando sozinho lá, não. Eu ando com outro rapaz, que é o mateiro. Eu ando só junto com ele. Aí ela olhou para nós, sentou-se assim, ficou bem olhando para nós. Aí ele disse: “Rapaz, será que essa onça vai vir aqui?” Eu digo: “Vem nada” Ele bateu o terçado assim, da enxada, ela só fez só rosnar, botou o dente de fora e foi embora. Não pode correr, mas nós não corremos não, ela ficou num canto parada. Mas de vez em quando a gente vê ela. Tem dessas que vê a gente, corre, mas tem dela que não corre não.
Porque no Urucu ninguém mata bicho. Aí elas não têm medo da gente não. Se a senhora vê uma anta daquela, bem pertinho, que é do tamanho de um boi, ela não corre de jeito nenhum, ela passa. Porque elas não têm medo de ninguém, porque ninguém faz nada com elas. Ela morde, mas só se a gente pegar nela e ela estiver com raiva. Pode morder, mas atacar, atacar a gente sozinho, como onça, ela não ataca não.
AVES DA AMAZÕNIA Na minha cidade, de ave, tem mutum. Que eu ache bonito, tem tucano. Tem tucano, papagaio. Papagaio também é bonito. A senhora conhece papagaio? Nós criamos um, por um bocado de tempo. Mas depois que eu comecei a trabalhar no Urucu, eu dei para um homem, porque eu tinha pena do bichinho estar preso. Ali era um crime, um cara criar um animal durante um monte de tempo deixando ele preso o resto da vida dele. Eu disse: “Rapaz, eu tenho que soltar esse bicho ou então dar para alguém. Eu não quero mais não”. Porque lá a gente trabalha com meio ambiente, a gente não trabalha para destruir. Então eu estava destruindo, porque se eu estou prendendo um animal, não deixando ele fazer a vida dele – ele podia estar andando, voando, mas estava ali preso. Porque um animal estando dentro de casa, ele está preso. É o mesmo que pegar uma pessoa e botar na cadeia, não é? Aí eu digo: ”Vamos, temos que dar esse animal para alguém porque eu não vou querer aqui não. Então eu vou soltar.” Aí minha mulher foi e deu lá para um parente dela levar.
MEIO AMBIENTE Eu sei da importância do meu trabalho, com o que eu aprendi lá. Eu acho que é muito bom a gente preservar as coisas. A gente preserva as coisas para a gente. É como eu estava até falando hoje com a senhora: eu vinha voando hoje e na hora que eu acordei de manhã, eu fiquei olhando [do avião]. Eu vi tudo destruído, tudo mesmo, tudo limpo. Aí eu digo: “Cadê a natureza?” Porque se a senhora vai voar de avião para lá, a senhora olha e vê só mata, a senhora não vê nada limpo. E aqui, para esses lados de cá, a gente vê isso tudo limpo. Sem nada. Só com umas árvoreszinhas. Deus me livre Deu aquela idéia que daí acaba o mundo, até o ar que a gente toma é natural. Sem a natureza a gente não vai puxar esse ar, porque não tem.
A SUBIDA NAS ÁRVORES A gente coloca a espora. Depois, a gente coloca um cabo comprido, com, vamos dizer, seis braços de tamanho. Aí esse cabo rodeia a árvore e ele vai amarrado na gente, em volta. Já tem uma ponta amarrada e a outra ponta rodeia a árvore e amarra na gente de volta. Ele, geralmente, é para esse lado, para ele não deixar a gente girar para trás. É como se a gente estivesse andando, a gente vai caminhando, vai subindo e pisando como se estivesse caminhando. A senhora não sobe com dificuldade não, sabe? Sobe como quem vai andando, só pisando, em pé todo tempo. Aí, aquela árvore que for muito grossa, que não dá para amarrar o cabo, a gente pega ele assim, de um lado ao outro, para o cabo correr legal, aí vai fazendo assim, rodeando ela todo tempo, fazendo pião nela, rodeando e vai embora. Sobe no giro. O cabo vai suspendendo por ele mesmo, tipo um parafuso. A espora vem presa numa bota. Ela é uma coisa tipo um arco, é uma volta, é feito uma volta, presa aqui, no sapato. Mas não é qualquer um que sobe. Se não souber, não sobe não. Tem que saber, eu treinei desde pequeno. Quem não souber não consegue subir não.
COLETOR DE SEMENTES - TREPADOR
A pessoa que sobe é o “trepador”. E o mateiro vai pegando. Quando quer água, quando for para passar o dia todo lá em cima, aí solta uma corda, ele amarra água, comida, e a gente leva tudo para lá. Tem vezes que eu passo o dia inteiro lá em cima. Tem vezes que a gente sobe seis, sete, oito horas, e só vai descer às 16 horas. Só numa árvore. Porque esse processo aí é devagar. Coloca o cinto de segurança lá em cima, aí senta bem e vai tirando de semente em semente. A coisa é devagar. Aí, tem muita semente que roda, não cai no chão, porque ela fica em cima das outras árvores. Aí a gente tem que cortar e tem que tirar a cola, tirar muito. Vamos dizer que se cortar 100 sementes, vai cair umas 30 no chão. O resto vai ficar grudado nas outras árvores. Se a semente cai sozinha, ela germina por ela mesma também, sozinha. Porque a que a gente tira é aquela que chega no chão. A que fica trepada, fica para lá mesmo.
EM CIMA DAS ÁRVORES É muito bom ficar lá em cima, a gente vê a coisa muito longe, é bom. É bom a gente ver a natureza. Tudo certinho. É meio que estar num avião. É bom demais Não dá para ver o rio, só se for na beira, mas lá, onde nós trabalhamos não. A gente vê só a mata mesmo, toda certinha. Você vê tudo certinho, vê as outras árvores. Vê os pássaros, vê tudo. Macaco chega perto, a gente está cortando a fruta, se for uma que eles comem, eles vão bem pertinho. Eles vão pegar. Não atrapalha não, porque a gente não tem medo deles, a gente sabe que eles não vão mexer com a gente. Eles vão lá olhar, bem de pertinho. E a nossa comida vai pela cordinha, a gente puxa para lá, almoça lá. Aí almoça e faz só soltar as coisas para ir de novo. Continuar trabalhando. Dá para dormir em cima da árvore não. Dá não. Dormir não pode. Não tem galho onde dê para dormir, dá não. É muito arriscado. Agora, eu achei bonito ali [Pão de Açúcar]. “Não é que a gente fica achando bonito” Eu subi numa corda que dava até para a gente passar muito tempo, duas, três horas, só num canto, só olhando assim, sem perigo nenhum e sem risco nenhum da gente cair. Agora, já nos outros tipos de serviço, a gente passar lá em cima, com cinto de segurança, todo amarrado, já fica pior, porque a gente fica mais sufocado, não dá para a gente trabalhar. Aí eu vendo ali, eu achei bonito.
NA MATA À NOITE Eu já tive que entrar na mata à noite, para fazer coleta de óleo. Por agora, na época do Urucu, mesmo. E na época do seringal, nós cortávamos seringa só de noite, não era de dia não. Porque tinha esse negócio dos pais da gente dizerem que de noite dava mais leite do que de dia. Porque de dia, o sol era quente, aí o leite que escorria parava rapidinho. De noite, com a frieza da noite, aí custava mais, escorria mais, dava mais leite. Aí a gente cortava mais era de noite. Saía de casa uma, duas horas da madrugada, com a poronga. Não tenho medo de ir de noite, não. Só o que dá medo é a onça, mas a onça não persegue a gente andando com lanterna, não persegue não. Agora, de negócio de alma tem gente que tem medo, mas eu nunca tive medo de alma não. De alma, nunca. O barulho que o pessoal vê é por causa desse negócio de alma, mas eu nunca vi não. Tem barulho esquisito, mas eu nunca ouvi não. Os barulhos de animais eu reconheço todos. Todo animal que cantar eu sei qual é. Imitar eu não sei não.
PETROBRAS EM URUCU / MUDANÇAS EM CARAUARI Essa casa que eu moro, eu comecei a construir depois que fui para o Urucu. Depois que a Petrobras chegou em Carauari, foi muito diferente. Ajudou mudou. Mudou a cidade e a vida das pessoas também. Porque, primeiro, quando não tinha emprego, se chegasse na casa de uma pessoa que tivesse uma televisão, era em preto-e-branco, e era o que tinha. Hoje, se a senhora vai lá, não tem uma pessoa dentro de Carauari – eu acredito que não tem, porque eu não ando em todas as casas – que tenha uma televisão preta-e-branca. Todo mundo tem televisão colorida. Porque quase todo mundo já passou nesse processo do Urucu.
Porque a pessoa vai para Urucu: ”Ó, vou para Urucu, vou trabalhar só um ano, mas vou comprar uma geladeira, vou comprar um motor, vou comprar com fulano de tal.” E consegue, porque tem aquele dinheiro todo mês, faça sol ou faça chuva, a gente recebe. Quer dizer, já mudou a vida de muita gente, de quase todo mundo. Porque todo mundo já tem as suas coisas trazidas pelo Urucu. Oitenta por cento das pessoas de Urucu são de Carauari. Mudou a cidade também. A cidade está bem ajeitadinha, com dinheiro girando. Agora está tudo asfaltadinho. É bem ajeitada a cidade. Já esteve bagunçada, mas não agora, com esse prefeito que está lá. Ele já está há três mandatos, agora não pode ser mais não. Mas ele deixa a cidade bem ajeitadinha mesmo. Só o que ele não liga muito é negócio de médico para o hospital, sabe? Nós temos um hospital em Carauari, grande, bonito, é bem bonito mesmo. Mas não tem médico. Não sei por quê. É isso que está precisando: de médico. O médico fica poucos dias, depois sai. Não sei por quê. Ninguém sabe.
PLANOS PARA O FUTURO Eu tenho uma menina que disse que vai ser professora, vai estudar para ser professora. Agora, a outra diz que vai estudar para ser alguma coisa na vida, mas não diz o que é. “Papai, daqui a uns dias, quando o senhor conseguir comprar um computador para mim, o Senhor vai ver, eu vou dar aula.” Porque o menino dá muito trabalho para ela, para dar aula, sabe? Essa é a que tem 10 anos, está na quinta série. Essa é interessada. Eu tenho para mim que um dia ela vai ser alguma coisa, vai dar exemplo para a gente. A gente tem os meninos e a gente gosta deles todinhos.
Ah, minha filha chorou para eu não vir Eu não estou dizendo que ela chorava, porque não queria que eu viesse?
Ela estava preocupada. Ontem ela já tinha ligado lá para a mamãe, para ver se eu tinha chegado, para ver como é que eu estava. Eu queria que as minhas filhas estudassem, eu dou conselho para elas estudarem, para não se juntarem, não procurar namorado agora, para não ter filho dentro de casa, porque eu queria que elas terminassem os estudos delas, para uma ser enfermeira, ser alguma coisa na vida, para depender do dinheiro delas mesmas, para não serem mandadas pelos outros, como eu estou sendo. Ter o emprego da gente próprio. Isso eu dou conselho para elas. Graças a Deus, elas são umas meninas até quietas. São quietas porque eu dou todo conselho, para ver se eu ajudo. Foi uma coisa que eu aprendi com a mamãe; a mamãe dava muitos conselhos para a gente.
AMAZÔNIA Eu tenho para mim que do jeito que estava indo – agora não, porque graças a Deus o Ibama ajudou muito – ia acabar a natureza. Os madeireiros já estavam levando muitas madeiras para fora, eles estavam vendendo, estavam cortando muitas árvores. Já tinha muito desmatamento grande, na nossa própria cidade. Tinha vezes que derrubavam e não tiravam nem a madeira, nem reaproveitava. Não tinha esse trabalho de replantio nem nada. E o Ibama não atuava, não é? Antes, não tinha tanto esse problema com o Ibama.
Agora o Ibama proibiu, não tem mais tirador de madeira, não existe mais. O cara ia daqui para lá, de Manaus, vamos dizer, Belém, tirar a madeira lá, levava aquelas madeireiras, botava aquele monte de tora de árvore, trazia pelo rio, vinha embora. Eu cheguei a ver Eles levavam muita madeira Tinha um homem lá, o Raimundo Lobo, que ele trabalhava só com madeira. Ele contratava o pessoal, que tirava as árvores e vendia para ele. Então, a pessoa que não tinha emprego ia. Por uma parte ajudava as pessoas, mas por outra, destruía. A própria madeira que era para ser distribuída na cidade, ela ia para fora. Agora melhorou, graças a Deus Agora não está sendo mais destruído. Quer dizer, estão preservando a própria natureza para a gente mesmo, para trazer a saúde para cá para dentro da cidade. Porque se a natureza estiver destruída, ela não vai trazer a saúde, porque o ar que vai entrar dentro da casa da gente, já não vai sair natural, da natureza. Porque a natureza traz o ar importante para todo mundo.
REMÉDIOS NATURAIS Eu continuo usando os remédios da natureza, eu uso do mesmo jeito. Meus filhos já foram ao médico, mas eles tomam muito chá também. Eu ensino para eles o que eu aprendi com meu pai. Eu tenho uma menina, a Jordana – que nós chamamos de Joca –, outro dia ela estava com uma dor. Aí: “Papai, eu estou com uma dor.” “Espera aí, que eu já tiro uma folha ali de elixir paregórico.” Fui lá e tirei a folha, fiz um chá, era bem umas nove horas. “Se não melhorar eu vou te levar no hospital.” Aí esfriou o chá, dei lá para ela, ela tomou, não demorou uns 20 minutos: “Não está mais doendo.” Eu digo: “Olha, como serviu” E é mesmo. Elas já conhecem, já sabem. Da outra vez ela já vai pegar, porque elas já vão conhecendo. Toda vez que a gente vai trazendo para dentro de casa, eles vão conhecendo. Foi assim que eu aprendi. Porque a gente vai aprendendo pelo que vai vendo os outros fazerem. Tem muitas vezes que o filho da gente é errado e a gente vê que a gente não é, então ele erra por ele mesmo. Mas a gente ensinando para o filho da gente, porque muita coisa a gente aprende dentro de casa mesmo. O que os pais da gente fizerem, a gente aprende.
SONHO Um dia na minha vida, eu queria melhorar de situação para não trabalhar de empregado, sabe? Para não depender de trabalhar empregado, ter o meu próprio negócio. Não é para ganhar dinheiro e comprar tudo. É para ganhar dinheiro que dê para eu e para a minha família comer, trabalhar mais maneiro, quando eu tiver mais velho. Isso eu digo para elas. Trabalhar mais maneiro para a gente ter o próprio negócio da gente, para a gente ficar ganhando daquela coisa dali, que dê para a gente ir comendo. Vamos dizer: em um mês nós gastamos 100 reais. Num mês a gente faz 150, aí sobrou 50. Nós gastamos 100, aí ficou 50. Quer dizer que aquele mês deu para nós comermos e não faltou nada, aquele dinheiro dá para a gente, que Deus nos livre, gastar com alguma doença, um negócio que a gente precise. Eu ainda vou fazer isso um dia ainda na minha vida. Ter um negócio que dê para eu comer, sem depender de trabalhar de empregado. Porque trabalhar de empregado é bom, mas também a gente depende muito dos outros. Tem vezes que a gente não quer fazer uma coisa e é preciso que a gente faça. A gente tendo o próprio negócio, a gente mesmo faz do jeito que a gente quer.
MEMÓRIA PETROBRAS Essa foi a primeira vez que eu saí de lá [da minha região]. Para mim foi um sonho na minha vida. Foi uma coisa que eu achei muito importante. Hoje eu fiquei tão animado de ter visto, de ter conhecido, porque quem algum dia ia pensar que um cara como eu, que morava no interior, analfabeto, nunca tinha estudado na minha vida, viria a chegar nas condições que eu cheguei, vir aqui, não é? Eu fiquei muito, muito, muito alegre de ter vindo. Para mim foi uma coisa importante, uma das coisas mais importantes da minha vida. Eu vi o mar, mas eu queria ter provado a água, mas não consegui. Eu nunca tinha visto. Só na televisão. Eu gostei, achei lindo. Eu queria ter provado a água, para ver que gosto tinha. O meu sonho era dar uma pulada naquela água. Eu achei lindo, lindo, lindo Para mim foi uma coisa importante, tanto que eu comprei a máquina, mas não consegui nem uma foto para as minhas filhas, para elas verem o mar. Eu disse: “Minhas filhas, vou trazer um tanto de fotos para vocês.” Vi, mas não consegui.Recolher