P/1 – Bom, Seu Filemon, eu gostaria de agradecer muito em nome do Museu da Pessoa e dos Correios pela sua presença, obrigado. Antes da qualquer coisa, pra identificação eu queria que o senhor falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Tá, meu nome, Filemon Alves de...Continuar leitura
P/1 – Bom, Seu Filemon, eu gostaria de agradecer muito em nome do Museu da Pessoa e dos Correios pela sua presença, obrigado. Antes da qualquer coisa, pra identificação eu queria que o senhor falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Tá, meu nome, Filemon Alves de Almeida, nasci em Aracoiaba, no distritozinho e Rucinho, no dia 7 de dezembro de 1944, no final da Guerra Mundial, por ali.
P/1 – Perfeito.
R – Segunda Guerra, foi em 45, eu nasci em 44.
P/1 – Seu Filemon, antes de ir pra sua história mesmo eu queria entender um pouco sobre a origem da sua família, eu queria que você falasse um pouco dos seus pais, de onde eles vieram, os nomes, o que eles faziam.
R – É uma honra pra mim falar da origem da minha família, dos meus pais especificamente, porque tudo o que eu sou e que meus irmãos são a gente deve à fidelidade dos meus pais para com a família, meus pais seriam aqueles, comparado às onças que defendem seus filhos a troco de dar sua própria vida, meus pais foram assim. Então meu pai é da cidade de Pereira, nasceu no dia 17 de agosto de 1903, minha mãe no dia 6 de setembro de 1919, papai de Pereira, mamãe de Quixeramobim, eles casaram, essas coisas de Deus é assim, semelhante atrai semelhante. Houve uma seca muito grande no Ceará naquela época, né, anterior, ao meu, naquela época do meu nascimento e dos meus irmãos, papai veio de Pereira pra Aracoiaba na construção de um açude público lá, chamado Açude Alegre, e a família de minha mãe veio também trabalhar nesse açude e lá meus pais se conheceram e casaram. E depois as famílias voltaram pra seus devidos lugares, ficou só papai e mamãe, e ali papai ficou trabalhando, tinha os familiares, alguns familiares dele que eram gente de condições, mas meu pai ficou sempre ralando, depois foi trabalhar na agricultura, sem ter terra própria e tal, aquelas coisas, ainda foi um comerciante lá e tal. Mas a família começou a nascer, foi nascendo um atrás do outro e fomos dez filhos, dez filhos, e foi difícil, mas foi muito, muito, muito difícil, não preciso dizer até que ponto a gente chegou, agora, a gente nunca pediu nem nunca, né, passou a mão no que era alheio, nós sobrevivemos da maneira como foi possível. Meu pai trabalhando na agricultura, dando dia de serviço a um, a outro, minhas irmãs foram crescendo e foram levadas também pra lá pra agricultura, pra algodão, plantar, essas coisas, e foi indo. Aí quando, até que a família, foram dez filhos, aí meu pai soube da visita de Nossa Senhora de Fátima, que vinha pra Baturité, andava visitando o mundo todo, né, e tava previsto pra sair em Baturité, então o meu pai se preocupava muito com a situação da gente e tava ficando impossível a gente morar. Aí ele teve um sonho, tipo uma visão que Nossa Senhora de Fátima mandava que ele fosse pra Baturité com a gente, que era a salvação, tudo o que papai queria era criar a gente com dignidade, com realmente nós estamos hoje, todos os irmãos. Então o que aconteceu? Papai foi pra Baturité, já tinha uma irmã de minha mãe lá e inicialmente a gente ficou lá esperando melhorar, arrumar uma casa, e até que arrumamos uma casa e esperamos a visita de Nossa Senhora, o papai cheio de ânimo. Aí aconteceu que meu pai fez logo amizade, meu pai era muito comunicativo, muito bom, todas as pessoas gostavam do meu pai e de minha mãe também, a vizinhança, aí papai pegou, através de amigos, uma irmã minha foi trabalhar lá numa casa, sempre uma autoridade, uma irmã na outra, uma irmã num hotel, tudo gente que queria muito bem a gente e os menores foram trabalhando. Eu trabalhei numa mercearia, na bodega da época, atendendo ali, fazendo, mandado, coisa e foi crescendo, aí me veio e me despertou pra os estudos, né, papai foi trabalhar no Colégio Salesiano. A nossa formação culta, religiosa, de caráter foi, é salesiana, nós somos salesianos, como se diz, somos cria salesiana, a família todinha, e eu tenho um grande orgulho e uma felicidade. Eu queria que meus filhos passassem por onde eu passei e a escolaridade dos meus filhos foram passando, andando no caminho que eu já passei, tudo Salesiano, as faculdades eles cursaram na Facamp, não sei, eu sou muito feliz disso aí. Pois bem, aí comecei a estudar, mamãe alfabetizava primeiro dez filhos pra poder mandar pra escola, quando a gente chega lá na escola tava todos alfabetizados e aí a gente começava, começamos tarde por causa das dificuldades, quando nós fomos pra cidade já era dez anos. Aí eu comecei estudar, estudar, estudar, e chegava o final do ano, nós aqui, acolá, eu saía na época das provas, eu não achava as provas importante, e com pouco eu via meus colegas disparado na minha frente, já cursando o terceiro, quarto, quinto ano e eu começando de novo. Aí descobri que é porque eu não ia fazer as provas, aí daí em diante até hoje eu não parei mais de estudar, eu não perco prova de maneira alguma (risos), certo, aí comecei a estudar. E a escola era interessante, tinha uma escola pública isolada, ninguém tinha, só tinha um grupo escolar e não cabia todos os estudantes, aí os professores escola na sua própria casa e arrumavam os estudantes pra lá, funcionária do governo a professora. E os estudantes levavam as suas cadeiras e muitos pegavam a cadeira, deixava lá durante todo o ano escolar e tinha aqueles que não podiam fazer isso, nem cadeira tinha, tinha tamborete, aí a gente levava o tamborete pra aula e trazia. Aquilo ali era um martírio pra mim, rapaz, era a maior humilhação na época, fase de dez, 12, 14 anos, levava o tamborete e trazia todo dia, eu acho que era o desestímulo que eu tinha, era isso aí, mas eu consegui me superar. Meu pai foi trabalhar no colégio, aí o mundo se abriu pra gente, minhas irmãs fizeram corte e costura, se aperfeiçoaram e logo começaram a trabalhar no colégio, fazendo confecções pra o colégio, batina para os padres, meu irmão foi ser, trabalhar no colégio, foi jardineiro do colégio. E eu não tinha emprego nenhum porque identificaram em mim que eu queria estudar, né, eu queria uma coisa melhor e todo mundo se reunia em torno de mim pra me dar estimulo, eu sou um cara altamente motivado desde quando começou minha vida dentro de casa. Meus pais eram muito otimistas, cheio de energia, eu não ouvia palavra negativa pra gente dentro de casa, absolutamente, era só de encaminhamento: “Meu filho vai ser isso, meu filho não vai ser isso”. Queriam que eu fosse padre, diziam: “Meu filho, o que você vai ser?”, “Eu quero ser padre”, desde criança eu não via outras coisas, só via padre, né, aí tudo isso, mas eu estudei em colégio dos padres, tenho um carinho especial e ainda vou prestar um serviço quando eu sair dos Correios na horta do Salesiano, ou em qualquer, em troca do que eu recebi. Pois bem, aí terminei os estudos já atrasado, eu terminei o primeiro grau, quarta série ginasial com 25, não, com 22 anos, sem perder nenhum ano, o pessoal dizia: “Por que você não faz o artigo 81?”, que é o artigo fundamental, o supletivo: “Por que você não faz o 91, ensino médio?”, “Não, eu quero aprender, minha preocupação não é terminar logo, é aprender”, sabe, embora eu tenha vontade, fui. Aí saí de Baturité, fui zelador, fui office boy, trabalhei em tudo isso durante cinco anos, esperando passar funcionário público, ora, pra ser funcionário público tinha que ter o prefeito, o vereador, os políticos ali, aquele pessoal pra pegar e dar o nome ao deputado federal e colocar o cara, era desse jeito. Eu tava bem distante dessa situação, mas eu esperei até 21 anos, a ditadura militar pra mim foi uma benção porque eu nunca me preocupei com as coisas assim, politicamente eu não tava ligado, eu tava ligado com o meu projeto de vida e esse projeto eu fiz tal como eu queria fazer. Eu não sou um homem rico porque nunca imaginei ser rico, eu sempre pedi a Deus condição pra viver dignamente, sem depender financeiramente de ninguém e sem ficar ai exposto a assaltante, esse negócio, então eu levo uma vida totalmente como eu gostaria de ter, não ti exagerando, absolutamente, isso que eu queria na vida eu tenho. Pois bem, então eu tinha vontade de entrar para os Correios, muito grande.
P/1 – Mas por que o período militar foi uma benção?
R – Pra mim foi.
P/1 – Não entendi o porquê.
R – Foi uma benção porque abriu-se concurso, tudo agora era concurso público, eu tive a primeira oportunidade quando eu fui embora pra Juazeiro, eu já, eu só estudava, eu não tinha dinheiro pra brincar, então eu saí, em datilografia eu era o que o jovem é hoje no computador, pé quente em datilografia, era comigo. Eu fazia uma prova e começava de novo em datilografia, eu sabia todos os macetes, era ágil, eu batia com todos os dedos. Pois bem, fui pra Juazeiro e lá depois de quase dois anos ralando, aquela história que eu lhe contei, passei até fome, não passei, não nego, não, mas eu tinha um sonho, uma visão muito grande que eu ia chegar lá. Aí fiz o primeiro concurso pra o Banco de Crédito Comercial, é um banco que a filial dele é aqui, de frente a Assembleia, onde hoje é o museu, aquela esquina era a matriz, e no Banco de Crédito, meu amigo, foi uma benção, foi uma felicidade, passei, só tinha três vagas, eu ganhei logo a minha. Trabalhei dois anos no banco, aí vem a CIPELC, que é Companhia de Telecomunicação do Ceará, que hoje é Oi, é Telemar, fiz o concurso, tinha quatro vagas, eu ganhei uma, aí já saí do banco, fui pra CIPELC. Aí trabalhei na CIPELC dois anos, não era o meu forte porque trabalhava com eletrônica, você tinha de ficar observando os transmissores, receptores fixos ali, pra não deixar subir a, como é que se diz? A corrente, né, digamos assim, nem podia ser baixa nem alta, e aquele negócio me incomodava, eu nunca gostei de estar totalmente, aí vim pedir demissão, vim receber as contas aqui, passei no banco pra fazer uma visita, conversei com o inspetor, o inspetor disse: “Você quer voltar pra o banco? Sua carteira vai ser assinada hoje mesmo”, aí digo: “Seja bem vindo, eu quero”. Ele até me disse: “Rapaz, você já tem 27 anos, você, nós vamos lhe admitir porque você foi um bom funcionário”, aí que eu voltei já como funcionário do banco lá em Juazeiro, no banco que eu tinha trabalhado. Trabalhei um pouquinho, eu vi que a ascensão ia ser devagar porque eu tava começando de novo, aí eu tinha um sonho enorme em conhecer São Paulo, Rio, né, e não tinha tido a oportunidade, e com aqueles conhecimentos eu achava que em São Paulo eu já era bem chegado lá, né? Aí fui, aí quando cheguei lá eu tinha, a família de minha mulher era muito legal, um pessoal batalhador, de garra, tinha saído nordestino, tava todo mundo encaminhado, trabalhando em fábrica, aí arrumaram para eu trabalhar numa daquelas fábricas onde um deles trabalhava. Eu fui auxiliar de contabilidade, mas o meu sonho era ser funcionário público federal e voltar para o Ceará nessa condição, era essa, né, aí, pô, aí apareceu um concurso pra cá, fiz concurso pra Assembleia Legislativa, passei, não fui trabalhar. Fiz um concurso para Caixa Econômica do Estado de São Paulo, ela funciona na Rua XV de novembro, número 11, bem encostado da Rua Direita, você olhando pra Praça da Sé, quando eu tava trabalhando na hora do almoço eu ia descansar na Igreja da Sé, era desse jeito. Inclusive eu, eu vi o seqüestro do Vladimir Herzog, eu não digo que vi, eu estava na Caixa e foi aquele alvoroço de gente: “Rapaz, o Vladimir tá preso, a Polícia Federal seqüestrou, pegou”, eu me lembro, isso tá muito vivo na história e desapareceram, toda essa fase aí ruim que ainda hoje, foi a única coisa da ditadura que eu, mas não cheguei nem a ver. Pois bem, fiquei na Caixa, entrei como escriturário, tinha 419 vagas, 200 pra capital, eu ganhei uma das cem, a Caixa Econômica do Estado de São Paulo é um poder tão grande que em todos os bairros de São Paulo tinha uma agência, e no Estado de São Paulo, nas cidades também era o peso. A Caixa Econômica do Estado de São Paulo era o quarto estabelecimento bancário do Brasil naquela época, lá trabalhei, aí fiz concurso pra contabilista, técnico do trabalho, passei, trabalhei no Vale do Anhangabaú, lá na Rua Pedro Lessa, pertinho da igrejinha antiga, como essa do Rosário, Largo Paissandu. Então aquele miolo ali eu conheço, eu tenho muita saudade, embora eu não tenha curtido, mas o meu dia-a-dia foi todo ali, né, eu ia comer churros ali na Rua Direita com os meus colegas, descia o Patriarca, aquela ladeira, aquela escada que tem pra sair no Vale do Anhangabaú, isso é uma maravilha. Pois bem, aí depois me veio a ideia, né: “Ah, mas eu queria mais, faculdade”, comecei a pensar, os meus colegas, as pessoas que serviam o café pra mim, pra os meus colegas, fazia Direito, fazia Engenharia. “Como é que pode você entrar numa faculdade desse jeito, como é, que facilidade é essa?”, “Rapaz, aqui é uma coisa fácil, tem o crédito educativo, transporte, a empresa facilita, você pode sair uma hora antes do trabalho pra faculdade”, aí me veio aquela ideia. Tinha uma colega da Bahia, que ela tinha todas as características nordestinas, ela fazia questão de se mostrar, o nome dela Clara Bahia Artur, até o nome, e as roupas era daquele jeito, ela nunca mudou, 20, 30 anos, ela é um marco lá. Aí eu me aproximei dela e: “Como é essa história pra entrar na faculdade?”, “Filemon, olha aqui, a Faculdade Tibiriçá, no Largo do, onde tem a primeira estação do metrô de São Paulo, o Largo São Bento, estação do metrô, tá ali a faculdade enorme, antiga, né? Bem aqui tem a Álvares Penteado”, daí me deu umas dicas. Eu digo: “Puta merda, e é mesmo, o que que tem que fazer?”, “Estudar, passar no vestibular”, peguei a apostilazinha, ia pro trabalho, voltava lendo aquele negócio, aí fui. O colega me deu a dica pra eu fazer em Mogi das Cruzes, aí eu fiz lá na Brás Cubas, né, o vestibular, lá tinha três opções, eu escolhi o primeiro Direito, Economia e Arquitetura, aí passei, não fiquei no grupo de Direito, mas depois do básico a gente passava pra primeira opção. Aí comecei lá, mas teve os problemas familiares, minha família, foi a coisa que desequilibrou um pouco, minha família é do interiorzinho, num distrito lá do extremo do Ceará, a última cidade do Ceará era de onde eu era, e eu saí de São Paulo pra lá. Mas o sentimento familiar pra mim é muito importante, eu digo: “Eu perco aqui, fico lá, comer mal pra mim não é novidade, seria arroz, farinha, feijão e rapadura pra mim já tá bom demais, que eu sou nordestino, fui criado assim”, eu estudei essa hipótese. Quando eu vou fazer a mudança eu olho até que ponto as coisas podem chegar, se eu suporto um ano, então eu suportei, e lá foi no começo, interessante que o meu sogro ia me visitar em São Paulo, o meu trabalho, aí morava na minha casa um mês, dois, era, meu sogro era maravilhoso, eu quero muito bem a eles, tanto quanto meus pais. Aí ele chegava em Campos Sales, né, aí fazia aquele uru: “Eu tenho um genro homem, meu genro está bem, minha filha está bem” (risos), aí quando eu deixei São Paulo pra voltar pra Campos Sales eu tava no início de uma ascensão, ora, tinha passado de escriturário pra técnico, entrando na faculdade. Então eu tava cheio de, né, de positivismo, mas pra salvar uma situação, eu analisei aquilo, voltei, aí quando cheguei lá o pessoal pensava que eu ia ter muito dinheiro, montar uma empresa, um mercantil, aí enquanto tinha aquela esperança tava sempre o pessoal por trás, saber o que eu tinha, o que eu ia fazer. Eu digo: “Rapaz, é o seguinte, é como que eu tivesse que nascer agora de novo, vou fazer tudo de novo pra poder crescer”, aí o pessoal se afastou, aí pensa o ostracismo, a sorte era a família dela que gente tinha pra conversar, uma família muito simples, mas muito educada. Até as pessoas sem cultura lá eram educadas e eu me sinto muito bem, senti muita paz, muita tranquilidade e a minha visão: “Puta merda, eu tenho que lutar pra sair daqui, o que que eu faço?”. Aí fiz concurso pra o INSS, pra o IBF, que hoje é o IBAMA, fiz pra FEBEMCE, eu fiz uns quatro concurso e passei em todos eles, aí o da Ematerce, tirei o primeiro da FEBENCE, o primeiro na Ematerce, eu digo: “Onde eu arrumar o primeiro emprego aqui eu peço transferência, vou começar a vida”. Passei na Ematerce, tirei o primeiro lugar, batalhei, consegui a transferência pra o Crato, onde eu fiz, procurei trazer a transferência da faculdade pro Crato, não deu, já tinha passado cinco anos, eu meti a cara nos livros, nunca tive cursinho, absolutamente, juntava os livros. Aí peguei, fiz vestibular, passei pra Letras, foi uma excelente opção, foi maravilhoso aquele ambiente, eu me enchi de energia de novo, de amizade. Na Ematerce eu fui pra auxiliar de escritório e tinha um colega meu de hotel, que eu fui só pra o Crato quando eu saí de Campos Sales, o cara era legal pra caramba, de família tradição, missão velha, mas era técnico da Ematerce, mas bebia pra caramba, ele era alcoólatra e era colega de hotel. Aí me chamava de Mário Godin, Mário Godin era o presidente da Ematerce, diziam que era baixinho, cabeçudo, careca, e me chamava: “Mário Godin, aquela vaga de contador ali é tua, cara, aquele cara tá exercendo, mas ele é escriturário, ele não é formado em contabilidade, ele não tem CRC, aquilo é teu”. Aí eu comecei a analisar a coisa assim e terminei aderindo aquela informação e batalhando, até que batalhei, batalhei, até, rapaz, houve um concurso público a nível de Estado do Ceará pra preencher aquela vaga e eu ganhei, ganhei. Aí quando fui assumir, mas isso aqui foi um lado meio sombrio, não, quando eu fui assumir o supervisor não queria, porque ele era colocado lá pelo Luiz Bezerra e fazia aquelas jogadas que os chefes tão fazendo hoje por aí a fora, né, você tá entendendo? Aí disse: “Olha, você vai trabalhar sozinho aqui, ninguém quer trabalhar com você”, “Ah, mas por quê?”, “Porque você entrou como auxiliar de escritório na empresa, já está com menos de dois anos já é contador, entrou lá numa cidade do interior, Campos Sales, já chegou aqui no Crato, já procurando uma faculdade, de repente tão dizendo que vai ser, você vai querer o meu lugar”. Digo: “Que é isso, rapaz?" e aí pronto, aí foi ruim, ruim, até que eu terminei minha faculdade, aí fui transferido, né, pra Iguatu, depois fui pra Ubajara, analisei a situação todinha. Aí vi que eu tinha um filho que nasceu com problema de coração, tinha que dar assistência, seis em seis meses pra cá, eu fiquei fazendo, dando assistência e eu vi que a Ematerce não era mais, não rendia mais, aí eu fui, deixei. Sim, aí fui fazer outra etapa de concurso, rapaz, eu fiz mais uma etapa de concurso pra professor pra escola técnica federal, fiz pra justiça do Pernambuco e fiz pra professor, justiça de Pernambuco, CETEC e Correios. Nos Correios tinha só uma vaga na minha função de técnico, pra outra tinha seis, mas eu achei melhor concorrer a uma vaga porque a minha vida, a minha experiência, a minha idade, justificava tudo, que eu podia ficar na décima ou 20ª e no decorrer de quatro anos ser chamado. Tirei a quarta colocação, mas eu tava, fiz concurso pra professor, fui chamado, exerci no município, no estado, em Juazeiro, né, e tava muito bom, mas um desgaste violento, sala de aula, escrevendo, uma turma de alunos heterogênea, a idade deles, adolescente, até gente com, desde dez até 20 anos, um desgaste violento. Aí eu comecei a pensar: “Porra, eu tenho que sair disso aqui”, aí eu tinha feito concurso do correio, aí não fui chamado, aí assumi lá, e eu ligava pros Correios: “Rapaz, esse concurso não foi chamado nem o primeiro”, aqui entra a história do correio: “Não foi chamado nem o primeiro, fique ligando”. Aí eu ligava, quando chegou perto dos anos eu liguei: “Olha, o concurso vai perder a validade, poderá ser até prorrogado, mas ninguém tem certeza” e eu trabalhando com dois contratos na educação e cansado, e cansando, aí até que chegou o finalmente, disse: “Rapaz, o concurso vai ser prorrogado a validade por mais dois anos. Foi o último concurso dos Correios onde teve dois anos e mais dois de validade, os posteriores foi somente um ano e mais um ano, aí quando tava completando, passou, passou, e já na segunda etapa, dois últimos anos, eu ligava, ligava: “Não tem, não foi chamado nem o primeiro”, aquela história toda. Até que no final, faltando três a quatro dias pra acabar tudo, a empresa resolveu chamar o primeiro aprovado e aumentou mais dois, ficaram três, né, aí foi que a empresa foi cidadã, Deus estava totalmente do meu lado. Aí chamou o pessoal, o terceiro morava em Calcaia, tava no Rio Grande do Sul, eu tenho certeza que a empresa se comunicou com ele e com a família, mas concluiu que ele não queria, deram a chance a eles até, eu vou lhe contar. Aí diz: “Rapaz”, aí me chamaram, eu estava com a mudança da minha casa lá em Juazeiro pra o Crato, os móveis estavam em cima do carro, desse jeito, eu estava torcendo a chave, fechando a casa, porque meus filhos tinham passado na faculdade no Crato e eu achava mais cômodo a gente morar lá, casa alugada, tudo, a porta fechando mesmo, os móveis em cima. Aí com pouco chegou o carteiro, o carteiro com um telegrama, rapaz, eu tive um medo danado de abrir aquele telegrama porque minha santa mãe havia falecido há dois anos e quando eu recebi o aviso, foi minha mãe não, o meu pai havia falecido tava com pouco tempo e eu tava com receio de abrir e ter sido minha mãe, o falecimento. Aí eu brinquei, rapaz, você vê como é um negócio desse, eu me mudando, recebo um telegrama, eu sei lá o que que tem aqui dentro, mas na vida a gente tem que ta exposto pra o que der e vier, né, eu tenho que assumir isso aqui, seja o que Deus quiser. Quando abri o telegrama era os Correios me chamando pra eu estar aqui no outro dia às oito horas da manhã, já pensou um negócio desse, meu amigo, tá legal, quando foi oito horas da manhã eu tava lá na Maria Tomasia, na Aldeota, me apresentei, tal. Aí o pessoal lá, a psicóloga, o pessoal que recebe a gente pra, né, entrevistar e fazer o registro: “É, Seu Filemon, o senhor chegou na hora que nós pedimos, mas tem uma coisa, o candidato da terceira colocação, ele tinha até duas horas da tarde pra assumir”. Então já pensou a tensão, rapaz, “Mas ainda tem isso aqui?”, “Tem, Seu Filemon, é um direito dele”, isso é que é cidadania da empresa, né, rapaz, puta merda: “É, Seu Filemon, é um direito dele” e eu digo, aí o que ele falou? Esperei, eu digo: “E se ele vier? E quem vai cobrir as minhas despesas aqui?”, ele disse: “Não, Seu Filemon, aí é o senhor, o senhor tá, fez um jogo aí, é o senhor”, “Não, tudo bem”. Até que ficaram fazendo a contagem regressiva, me deram um chá, bateram um papo, o rapaz não veio e hoje eu to aqui nos Correios, tá, e um grande sonho meu era não sair, quando eu saísse daqui fosse lá pra minha terrinha onde eu estive, iniciei, Crato, em Juazeiro. Hoje eu estou e será o meu último dia de trabalho aqui no prédio, mas eu continuo sendo do colégio, dos Correios lá no Crato, lá em Juazeiro, vou morar especificamente no Crato, meus filhos moram em Juazeiro, já são autônomos, né, uma é enfermeira, um é advogado, tudo bem estruturado, né? Eu vou até usufruir um pouco dos status deles, né, rapaz, porque a gente se desgasta como idoso aqui nessa capital, ninguém conhece a gente e o pessoal faz às vezes um julgamento, tem aquele que não é adequado, não é o que a gente é realmente. Eu sou um homem feliz profissionalmente, uma coisa que não deu certo, não teve problema, mas tem mil pessoas aí que a gente ainda pode escolher e tá do lado da gente, e através dos Correios eu to vivendo minha vida com qualidade, tá. Já fui, voltei pra São Paulo, como eu disse, já fui pra Caldas Novas, Minas, já fui pras Serras Gaúchas, rapaz, eu ainda vou à Europa, mas tudo isso por quê? Porque eu trabalho nos Correios e, naturalmente, os meus filhos chegaram pra mim e disseram: “Papai, nós não precisamos mais de suas finanças, gaste, invista no senhor, o senhor investia tudo na gente, né” e tá aí, eu, graças a Deus, eu to desse jeito, eu sou feliz (risos). E os Correios, rapaz, a cidadania dos Correios é que é marcante, porque quando o correio me chamou podia ter chamado o quinto lugar, um cara novo, de 20, 25 anos, mas foi ético, foi altamente cidadã, escolheu um homem com 56 anos, eu fiz o concurso com 52 anos, um colégio da zona, parecia um vestibular. Com 52 anos eu me submeti a um concurso pesado e com 56 a empresa me chamou, ela podia ter me deixado de lado, chamado outro, mas foi ética, isso eu devo à empresa.
P/1 – Seu Filemon, a sua história é fantástica.
R – É grande, né, rapaz.
P/1 – Pena que a gente não pode desenvolver do jeito que eu gostaria de fazer.
R – Certo.
P/1 – Mas é uma história, foi fantástica. Em nome do Museu da Pessoa, em nome dos Correios, eu gostaria de agradecer muito por essa pequena parcelinha da história do senhor.
R – Mas eu tenho muito mais a agradecer porque nunca que ninguém faz um registro da vida, eu sempre questionei essa coisa, por que é que só as pessoas que tem status muito alto, aquelas coisas todas, são vistas e nós cidadãos ninguém sabe? Eu não, não digo nem por mim, mas tem outros colegas que têm história muito mais bonita do que a minha, muito mais envolvente, muita coisa, eu acho todo mundo, né, os altos e baixos, mas a gente teve muito, pra ta vivo a gente teve muito mais vitórias do que qualquer outra coisa. Eu, a minha história é de vitória, eu não tenho o que reclamar, se Deus dissesse: “Seu Filemon, e agora o que você quer?”, “Senhor, não tenho mais desejo, você me deu tudo, tudo”, uma família maravilhosa, os filhos super bacanas, me ligam todo dia, mandam passagem pra mim lá de São Luís, eu vou lá. E não tenho o que reclamar, família criada, eu independente, ganhando o meu dinheiro, uma grande empresa, sim, um grande sonho era trabalhar numa empresa que onde eu chegasse eu visse a empresa, porque sou dos Correios, sou do correio, é uma autarquia quem é funcionário do correio, é sim. Não precisa ser grande, ser gerente, eu nunca imaginei ser chefe, eu imaginei ser o que eu sou, um técnico, e to feliz, e agradeço a você também, viu?
P/1 – Muito obrigado.
R – Você desculpa eu ter me estendido muito.
P/1 – Imagina, não, foi fantástico.
R – Mas falar do que a gente gosta é muito bom, rapaz.
P/1 – Foi fantástico.
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