P/1- E para a gente iniciar eu quero que você se apresente falando seu nome completo a data e o local do seu nascimento.
R- O meu nome é Gláucia Máximo dos Santos, sou nascida aqui em São Paulo em dezesseis do onze de 1971.
P/1- E você pode me falar o nome dos seus pais?
R - Sim, meus pais ...Continuar leitura
P/1- E para a gente iniciar eu quero que você se apresente falando seu nome completo a data e o local do seu nascimento.
R- O meu nome é Gláucia Máximo dos Santos, sou nascida aqui em São Paulo em dezesseis do onze de 1971.
P/1- E você pode me falar o nome dos seus pais?
R - Sim, meus pais são Anísio Máximo dos Santos, que é um baiano, e minha mãe também uma baiana, Maria Máximo dos Santos. Sou paulista, mas o sangue é baiana (risos).
P/1- Então aproveita e conta um pouco da história da origem dessa família, você sabe como os dois se conheceram?
R- Sim, meu pai nasceu em Caetité e minha mãe em Paramirim e eles vieram para São Paulo, longe dos pais, vieram buscar trabalho, aquela coisa toda... Aí se conheceram aqui, casaram cedo, moraram no Cambuci, começaram a construir a vida, na época meu pai era... Começou como segurança, depois ele fez Curso para Técnico de Segurança do Trabalho... Meu pai sempre leva muito… Eu lembro sempre do meu pai como alguém que trabalhou muito. Na nossa infância foi assim: de segunda a segunda. E minha mãe tinha salão de cabeleireira e com esse salão e com o trabalho deles, eles conseguiram comprar uma casa. Então quando eu nasci nós saímos da Zona Leste e fomos morar no bairro do Limão e aí que foi a primeira casa própria deles, porque na verdade era para ter sido antes, mas eles foram... Meu pai sempre conta de uma história de uma pessoa que ele pegou todo dinheirinho dele, tadinho, deu dinheiro para construir a casa e a pessoa sumiu com o dinheiro e não construiu; e ele ficou mais um tempo aí trabalhando para juntar dinheiro de novo para conseguir construir. E aí conseguimos exatamente quando eu nasci. Então tinha um mês pouco de vida nós saímos da Zona Leste para ir para o bairro do Limão e para casa própria. Foi bem legal. Eles contam assim com muito orgulho, a casa ainda sendo terminada aos poucos, com a gente lá dentro; da janela no começo era com papelão e depois que eles foram conseguindo trocar e hoje, graças a Deus, a gente mora no sobrado grande, de três andares, enorme... Mas eles conseguiram com muito sacrifício, então é legal lembrar da luta deles. E eu tenho dois irmãos…
P/1- Ah, eu ia perguntar, quais os nomes dos seus irmãos?
R- É o Wagner Máximo dos Santos e Wilson Máximo dos Santos. O Wagner é o mais velho e o Wilson e o do meio, é um… Os dois...
P/1- Então você é a mais nova?
R- Sou, sou o xodó (risos). A mais novinha né, e a única mulher.
P/1- E Gláucia, você falou que sua família se mudou e saiu da Zona Leste e foi para o bairro do Limão, né?
R- Isso.
P/1 - Então ao longo da sua vida você morou no bairro do Limão?
R- Sim, a minha vida toda eu morei no bairro do Limão. Eu tenho uma conexão muito grande com a leste ainda, porque como a minha madrinha era da Zona Leste e férias, feriados, eu sempre ficava na casa dela, então eu cresci passeando na Zona Leste, mas no bairro do Limão... A minha história de vida inteira é dentro do bairro do Limão.
P/1- Eu queria perguntar, você falou para eles se conheceram aqui em São Paulo, né? Seu pai tá trabalhando como segurança, sua mãe abriu um salão... Mas como eles se conheceram, como foi o que eles formaram um relacionamento?
R-
Olha, meus pais são muito reservados. É muito engraçado que assim, eles não contam muitas coisas da vida deles, a gente sabe muito cutucando; sabe quando você começa a perguntar: “Mas como vocês se conheceram, como foi?” Parece que foi através de amigos que eles foram se encontrando, acabaram se conhecendo, aí começaram um relacionamento e eles casaram rápido né. Minha mãe casou bem nova, eles eram bem jovens, assim, não ficaram muito tempo namorando. Eles sempre foram muito reservados, então começaram a namorar, noivaram e casaram bem rápido e eles casaram na Paróquia, acho que Nossa Senhora do Carmo, se não me engano. Eu sei que em uma paróquia ali no bairro da Aclimação e eles começaram primeiro a vida deles no Cambuci, moraram muito tempo no Cambuci, depois que eles foram para a Zona Leste. E aí moral no Tatuapé durante um bom tempo, foi onde conheceram a minha madrinha, que até por providência divina, amanhã seria aniversário dela: uma data bastante marcante para a gente. Pelo que meus pais contam, ela teve um papel muito grande, ela já é uma senhora, Dona Romilda e o seu Jaci, eles tinham muita experiência de vida e meus pais mais jovens, então eles meio que fizeram o papel de pais dos meus pais e ajudaram bastante, tanto que o meu irmão Wilson, hoje ele é palmeirense e o Wagner também, por causa do meu padrinho. Eles eram muito agarrados com o meu padrinho. Foi bem legal.
P/1- E a diferença de idade entre você e seus irmãos são uma diferença grande?
R- Razoável. Eu estou com 48, o Wilson tem acho que 56 e o Wagner está com sessenta. Então um pouquinho.
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E você lembra de momentos de todos reunidos? Seus pais, seus irmãos, sua madrinha, o seu padrinho?
R- Olha, eu me lembro poucas coisas da minha infância, não sei porque eu não tenho muitas memórias. Mas eu consigo lembrar… Eu lembro do quintal da minha madrinha, tinha um quintal grande, onde gostávamos de brincar e a família reunida, eles eram descendentes de italiano, aquela coisa de festa, muita comida. Minha madrinha cozinhava muito bem, fazia muita coisa gostosa, então ir almoçar na minha madrinha era festa para família inteira, para os meus irmãos, para mim. Então lembra muito desses momentos. Ela também tem uma filha, a Roseli, e ela tem mais ou menos a mesma idade que o meu irmão mais velho, então muito gostoso, era festa. Então nós íamos para o Parque do Piqueri, eu lembro que nós fazíamos muitos piqueniques neste período de férias. Eu ia passear muito nesse parque, Parque do Piqueri e Parque do Carmo, os parques que tem ali na Zona Leste. Eles moravam na Rua Tuiuti e hoje assim, não existe mais a casa. Mudou bastante ali, mas eu tenho uma lembrança do local e uma lembrança gostosa.
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E você descreveu um pouco da casa, deste em torno da casa da sua madrinha ali no Tatuapé, mas eu queria que você contasse… Você até falou um pouquinho antes como os seus pais construíram, como foram construindo a casa no Limão, mas como era essa cara da sua infância, como era o bairro do Limão, que lembranças você tem da infância?
R- Mudou muito. Assim, a casa o bairro... Quando nós começamos na casa, era um andar só, demorou um tempo para ir construindo os outros cômodos, tinha um quarto só para nós três, depois que foi construindo mais cômodos. Na frente tinha um jardim; eu lembro sempre de um jardim que… Tem uma foto minha pequenininha brincando no Jardim cheio de rosas... Então tenho essa lembrança. Eu andando de bicicleta, nós moramos em uma rua sem saída, então é muito gostoso, porque pode brincar, embora minha mãe e meu pai, era muito difícil deixar eu sair: eles eram bem rígidos, a gente não saia muito. Mas quando eles podiam, porque eles trabalhavam bastante, aí eles acompanhavam, aí nós podíamos ir para rua, andar de bicicleta. Eu lembro dos meus irmãos andando de carrinho de rolimã… Acho que as crianças de hoje nem sabem o que é isso, mas era muito legal, porque é uma descida, era uma rua sem saída e tem uma descida. Então todo mundo gostava de descer de carrinho de rolimã. Eu andava de carrinho de rolimã, mas de bicicleta não consegui aprender (risos). Eu caí, me machuquei e não quis aprender mais. Mas foi uma infância gostosa; com os vizinhos ali na rua, tinha bastante criança também... Depois nós crescemos, a mesma turminha começou a jogar vôlei... Então sempre foi uma vizinhança muito gostosa, tanto que a minha vizinha do lado, meus vizinhos do lado, eu falo que eles são extensão da nossa casa; a gente tem o muro mais baixo, que a gente chama de murinho da benção, porque vai bolo, volta a torta (risos), aí vai um suco, vai feijoada e por aí vai. Então tudo que faz numa casa ou na outra, a gente troca por um murinho da Benção, então assim, parece casa do interior, sabe? É uma relação muito, muito forte mesmo, como se fôssemos parentes. E do outro lado morava a minha madrinha de crisma, a tia Lurdes e o tio João, que também foram muito… Eu me sinto muito privilegiada porque os meus padrinhos tanto de batismo como de crisma foram muito presentes na minha vida. Então eles moravam na casa do lado, eu cresci frequentando a casa deles também. Tem uma história que minha madrinha conta muito, que assim que meus pais mudaram, ela falava que eu tava chorando muito, com fome, ela não sabe o que fazer, minha mãe tava começando a me dar comidas mais fortes e aí a minha tia pegou um pouquinho de maçã e eu gostei e ela falou que deu uma maçã inteira. E quando ela falou para minha mãe, ela: “Você tá louca? A menina nunca comeu maçã e você deu uma inteira. Ela pode passar mal!” e até hoje adoro maçã, mas acho que por causa disso, desde pequenininha minha tia ensinou a comer. E ela me ensinou a fazer bolo. Hoje eu gosto muito de mexer com cozinha e eu acho que eu puxei mais isso da minha madrinha de crisma do que a minha própria mãe, a minha mãe não curti muito cozinha, e eu adoro cozinhar e isso acho que foi uma coisa das minhas madrinhas, tanto batismo quanto a de crisma. Me influenciaram bastante nisso.
P/1- Eu queria te perguntar… Você falou um pouco das brincadeiras, mas você como filha caçula, imagino que tinha aquela proteção também por ser menina... Mas quais eram suas brincadeiras favoritas?
R- Olha, eu fui muito assim até os doze anos brincar de boneca, completamente inocente. Vejo pelas crianças de hoje assim, boneca, panelinha, ursinho... Ursinho eu gosto até hoje, tem uma boneca em cima da minha cama. Então eu sempre brinquei muito dessas coisinhas e como meus irmãos eram homens e minha mãe não deixava muito sair, eu acabava fazendo meu mundinho, fazia comidinha no jardim, então eu brincava com as minhas coisinhas. Eu nunca fui muito de sair daquele trivialzinho das crianças mesmo, era panelinha, bonequinha, era isso que eu gostava de fazer, comidinha. Já desde pequenininha eu lembro, tinha joguinhos de panelinha que eu adorava servir comidinha para as pessoas que vinham me visitar. Então foi uma coisa que desde pequena eu gostei de brincar. Acho que era mais isso. E quando eu podia sair com as crianças da rua, a gente brincava de amarelinha… Eu lembro que já é um pouco maior, a gente gostava muito de brincar... Eu acho que hoje também as crianças nem lembram disso, cada macaco no seu galho, que a gente pulava no portão de vizinhos e tinha sempre aqueles vizinhos que ficavam mais bravos, porque tava pulando no portão, mas era muito legal, muito gostoso. Então foi uma infância muito parecida... O bairro do Limão, onde eu moro, parece um pouquinho um cantinho do interior, sabe? Muito tranquilo, todo mundo se conhece, vizinhos que moram ali na mesma rua mais de quarenta anos, então é gostoso. Então isso fez com que a gente tivesse uma relação mais próxima, mais tranquila... Então muito gostoso.
P/1- E nessa fase de criança, você já vislumbrava, tinha alguma coisa que você queria ser quando crescesse?
R- Olha, que eu me lembre não, não tinha uma coisa específica que eu falava que queria ser. Meus pais falam que uma hora eu queria ser uma coisa, depois eu queria ser outra, mudava de opinião. Eu não era… Desde pequenininha: “Ah, eu quero ser isso e fui”. Não. E eu, quando mais nova, eu era muito tímida. Embora não pareça, eu faço um monte de coisa, eu ainda sou um pouco para algumas coisas, mas quando era mais nova era extremamente tímida, extremamente envergonhada e aí mais ou menos com uns quatorze, quinze anos eu comecei aquela fase das meninas que querem desfilar. Tinha desfile de escola, festa da primavera, e aí comecei a querer ir um pouco para esse rumo, porque eu era magrinha, tinha um corpo bonito, cabelão comprido todo cacheado, então ajudava; mas foi só também fogo de palha, aquele começo com as amigas de escolas eu achava legal, mas depois vi que não queria ir por esse caminho. Foi só uma fasezinha.
P/1- Às vezes, até mesmo na escola, costumava ter desfiles, concursos… Você chegou a participar de algum?
R- Na escola eu cheguei a participar de concurso de dança, eu sempre adorei muito dançar. Eu dançava com a professora de educação física já desde o primário, ginásio e eu não lembro exatamente em que fase, mas eu lembro que eu participei de um concurso de lambada. O bairro do Limão é um lugar que tem muitas escolas de samba e eu comecei o concurso na escola e acabou indo para uma escola de samba, Mocidade Alegre e eu peguei segundo lugar. Tinha aqueles vestidinhos que era a saia justinha e rodadinha em volta e eu achava o máximo, eu aproveitava que eu era magrinha, leve para dançar, então eu tava muito, gostava muito. Curtia bastante.
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E aproveitando que você falou já de escola, me conta qual é a primeira lembrança que você tem de escola?
R-
Bom, eu comecei a estudar… Minha primeira escola foi o Colégio Padre Moye, que é um colégio de freiras que tem no bairro do Limão e que na época minha mãe conseguiu uma bolsa que não era uma escola barata, era uma escola particular e eu estudei lá até acho que a quinta série; e foi muito bom, porque uma escola referência na região eu acho que contribuiu bastante com a minha formação religiosa, hoje eu tenho uma vida religiosa bastante ativa, eu acho que influencia também na formação que eu tive no colégio de freiras. Lá também a gente era envolvido já com coisas sociais, então eu creio que hoje a minha vida ser muito ligada a ações sociais vem desde uma motivação já na pré-escola. Eu lembro que no Padre Moye algumas freiras como uma, Mercedes, ela é minha amiga até hoje; hoje eu faço parte eu faço alguns trabalhos no bairro, hoje ela foi embora para Brasília, mas o tempo que ela ficou aqui em São Paulo, fizemos várias coisas juntas e com certeza é influência dessa formação. E depois do Colégio Padre Moye eu estudei no Aroldo de Azevedo, que é uma escola do lado da minha casa. Então eu lembro que a minha mãe, no intervalo, subia no intervalo para ver que eu tava fazendo. Então eu saía na hora do intervalo e olhava: “Oi mãe, estou aqui.” E ela subia e dava uma olhada: “Tô de olho”. Era engraçada. Mas foi uma escola também muito gostosa, onde tinha muitas festas, festa do sorvete, festa da primavera... Gostava muito das minhas colegas; tenho amizade com muitos colegas até hoje e por ser do lado de casa acaba não perdendo vínculo, porque eu não sou mais aluna, mas acabei virando Educadora Social de um projeto que teve lá. Então tenho uma relação gostosa com Aroldo de Azevedo. E depois eu fui para o Colégio [Professor Luiz Gonzaga] Righini, onde eu fiz o colegial. Foi bem produtivo, uma turma muito gostosa, na época muita gente falava que era uma das escolas estaduais mais bem conceituadas, tanto que eu saí do Righini e consegui entrar no Mackenzie, sem fazer cursinho nem nada. Eu prestei para Psicologia, passei, fiquei super feliz quando vi meu nome no jornal assim, foi: “Uau! Passei no Mackenzie sem cursinho.” Pena que eu não consegui continuar a faculdade. Eu fui até o terceiro ano de Psicologia, mas na época, por questões financeiras, eu não consegui segurar as matrículas, aí eu tive que desistir.
E eu demorei para voltar, quando eu voltei, eu: “Ah, acho que não é isso que eu quero.”
e acabei fazendo marketing na UNINOVE. Essa é minha trajetória de estudo.
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Eu vou voltar um pouquinho e aí ir pontuando fase por fase, mas eu queria que você me… Se você consegue lembrar a primeira escova, que você mencionou, uma escola de freira, como que era o caminho e como que você ia para essa escola?
R- Eu ia, até minha mãe me levava, lembro disso. É muito perto da minha casa, acho que não dá dez minutos da minha casa até escola, é uma subidinha. E lembro que a minha mãe sempre ia me levar ou o meu irmão, e o caminho era tranquilo e ia com alguns coleguinhas que acabavam fazendo o mesmo caminho, que moravam perto, então era bem tranquilo o caminho.
P/1- E você mencionou que foi nessa escola que você tem o primeiro contato com ações sociais, né? Você se recorda de alguns desses trabalhos que eram feitos e eram parte das atividades curriculares?
R-
Eu lembro da escola fazer algumas ações de arrecadação de doações para dar para outras instituições para ajudar comunidades carentes. Eu não participava, provavelmente por conta da idade, dessa entrega, mas eu lembro das ações de arrecadação no colégio, então nós fazemos gincana, então fazia a doação de tênis, fazia a doação de roupas, então eu lembro de fazer essas doações e lembro dos colegas levando coisas para doar, lembro de caixas, eu lembro por conta da Campanha da Fraternidade, que sempre tinha alguma ação, o colégio sempre fazia essa ação concreta com os alunos. Então isso ficou fazendo parte da minha vida, ter a campanha que sempre motivava alguma ação e o colégio incentivava os alunos a realmente realizar isso dentro da escola. Então era bem legal e uma prática que faço até hoje.
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E a transição de escola foi... Você lembra se foi difícil?
R- Lembro, porque eu fui reprovada (risos). Eu tive dificuldade, ficou marcado porque eu fui reprovada em matemática, que, aliás matemática de Deus (risos). Meu Deus do céu, que dificuldade que eu tive com números na quinta série, na sétima série e na faculdade com estatística. Eu falei: “Eu acho que vou para terapia para poder lidar melhor com os números”. Agora acho que já tá resolvido, mas eu sofri bastante na época. Em todas as outras matérias eu consegui me dar bem, me adaptar, mas matemática não e acabei sendo reprovada, aí você não esquece, né?
P/1- E aí foi em função da reprovação que você teve que sair do colégio, ou foram outros fatores?
R- Não, eu fui reprovada na mudança, não foi no colégio. No colégio não cheguei ser reprovada nenhuma vez, mas quando eu saí da escola particular e fui para escola pública, eu não sei se a dificuldade de adaptação ou o que aconteceu, eu fui reprovada na pública. Não sei se foi se eu estranhei os colegas, até porque por eu ser mais tímida, eu acabava demorando um pouco mais para se informar, não era aquela coisa que já fazia amigos rápido; eu sempre fui fazendo demorando um pouquinho mais. Então eu imagino que tenha sido por isso a dificuldade, não tenho ideia.
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E você recorda de professores/professoras que foram marcantes na trajetória escolar?
R- Lembro. Eu lembro de uma professora chamada Márcia, no Padre Moye, que até pouco tempo nós nos encontramos. Ela foi bastante marcante, eu sempre identificava nela uma mulher muito forte, a irmã Cecília e a irmã Clorinda, que até faleceu, eu lembro que elas foram muito marcantes e a própria Mercedes, que foi diretora da escola. Elas acho que marcaram bastante a minha infância e eu não perdi o contato, com o passar dos anos, ou por algum encontro da igreja, ou por alguma atividade, eu acabei encontrando elas em algumas outras fases da vida. E no Aroldo, eu lembro de uma professora que eu era mais apegada, que era a professora de educação física. Eu fiquei muito amiga, acaba indo fora do horário, nunca faltava, gostei muito. Acho que era Maria Lúcia o nome dela. Eu lembro que é o nome. Acho que foi mais marcante. Já no Righini eu não lembro de nenhum professor que tenha sido muito marcante. Eu lembro de uma diretora que foi marcante negativamente (risos). Era uma diretora que brigava com todo mundo, e aí eu já tinha perdido bastante essa timidez, já tava aqui dentro de mim essa coisa de justiça e acabava, às vezes, comprando briga de colegas por camiseta. Teve uma vez que ela quis me mandar embora porque tinha um emblema na minha camiseta e não era toda lisa e eu lembro que eu respondi para ela, ela me deu advertência e aí chamou minha mãe e eu arrumei uma confusão com todo mundo. Chamei outros pais, porque eu falei: “Ué se eu não posso vir com uma camiseta com emblema, ninguém mais na escola pode”. E eu fui de sala em sala para ver todo mundo que tinha camiseta que tinha emblema para provar para ela que ela estava sendo injusta comigo (risos). Eu acho que aí nascia já o espírito de liderança, foi no colégio onde eu comecei a causar.
P/1- E Gláucia, você falou um pouco que aí por volta de quatorze, quize, você começa a pensar na coisa de desfiles, participa de alguns concursos de dança, mas como foi esse processo que é de lidar e enfrentar a timidez que você relatou, que era uma característica sua?
R- Eu acho que a amizade influenciou muito. Eu fui vencendo esses desafios com motivação sempre de alguém que falava: “Não, vamos lá! Você consegue, você tem jeito. Vamos, vamos”. Eu lembrei quando eu participei desse concurso, foi com Júnior, um amigo de infância, que crescemos, ele era... É neto de uma senhora que morava na rua e então a gente tem uma amizade desde pequenininho, então com certeza isso influenciou bastante para ele me convencer, junto com as amigas: “Não, vou lá, você gosta.” e aí depois que venceu a primeira barreira, aí vai embora. Difícil era só começar. Depois que comecei... E para desfilar foi a mesma coisa; lembro que uma amiga Sandra, ela que me convenceu, ela falava: “Você tem jeito”. “Eu não, eu tenho vergonha, eu não vou conseguir”. Daí ela: “Não, vamos só para ver. Vai para me acompanhar”. Aquela história, você vai para acompanhar, aí começa a ver como é, quando vê, eu já estava fazendo junto com ela. Então sempre tenho uma interferência de alguém que me motivou a dar um passinho a mais.
P/1- E você falou das aulas de educação física e que tinha um gosto por esportes, né? Quais eram os esportes que você gostava nessa época?
R- Olha, eu lembro que nós participamos de campeonato de vôlei, até que cheguei a participar de campeonatos em outras escolas, isso tanto no ginásio como depois do colegial. Nós participamos também de campeonato de handebol, naquela que tá muito... Pessoal da escola fazia campeonato de uma escola com a outra, então eu gostava. Era handebol e vôlei. Basquete eu não tinha tamanho (risos), então eu não jogava, eu só assistia e torcia.
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E nessa fase de adolescente, do que você se recorda de coisas que você gostava de fazer; é o momento que você começa a viver uma maior autonomia de sair com amigos, amigas?
R- Não, a adolescência foi muito assim, ainda dentro de casa. Meus pais não eram muito de me deixar sair, então meu refúgio era a igreja. Eu participava do grupo de jovens e a minha adolescência, o que eu tenho de lembranças está relacionado ao grupo de jovens da Paróquia que eu fazia parte, porque era onde eu conseguia sair, onde meus pais me deixaram sair. Mesmo assim, cheio de reservas, de horários. Eu lembro de um Playcenter na época e era uma luta para conseguir ir. Teve uma vez que todas as crianças da rua, os pais deixariam ir se eu fosse e meu pai e minha mãe não deixaram ir e ninguém foi e todo mundo falar com a minha mãe, com meu pai e não teve jeito, eles não deixaram eu ir porque eles tinham muito medo, porque tinha brinquedos perigosos. Então meus pais foram muito assim. Até hoje, meus pais ficam muito preocupados. Eu acho por essa coisa do meu pai trabalhar como Técnico de Segurança do Trabalho e ele trabalhou em algumas grandes empresas, trabalhou em Shopping, então viu muita coisa ruim. E aí ele acabava de trazer eles para dentro de casa: “Isso é perigoso, isso não pode”. Era sempre muito não. Então minha adolescência foi missa, grupo de teatro… Eu fiz parte de um grupo de teatro; eu acho que o teatro até me ajudou bastante a desinibir. Grupo de Teatro Sal e Luz, eu entrei nesse grupo, acho que eu tinha uns quatorze anos e fiquei nele até uns vinte. Também participamos de alguns campeonatos de igreja, ganhamos... Então foi bem legal. Nós chegamos a fazer uma peça de teatro falando sobre drogas e a peça teve uma repercussão tão grande que nós começamos apresentar essa peça nas escolas, em empresas, chegamos até participar de SIPAT, Semana Interna de Prevenção de Acidente de Trabalho, por indicação do meu pai, em algumas empresas e foi bem legal. Isso também ajudou muito a desinibir e falar com essa juventude essa questão de álcool, droga, fazer o papel de prostituta, para que era uma pessoa extremamente tímida, eu fiz um papel bastante difícil e na peça uma das meninas morreu de overdose, então é uma peça bastante marcante, bastante forte. E isso nos ajudou a falar com muitas e muitos jovens. Naquela época eu comecei a trabalhar muito com a juventude da região da Casa Verde, bairro do Limão… Aí começava essa minha atuação com foco de resgatar a juventude, falar que não vale a pena se meter com droga. Na peça a gente abordava, a gente procurou fazer algo muito real: o pai que fica desempregado e começa a beber e bate na mãe, e a filha é vítima dessa situação de pai e mãe, acaba tendo um amigo que oferece droga e aí quando vê a família inteira tá totalmente destruída. É um cenário que acontece muito até hoje. Então essa peça foi bastante marcante também na minha vida. Sou amiga da maioria do pessoal do teatro até hoje, seguimos caminhos diferentes; ninguém conseguiu o teatro, mas é uma frase bem legal na vida da gente. E aí a minha vida, meu passeio era isso, era quando eu estava com um grupo de teatro, com grupo de jovens, era quando eu aproveitava para passear com os amigos.
P/1- E o grupo de teatro também era vinculado as suas ações dentro da igreja, né?
R- Sim. Ele nasceu dentro da igreja.
P/1- Eu queria que você contasse como foi esse desenvolvimento que você foi tendo com as atividades dentro da igreja, desde fazer a escola, o colégio de freiras ai no fundamental, mas como foi se aprofundando esse desenvolvimento que você fala, que é até um refúgio que você encontra na sua adolescência.
R- Sim. Quando eu estudava no Padre Moye, assim que eu fiz a primeira comunhão, eu virei auxiliar de catequese na Paróquia Santo Antônio do Limão, onde eu fui batizada, fiz a primeira comunhão, fiz o crisma e lá eu comecei a fazer uma atuação como auxiliar. Eu acho que era um caminho que eu achava para fazer alguma coisa, me ocupava e não tinha a negativa por parte dos meus pais para fazer esse tipo de coisa. Sempre tinha alguém que me levava em casa, me deixava em casa e meus pais confiavam. Então foi muito cedo, muito cedo e... Eu estava com doze anos, construíram uma capela próximo da minha casa e aí eu passei a frequentar essa capela. Eu ajudei a construir desde o primeiro dia, que teve missa lá, que cortaram a fita. Eu comecei a frequentar essa capela e aí era duas ruas acima da minha casa. Passou a ser extensão da minha casa, porque eu comecei a participar dos movimentos para arrecadar material de construção; aí com a juventude, juventude era muito gostosa, muito animada, então a gente participava do mutirão de construção, sabe? Então é muito gostoso. Isso ocupava nosso tempo e aí iam nascendo as outras atividades. Tá fazendo sei lá, ta rebocando a parede e aí alguém tem uma ideia: “E se a gente fizesse um baile dos anos sessenta para arrecadar dinheiro lá na quadra do Colégio Padre Moye?” Porque não tinha espaço. “Vamos embora”. E fazia evento, arrecadava dinheiro, então foi muito, muito forte essa situação para arrecadar fundos para Paróquia, para ajudar a manter a paróquia. E quando a paróquia já estava estabelecida, o Limão tem dois lados bem interessantes, divide a Padaria Lareira, em uma área mais nobre, bonita, dos prédio e tudo mais e descendo a rua você cai nas comunidades. Tem três comunidades: do Agreste, o Beira Mar e dos Tubos. E na época só existia… A mais fortalecida era da Beira Mar, que eu acho que é a mais antiga, e tava começando a comunidade do Agreste, e a igreja construiu um galpão no meio da comunidade e nós começamos a fazer atividades lá com as crianças, fazer a catequese, fazer a festa para o dia das crianças... Eu estava sempre envolvida. Mesmo não tendo muita idade, eu consegui autorização para participar, porque o grupo de jovens era acima de quatorze anos e eu tinha só doze. Mas como a catequista na época, a Dilma, me conhecia também desde pequena, conhecia minha família, e ela também sabia que era uma forma de eu fazer alguma coisa, ela acabou permitindo. E ali ainda tem. Eu estou até hoje, eu trabalho na igreja até hoje. De lá para cá, são inúmeras histórias, experiências que eu tive na... Hoje em dia nós vamos para Capela, é paróquia. Eu conheci todos os países que passaram por lá, fiquei um tempo fora, em algumas outras paróquias, mas acabei voltando, e eu sou daquelas ainda: é religioso para mim no domingo de manhã, a missa. Tanto que na pandemia o mais difícil para mim era acordar domingo e falar: “Como assim? Eu não vou sair de casa? Não posso ir para missa?” E como eu fiz isso a vida inteira, foi difícil me adaptar com isso lá na pandemia. Mesmo assistindo pela TV, não mesma coisa. Então a igreja hoje é muito forte dentro da minha formação e das minhas atuações, por isso, porque eu não me consagrei freira, até teve o convite para o colégio, mas a minha vida é uma vida muito missionária. Só que tem consagração e não tem como, interfere em tudo que eu faço lá.
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E eu queria também aproveitar e explorar um pouco... Como foi essa sua entrada nesse grupo de teatro e esse processo de vocês, eu imagino que em grupo, construírem uma peça que tratava de questões ligadas à juventude, ao consumo de drogas, entre outras questões?
R-
Eu lembro que a peça nasceu de um convite
Uma paróquia Santíssima Trindade o Nélio, que é um amigo até hoje, criou o festival entre as paróquias da região e a nossa Paróquia sempre foi pequenininha e a gente falou: “Ah, não vou nem participar, imagina. A gente vai competir com Paróquia grande”. E aí o outro grupo falou: “Imagina, pequenininho nada. Vamos participar e vamos ganhar”. Esse foi muito determinado e nós ganhamos, nós escrevemos, criamos o texto, eu até na época foi onde tive meu primeiro namorado, que foi o diretor da peça de teatro, o Ronaldo. Ele escreveu a peça, começou a ensaiar e assim, nós não tínhamos ninguém com formação de teatro, foi tudo muito na vontade; tinha dois ou três do grupo que tinham confirmação de teatro. Mas o que tinha formação acabava ensinando ao outro e aí as coisas foram acontecendo, acabamos participando do festival e ganhamos. O fato de ter ganho festival eu acho que foi um impulso para continuar. A gente falou: “Nossa, a gente ganhou, e agora? Vamos engavetar a peça?”. “Não, vamos continuar apresentando”. “Onde?” Aí veio a ideia de primeiro oferecendo as escolas do bairro. Então nós irmos à noite, porque todo mundo você trabalhava, tinha outras responsabilidades. Até aí eu já estava trabalhando, eu trabalhava como tia de escolinha, comecei minha vida como tia; e então aos finais de semana à noite a gente começou a fazer teatro por aí. E foi bem legal, muito bom. Grupo de Teatro Sal e Luz.
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E você se recorda de alguma vez que vocês apresentaram, encenaram a peça e de alguma experiência que tenha sido marcante, em termos de receptividade por parte das pessoas que assistiram?
R-
Teve uma apresentação, eu não lembro o nome da empresa, mas era quase no interior; foi muito marcante porque a pessoa se identificou tanto com a peça e ela desmaiou no meio da peça. Ela começou a chorar, chorar, chorar e passou mal e assim, é assustador porque você tá ali e eu não sabia se continuava, se não continuava, nós paramos, a pessoa foi socorrida e depois nós continuamos a encenação, mas até com outra energia, porque você percebe que você mexeu com a vida particular, ela se viu naquela cena. E nós todos saímos de lá bastante tocados, mexidos. Depois nós ficamos sabendo, a pessoa contou todas as histórias para uma outra pessoa e a gente procurou... Na época a gente tinha parceria com livrarias. A gente deu um livro para pessoa, falando do tema, tentando ajudar, mas foi bem bem marcante ver alguém sentir tão dentro da peça, ao ponto de desmaiar e chorar. Acho que todos nós lembramos dessa cena, quem tava ali no dia lembra.
P/1- Você falou que sai do colégio e já entra direto na faculdade. Você faz o curso de Psicologia. Porque você escolheu esse curso?
R-
Eu sempre fui muito de ouvir as pessoas. Eu sou uma pessoa que gosta muito de…. Eu sou de humanas, eu gosto de gente, gosto de ouvir. Eu sempre fui aquela amiga que o pessoal vai na casa: “eu preciso te contar uma coisa”, “precisa de um ombro para chorar?” E eu sempre fui assim amiga, conselheira, sempre gostei muito. Antes de entrar na faculdade eu comecei a pesquisar, fiz alguns testes vocacionais e indicava que eu teria esse perfil e eu achei que seria uma área que eu me daria muito bem. É uma área que eu gosto muito até hoje. Não terminei a faculdade, mas estou sempre em alguma coisa na área de Psicologia. Hoje eu faço parte de um projeto que é Oficinas de Emoções, da Casa de Maria Embaixadora da Paz. Oficina de Emoções é um trabalho emocional que procura ajudar as pessoas a lidar com as emoções que você tem. Então eu acabei não terminando a faculdade, mas não deixei de estar envolvida com a Psicologia, porque a Oficina de Emoções para você ministrar você não precisa ser psicóloga. Ela é dirigida pela Doutora Maria Salete, que a fundadora da casa de Maria, e ela criou um método de aplicação e hoje qualquer pessoa pode fazer isso. Então acho que se existe alguma frustração da parte de não ter terminado a faculdade de Psicologia, ela foi sanada com o projeto Oficina de Emoções que é onde eu continuo ajudando pessoas nessa questão emocional e também nos ajudando. Todo mundo acho que tem momentos em que você precisa de ajuda emocional, tem momento que você fica mais triste, mais alegre, depressivo... Enfim, então a Oficina de Emoções é um caminho que eu uso para me ajudar e ajudar outras pessoas também.
P/1- E Gláucia, se você puder explicar, até para entender melhor o que é a Oficina de Emoções, como que é essa dinâmica, como que você atua nela?
R- Tá. A Oficina de Emoções é um projeto de escuta, onde trabalhamos o ouvir a dor do outro, entender qual o efeito desta dor e partilhar mecanismos de cura. Então um exemplo, a oficina acontece uma vez por semana mais ou menos uma hora e meia de encontro, nós fazemos um tema. Então o tema vai falar sobre momentos em que você perde a cabeça porque tá com raiva, ou um momento de falta de perdão... É trazido uma história. E nessa história que nós fazemos a leitura, narração, nós pedimos para as pessoas que estão na oficina falarem se ela já viveu essa situação. E é bem interessante, porque cada encontro tem alguém que se identifica com aquela história e tem outra pessoa que teve uma reação parecida, que foi assertiva, outros não... Então acontece meio que uma terapia de grupo, muito semelhante, onde todo mundo coloca para fora suas emoções, sem regras do que é certo e do que é errado. Não tem esse olhar dele julgar ninguém, mas um olhar de conduzir as pessoas, a se escutar, escutar o outro, entender esta dor, trabalhar e avançar. Tem sempre uma proposta para que você saiba lidar com esse sentimento e seguir para frente. E um encontro é independente do outro, então você não precisa... Não é tratamento que você tem que... Você vai naquele encontro, aquele momento, aquela emoção você trata ali e vocês geralmente... As pessoas que participam saiam melhor, eu já tive um processo de depressão que foi melhorado com certeza através da ajuda na oficina. Eu conheci a Oficina de Emoções através de um grande amigo, dessa época lá da Paróquia Trindade, do teatro, que o Eduardo Gomes. Ele me apresentou a Casa de Maria, Oficina de Emoções, teve um processo de depressão muito grande e hoje, graças a Deus, curado. Escritor palestrante renomado e ele sempre falava: “Não, você precisa conhecer a Casa de Maria, conhecer esse projeto” e hoje eu sou completamente apaixonada pela Casa de Maria. Ela tem um… Além das Oficinas de Emoções, ela tem uma proposta de alimentação saudável que hoje eu procuro; não sigo ainda 100%, mas melhorei bastante a minha qualidade de vida com os ensinamentos da Casa de Maria, porque a d=Doutora Salete é nutricionista, vegana e psicóloga, e ela tem um trabalho onde ela fala da cura das emoções através da alimentação. Então é fantástico, porque é você se curar sem medicação e já faz muito tempo que eu acredito muito no poder das coisas naturais. Sou muito de chás, eu gosto de coisas naturais, homeopatia... Eu já tive muito problema de saúde e os remédios da farmacologia elas... Você toma para uma dor de cabeça e ataca o estômago, aí você toma para melhorar estômago e abaixa a imunidade (risos), e por aí vai. Aí eu fui aprendendo as práticas naturais e a Casa de Maria, além de ter um lado da psicologia, ainda tem essa prática. Então eu me identifico muito, divulgo. Hoje tem Oficina de Emoções, que acontece no Brasil inteiro; então é bem legal, é um projeto que tá crescendo. E tem também a proposta de educação emocional, e essa proposta de educação emocional eles estão tentando inserir nas escolas. Então é fantástico, e uma coisa vai puxando a outra, para que você consiga já tava tratar emoções das crianças. Hoje a gente tá com um monte de criança cheia de problema. Onde já se viu criança que pega a arma e atira? É criança que faz tanta coisa maluca que você não entende, mas porque essa criança tá fazendo isso? Tem um fundo emocional da sua criação e a influência dos joguinhos, dos colegas, e tudo isso eu acho que gira em torno da gestão emocional, da educação emocional. Então a Casa de Maria oferece um pouquinho de tudo. Então quem sabe ainda não faço Psicologia e viro psicóloga da Casa de Maria? Enquanto isso eu sou sendo oficineira, que já está bem legal.
P/1- E voltando um pouquinho, eu queria te perguntar o que representou você, imagino com seus dezessete para dezoito anos, iniciar a faculdade? Como que foi esse momento? Você teve que conciliar também com trabalho?
R- Foi complicado, na época eu era concursada. Eu trabalhava no Hospital Cachoeirinha, um hospital do estado, e meu pai sempre quis que eu prestasse concurso, então eu acabei prestando concurso porque sempre foi o sonho do meu pai eu ser concursada. Não sou mais porque eu saí (risos). Mas eu já fui uma vez. E na época eu fazia uns horários absurdos: eu entrava seis e meia da manhã no trabalho, saia meio dia e meia para chegar no Mackenzie até uma e trinta, sempre acabava chegando um pouco atrasada, ficava até sete e meia da noite. E aí para compensar as horas da semana que eu não fazia, eu dava plantão de doze horas no sábado e às vezes seis horas no domingo. Então eu não tinha vida. Foi bem complicado e como funcionária pública, meu salário não era dos melhores, então para lidar com toda a estrutura aqui de livros, acabava ficando muito tempo fora, acabava tendo que comer, gastava muito... E eu lembro que eu era a única negra da sala. A turma da tarde de Psicologia, eu era a única negra que tava fazendo aula e é diferente, as pessoas falam que não tem preconceito, mas tem sim. Existe uma resistência muito grande, então eu era com certeza a única negra e a mais pobre, porque não vim de família rica. A maioria ia de carro, quando ia de carro era motorista que levava. Então essa era uma realidade no
Mackenzie, bem diferente da minha realidade de vida, mas eu encarava esse comum, tipo: faz parte, não tô nem aí. Eu ignorava, às vezes eu vi alguma situação que desagradava, eu engolia, fazia de conta que eu não vi e toca o barco. E nesse período de Mackenzie, eu fiz amizade com uma moça chamada Patrícia, a Patricinha, que é muito minha amiga até hoje, e ela era presidente do Damat, diretório acadêmico, estão muito envolvida com muita coisa. Então ela não me deixava se sentir excluída, porque ela sempre me envolvi em alguma coisa… E aí você vai vencendo os desafios. Mas não foi muito fácil no começo. A questão de também o cansaço para estudar, era muito cansativo. Eu dormia pouco, no hospital eu tinha um ritmo corrido, então às vezes eu chegava na faculdade e sentado na sala de aula, assim, o corpo queria dormir de tão cansada que eu estava. E por ser filha mulher, sempre ajudei minha mãe em casa, sempre tive minhas responsabilidades dentro de casa e minha mãe teve alguns problemas de saúde, então eu tinha que cuidar de tudo. Então não era muito fácil de conciliar a casa, a faculdade, o hospital. Esse foi um período que eu fiquei bastante afastada da igreja, que eu frequentava missa. Nesses três anos eu só conseguia ir à missa. Aí já não tinha mais como frequentar teatro, frequentar mais nada porque eu não tinha espaço, eu não conseguia. Então raramente, quando era aniversário de alguém, uma festa em casa eu via os amigos, mas foi um período que eu me afastei bastante para focar na faculdade. E nesse período eu saí. Foi tão desgastante que quando eu saí de onde eu estava, meu pai ficou muito bravo na época. Mas eu tive um namorado e na época ele comprou uma escola de datilografia no bairro e a gente foi montar essa escola; a gente transformou a escola de datilografia em uma prestadora de serviços de xerox, encadernação, plastificação, colocamos vários serviços. Eu comecei a fazer isso na faculdade, então foi bem legal, por um tempo, até eu ter uma sócia (risos). E aí essa sócia acabou jogando fora tudo, porque nós começamos a fazer um projeto de desenvolvimento, cursos junto com a escola; colocamos uma máquina de xerox gigante, com uma prestação relativamente alta na época. Até estava crescendo, para minha idade, eu tinha vinte e poucos anos, estava dando certo, crescendo. Mas ela acabou me deixando em uma situação meio complicada, desviou algum dinheiro e eu acabei ficando com uma dívida imensa com a escola, eu não sabia o que fazer e arrumei o segundo sócio, da igreja; e esse sócio foi pior que a primeira (risos), porque um dia eu cheguei na escola e ele tinha levado quase tudo. Eu tinha só... Acho que eu fiquei com duas máquinas de escrever ou três e a máquina de xerox, eu acho que ele não aguentou levar porque era muito grande. E ali foi um baque, aí quando isso aconteceu aí eu falei… Ai eu quebrei. A faculdade não tinha mais como acabar, continuar, porque não tinha como pagar. Eu tava muito bem, eu estava fazendo escola no Mackenzie, fazia inglês na PUC, no COGEAE, meu negócio estava indo bem. Como eu não estava mais com o namorado, por isso que eu tinha feito a sociedade, para conseguir investir, mas sei lá o que passou na cabeça dessa criatura, porque nunca mais eu vi até hoje, eu não sei o que passou na cabeça dele, um belo dia ele pegou tudo e sumiu no mundo. Fui na casa dele, na época com meu pai, eu fui para casa, falei: “Pai, aconteceu isso, isso e isso”, fomos na casa dele e ele tinha mudado na noite anterior; e você toma um susto, né? (risos). Você fala assim: “Uau! O que eu faço agora?” Aí eu adoeci, foi complicado, foi bem complicado. Porque você vê tudo desabar. Você acha que foi o primeiro… (choro). A primeira grande decepção que eu tive na vida, porque era com alguém da igreja que eu confiava, não era alguém desconhecido, eu conhecia a esposa e os filhos... E eu não entendi o que aconteceu, porque junto com a escola foi embora a minha faculdade, o inglês, toda minha estabilidade que eu tinha conseguido sozinha, foi embora. E aí você é muito nova, meu pai já não queria que eu tivesse montado negócio, queria que eu fosse concursada. Imagina o que eu ouvi em casa, de ter dado esses passos que estava em ascensão e de repente tudo deu errado. Deu errado por minha culpa, meu erro foi só confiar. Mas na época, a gente estava crescendo e muito, mas o dinheiro, às vezes, cega as pessoas, né? E por dinheiro as pessoas jogam fora amizade, projetos... E aí eu fiquei um tempão assim, descompensada emocionalmente. Aí eu desenvolvi problema de tireoide, eu engordei absurdamente, assim eu de 53kg eu fui a setenta. E aí meu cabelo lindo cacheado começou a cair e foi bem complicado (choro). Desculpa.
P/1- Tudo bem. Gláucia, a gente pode dar uma pausa nesse momento, para você também poder se acalmar tomando a água...
R- Faz muito tempo que eu não falo disso. Eu acho que nunca falei assim, tão… Para mim tão… Essa história com a riqueza de detalhes, que eu tentei apagar, sabe?
P/1- Claro, processar tudo isso, né?
R- Sim, foi um rompimento ali de um processo que eu vinha de ascensão e de repente puf, foi tudo água abaixo. Por ganância, né? Então é complicado. E é engraçado, a gente começa a contar e aí que volta na mente da gente, é um filme. Você nem lembra das loucuras que você já fez. E a minha família me cobrou muito por isso Eles ficaram muito bravos comigo, tipo: “O que você fez? Por que você se meteu nisso? Você podia tá lá no hospital, você era concursada, você tinha salário fixo...” Eu não era feliz, né?
P/1- Você conta um pouco dessa sua história e de alguma forma, eu me lembro também, um pouco, no sentido de coisas que eu ouvi, no sentido de: “Ah, mas é importante ter um emprego estável, fazer um concurso…” De como também foi um ideal para pessoas negras, periféricas e que de repente, os pais veem ali uma oportunidade de vida é o trabalho público. E hoje isso nem é uma realidade.
R- Sim.
P/1- Não existe mais concurso praticamente; parece que a gente está falando de um outro mundo. Mas de alguma forma me toca nesse nível, porque, não que tenha uma cobrança, um questionamento, mas eu sinto que existia uma certa frustração porque eu não seguia esse ideal de funcionalismo público, mas… enfim, mas eu queria saber se essa pessoa, que foi sua sócia, que você conhecia, passado tempo você chegou a revê-la? Teve algum tipo de explicação?
R- Não. Nem ela e nem ele, os dois. E foram os dois em prazos curtos de tempo e nunca mais eu vi nenhum dos dois, nunca mais tive notícia. Para dizer que eu tive uma curiosidade, outro dia eu até olhei no Facebook, aí vi a pessoa, olhei a vida dela… e eu falei: “Será que valeu a pena?” Parece-me que não, mas enfim... Porque era foi muito pouco, a gente não tá falando de uma empresa grande, de muito dinheiro, era muito pouco. Mas era um pouco que começava a render, começava a crescer e poderia ter sido bom para todo mundo. Mas principalmente ele, que foi o segundo sócio, eu imagino que ele deve ter dado um golpe maior em muita gente, porque ele mudou até de casa. Então ele deve ter feito algo muito maior, que a gente nunca vai saber o que foi, a menos que em algum momento eu encontre. Ela ainda foi mais leve; o problema não é porque... Tanto que dela eu consegui ainda sobreviver (risos), mas aí ele foi o golpe final. Mas ainda assim eu tentei ficar com a escola no outro ponto, mas é muito difícil. Mudei para um ponto pequeno, aluguei um espaço na Casa Verde, mas até você fazer clientela... Eu já tinha uma clientela aqui no Limão, era em frente o cartório, então era bem próximo, era fácil, conhecia todo mundo… E aí quando muda de bairro, muda de estrutura, muda tudo. E aí parei, respirei e falei: “Bom, o jeito é fazer o currículo e bora para o mercado de trabalho, bora trabalhar.” Nunca tive medo de trabalhar, então bora trabalhar. E fui trabalhar. Trabalhei com... Eu lembro que eu fiz um treinamento no Jornal Estado de São Paulo de Administração Inteligente, nunca esqueci, do Nardo do Botelho; e ele falava muito em vendas e eu falava: “Ai, não tenho vocação para vendas, acho que não. Eu não sou tão solta assim.” E aí ele conseguiu, no treinamento, me convencer que tudo que a gente fazia era vendas, que você se vende o tempo todo, mas você não acha que tá vendendo. E aí eu falei: “Eu vou tentar, vai que dá certo.” E eu fui para o ramo de vendas e foi um período bem interessante. Eu trabalhei com vendas de equipamentos de construção civil, e um preconceito absurdo. Mulher vendendo betoneira, vendendo rosqueadeira, vendendo furadeira, foi muito interessante porque eu dava treinamento e, às vezes, chegavam em algum lugar e falava: “A pessoa que vai fazer o treinamento não veio?” (risos). “Veio, sou eu mesma.” Aquela resistência assim. E foi muito legal, porque eu venci esses desafios, essas pessoas que começaram até debochavam: “Como assim uma mulher vai me dar treinamento de equipamento de construção civil?” e acaba respeitando. Então fiquei um bom tempo nesse ramo. Eu comecei trabalhando numa empresa, em uma fabricante na Lapa, na Ferrari, na época, e nesse período de Ferrari eu acabei me destacando, tomei tanto gosto na coisa, comecei a vender muito e comecei a atingir a área do representante externo; e aí um dia gerente falou assim: “O representante tá louco com você, porque você tá vendendo na área dele.” Eu falei: “Ué, mas estou trabalhando, não é para vender e tal?”. Enfim, ele acabou me convidando para trabalhar na empresa dele, ele me tirou da empresa. Eu representava uma empresa só e passei a representar nove, mas era muito longe. Depois da Avenida Cupecê, então era uma viagem, mas eu fiquei um bom tempo nesse emprego, porque nossa, era uma empresa familiar e eu acabei me envolvendo com a família. Ele me chamava de filha e foi muito bom. Só que chegou a hora que eu não aguentava, porque eu saia de casa entre seis e meia e quase sete, e eu chegava em casa sete e pouco, oito horas. Só que quando chovia, eu chegava em casa dez, onze horas da noite, porque eu dependia de ônibus, metrô, eram três condições. E aí chegou o momento que eu fui vencida pelo cansaço. Aí eu falei: “Olha, eu não consigo mais, eu preciso voltar a estudar.” Na época, eu estava tentando tirar minha carta de motorista, mas não conseguia porque eu não tinha tempo. Eu trabalhava o tempo todo, então não conseguia fazer algumas coisas e mudei de novo de ramo. Fui trabalhar com vendas de material de informática, escolar, numa multinacional. E as coisas na minha vida são muito marcantes, tudo acontece alguma coisa e eu lembro que no dia que fui fazer entrevista, eu tava guardando na recepção, uma pessoa me liga e fala que um dos meus melhores amigos tinha falecido, o Rogerinho, que era um amigo da igreja. E nossa, eu perdi o chão né, aí falei: “Vou embora, não consigo.” E aí o pessoal que estava na recepção falou assim: “Olha, ele não era um dos seus melhores amigos? Você não está precisando? Você não poder fazer nada agora. Participa do processo de seleção e depois você faz. Eu falei: “Não sei se eu consigo”.Chorando… Passou um tempo, fiquei. Quando eu chego para fazer a entrevista o rapaz me fala se eu podia vender um caixão. Eu falei: “Ai meu Deus, eu tô tentando esquecer o que aconteceu e aí ele vai justo me tocar no assunto?”. Aí eu não consegui vender o caixão. Eu comecei a falar e no meio emocionei. Sou super emotiva, só que me emocionei… aí pedi desculpas, falei: “Aconteceu isso, isso e isso. Acho que eu nem devia ter ficado para o processo de seleção... Desculpa vou embora…”. Ele falou: “Não, respira, toma uma água. Se você quiser a gente continua, se quiser a gente remarca.” Aí acabamos conversando e aí: “Não, vamos de novo. Mas dá para ser outra coisa?” E acabei fazendo o processo de seleção e fui selecionada. Eu fiquei no (Office Sete?) um bom tempo; foi muito legal, fiz grandes amigas. Sai de lá para ir para uma empresa concorrente, a Nagem. Fiquei um bom tempo na Nagem e na Nagem eu tive um período que eu falo assim: tenho a minha vida profissional até Nagem, que é o mundo corporativo, tipo o que todo mundo sempre faz; e lá eu sair de férias... eu já tava na faculdade, na (Office Sete?) eu consegui entrar na UNINOVE, junto com uma amiga tal, e na Nagem eu estava saindo da faculdade, eu tirei férias e quando eu voltei eu fui mandada embora. E aí eu falei: “Ué, o que eu fiz? Eu estava de férias.” (risos) Aí ela falou que trocou o gerente, o seu sobrenome é Máximo, é o mesmo sobrenome do outro gerente e não tem quem tira da cabeça do gerente que você não é parente dele. Eu falei: “Mas ele nem falou comigo.” Eu fui falar com ele. Eu falei: “Mas o que eu fiz para o senhor me mandar embora?”. “Não... Porque a gente está reestruturando o quadro, tal…” Eu falei: “Mas o senhor está me mandando embora só porque o senhor acha que sou parente do outro?” Ele falou: “Não, não é isso.” Toda uma desculpa, né. Eu falei: “Meu Deus, que absurdo, que injustiça!” Mas eu falei… “Ah, eu já estava cansada”, porque lá era cheio de regra. Eu não podia usar saia, não podia usar negócio de cores mais fortes, não deu para perceber; só podia usar cinza, azul clarinho, azul marinho e preto. Eu não podia usar outras cores. Tinha umas normas meio malucas na igreja, parecia igreja. Essas igrejas bem metódicas, a empresa. E aí eu falei: “Tô cansada. Quer saber, vou embora.” Só que o RH mandou fazer o exame demissional e eu estava fazendo acompanhamento, eu tava com tendinite bilateral nos dois ombros, que eu sempre tive essa vida muito intensa, sempre trabalhei muito, sempre fiz um monte de coisa, então vivia doente por acabar no cuidado muito do corpo. Então ela falou: “Você não pode ser mandada embora, você vai ser readmitida. Vem aqui para a gente conversar.” Só que aí eu já tinha me animado com a história de ser da empresa. Aí quando eu voltei, eu olhei bem para ela e falei assim: “Olha, sabe o que é? Eu não quero voltar.” Ela: “Não, você tá louca? A gente não quero te perder”. E sei lá, me deu uns quinze minutos ali, eu falei: “Eu não quero voltar, eu tô terminando a faculdade, vou ver o que vou fazer da vida, esse período de vendas é bastante desgastante, eu vou me focar na área de Marketing e não quero voltar.” Eles foram muito legais, me deixaram seis meses com convênio para continuar tratando da saúde e tal e falou: “Tem certeza?”. Tenho. E aí nesse período eu acabei virando voluntária da biblioteca em frente à minha casa. Eu moro ao lado de uma biblioteca e eu falei: “não vou aguentar ficar quieta”, e assim, eu saí do serviço e já arrumei o que fazer. E comecei ajudar a biblioteca e nesse período que eu virei voluntária da biblioteca eu acabei conhecendo o pessoal da comissão de bairro, um universo que eu não conhecia muito, nunca tive tempo de fazer coisas no bairro. Estava sempre trabalhando, estudando, igreja, não tinha muito tempo. E fiz amizade com uma pessoa, o Vladmir, e na época ele falou: “Legal, você tá fazendo faculdade de Marketing? Você não quer fazer um projeto de carnaval? Tem um pessoal aí que fez um... Eles ganharam fantasia da UESP e eles não puderam desfilar. Foi uma injustiça, você imagina a frustração dessas comunidades; eles ganharam fantasia e não participaram do desfile. Só que o prefeito não quer que fique muito essa coisa de carnaval, que é mal vista... se fosse uma coisa mais cultural… será que você consegue pensar alguma coisa nisso?” Eu pensei, chamei uma amiga da faculdade na época, a Ana. “Vamos abraçar esse projeto?” Aí fiquei um pouco com medo né, por causa da igreja, eu falei: “Nossa, o pessoal da igreja…” Eu fazia parte da Renovação Carismática, me meter com o carnaval o povo vai querer me queimar em praça pública. “Porque é do demônio, não sei o que…” Que tem medo. Aí falei: “O que eu faço?” Ai fui falar com meu padre na época, o padre Alex, ele falou: “Filha, quem é que está pagando as suas contas?” Eu falei: “Ninguém padre.” Ele falou: “Você vai sair desfilando na rua de fio dental?” Eu falei: “Não senhor.” “Você vai fazer alguma coisa de errado? Então filha, te abençoo. Vai em paz.” E mal sabia eu que naquele momento, a minha vida ia começar a tomar outro rumo, porque eu fiz o projeto, dei o nome de Carna Cultural. O projeto foi um sucesso. Nós fechamos uma grande Avenida do bairro e eu lembro que dois dias antes assim, inesquecível, eu fui no nono batalhão da polícia e o comandante falou assim: “Você tem dimensão do que você está fazendo? Você tá como responsável de um evento onde vão descer seis comunidades do morro para um evento de carnaval. Você tem experiência nisso”. “É, um pouco.” Eu nunca tinha feito nada parecido. Ai ele: “Você tem noção do risco?” Aí eu falei: “Não, mas os presidentes garantem que não vai acontecer nada de errado.” Morrendo de medo. Eu lembro que eu não dormi aquela noite de tanto medo, de tanto que ele comandante falou na minha cabeça e na de todo mundo. Eu falei: “Seja lá o que Deus quiser”. E foi maravilhoso, dez mil pessoas na Avenida. Nós fizemos uma feira de artesanato, eu levei uma feira de saúde. Foi um sucesso, saiu no Jornal da Tarde, saiu na TV Cultura que meu pai mandou para um amigo dele que trabalhava lá. E esse evento mudou a minha vida, porque ao término dele, com todo sucesso, eu fui convidado a trabalhar na subprefeitura da Casa Verde como assessora de eventos e aí eu começo uma história completamente diferente, outro mundo que eu não conhecia. Quando eu comecei a trabalhar não entendia nada. Daquelas pessoas que desliga a TV em horário político, não sabia o que era indicação, o que era cargo político e eu para um cargo político sem padrinho político. E não tinha dimensão de onde estava me envolvendo. E foi muito bom, porque eu comecei a fazer eventos no bairro, comecei a participar de reuniões. Eu lembro que o prefeito me chamou e falou: “Olha, você vai para a reunião de CONSEG me representar. E eu saí e ele não me deu chance de perguntar mais coisas e eu não sabia o que era CONSEG (risos). E eu acho que muita gente não sabe o que é CONSEG, que é Conselho de Segurança Pública, porque não faz parte do dia-a-dia, não tem como saber.
E fui no CONSEG, me apresentei. Falei: “Olha sou novata tô vindo pela primeira vez, eu ainda não sei como funciona, mas estou aqui para aprender eu vou ajuda.” E ali começou minha vida com serviço público, onde eu comecei a ter... Eu falo que é um rompimento com o setor privado, e aí você começa a viver... Enxergar a vida de outro jeito, com o olhar da esfera pública, um olhar social onde você começa a visitar as comunidades. E aí de uma forma muito diferente de como eu visitei na época quando era mais jovem, com igreja; muda muita coisa. E foi uma escola. Eu fiquei quase três anos nesse cargo, foi muito bom aprendi muito e quando eu sair de lá eu falei meu ONG; aí foi quando nasceu o Ibrasac que eu acho que é uma somatória de tudo né: a experiência religiosa, a paixão por ajudar as pessoas, a psicologia... E aí quando você chega na esfera pública e você vê quantas pessoas estão precisando de ajuda e o poder público, ele até tem condições mas, não dá conta, não faz; e aí você tem atores sociais que fazem trabalhos maravilhosos e eu me apaixonei por isso, e aí mergulhei nesse universo e estou hoje fazendo trabalho social com a ONG há 10 anos. E aí nasce a parceria com o SEBRAE, desde a fundação e começa toda uma história voltada para o social.
P1- A gente vai chegar no Ibrasac, mas eu queria até me permitir a fazer o movimento, pensando que você começa a atuar profissionalmente no serviço público, por meio de um concurso.... você sai do serviço público para empreender e aí passado um tempo, você volta para o serviço público,
por uma outra via,mas aí você vai ter uma outra atuação, uma outra experiência dentro do serviço público. Como é que é perceber esses vários ciclos que vão acontecendo, espirais da vida; a princípio você sai de uma coisa que você não queria, mas aí quando você ver você tá de novo nela, né?
R-
Sim, eu acho que a diferença de quando eu fui funcionária pública concursada, eu fui motivada por uma vontade do meu pai, não era minha vontade, eu quis agradar algo que ele queria muito, porque o que eu entendi é que ele queria algo que era bom para mim. Enquanto eu fui funcionária da Cachoeirinha, foi bom por um tempo; eu cheguei comecei na parte de estoque, virei secretária de um, secretário de outro, aprendi… e aí quando eu vi que não tinha mais para onde eu ir e que eu ia passar o resto da vida naquele a mesma sala, naquele mesmo lugar, fazendo a mesma coisa, eu falei: “Isso né para mim, eu não consigo viver essa coisa engessada, eu preciso algo mais dinâmico.” Quando eu vou para um cargo da Prefeitura e no gabinete, é algo totalmente dinâmico: você não tem rotina, você é um dia de um jeito, outro jeito do outro, se voltar hoje é outra realidade; então é tudo muito dinâmico. E quando você sai desse papel que eu tinha na saúde, que era algo muito administrativo, muito reservado, muito fechado e vai para um cargo público aonde eu lidava com pessoas e eu levava algo social, eu começo a me encontrar, porque eu começo a achar um meio para fazer o bem para as pessoas, sendo remunerada para fazer isso e de uma maneira muito dinâmica. Então eu era só assessora de eventos, mas o período que eu fiquei lá eu criei Fórum de Agenda 21, eu fiz Fórum da Criança e do Adolescente, eu fiz um monte de coisa. A partir do momento que o subprefeito me deu carta branca, nossa”, eu fiz um monte de coisa. E essas coisas que eu fiz, foi o que me deram embasamento para criar ONG, para fazer várias outras coisas como eu faço até hoje e é um outro olhar né, muda muito. O poder público ele tem esferas muito distintas de atuação, então hoje se você me falar: “e se você soubesse que você vai ter um concurso, você tá preparada? Você não quer se inscrever?”. Não, não quero. Se for para ficar naquela forma engessada, isso não é muito a minha realidade. Agora se for para voltar para a esfera pública no poder de articuladora, de poder fazer algo diferente, de ter autonomia para fazer as coisas acontecerem, estou super dentro. Hoje eu não consigo hoje me ver, não só na esfera pública, ou numa empresa privada em lugar nenhum, se você me propor qualquer situação que eu tenho que ficar fechada numa sala, quietinha, trabalhando de segunda a sexta das oito horas às 5.... eu não consigo, não é minha realidade mais. Acho que eu perdi tanto essa timidez, essa coisa de ser muito introspectiva como eu era, porque hoje eu quero viver no agito;eu quero estar cada dia fazendo uma coisa diferente... é isso que acho que me motiva, me dá um gás novo.
P1- Essa característica dinâmica, eu vou voltar um pouco, porque tem até a ver com a sua opção de o momento que você tá fazendo faculdade, sobrecarregada, trabalhando no serviço público, você decide empreender; e não é uma coisa simples. Na época você teve o apoio de um namorado que você tinha naquele período, mas enfim, como é que foi essa ideia: decidir empreender naquele momento, ver aquela questão de uma escola... a possibilidade do serviço oferecido de xerox, copiadora... Como que foi esse momento da sua vida e essa decisão de achar que fazia sentido naquele momento de empreender?
R- Eu creio que ela nasceu a partir do momento quando eu fui aluna dessa escola. Eu fui aluna do curso de datilografia e o pastor Dominguinhos, que era proprietário na época, nós ficamos muito amigos e a gente sempre se falava, aí eu virei professora... eu já tinha feito algumas ações com ele, trabalhado nesta escola, antes de virar a proprietária. E quando eu tava nesse ritmo alucinado de não ter tempo para nada, ele quis vender escola para mim ele me procurou e eu falei: “Olha, eu estou trabalhando, tô concursada, não passando pela minha cabeça isso no momento…” A princípio não foi a primeira iniciativa topar. E aí conversando com meu namorado na época, ele falou: “Mas você tá numa vida louca, você não tem tempo para nada.”, inclusive para ele não tinha (risos). Então assim, era uma vida muito desgastante, eu estava bastante cansada. E ele falou “acho que é uma oportunidade, você é muito guerreira e tal…” E na época a escola não tinha nada, ela só tinha máquina de escrever: 10 manuais e o elétrica, não tinha mais nada. E aí a gente começou a olhar e pensar nessa questão de eu trazer material da faculdade e fazer xerox, fazer encadernação, plastificação... e nós vimos aí uma oportunidade diferente. Não tinha tanta opção, não era todo lugar que você tinha esse serviços como se tem hoje, era até difícil de achar alguém que tinha uma plastificadora, encadernadora. No bairro nós éramos os únicos. Então nós vimos essa oportunidade, fizemos as contas, negociamos com ele na época valores, colocamos em questão o meu salário, que não ia como funcionária pública não ia ter maiores rendimentos; ia ser aquilo por muito tempo. E eu falava: “Eu quero mais. Eu quero ter oportunidade de crescer. Quero ter outras coisas e se eu ficar nessa posição eu não vou ter isso. Eu vou ter que me conformar com isso.” Então acho que pesou bastante a questão financeira, a questão dos horários… e na época tinha outras pessoas que faziam meio período,
aquelas coisas né. Depende de quem você é indicado, então como eu não era indicada de ninguém, não tinha nenhum padrinho político, eu tinha que fazer o horário inteiro e me matava. E tinham pessoas que não fazer uma metade do que ue eu fazia, trabalhava meio período e tinha alguma bonificação ainda... Então aquilo me desmotivou bastante; então me motivou a falar: “Não quero isso para mim, eu posso fazer mais que isso, eu vou fazer.” Mesmo na época, tendo que enfrentar o desafio aí da família que foi totalmente contra e no começo todo mundo “vai dar errado, não tem como”. Só que quando começou a dar resultado e crescer, que eu fiquei acho que uns cinco anos, todo mundo começou a falar: “Oxi, ela não tava tão errada. Poxa vida. Vamos motivar.” Só que quando a gente tava crescendo, eu tive que voltar atrás, mas foi muito essa motivação, de ter vindo de um amigo, ter me visto nesse negócio... ele falava: “Do jeito que você é, você vai transformar a escola, você vai ter um monte de ideias.” e foi o que eu fiz. Não sei como estaria hoje,
talvez uma escola de computação. Eu já tinha até colocado computador e curso de digitação. Estava começando essa coisa de computação, então nós tínhamos colocado, implementado algumas coisas. Então acho que esse desafio foi muito... não tinha essa rotina, tinha essa coisa de mudança, de inovar, começar a fazer parceria com empresas... eu não ficava só esperando um aluno a gente começou a fazer trabalhos de escola, a gente começou a fazer várias coisas dentro daquele universo. Então acho que essa foi a motivação na época.
P1- Aí já tem essa coisa do dinamismo,
que você coloca que é uma característica de algo que você procura no trabalho. E depois de tudo que aconteceu, como é que foi se reinventar para trabalhar numa área nova que ainda que você tenha dito que “não tinha muito a ver comigo vendas”, mas tem alguma relação sim... Como é que foi esse processo de uma reinvenção entrar nesse universo corporativo?
R- Eu acho que primeiro foi... você lida um pouquinho com uma questão de medo, de insegurança: “será que vai dar certo, será que eu vou conseguir?”. Acho que começa pelo medo de “será que eu consigo passar no processo seletivo”, pelo fato de você vem com com o currículo não tão fácil de ser aceito; veio da esfera pública, depois empreendedora e aí vai para o mundo corporativo, não é fácil como lidar com isso: como vai ser o olhar de quem vai estar entrevistando e tudo mais. Então tive muito medo. Eu demorei um tempinho para conseguir
falar: “Não eu quero, eu vou conseguir”. Então primeiro foi o venceu medo, mas depois que eu venci, comecei a passar para alguns processos seletivos, foi
muito prazeroso. Eu comecei a me sentir empoderada, acho que aí pela primeira vez eu: “Não, olha, eu consigo fazer diferente.” Eu não tinha base nenhuma, fui parar em algum lugar que eu não sabia por onde começava o serviço e aprendi e dei conta do recado e foi bom. Então acho que isso foi bastante motivador para mim.
P1-
E aí eu queria chegar nesse momento em que você decide dar esse tempo, a princípio seria uma saída desse universo, das venda, desse mercado corporativo, e aí como que foi esse processo, em que você começa a fazer esse trabalho como voluntária na biblioteca do seu bairro, do bairro do Limão, e de repente vem essa oportunidade de fazer esse evento, participar da construção de eventos... como que foi isso?
R- Eu vi também como desafio. Eu estava acostumada a realizar os eventos da igreja. É diferente, mas não deixa de ser estrutura de eventos. Saindo da faculdade de marketing. Eu lembro que meu professor, na época de gestão de Marketing, falou… ele me motivou também; ele falou assim: “Se você quer mudar, não quer continuar no rolo que você tá, está cansada, acho que é uma oportunidade que o universo está te trazendo. Precisa ver se você vai ter coragem de enfrentar.” Eu me enchi de coragem e achei que sabia que ia ser também um desafio; no começo foi bastante difícil, mas assim, o meu pai é muito meu amigo, converso tudo com ele… meus irmãos também são pessoas muito inteligentes, eu sempre falei muito com a minha família.
Sempre procurei pedir orientação, embora na maioria das vezes eles não concordassem com as minhas escolhas (risos) Eu sempre fui na contramão do que talvez ele estivesse idealizado para mim, mas eles acabam motivando: “já que você quer ir, então faz isso, faz aquilo isso…” Acho que me ajudou bastante. Eu lembro que quando eu já estava na prefeitura, logo no começo, acho que três, quatro meses, eu quis desistir; eu já tive vontade de desistir. Porque não é um universo fácil de lidar. O universo político tem muita rivalidade, muita trairagem e eu muito despreparada até para isso; eu não tinha essa malícia política... eu tinha padrinho político também, que era mais difícil ainda. Então eu tive todos os motivos do mundo para ir desistindo e parar por alí. E eu lembro que um dia eu cheguei em casa e meu pai falou: “ Desistir não é o caminho. Se você ficar com medo agora, toda vez que você tiver medo você desistir, você nunca vai chegar a lugar nenhum.” E isso foi muito forte, né? Eu levei isso muito para minha vida e levo até hoje, que desistir nunca o caminho. E eu falei: “Tá bom, vamos lá. Um dia de cada vez, vencendo os desafios, aprendendo…”, eu era mais nova no gabinete, a única negra no gabinete, a única em um padrão social diferenciado dos outros... Mas isso nunca me fez me sentir inferior a ninguém, muito pelo contrário, eu só acho que quando você tem essa realidade, a sociedade exige mais de você. Você tem que ser bom. Ou você é bom, ou você é bom; porque se você não for bom, eles vão te engolir. Então a vida foi me ensinando a vencer esses desafios e mostrar que eu era boa. Eu lembro que a Qués, que foi minha chefe de gabinete, ela virou para mim um dia e falou assim: “Olha menina, você tá que é muito pouco tempo, mas você tem um time político muito forte, você tem muita determinação. Continua nesse caminho que você vai se dar bem.” Eu nunca esqueci disso, porque ela é uma mulher vivida, assistente social, chefe de gabinete, falar porque ela realmente tava enxergando e isso me motivou bastante na época. Então eu sempre fui assim buscando aquilo que me motivava; aquilo que me desmotiva, que até hoje a gente sempre tem alguém, situações que te façam desmotivar; eu procuro olhar e falo “vai ser como aprendizado, não vai me desanimar, me fazer desistir.” A gente gosta... eu gosto de desafio, gosto de ser desafiada. E melhor ainda quando a gente vence desafio né. Às vezes a gente não vence, mas a maioria das vezes a gente batalha para vencer.
P1-
E falando em desafio, como é que foi a construção desse evento, o Carna Cultural que você falou que foi um evento que conseguiu mobilizar dez mil pessoas de diferentes comunidades ali na região... Como é que foi esse trabalho de articular essas comunidades e fazer com que seu evento ele acontecesse?
R-
Esses seis presidentes de blocos de bairro, eles haviam procurado a subprefeitura, então acesso começou via parceria... é essa parceria com esse meu amigo Vladimir, que então trabalhava já na prefeitura. E até foi via indicação dele que eu acabei indo para o cargo e também foi onde me assustou um pouco, porque ele me indicou e trinta dias depois que eu estava no cargo ele foi exonerado, então a única pessoa que eu conhecia saiu. Mas na época a gente fez muito isso junto né, ele ia me ensinando a parte que eu não tinha essa dimensão com relação ao poder público e o carnaval foi muito engraçado com todo meu histórico que eu já contei com a igreja, deve ter gostado que momento algum eu digo que fui a uma escola de samba, que eu tenho assistindo carnaval. Então quando foi para montar, eu falei: “Meu Deus do céu e agora?” porque no carnaval ou eu estou em retiro, ou vou para o sítio dos pais; eu não gostava nem de assistir o carnaval. Então eu falei: “E agora?”. E na época da fita cassete, aquela VHS, comecei a sair igual louca pedindo para quem era do carnaval uma fita cassete, para começar assistir, para eu ter ideia de como montava, o que era concentração e dispersão. Os presidentes falavam e olhava para eles, falando assim: “O que eles estão falando? Meu Deus do céu”” e minha amiga sabia menos que eu nesse sentido. Então no começo eu fui fazer o quê? Eu fui estudar sobre carnaval. Um amigo o Fábio Bonfim de Taipas, ele me ajudou muito, ele pegou algumas revistas carnaval… fiz meio que um laboratório com os presidentes, eu fui visitar as comunidades, conversar um pouquinho com eles e entender um pouquinho e as assim, detalhe: eu tive que fazer isso em trinta dias; fazer o laboratório, entender como funcionava, escrever o projeto, colocar na prefeitura e ir em busca de patrocínio. Tudo foi feito no prazo muito curto, não tinha muito tempo para ficar fazendo as coisas. Mas foi foi bem interessante. Eles riram muito comigo porque as perguntas que eu fazia era sempre algo que para eles era muito comum: falar do pavilhão, o que é um porta pavilhão, que precisa ter... hoje eu sei o respeito que se tem um pavilhão, hoje eu sei fazer a referência um pavilhão, mas na época eu não sabia. (risos) Fui aprendendo e é lindo o universo dos bastidores das escolas de samba é maravilhoso. Eu aprendi a fazer fantasia, queimei toda com cola quente, fazendo lá com as senhoras então. Eu vivi aquilo, foi muito gostoso nessa construção de montar o evento em si, a concentração, a disposição, nós conseguimos ônibus para levar todas as escolas gratuitamente, nós conseguimos lanche conseguimos trio elétrico com deputado da época, e aí começa também o aprender como funcionam as articulações para pedir as coisas para políticos; e alguém me falava: “Olha, vereador tal tem isso, deputado tal tem isso…”, e aí quando eu procurava as pessoas eu falava: “Olha eu não sou de partido nenhum, eu sou só uma estudante de marketing que estou fazendo evento e vim aqui para saber se você pode me ajudar.” “Ah, eu posso colocar o nome do meu deputado, do meu vereador?”. “Pode, pões quem você quiser. No dia lá, pode colocar.” E foi bem interessante, porque todo mundo foi bastante receptivo, foi bastante acolhedor e nós construímos o Carna Cultural em um várias mãos; então os presidentes de um lado, a subprefeitura da Casa Verde do outro, através do Vladimir. tinha o apoio da comissão para Limão, tinha a Rosa nessa época também, que ajudou a organizar... E eu fiquei nessa parte de estrutura mesmo. Nós conseguimos uma coisa interessante que aconteceu... eu não sei como que funciona hoje você pedir equipamento na SPturis, no Anhembi, e eles negaram a estrutura na sexta-feira à noite e entrei desespero porque eu falei “Como assim?”. E eu consegui chegar, eu não sei nem como, mas eu fui parar na sala do presidente da Spturis e disse: “Olha, tá divulgado em jornais de bairro, são seis comunidades, cada agremiação tem mais ou menos 500 pessoas, eu não consigo segurar essas pessoas. Se o senhor não dera estrutura conforme foi combinado, nós vamos perder o controle da situação e eu vou me defender e dizer que a culpa do Senhor. E se eles baixarem aqui, eu também não posso fazer nada, porque vocês poderiam ter negado antes, mas o senhor me negou agora, não tem o que fazer... e sem estrutura de som, não consigo fazer o evento….” e assim, para chegar na sala dele eu fiquei o dia inteiro tentando, tive que burlar um monte de caminho para conseguir chegar lá na sala; foi uma loucura, mas eu cheguei,
eu e o Vladimir... que hoje a gente lembra, ae gente dá risada, o que a gente não faz de desespero para não frustrar comunidade e de tanta insistência na última hora, ele autorizou, Mas eu fico pensando, é algo que não precisava ter passado por isso.
Nós tínhamos cumpridos todos os trâmites que você precisa fazer de ofício, encaminhado... tinha quem fosse pagar a conta, mas aí que você vai entendendo como funciona às vezes algumas articulações políticas, precisava alguém ligar, eu sei que todos os vereadores e deputados que eu tinha conseguido acesso eu liguei para todo,s pedindo ajuda... e assim evento saiu, mas não foi fácil, sabe? Foi uma luta os trintas dias, mas quando está na Avenida e você lembra das senhoras, das crianças… a alegria. Hoje eu tenho uma pasta; eu fiz uma pasta para cada presidente, tudo que saiu no Jornal, eu imprimi, xeroquei e presenteei cada presidente com essa pasta do Carna Cultural e acho que ficou uma lembrança maravilhosa para eles e para mim, né. Porque se eu não tivesse tido coragem, talvez isso não tivesse acontecido. Então mais uma vez, eu tive que vencer meus medos, mesmo sem saber nada do carnaval; eu aprendi rapidinho e foi bom, foi muito bom... até hoje todo mundo lembra, depois teve o segundo ano de Carna Cultural e eu já como funcionária, não mais como organizadora. Aí eu passei a organização para outra pessoa, fizemos a segunda edição e a segunda edição tiveram vinte mil pessoas, foi muito legal. E a na terceira edição, infelizmente quem assumiu acabou tentando ganhar dinheiro com a situação, o que não era o propósito Inicial e acabou tirando o brilho do evento e evento foi só até a 3ª edição. Mas teve um uma fase legal para todo mundo participou, foi muito bom. Hoje quando eu encontro alguns deles, todo mundo lembra.
P1- Eu fiquei pensando aqui sobre a questão que você conhecia tão pouco o Carnaval, até por conta do envolvimento com a igreja e considerando a região onde você tá , que tem escolas, blocos de carnaval, várias comunidades carnavalescas…
R-
Hoje eu conheço todas! (risos)
P1- E Glaucia, até para entrar no tema da ONG, eu queria te perguntar como é que esse processo de movimento de... nessas articulações políticas, esse processo também que é um processo de politização seu, ele influencia a sua decisão de criar uma ONG. E aí queria que você contasse um pouco do histórico da ONG.
R- Tá. Foi assim, quando eu estava para sair da prefeitura... porque como eu tava estava no cargo de indicação partidária, teve eleição, tem essa troca natural de cargos e na verdade eu nem sei muito bem que aconteceu, que todos os cargos foram trocados, menos o meu. Eu ainda permaneci mais seis meses em uma outra gestão, só que nessa outra gestão, os seis meses que eu fiquei, o subprefeito tinha outra postura de trabalhar.. .foi bastante frustrante na época; e eu via a necessidade da população e chegavam as pessoas ali no gabinete da prefeitura pedindo de tudo, né. Eu lembro uma vez que até corpo o pessoal foi lá pedir para gente ajudar a achar. Então assim, gabinete da subprefeitura aparece de tudo que você pode imaginar, as pessoas procuram lá; e que não é o lugar, mas é o que a pessoa tem como referência e ela vai lá. E aquilo mexeu bastante comigo; eu fiz algumas ações na prefeitura que não era minha função. mas eu acabava ajudando é realizar, por exemplo, eventos de festa das crianças... minha função de repente era emprestar o palco, mas eu acabava me envolvendo ia atrás do pãozinho, atrás do recheio, do brinquedo e quando via, já estava lá junto... enfim, e eu me envolvi muito com a comunidade nesse período. E quando saí da prefeitura, eu falei “nossa”; eu tinha já tinha criado uma rede de articulação de pessoas do bairro, começava a atuar com a comissão pró Limão, mas eu queria fazer várias coisas e não podia, porque falavam:0 “Você tem o CNPJ? Para fazer tal coisa precisa de um CNPJ.” Então eu reuni ali com alguns amigos e falei: “Olha, tá na hora de nós criarmos um CNPJ.” Na verdade um amigo meu teve essa iniciativa. O Tiago começou a me incentivar e falou: “Glaucia, vamos abrir uma ONG e você vai ser a presidente.” E eu falei: “ Oi? Eu presidente de ONG?” Não havia passado isso pela minha cabeça, não foi uma coisa que eu sonhei, que eu planejei. Aliás na minha vida as coisas vão acontecendo assim: quando eu vejo mudou e eu embarco. E aí eu falei: “Tá bom, vamos criar uma ONG”. E aí comecei a chamar alguns amigos, parceiros... criamos a instituição e na época, nós queríamos trabalhar com coleta de lixo, fortalecer os catadores.
Estavam muito em alta esses projetos e eu já tinha contato com algumas cooperativas, com alguns captadores e nós queremos trabalhar com essa área. Participamos de alguns editais, mas não conseguimos sermos contemplados, porque tinha muito pouco tempo de fundação da ONG, tem coisa que você precisa ter dois anos... é bem burocrático essas coisas. Então falei: “Ja que não deu certo com editais, vamos começar a usar a ONG para fazer ações sociais”. E desde o primeiro ano da ONG eu fiz a parceria com o SEBRAE e através do Sebrae, nós trouxemos alguns cursos para o bairro. Então não…. tem uma sede da sociedade Vila Diva, que nós usamos lá. Nós começamos fazer alguns cursos de capacitação para população em parceria com o Sebrae. Na sequência, eu comecei a frequentar a rede solidária LBV, ter formação, ter capacitação… E também no final do ano, eles tinham um projeto de ajudar com cestas básicas e eu achei isso interessante. Uma coisa interessante que esqueci de falar: um pouco antes de fundar a ONG, em 2007, eu ainda estava na prefeitura, nós fizemos uma ação de Natal, lá no bairro de Taipas, no Parque Taipas. Lá eles fazem uma ação de natal linda, todos os anos, desde os conheço. Acho que fazem mais de trinta anos que eles fazem isso; e eles atendem mais ou menos mil crianças. Eu participei e achei assim, um máximo. Ajudei... fiquei lá ajudando a cortar pão, a servir... faz de tudo um pouco, porque eles fazem... imagina um buffet na rua; então tinha muita comida, muitos brinquedos infláveis e várias atrações. E com alguns poucos brinquedos que sobraram, nós resolvemos entregar em uma comunidade. Quem fez a festa na época era o presidente da Unidos de Taipas, que era Fábio Bonfim e nós resolvemos de ajudar o Edson Clio, que era do Jardim Vista Alegre. E nós somos lá à noite, acho que era umas oito e meia, nove horas, escuro... numa praça escura e eu falei: “Como é que as crianças vão saber que a gente vai entregar aqui?” e ele falou: “Fica tranquila que em dois minutos tem”. “Tá bom”.
Aí a gente com a caixa de brinquedo começamos a entregar e realmente, começou a brotar criança e tal… Entregamos; aí tava saindo com a caixa, com os brinquedos quebrados e uma criança falou: “Ô tia, me dá esse carrinho aí” Aí eu: “Filho, mas o carrinho não tem roda, por isso que eu tinha não deu”. Ele falou: “Tia, não tenho carrinho nem sem roda. Me dá sem roda mesmo”. Nossa, na hora que ele falou isso, dei um passinho para trás, eu falei: “Tá bom.”, peguei o carrinho, dei para dele e a outra menina gritou: “Tia” E aquela boneca?” Eu falei: “É porque ela tá sem braço, a gente não achou o braço”. Ela falou “Não, eu faço o braço de pano”. Nossa, na hora que ela falou isso... eu engoli assim, seco, peguei a boneca, dei para ela e aí comecei a pegar os quebradinhos e dá para as crianças e aí entendi o quanto aquelas crianças estavam numa situação vulnerável. Porque elas queriam carrinhos em roda, boneca sem braço, elas queriam qualquer coisa. Um deles falou: “Tia, eu brinco de bola com papel que eu amasso. Então não tem problema. Qualquer coisa para gente tá bom.”. E eu saí de lá muito assim, impactada. Eu falei “nossa”, eu não tinha tido esse contato e eu falei: “Não o ano que vem eu quero fazer... ajudar a fazer essa ação de Natal aqui mas, a gente não vai trazer o que sobrar de Taipas. Vamos numa festa das crianças aqui?” E nós fizemos, foi maravilhosa, conseguimos um monte de apoiador de patrocínio e Jardim Vista Alegre teve uma festa no mesmo nível que Taipas teve, foi maravilhoso. Aí eu fiz isso por 2 anos e quando nós fundamos o Ibrasac, nós criamos o Natal solidário. O que eu fiz? Eu envolvi a igreja com esse pessoal da ONG e começamos a fazer o Natal solidário. E aí eu passo a fazer esse Natal não mais sozinha, mas foi um grupo de amigos, um monte de gente. E aí passou a ser uma grande festa, porque a gente ficava levando personagens... eu não lembro exatamente em que ano, mas em algum ano alguém me convenceu a ir de fada (risos). eE morri de vergonha eu fui, mas eu não tenho mais idade para se vestir de fada, pelo amor de Deus. E aí a primeira vez que eu fui de fada e vi o brilho das crianças, tipo: “a fada bela tá aqui” A Fada do Dente”” As crianças entram no personagem. Ai falei: “Tô nem aí para idade, deixa as crianças olharam para mim, ver a fada” e já fazem alguns anos que eu vou de fada, levo mamãe Noel, Papai Noel... e é bem legal, sabe? E isso fortaleceu bastante as ações sociais da ONG,
por conta dessa ação de doação eu comecei a fazer arrecadação de roupas, de sapatos, de alimentos, o que era só para o final do ano, eu acabo fazendo isso inteiro. Hoje eu não sei mais em quantos lugares eu já fiz esses tipos de doações. Eu lembro que o ano passado, quando teve aquela enchente no ABC, que eu consegui mandar um caminhão de arrecadação que nós fizemos, a primeira-dama mandou um carro vir buscar... Sempre quando tem algum tipo de incêndio, acidente, enchente... por isso que eu falo o que que hoje eu vejo minha vida como um trabalho missionário, a ONG também, através da ONG eu consigo ajudar muita gente, através dessas ações de assistencialismo; que não era o meu foco, eu sempre quis fazer algo mais empreendedor, fazer algumas coisas mais consistentes. Nós temos um grupo de crianças que têm um futebol, que é o projeto hoje mais fixo que a gente tem durante o ano todo, então nós atendemos essas crianças durante o ano; mas a minha intenção é fazer mais coisas para elas. A princípio elas tem só futebol, café da manhã, no final do ano eu consigo dar chuteira... mas a ideia é
profissionalizar isso, fazer um pouco mais. Então o Ibrasac, hoje, com dez anos de história... a primeira vez que eu joguei Ibrasac no Google, e vi quantas páginas tinha do Ibrasac, eu falei “Uau! Fui eu que fiz”. E a gente nunca pagou ninguém para fazer assessoria de imprensa. Eu nem sei como que a gente foi parar com tantos matérias assim no Google. Nós somos parceiros da SOS Mata Atlântica, fazemos monitoramento de um dos córregos que tem no bairro, somos muitos parceiros da Sabesp em algumas ações de educação ambiental, somos parceiros da ONG BMJV, que é o projeto de ensinar massagem cardíaca para as pessoas; em todos os eventos a gente costuma levar essa proposta porque mais de 300 mil pessoas morrem, porque ela passa mal ao lado de alguém que não sabe fazer massagem cardíaca. Então quanto mais pessoas a gente conseguir ensinar,pode salvar vidas. Eu salvei uma vida. Eu fiz o treinamento salvei minha prima e aí comecei a colocar isso como um projeto da ONG. A gente procura ensinar pessoas e fazer treinamento em escolas, eventos, ONGs... então a gente faz de tudo um pouquinho né. Desenvolvendo o trabalho e hoje, graças a Deus, não mais no Limão, não mais só na Zona Norte, a gente tem atuações aí na cidade de São Paulo: Zona Norte, sul, leste... aonde precisa de ajuda e se a gente tiver braço, a gente acaba se mobilizando os conhecidos...Eu costumo dizer assim, o ibrasac não tem verba financeira ainda, não tem nenhuma ajuda do governo, do poder público, mas o que a gente tem de capital humano, os nossos contatos, as nossas relações são imensas. E isso faz com que a gente consiga, muita coisa muitas cadeiras de rodas, cadeiras de banho, roleta, “n” coisas: remédios… A gente recebe pedidos de doação de tudo; e às vezes a gente consegue, às vezes não. Eu sempre... eu nunca prometo nada para ninguém, Eu sempre falo: “Vou ver, se conseguir eu te falo.” e graças a Deus muitas das vezes a gente consegue e ajuda muita gente.
P1- Sim. Eu Estava pensando aqui que é muita coisa que é feito pela ONG. Primeiro que Ibrasac a sigla, o nome, qual o significado dessa sigla?
R- Instituto Brasileiro de Alianças Socioambiental Cultural. Nós pensamos na época porque esse nome? Brasileiro para não ter limitação, apra poder fazer em qualquer lugar do país; Alianças porque a gente sempre trabalhou com essa coisa de rede, de fazer aliança, de juntar; sempre teve se olhar e as pessoas que estão com a gente também; e pensando no olhar, seja ele social, cultural, porque a gente também sempre fez alguns eventos, como... ambiental, a gente sempre teve essa esse olhar de defender o meio ambiente, de discutir os objetivos do milênio, nós sempre participamos de ações junto com Fórum da Agenda 21 na época. Nós fizemos também uma parceria com o canal Futura, onde nós tivemos uma maleta infância maravilhosa, onde falava sobre o abuso infantil e uma outra pasta também sobre meio ambiente. A gente sempre foitrabalhando nesta linha, então a escolha do nome foi pensando nessa coisa bem em mista: a sociedade, cultura que a gente acha que muda
o mundo e cuidar do meio ambiente.
P1 - E pensando nas amplitude que a ONG foi ganhando ao longo desses dez anos e que você ressaltou, que não tem apoio do poder público. Qual que... todas essas ações realizadas pela ONG, essas campanhas, elas são viabilizadas. Como é a sustentabilidade da ONG?
R- Muitas das ações foram feitas, elas foram mantidas pelas próprias pessoas na diretoria, muitas as coisas quando eu tive condições eu bancava, eu falava: “Precisa tal coisa?”, ia lá e acaba bancando... e muitos parceiros amigos. “Então olha, eu estou precisando de tal coisa.” e ia lá para algum amigo empresário e… Nós temos uma rede virtual hoje, em que nós temos acho que mais ou menos umas cem pessoas na rede; essa rede tem empresários, ela tem outras ONGs e tem pessoas da sociedade civil que não são ligadas a ONG nenhuma, mas tem um olhar social. É um grupo bem eclético, tem pessoas ligadas... Eu costumo dizer o seguinte: “Eu professo a fé católica, mas a minha vida é totalmente eucuménica”, então as minhas ações sociais ela acontece com mães de santo, com pai de santo, com pessoas espíritas... ela acontece com pessoas da igreja evangélica, com pastores, com pastoras... então a fé que o professo não interfere nas minhas ações. Até uma das coisas que... eu acho que eu falei isso até para o padre uma vez, que o Ibrasac foi uma forma que eu achei também de fazer algo além da igreja, porque a igreja acaba às vezes sendo um pouco limitado, você acaba ficando dentro de um ciclo bastante religioso e eu sempre quis e além; eu acho que é fazer o bem, sem olhar a quem. Não importa cor, raça, religião, sexualidade, a gente lidar com pessoas. Acho que a ONG permite isso, ela não tem essa distinção de pessoas. Eu acho que isso é muito positivo. E que pena que infelizmente hoje ainda a sociedade não entende isso: que se você quer fazer o bem, você não tem que olhar para quem; não importa nada: nem cor, raça, idade, nem religião.
P1 - E em que momento da história do Ibrasac, a ONG chegou a ter essa maturidade, essa situação de maior autonomia, que não ficava tão dependente, por exemplo, dos seus esforços, do seu empenho financeiro e também dessas pessoas, desse círculo mais próximo que ajudaram a construir a ONG?
(1:51:44)
R- R- Eu acho que quando eu parei de também ter esse olhar mais romântico, de querer eu dar conta das coisas sozinha, as pessoas também começam a entender que precisa todo mundo se mexer, ir atrás e algumas pessoas que chegaram na ONG, chegaram com essa proposta de
“Não, a gente precisa correr atrás”. MAs hoje ainda, eu tenho um olhar de
que precisa de ter mais pessoas, com a metade da disposição que eu tive, de buscar parceiros, de buscar recursos Porque quando é a fundadora, quando você cria um projeto, ela tem muito sua cara, sua identidade e às vezes essas pessoas que vêm participar, elas n ao tem a mesma disposição e demora um tempo para você perceber isso. Não adianta ficar incentivando, falando “Fulano, eu preciso, vai lá. Fala com alguém do seu bairro, da região. Tenta conseguir doação disso, doação daquilo”. A pessoa não consegue, a pessoa não consegue ganhar um pãozinho. E ela nao vai conseguir porque ela não tem o perfil, ela não tem esse estilo, ela nao tem essa pegada… e tudo bem por isso também. Porque, de repente, ela nao vai conseguir ajudar dessa forma, mas ela é a pessoa que vai ajudar com a parte intelectual, é a pessoa que vai ajudar com a parte braçal… tem muito isso. Então você vai aprendendo a lidar, a enxergar quem você pode contar no que, e ir mudando as peças e ir administrando. É um aprendizado para todo mundo, porque quando você funda uma instituição, é uma empresa do terceiro setor e você demora um tempo para perceber isso, porque você cria pela emoção. E chega um determinado momento em que a razão precisa falar, aí quando a razão começa a falar, você começa a estruturar as ações. Tanto que hoje, qual que é a proposta? Eu sempre nunca tive apego à presidência, sempre falo “Gente, ta ai…”,eu tô sempre querendo passar a bola para alguém. A Instituição não é de alguém, ela foi criada por alguém, mas ela é de todo mundo. Então eu penso que alguém assuma, continue o que eu fiz até agora, precisamos... estamos caminhando agora para uma fase de pensar em convênio sim,uma coisa mais profissional, eu acho que é legal; hoje tem a minha prima mais envolvida com isso, eu tenho amigos... minha prima assistente social... eu tenho…. eu não tenho dimensão de quantas sociais a gente tem na rede Ibrasac, mas são várias. Então falo: “Tá na hora de vocês assumirem.” Eu já meio que já mostrei o caminho das pedras, a gente tem o nome, graças a Deus, respeitado... Hoje é muito gostoso quando algumas pessoas falam “Nossa, eu ouvi falar de Ibrasac, Você que é a Glaucia do Ibrasac? Nossa, que legal,... ouvi falar”. Isso, assim, não tem dinheiro no mundo que pague isso;que o reconhecimento. Eu acho que tá aqui hoje... eu só estou aqui hoje, fazendo essa entrevista, por conta do trabalho que eu fiz com Ibrasac, então é muito gratificante… já é maravilhoso. Deixei alguma marquinha aí para alguém lembrar de alguma coisa boa que eu fiz. Valeu a pena. Isso é bom.
P1- E Glaucia, na sua visão como uma empreendedora social, qual que é inovação que o ibrasac traz?
R- Olha, eu acho que uma das coisas que nós fizemos muito e na época não era tão comum, foi essa questão de trabalhar em rede. Nós sempre,desde o início, trabalhamos em rede, sempre tentando fazer o que? Unir o poder público, a sociedade civil e as instituições. Todas as ações que nós fizemos, a gente sempre envolveu todos os setores; porque o que que a gente sempre perceber? Porque que as ações não dão certo? Porque se você falar só com a sociedade civil e não tenho apoio do poder público, ela acaba sendo perdida. Se o poder público faz, sem conversar com a sociedade civil, a sociedade civil ainda boiota. Então acaba tendo uma guerra de interesses e ninguém chega a lugar nenhum. Então quando você vem fortalecendo essa proposta e eu acho que vou das coisas maravilhosas que aconteceu com o Ibrasac desde a fundação, foi a rede social zona norte, que na época começou com Senac, depois que ela migrou para parceria com o Sebrae, muitas instituições acabaram não continuando, não mantendo as suas ações, porque talvez tentaram ficando sobreviver sozinhas e eu acho que é muito mais difícil. E nós fizemos um curso de gestão, que até foi patrocinado pelo Instituto Center Norte, dentro do SEBRAE, e esse curso de gestão vem muito... te trazer esse olhar, de você profissionalizar a sua instituição; entender que um CNPJ de uma ONG é uma empresa. Ela não tem lucros, mas ela precisa ter uma movimentação financeira para você pagar as despesas. Não dá para fazer tal ação, faço vaquinha e vou lá... Não dá para ficar só nisso. Se você quer ir além, você pode organizar melhor... O Ibrasac, eu vejo hoje a gente nessa fase. Nós não estamos ainda onde eu acho que poderíamos estar, por conta de não ter talvez pessoas com todo esse entendimento. Hoje eu acredito que já tem, então a gente tá caminhando para uma instituição mais formal, melhor organizada e fruto de capacitações feitas dentro do Sebrae. Acho que toda instituição precisa passar por essa qualificação. Eu vejo muitas instituições que morrem porque a pessoa... presidente, ela quer fazer tudo sozinha... ela às vezes assume dívidas e não consegue pagar, aí tem sua água, luz cortadas. Já vi isso com muitas pessoas, principalmente na rede solidária LBV, que nós temos alguns presidentes da associação que tem muito esse perfil, e por isso a LBV tem insistindo muito em qualificação; tem levado profissionais assim como o SEBRAE para profissionalizar. Então hoje, o Ibrasac, eu acho que a gente tem de diferencial é esse amadurecimento de entender como nós nascemos, porque nós nascemos; construímos uma história de maneira mais amadora, mais romântica e hoje nós caminhamos para um processo mais profissional. E isso eu estando na presidência ou não. De repente eu seguindo outros caminhos, quem continuar tem um histórico para continuar essas parcerias, fortalecer as ações... por exemplo, algumas ações que nós fizemos em bairros, de educação ambiental,
você muda o cenário da região. É muito bom o resultado, mas a gente precisa fazer isso de forma mais consistente, mais organizada, acho que mais... não precisa ser... não adianta ser uma vez em uma ação, eu acho que deveria ser regra. Se nós fizemos assim, eu acho que o resultado vai ser melhor para todo mundo, para sociedade. Até porque as instituições elas acabam tendo um olhar que o poder público não tem. Hoje eu consigo ter essa visão porque eu estive dos dois lado; eu tive uma base do social pela igreja completamente diferente, só do assistencialismo. Aí eu vou poder público e começo a enxergar um outro olhar. Aí vou para o inverso das ONGs... você começa a fazer um paralelo de tudo isso, nossa... tem muita coisa aí vai ser esclarecidas, a ser entendida para que a gente possa melhorar os resultados.
P1-
Você falou dessa relação de parceria estabelecida com Sebrae. Eu queria que você contasse como é que foi a experiência de participar, se envolver com programa Mil Mulheres e o que muda… o que essa experiência muda na sua visão de empreendedora social?
R- Eu eu acredito muito que tudo na vida hoje, muda.Tudo muda muito rápido. As coisas estão avançando de uma forma muito rápida e a qualificação do Mil Mulheres veio muito com esse olhar, de pegar esse pessoal que tá meio que parado no tempo e falar: “Vem cá, eu vou te mostrar que você precisa se planejar”. Então você vende chocolate, que é o meu caso. Também faço trufas, pão de mel... quando tenho tempo, porque agora eu não tenho mais. Mas é uma das ações que eu também faço e faço porque gosto muito; além de ajudar financeiramente, eu gosto da terapia. Então de repente, se você quer fazer isso profissionalmente, você precisa mudar de postura, você precisa ter um planejamento mínimo e a qualificação do Mil Mulheres veio muito com esse olhar, de pegar a senhoras... Tinham pessoas simples na turma que eu tava, que saíram maravilhados com esse entendimento de planejar, de ver cursos, de pôr no papel... de repente nunca parou para ver quanto custava o que tá fazendo. Coloca o preço meio que a olho e aí acha que tá ganhando dinheiro e tá perdendo. Então quando você tem uma preparação, como o Mil Mulheres fez, de você se enxergar como empreendedora, de reconhecer o que você tem de bom, que você tá fazendo, mas profissionalizar isso e organizar; é muito bom, acho que para todo mundo, né. Você… a gente cresce como profissional, o SEBRAE, o Instituto que fez essa esse investimento, vem essa parceria... e acredito que impacta na qualidade de vida da sociedade. Mil Mulheres é um programa que começou pequenininho, eu acompanhei a Joice logo no início, não tinha dimensão de como irá crescer e, nossa, tanto a Joyce como a Débora, as meninas do SEBRAE, elas são assim maravilhosas. Porque elas vestiram a camisa de uma tal forma e quando elas perceberam que o Mil Mulheres podia ir muito além, elas começaram a investir e isso foi crescendo, crescendo, crescendo e crescendo... que acho que a gente deve ser as Dez Mil Mulheres... sendo impactadas pelo resultado do curso. Porque você não impacta só uma mulher só, você Impacto aquela pessoa, impacta as ações dela e as pessoas com quem ela vai estar. É um trabalho de nuvem em rede. Quantas pessoas foram impactadas pelo programa Mil Mulheres? Inúmeras. Então eu acho que tem que acontecer no Brasil inteiro, muitas mulheres precisam desse empurrão, dessa motivação, dessa orientação, dizer assim... para colocar para fora isso que às vezes ela tem já estabelecido, no sentido de “olha,
eu faço isso, mas eu não sabia que eu poderia fazer melhor, poderia organizar melhor, poderia ter um resultado diferente…” e mulheres eu acho que ele fez isso. Ele fortaleceu mulheres empreendedoras, mulheres guerreiras, mulheres acostumadas a passar por inúmeros desafios. Assim como eu passei alguns, em alguns depoimentos que a gente pôde participar; são histórias distintas da forma como acontece, mas todas vêm de luta.Muita luta, muita garra. Então é maravilhoso ter feito parte do meu mulheres. Sou muito grata à Joice, à Débora, toda equipe do Sebrae, Instituto Center Norte, à rede social zona norte... porque se a rede social não existisse, não existiria essa parceria também. É maravilhoso.
(2:04)j
P1- Queria te perguntar, para você que é alguém que viveu, vive na zona norte, como é ser uma empreendedora e fazer esse trabalho de articulação social na zona norte, na região?
R- Eu costumo dizer que a zona norte ainda está em fase de aprendizagem. A zona leste fez isso de uma maneira mais organizada, Quando você vê o cenário das instituições da zona leste comparadas na Zona Norte, a zona leste está alguns passos à nossa frente. Até quando você vai ver a destinação de verba social, a maior parte vai para zona leste que está muito bem organizada. Eu acho que a zona norte, hoje, está em fase de expansão, ela está em fase, eu acho que até por conta do trabalho, mapeamento que vem sendo feito com a rede social zona norte... estamos conectando pessoas ainda, tem muita gente desconecta, muita gente trabalhando sozinha, lutando sozinha... Precisa ainda ter uma organização melhor, uma comunicação melhor. Tem muitos projetos que eu conheço, como sempre foi em muitas comunidades e que ela tá lá sozinha no cantinho, de repente ali na Brasilândia, em Taipas, em vários lugares, e ela acaba as vezes se perdendo; projetos acabam morrendo por estarem lutando sozinhos. Então eu acho que a zona norte, hoje, precisa continuar fortalecendo esse trabalho em rede, ajudar o Sebrae a alcançar mais instituições junto com o Instituto Center Norte, porque se isso acontecer, nós vamos ter um desenvolvimento local absurdo. Eu vejo muito ainda a qualificação de instituições pelo Sebrae gerando também profissionais mais capacitados para as empresas que nós temos na zona norte. Porque às vezes as empresas pegam pessoas que atravessam a cidade para chegar no trabalho e isso acaba impactando no resultado e não precisa. A gente pode ter pessoas preparadas, qualificadas na zona norte. Nós temos, mas às vezes ainda não tá... está desconexo isso. Então eu acho que a zona norte é uma região em fase de ajuste, de crescimento e promissora para termos um avanço de desenvolvimento local muito grande. Nós estamos no caminho.
P1-
E o que significa para você atuar...enfim, feito uma trajetória nesta região? Você falou um pouco dessa sua percepção, uma visão, talvez um pouco mais ampla das dificuldades do que ainda precisa na zona norte,
mas no plano mais pessoal. O que representa para você?
R - Hoje, eu me vejo no papel de articuladora local que tem contribuído bastante nesse processo de desenvolvimento com essas ações, trazendo... levando ações de um lugar para o outro, levando informação... às vezes fazendo palestras, conectando pessoas e instituições, empresas. Eu me vejo nesse papel de contribuinte para esse processo que eu acho que precisa acontecer. Eu tenho contribuído com isso, ainda de maneira modesta; acho que pode ser de forma maior, mas eu acredito que eu colaboro bastante e é algo que me deixa muito contente, algo gostoso. É bom fazer parte dessa história. Acho que daqui, sei lá, nos próximos dez anos, vinte anos, vou olhar para trás e falar: “Nossa, que legal”. Tem por exemplo uma ação que nós fazemos de cultura que é Estantes da Zona Norte. Que bom que é você ficar no metrô doando livros. Parece algo tão simples, mas nossa, você muda o dia de alguém, você muda histórias. Já tivemos depoimento de pessoas que vão ali e pegam o livro do outro, alguém passa para outro, começa a incentivar crianças. Essas são ações simples que não requer recursos financeiros, requer só vontade, essa articulação toda. Então acho que a gente precisa fortalecer mais ações e ir se ajudando, porque o resultado positivo é certo. Só continuar.
P1- E para você, qual foi o momento mais marcante próximo da sua trajetória como empreendedora?
R - Mais marcante... Eu acho que dentro do empreendedorismo social, eu acho que eu venci alguns desafios, porque eu tive todos os motivos do mundo, por conta das outras áreas na minha vida, para ter desistido; porque não é algo muito fácil você incentivar ações sociais, sem você ter muita estrutura. Infelizmente, como todas as áreas da vida, você tem quem te desmotive, você tem quem tente te sacanear com alguma situação... então vários são os desafios que a gente passa e eu enfrentei inúmeros, desde diretoria, desde projetos frustrados, construções que foram feitas e de repente desfeitas por maldade de outras pessoas, enfim... tudo isso foram motivos para eu ter desistido e eu não desisti. Resolvi continuar e hoje eu acho que o Ibrasac dá um passo da melhor fase que a gente vai começar a viver agora, que eu acho que é o resultado de tudo isso. São processos, são fases, Eu acho que agora a gente começa a viver um novo… um resultado, sabe? Tudo que foi investido, de qualificação, de experiências, de ações sociais, de assistencialismo... hoje, tudo isso deu um corpo para uma história da instituição e faz a gente se sentir não mais beber, mas uma instituição mais adulta, mais séria, dando um passo um pouco maior; e é o momento a gente tá vivendo agora. Isso é muito gratificante. Acho que eu tô com um grupo de pessoas do meu lado muito bom, pessoas muito animadas; quando eu olho para a rede funcionando e não... a rede acho que é importante eu dizer, não disse isso, a rede não acontece só no sentido de ONGs, pessoas fazem negócios através dela. A rede Ibrasac acontece de tudo um pouco.E Então pessoas vendem coisas, pessoas compram, pessoas doam, pessoas ajudam a outras emocionalmente e é muito bom eu ver o resultado disso tudo, que só acontece por uma iniciativa minha. Se eu não tivesse tido essa iniciativa, eu não teria tido esses resultados. E isso me motiva até para as ações que eu tenho hoje, para os espaços políticos que eu tô dando. Hoje eu sei aonde eu posso chegar.
Eu venci muitos desafios e quero vencer outros, assim como estou sendo uma gestora social empreendedora, essa essa ação social me deu hoje um fortalecimento para dar passos maiores dentro do universo político. Eu não teria algumas iniciativas que eu tenho hoje se eu não tivesse tido vivência que eu tive com o Ibrasac, com esse universo, no corpo a corpo com as crianças,com os idosos... com as pessoas que eu vivi no dia a dia e pude aprender muito. Isso fez, com certeza, eu ser uma pessoa diferente. Naquela demissão que eu contei, se eu não tivesse... se eu tivesse voltado para empresa, eu talvez até estivesse trabalhando lá, estivesse vivendo as mesmas coisas... teria uma vida muito diferente da que eu vivo hoje. E hoje eu sou muito feliz pela opção que eu fiz; eu acho que eu fiz a coisa certa. escolha o lado certo e isso me motiva a ir muito mais além. Estou nesse processo.
P1 - Eu vou aproveitar um pouco a deixa dessa sua falta sobre esse processo e eu queria que você, se possível, fizesse esse balanço, considerando todas as dificuldades que você passou e compartilhou aqui conosco, o que representa hoje estar nesse lugar de empreendedora social, ter
essa capacidade de se ver ali também, quanto uma articuladora política, estar nesse lugar de uma articuladora comunitária,enfim... ver que você... a sua atuação, ela também interfere na vida de tantas outras pessoas.
R -
Eu acho que é muito... hoje, eu olhando, é muito gratificante você perceber… eu, uma pessoa comum, uma pessoa que sonhadora, sempre quis ajudar as pessoas, mas de uma maneira acho muito mais tímida, não imaginava... hoje eu não tenho dimensão de quantas ações eu já fiz, de quanto os lugares por onde eu passei, quantas palestras talvez a gente tenha ministrado e tenha motivado mulheres a se
empoderar, acreditarem nelas mesmas... hoje é maravilhoso. Eu me sinto muito fortalecida, espiritualmente falando como pessoa e politicamente também, porque hoje o que eu percebo nas pessoas [e que falta muito consciência política, ninguém quer falar de política. É todo mundo: “Não gosto, não quero falar”, mas acho que as pessoas não sabem o que estão falando. (risos) Tudo depende da política: transporte, educação, a saúde... Se não fosse a deficiência política que existe no país, não precisava existiriam as ONGs. As ONGs existem para suprir as necessidades que muitas vezes o poder público fecha os olhos; de uma forma até muitas vezes covarde e muitas pessoas não sabem lutar, não sabem os seus direitos, não sabem como fazer essa luta mediante a um poder público, mediante a uma secretaria… É um universo tão grande e tão desconhecido para muita gente, então que bom que hoje eu sei esses caminhos, quero ensinar o maior número de pessoas que eu puder ensinar; eu acho que quanto mais você ensina, se aprende mais. Porque eu não sei tudo também, ainda estou aprendendo e tem muita coisa para aprender. Mas aquilo que eu aprendi até aqui já pode ajudar muita gente. Já pensou se eu tiver um monte de gente com a mesma experiência que eu já tive, fazendo as mesmas coisas? Quantas pessoas a gente vai poder ajudar? Então isso me faz ficar motivada a continuar, a não parar, a dormir mais tarde e acordar mais cedo, a muitas vezes sacrificar meu final de semana... Muitas vezes minha família vai para o sítio, vai descansar e eu tenho envolvida em alguma ação social e o pessoal fala: “Nossa, você tem problema. (risos) “Você prefere se envolver em alguma ação do que descansar?” Então, eu vou descansar na vida eterna. Hoje eu estou viva, eu quero viver, quero fazer as coisas, quero continuar fazendo... Enquanto eu tiver vida, eu vou continuar nesse ritmo que eu não consigo parar. Nem as limitações de saúde que eu já tive conseguiram fazer eu diminuir o ritmo, então só quero continuar nesse gás, ajudando pessoas, aprendendo, crescendo…. e até onde Deus nos levar.
P1- E Glaucia, minha internet talvez esteja um pouco instável, mas se você estiver ouvindo, está ótimo.
R- Estou te ouvindo.
P1 - A gente já está chegando em uma parte final da entrevista e eu queria te perguntar, pensando no que falou a pouco, de que o Ibrasac chegou nesse momento de maturidade, vislumbrando novos passos e no meio disso tem uma pandemia, como estamos vivendo nesse momento. De que maneira esse contexto de pandemia afetou mais especificamente o Ibrasac?
R- Afetou nesse sentido de não conseguir avançar nesse processo de fazer convênios, de fazer algumas articulações no sentido de parcerias… Por outro lado, vemos aí a necessidade de ações que a gente costuma fazer mais no Natal, estamos fazendo o ano inteiro. Essa coisa de buscar cesta básica, roupas, sapatos, tudo. E uma coisa que foi diferente, nós tivemos um olhar de atender pessoas que não são aquelas pessoas de comunidade. A gente se deparou com muita gente que é a manicure e o profissional de estética... essas pessoas que tem uma profissão, ela não mora na comunidade, mas ela ficou sem salário. E por ela não ter esse hábito, ela não sabe nem como pedir ajuda e às vezes essas pessoas ficam numa situação bem delicada, e por ter bastante conhecimento a gente acabou identificando dessas pessoas e a gente procurou ajudá-las. Estamos ajudando ainda na medida do possível, porque como tem muita gente pedindo arrecadação de tudo, então tá muito mais difícil ajudar. Mas nós conseguimos ajudar, e graças a Deus, bastante gente; tanto com alimento, cobertor, em parceria com alguns órgãos públicos, em parceria com outras ONGs, em parceria também com empresários da região. A gente tirou o foco que era na profissionalização da instituição e está focado simplesmente na ação hoje de ajudar as pessoas mesmo; atender a necessidade, entendendo que a pandemia vai acabar, isso tudo vai passar e quando passar, a gente continua de onde a gente estava. Sem perder o foco, sem desistir dos objetivos que a gente já tinha traçado. Nesse período estão surgindo novos parceiros e é interessantes, a gente não está
procurando parceiros, no sentido de “reformar a quadra onde os meninos jogam bola”, mas o universo ele é maravilhoso, acredito muito nisso. Você doa, o universo trás de volta naturalmente. É muito legal. Estamos fortalecendo o projeto de futebol com alguns novos parceiros; voltar só no ano que vem. Não tem como voltar esse ano de forma alguma, até porque o professor teve... o Marcos teve tuberculose e teve também Covid, então ficou numa situação bem debilitada. Não tem como. A gente vai esperar passar tudo isso e retomar, mas quando retornar, eu acho que retoma mais forte, com algumas coisas que nós não tínhamos, que nós vamos passar a ter e continuar nesse processo de organização da instituição. É isso.
P1 -
E Glaucia, qual é o impacto que tem tido não sua vida? A pandemia?
R - Eu vivi a pandemia em algumas fases. No começo eu fiquei doente e acho que deu... quando pediu para parar tudo, se eu não me engano foi dia 23, 22, alguma coisa assim, que eu lembro que foi na semana do aniversário da minha sobrinha. E eu já estava tomando cuidado, porque eu tenho um problema chamado de neutropenia crônica, que é baixa imunidade e artrite reumatoide, então quando eu ouvi falar, começaram os burburinhos, eu falei: “Deixa eu começar a tomar algumas coisas naturais, que eu tomo para aumentar a imunidade e vou começar a me resguardar”. Comecei a cancelar algumas reuniões e não sai muito, mas eu não sei se foi na missa, ou se foi na feira que eu fui e saí até para ir fazer minha filiação em um partido e quando eu voltei, eu já voltei passando muito mal, com febre, cansaço estranho... E no dia seguinte, acordei com muita dor no corpo, mas falei: “Eu acho que não é nada”. Tomei alguns remédios sozinha, mas aí no segundo dia já estava muito mal e aí fui ao médico. O médico falou assim: “Com o grau que você tem de imunidade, eu vou te fazer um conselho: nem sai para tentar fazer o teste, porque provavelmente você deve estar. Fica na sua casa trancada no isolamentos os 14 dias. Toma cuidado…”, porque eu não moro com meus pais e pensei: “Meus Deus, o que eu vou fazer?” E graças a Deus, como meu irmão está em casa, eu fiquei os 14 dias trancada no quarto. Só sai só o necessário, cheia de cuidado.. então assim que começou a pandemia,eu fui, literalmente trancada. Ee uma amiga me disse uma coisa tão forte. Ela falou: “Olha Glaucia, eu não sei se você teve”… a médica disse que não sabia se era Covid ou H1N1, porque eram muito parecidos os sintomas. Minha amiga disse: “Glaucia, graças a Deus você está doente. Foi o único jeito que Deus achou de te prender em casa, porque senão você ia morrer.” (risos) “Você não tem juízo, você ia sair querendo ajudar todo mundo, se não for o Covid, você a se infectar e ia acabar morrendo!” Eu falei:” Nossa!”,
mas depois pensando bem o falei: “Acho que ela tem razão.” Deus já me deu um susto logo no começo para eu ficar quieta. E eu fiquei bem quieta mesmo, porque eu passei bem mal, tive febre durante os nove dias, foi horrível. E depois conforme eu fui melhorando,aí que a ficha cai: “nossa a pandemia, parou tudo”, você desmarcar tudo... eu acho que eu demorei uns dias. Como eu fiquei doente pelo menos uns vinte dias, a ficha não tinha caído da pandemia.
(2:24:59)
E aí quando caiu assustei um pouco, cheio de planos cheio de coisas pessoais, e você entende você tem que parar tudo, você vai se adaptando. Eu acho que os primeiros trinta dias foram mais difíceis, juntou a doença e aceitação. Depois eu fui começando a entender o que que eu ia fazer, não demorou muito, no segundo mês foi começando a entender que que eu ia ter que fazer. Aí comecei a achar ajudar pessoas sem sair de casa, comecei a ganhar doação, aqui entregar ali... comecei articular nossa rede. Achava... comecei fazer uma relação de amigos que pudessem ajudar; então ganhava coisa de um lado, outra pessoa ia retirar, dava pro outro... e aí quando eu vi, já tava meio que saindo. Hoje, assim, tomo todos os cuidados, uso máscara, uso álcool o tempo todo, mas muitas as coisas hoje eu tô fazendo. Então por exemplo, na igreja as pessoas que liam, não podem ler por questão de idade, então eu tô trabalhando mais na igreja na pandemia do que eu trabalhava; ajudando nas leituras, ajudando o padre em monte de coisa. Em casa eu chego cheio de cuidado, entrou pela lateral, já subo com a roupa por conta dos meus pais. Mas aí também tive uma sobrecarga, porque tinha uma pessoa que me ajudava em casa e por conta da academia ela não vai mais, então dobraram as minhas responsabilidades dentro de casa. Então deu uma bagunçada geral, porém eu já me adaptei e estou tocando a vida na medida do possível. Tenho para me manter atualmente, eu continuo fazendo os chocolates.
P1- E Glaucia, primeiro eu vou pedir para acender aqui a luz que estou percebendo que a luz…
R- Está escurecendo. (risos)
P1- Que já está escurecendo. Eu só vou acender rapidinho a luz.
R- Tá. Tá bom.
(fim da pausa) (2:38:50)
P1 - Agora que eu estou com a luz novamente, eu queria te perguntar… Pode ficar a vontade para beber água… No meio dessa vida corrida, eu queria que você falasse como é o seu dia-a-dia.
R- (risos) Corrido.
P1- Você consegue narrar,tentar descrever como é o seu dia-a-dia?
R - Muito corrido sempre. É muito raro ele não ser corrido, porque eu acordo, faço as minha orações matinais; tenho o hábito de acordar, ajoelhar, entregar meu dia para Deus e… quando eu não vou para missa… eu vou pra missa e quando eu não vou eu faço minha oração que é só em casa.
E assim, acordo, tomo café e começo. Tem uma demanda... eu divido.... acho que a faculdade de marketing fez muito isso, eu uso muito papel. Eu coloco no papel quando eu tenho muita coisa. Então tenho as minhas responsabilidades “Gláucia Casa”, então seja lavar, passar, cozinhar, separar os remédio dos meus pais, eu tenho minha mãe... minha mãe hoje ela está com Alzheimer e ela tomou vários remédios,
tem todo um cuidado para separar... mas que hoje também eu já sei todos de cor, coloco numa caixinha os dela... do meu pai... e vamos que vamos. Aí tem essa parte da medicação, tem a parte da comida, a organização da casa... achei uma cachorrinha, a Mel, tenho minha sobrinha, Gabi, que às vezes fica com a gente, que eu até brinco que quando a Gabi fica em casa ela é a minha válvula de escape, porque ela ela me rouba dessa minha correria: “Tia, vamos assistir um filme?”, “Mas a tia tem isso e isso…”, “Tia,
mas eu tô aqui…” E aí ela consegue me roubar; a única pessoa que consegue me roubar dessa minha vida louca é a Gabriela. Ela consegue me fazer assistir o filme com ela, consegue fazer eu ficar olhando ela andar de hoverboard, ou às vezes a gente fica deitada na cama olhando para cima... é uma coisa maravilhosa que às vezes ela consegue me fazer fazer com ela. E aí eu tenho sempre algumas responsabilidades: eu administro um grupo de estudo bíblico da Canção Nova, que é um grupo virtual. Então todo dia de manhã chega o estudo, eu preciso dar uma olhada, fazer o estudo e repassar, de manhã e à noite. Então procuro fazer isso logo cedo senão depois de dia eu me perco. Tem algumas demandas da igreja, aí tem as demandas da ONG, tem essas questões de doação, de arrecadação… Eu sempre faço essa logística de ver quem pega, quem recebe, quem leva... Quando dá tempo na semana, eu tento fazer chocolate uma vez por semana; às vezes não dá tempo, como agora que não está dando mais… O que mais que eu faço?
Oficina de Emoções está parada, mas quando ela tem normalmente, é toda terça-feira; nós temos uma hora e meia... acaba gastando duas horas do dia para fazer as Oficinas de Emoções. Tem também... às vezes eu não consigo estar sempre, eu participo de algumas ações junto com bombeiro Caetano,com essas atividades de primeiros socorros, alguns eventos... tem fixo algumas reuniões, com reuniões da Sabesp, reunião da LBV, reunião do SEBRAE... eu tenho no mês algumas reuniões fixas, então eu vou administrando. Tem dias que são mais corridos, tem dias que não.E entre uma coisa e outra se, nossa… meu telefone eu tô tendo até que agendar para falar com as pessoas, porque ninguém liga para falar em cinco minutos; todo mundo que liga eu falo bastante. As pessoas falam também. Conclusão: demora quase uma hora; então agora até para fazer ligação eu meio que estou falando:”Olha, você pode me ligar amanhã das duas até às cinco? É o único horário que eu consigo falar com você, depois eu não consigo mais”. Porque às vezes eu faço alguns cursos e todas as outras atividades que eu vou me envolvendo; têm o monitoramento do córrego que está suspenso, mas a gente faz uma vez por mês isso, que faço junto com a Sabesp, com moradores do bairro... e é isso, é um pouquinho do social, um pouquinho da igreja, um pouquinho da casa... e quando dá (risos) eu descanso um pouquinho, conseguiu ler alguma coisa, que eu gosto bastante de ler, só não leio mais porque não dá tempo. E é isso. Meu dia a dia sempre muito agitado. Tem hora para começar, mas não tem para acabar.Às vezes eu deveria dormir oito horas por noite por conta da saúde; aí quando eu vejo que a imunidade está caindo, aí eu durmo. Aí eu fico uma semana dormindo bonitinho, eu vou dormir mais cedo... aí sobe a imunidade e eu volto para o ritmo, que é dormir mais ou menos seis horas... E é isso, sempre…
P1- E Glaucia, e no meio dessa rotina agitada você falou que gosta de ler, mas nesses momentos, que são momentos de lazer, que são fora dessa rotina, o que você gosta de fazer?
R - Eu amo dançar, quando dá para sair para dançar... agora não dá por causa da pandemia, mas sinto falta. Mas gosto muito de sair para dançar, leitura é uma das coisas que eu gosto muito. Quando eu tô muito, muito cansada, aí eu gosto de ir para o sítio, que daí eu fujo dessa loucura toda e fico quietinho, bem escondidinha... aí eu não gosto de pegar nem meu celular. Eu olho tipo de manhã, à noite e desligo o celular, também para poder dar uma relaxada, uma descansada, para pegar fôlego. E quando dá acho que eu mais relaxo, mais descanso é praia, gosto muito de praia, mar...é o meu refúgio. Se eu puder fazer um bate-volta, já serve para recarregar as baterias. E é isso. Gosto, quando eu posso, vou na casa de alguns amigos. Sempre tem alguns amigos mais próximos que a gente acaba... vai comer uma pizza, faz alguma coisa assim. E aí quando dá, mas já não é mais rotina, eu ia muito em teatro, hoje... já faz tempo que eu não consigo ir com frequência; e filmes, assisto filmes em casa. Cinema é difícil ter tempo, mas em casa eu acaba assistindo nas madrugadas, que é quando sobra tempo e eu acabo assistindo alguma coisa. Mas é isso.
P1 - Mas enfim, como alguém que mora na zona norte, que lugares da zona norte que são marcantes ou, enfim, lugares que você gosta de estar da região?
R - Bom, da zona norte, costumo ir no CTN, nos shows que tem no CTN, que eu moro do lado, cinco minutos na casa. Costumo e gosto de comer um bom baião de dois, que é bom também. (risos) Esse até meus pais gostam, comida de lá é muito boa. No Velhão, que é um lugar muito gostoso, mas aí mais para ir com amigos. E aí não tem um lugar específico, mas quando eu preciso conversar com alguém sobre algum assunto, às vezes vou em algum lugar nos barzinhos na Engenheiro, da Avenida Nova... eu não sou mais... hoje eu já não tenho mais uma vida de ir para balada, já fui bastante, já dancei bastante, mas hoje saio bem pouco e quando saio, vou para algum lugar próximo. Não tenho mais pique (risos) para as coisas mais quietinhos. É isso. Shopping raramente, eu vou para o shopping quando vou no cinema, para comer… mas não sou uma pessoa curte shopping. Eu vou quando é muito necessário, caso contrário, não gosto muito. Vou por exemplo quando eu saio com meus afilhados; tenho dois afilhados de batismo, que os batizei tem uns 20 anos, desde pequeno assim. Eles não tem a mãe, então sou meio a mãe do coração; e aí com eles eu acabo indo no shopping, porque aí é cinema, é comer... Hoje eles já estão... Antigamente eu levava eles para comer, agora são eles que me levam, são eles que pagam. (risos) São todos adultos, graças a Deus; formados... Que são o Giovanni e a Paula. E eu acho que é só. É muito também difícil, às vezes eu vou com a Gabi, com minha sobrinha e meu irmão e a Andreia, que é uma amiga; ás vezes a gente vai no cinema. Mas tudo isso muito assim, espessado, não é uma coisa frequente. Às vezes saio para comer pizza com eles, mas também não tem lugar fixo, é onde tem algumas pizzarias na zona norte gostosas... a gente acaba indo.
P1- Sim. E para a gente ir para a parte final da nossa entrevista, que é uma parte de avaliação, eu queria que você dissesse quais foram mais os aprendizados que você tira da sua trajetória como empreendedora.
R - Eu acho que desde quando eu fiz o primeiro desafio, acho que fortaleceu muita questão de ter essa garra de superar os obstáculos; poderia já ter desistido faz tempo de continuar empreendendo... poderia ter desistido também de pessoas, por essas puxadas de tapete que também...mas muito pelo contrário. Eu ainda acho que tem muita gente boa, que vale a pena e eu acho que quem tem alma empreendedora, ela se reinventa. Isso vai acontecendo várias vezes. Eu vivi muito isso e acho que muitas pessoas vão passar por isso, então quem de repente estiver em alguma situação e deu errado, eu acho que ela tem que respirar fundo, levantar a cabeça e começar de novo, porque pode vir coisas melhores, como... às vezes precisa acontecer algo ruim para você dar um passo maior. Então eu precisei sair de uma empresa para poder ir para o outro inverso… eu tambem hoje resolvi dar esse passo de ser empreendedora, porque... de ser empreendedora não, de ir pelo caminho político, porque eu sofri assédio, dentro da prefeitura, com meu chefe na época, não tive coragem de denunciar. Pedi ajuda dos superiores, para força política e... eu e uma outra amiga, nós duas passamos pela mesma situação e infelizmente nós duas fomos mandadas embora; nós fomos punidas por algo que a gente viveu; e essa punição me empurrou para frente. Eu falei: “Bom, eu tenho dois caminhos: ficar chorando sofrendo pela situação que eu passei, e eu até passei e até vivi isso por um tempo…”, mas eu não fiquei nisso. Eu me reinventei de novo, respirei fundo, e falei: “Peraí, eu sou muito maior que isso” e eu não preciso provar nada para ninguém. Eu tenho essa certeza: sou feliz estou consciente disso. Mas talvez algumas pessoas também precisam ver isso, a gente pode se reinventar, pode fazer melhor e ao invés de ter desistido de tudo que eu já vivi de de ruim e desanimar, não. Pelo contrário,
me sinto mais forte, quero fortalecer mulheres que passam por isso, quero ajudar as mulheres que não tiveram coragem de gritar a dar voz a elas e...
Porque eu acho que eu empreendedor tem várias formas de você enxergar. Não é só aquela pessoa que quer ganhar dinheiro, que aquela pessoa que que gera lucro, que gera receita. A alma empreendedora é alguém que ela naturalmente transforma as coisas; ela consegue olhar para o que está totalmente destruído, reconsertar, reconstruir e fazer algo novo, e de repente faz algo melhor do que já existia. E eu me vejo muito nessa realidade. Tenho me
reinventado várias vezes e estou indo para minha melhor fase. Tenho muita certeza disso e quero ajudar outras mulheres a enxergar isso também.
P1 - E quando você pensa na sua trajetória, na sua vivência de uma mulher negra, para você o que é ser uma mulher empreendedora?
P1 - Eu acho que a mulher negra ela passa por algumas alguns desafios que outras mulheres não enfrentam. Nós já temos aí uma realidade onde a mulher não tem os mesmos valores que o homem. É uma desigualdade absurda. Isso acontece no meio corporativo, em qualquer lugar. Quando ela é mulher e ela é negra, ela tem que ser muito mais forte. Ela tem que mostrar que ela tem fibra, que ela tem vontade, que ela tem coragem, ela não pode fazer bem feito, ela tem que ser melhor. Porque as pessoas julgam sim, pela cor da nossa pele. As pessoas olham com uma mulher negra e olha para ela, principalmente para quem trabalha em comunidade, olha e fala: “Essa daí saiu da periferia, saiu da comunidade, não é ninguém, não vai chegar a lugar nenhum…” Eu já vivi situações na prefeitura de chegar em alguns lugares e as pessoas falarem: “O prefeito não mandou ninguém para representar ele?” e eu responder: “ Mandou, sou eu que vou representá-lo” e a pessoa olhar com olhar de tipo “como assim? Você? Uma mulher negra?”. E eu tenho que respirar fundo e levantar a cabeça e representar da melhor forma possível. Melhor do que se fosse uma outra pessoa, porque os olhares são outros, as cobranças são outras. Então eu só tenho orgulho de tudo que eu vivi, de tudo que eu sou, da mulher que meus pais me formaram, com os valores que eu tenho, que é um valor humano. Eu não valorizo ninguém pela cor da pele, eu acho que todo mundo tem que se amar pelo que nós somos. No entanto, por conta dessa sociedade injusta e muitas vezes até hipócrita, eu preciso dizer às pessoas que sou mulher, que sou negras, que sou forte e lembrá-las disso para que eu possa ser respeitada. Para que as pessoas não, me estigmatizam, não me menosprezem... Então eu não precisaria fazer isso se a sociedade não fosse da forma que é né. Há quem diga até que o racismo e o preconceito existe. Sim, existe.
Sim, em alguns momentos ele é declarado e outros momentos de forma velada. A gente está vendo que tá acontecendo aí com a força policial, massacrando pessoas. No mês de agosto, onde a gente fala para a gente discutir com relação à violência contra mulher, a gente vê um policial arrastando uma mulher na rua e isso é assustador. Então eu acho que eu e todas as mulheres negras que existem, a gente precisa se fortalecer, se dar as mãos, se ajudar e se levantar e se colocar em uma posição de dizer “Nós não somos melhores que ninguém por causa da cor da nossa pele, mas nós somos boas, nós somos fortes, somos guerreiras e queremos ser respeitadas por isso.” Então se as pessoas não sabem como fazer a gente vai ensinar, mas a gente não vai ter medo, a gente não vai se acovardar.
P1 -
E Glaucia, eu queria que você disse, hoje, quais são os seus sonhos?
R -
Hoje eu acho que os meus sonhos estão muito ligado ainda... eu não sou uma pessoa apegada a coisas. Se você falar: “qual carro você sonha?”, eu não sonho com carro, com marca. Nem sei marca de carro. Eu acho legal ter um carro, porque vai me levar para qualquer lugar. Quero ter minha casa própria? Com certeza. Quero ter o meu canto, meu espaço, as minhas coisas... por uma questão de qualidade de vida, mas eu não quero um carro de 450 mil reais; não precisa tanto, sabe?
Meus sonhos são… eu não vou dizer que eles são pequenos. Eles são sonhos onde eu eu quero ter o que todo mundo quer, que é uma estrutura, uma qualidade de vida gostosa, com certo conforto, uma certa tranquilidade para se viver. Mas mais que isso, o meu sonho, de verdade, não está ligado a coisas, mas a situações. Eu quero muito fazer muito além do que eu fiz até hoje. Eu quero deixar na história um legado, eu quero ajudar pessoas, eu quero mudar pessoas. Meu sonho é poder chegar em muitos lugares, assim como eu escuto de pessoas, mas muito mais pessoas, saber que elas conseguiram melhorar um pouquinho por algo que eu fiz. Não como... isso não precisa ser política, mas falou pessoa. Então meu sonho é viver num mundo melhor, é viver em uma sociedade mais justa e poder olhar as crianças e falar: “Que bom que elas estão crescendo e estão crescendo em uma sociedade melhor”. Eu lembro de uma situação de uma criança, muito forte, que eu estava dando aula nessa escola Aroldo Azevedo de teatro e eu fui fazer uma atividade de leitura e a criança abaixou a cabeça e ficou assim na mesa, ela e mais dois. E eu fui lá e falei: “Porque vocês baixaram a cabeça? O que aconteceu? A tia não brigou com vocês”. Ela falou: “Não professora, é que nós é burro, mas nós gosta de você. E como nós gosta de você e a outra professora falou que nós é burro, mas não quero atrapalhar você, a gente veio ficar aqui para não te atrapalhar”. Eu nunca mais esqueci disso. Como alguém tem coragem de dizer uma criança? Um educador? O papel dela era fazer essa criança se sentir melhor. E aí eu penso: “o que tá acontecendo com os nossos professores? Com os nossos educadores? Com os nossos pais, com as nossas crianças?”. Todos os problemas que a gente tem com as crianças hoje é fruto do que ela aprende dentro de casa. É fruto do que ela aprende em uma convivência com os adultos. A culpa é nossa. Então a gente precisa mudar o comportamento das pessoas. A gente está reclamando tanto de tudo que a gente tá vendo lá fora; como é que você tá fazendo para mudar isso? Só reclamar não adianta. Então meu sonho é verdadeiramente contribuir para isso. Eu quero ver os meus sobrinhos, as crianças dos projetos que eu ajudo, essas crianças em uma vida melhor. Porque hoje eu tenho muita tristeza quando eu olho para tudo que eu tô vendo. Só que isso não me faz desistir, isso me faz querer fazer mais e eu não sou sozinha, tem muitas pessoas sonhando esse meu sonho. Sonho que se sonha só, é só um sonho. Mas quando a gente sonha junto, vira realidade. Então tem um monte de gente sonhando isso comigo, eu tenho certeza disso. Então vamos continuar sonhando em um mundo melhor, mas vamos fazer a nossa parte; parar de ficar reclamando, ficar no comodismo: “isso é ruim, isso é aquilo…” Fala... reclama de tantas coisas. Todos os dias eu aprendo cada vez mais o poder da gratidão; sejamos grato por tudo, grata por tá vivo, grato por estar aqui, grato pela água, grato por tudo; e vamos parar de reclamar. A vida tem muito mais coisa boa do que é ruim. Só que a gente foi treinado para reclamar. Então meu sonho é: “vamos parar de reclamar? Bora viver para ser feliz. Bora viver essa vida enquanto tempo a gente tem, eu não sei quanto tempo é, mas esse tempo que a gente tem, vamos viver melhor?”.Daqui algum tempo tudo passa. A gente morre, você não vai levar nada. Caixão não tem gaveta, vai vazio. E o corpo a terra vem e come. Só o que a gente leva é o que você vive. Então meu sonho é viver da melhor forma possível, com intensidade, com pessoas, com gente. Eu amo gente, não amo coisas. E é esse amor que me motiva, que me impulsiona e que me faz fazer tudo que eu faço; e que muitas vezes incompreendido. O mundo tá tão louco que as pessoas não conseguem entender esse nosso jeito de ser. Mas enfim, bora viver dessa forma e quem sabe contagiar algumas pessoas a viver assim também.
P1 - E Glaucia, eu queria te perguntar o que te representa a zona norte e mais especificamente o Limão na sua vida.
R -
Eu acho que a gente tem uma relação de... história da minha vida acontece no bairro do Limão, então sou muito grata. As pessoas que eu conheço no bairro, as experiências que eu vivo, o aprendizado todo que eu tive com a instituição, com a escola, com a prefeitura... tudo isso acontece dentro do bairro do Limão. Então eu tenho uma vida inteira para relembrar ações e situações e pessoas dentro desse bairro. Sou muito grata por estar nele, gosto muito dele... Tem inúmeros problemas porque ele é meio que abandonado, é meio esquecido, ele não avança muito. Precisava avançar e pode avançar. Um bairro que tem um pouquinho a característica do interior. Muita gente e muito tempo... não é só uma característica da minha rua, é uma característica do bairro: muitas pessoas estão ali há muito tempo. Lembra um pouquinho essa coisa do interior. Então é um bairro que eu tenho muito carinho, muito respeito e muita gratidão. Porque só na minha vida aconteceu nele, tá acontecendo nele. Pelo menos parte dela; tem muita coisa ainda para viver, mas o que eu vivi até aqui nasce do Limão. Então só gratidão.
P1 - E Glaucia, eu queria primeiro saber se tem alguma coisa que você gostaria de acrescentar, que você não teve oportunidade de falar, ao longo da entrevista?
R - Quando eu falei dos meus afilhados de batismo, eu lembrei também dos meus afilhados de crisma, meu período de catequista de crisma, e foi um período muito gratificante. Dentro dessa formação da Igreja Católica, além da parte do teatro, como catequista, com certeza influenciou na minha atuação com jovens hoje. O que eu faço com a ONG hoje enquanto ONG, eu fazia enquanto catequista. E quando eu comecei o Natal solidário entregando o brinquedo nas comunidades, eu comecei isso com os jovens da crisma. Eu fiz um paralelo entre a ONG e esses jovens da igreja e desses jovens da igreja, eu ganhei alguns afilhados. Hoje o mais próximo é o Alisson. Alguns a gente acaba perdendo o contato, vão ficando adultos e vão ficando mais longe, mas eu agradeço também, porque afilhado é presente de Deus. Principalmente quem não tem filho... eu falo eu não tenho filho gerado, mas eu me sinto mãe de um monte de filho que eu tenho por aí, que são os meus afilhados de batismo, meus afilhados de crisma. os crismandos... são jovens que passam pela vida da gente e marcam. nessa semana recentemente foi comemorado o dia do catequista e que gostoso é ouvir algumas mensagens de alguns que falam: “Hoje a minha vida tomou esse rumo por conta daquilo que eu vivi com você”. Então isso também interferiu bastante na história da minha vida e eu agradeço a Deus por isso, por essa experiência. Agradeço a Deus pelos meus pais, por tudo que eu sou, aos meus irmãos: o Wagner Wilson. Os meus sobrinhos também, o Arthur, o Gabriel e a Gabriela. O meu irmão mais velho e a esposa Simone, o Gabriel e o Arthur, ele fica mais longe, eles moram fora de São Paulo e a Gabriela acaba sendo mais próxima porque tá aqui, em São Paulo. Então essa minha família minha base, sou uma pessoa muito família. Sou uma pessoa muito ligada aos meus primos e os meus tios... nem vou me atrever a citar os nomes, porque a família é grande, mas amo muito minha família, adoro reunir a família, adoro fazer nossos encontros. Que saudade que a gente está de fazer isso. Então a base da minha vida, com certeza primeiro Deus, em segundo lugar a minha família e em terceiro lugar é assim, tudo aquilo que eu for viver, eu vou viver com muita intensidade; aonde eu estiver eu vou estar de corpo, alma, muito entregue e vivendo muito intensamente, procurando ser feliz. Se hoje você me perguntar “o que falta para você ser feliz?”, então, eu sou feliz todo dia.Algumas vezes eu fico triste, por algumas coisas que acontece, mas eu não sei o que acordar mal-humorada, eu acordo bem e vou vivendo. Aí acontece algumas coisas, me deixa triste, choro, ficou brava... às vezes ficou nervosa, coloco para fora e aí você dorme, no dia seguinte você acorda, outro dia já passou, e assim eu vou vivendo minha vida da melhor forma possível,.aberta para o quê o universo me reservar para o futuro. Que eu também sempre acredito que Deus reserva o melhor. Quero agradecer Sebrae. Quero agradecer demais, demais, demais, todo papel que o Sebrae teve nessa história toda do Ibrasac. A Joyce especial. A Débora e o Instituto Center Norte. Ao carinho de vocês. Eu não tinha ideia do que era isso sentar para falar da vida, e aí você vem um pouco apreensivo, mas foi muito tranquilo, mais fácil do que imaginava. Me emocionei, chorei. Relembrei de coisas que eu nem lembrava... Vai passando um filme aqui. É interessante para gente que tá vivendo essa esse momento... é diferente. Então gratidão.
Parabéns pelo trabalho do museu. Eu acho que é é lindo demais contar a história de pessoas que ainda estão aqui; porque as pessoas geralmente são homenageadas depois que morrem e às vezes elas nem sabem o efeito daquilo que as pessoas vão ter sobre... quando lerem a sua história e tudo mais. E eu ter essa oportunidade de falar na minha vida... eu fiquei emocionada desde que eu recebi a ligação e eu acho que é gratificante. É muito bom. Então obrigada. Deus abençoe grandemente vocês. Abençoe todo trabalho no Museu da Pessoa. Continue nos protegendo e a gente continue aí, firmes.
P1- Eu tenho uma última pergunta, mesmo. O que você acha dessa proposta de mulheres empreendedoras serem convidadas a contarem suas histórias de vidas, através de um projeto de memória?
R - Eu acho que é lindo. É algo inovador. Parabéns pela iniciativa, parabéns pelo projeto. Que gratificante, que reconhecimento. É lindo de você poder contar sua história para alguém. Eu creio que tem muitas pessoas que me conhecem e não sabem da metade das histórias que eu contei; e talvez nunca saberiam. Porque a gente tem essa vida maluca e vai vivendo e vivendo e não tenho tempo de contar. E quantas mulheres maravilhosas tem histórias lindas, que são aprendizados e que talvez fosse morrer com essas histórias. Então o projeto faz a gente manter viva nossa história. Talvez para motivar alguém em alguma fase da vida. E eu acho isso maravilhoso. Muito bom. Parabéns pelo projeto e é muito gostoso fazer parte dele.Recolher