P/1 – Carla, você pode falar o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Sim, claro.
P/1 – Qual é?
R – Vinte e cinco de outubro de 1984.
P/1 – Em que cidade?
R – Santa Inês, Maranhão.
P/1 – Seu nome completo?
R – É Manuel Castro da Cruz.
P/1 – Carla, os seus pais são do Maranhão?
R – São. A minha família toda é de Maranhão.
P/1 – Tanto por parte de pai, quanto por parte de mãe?
R – Tanto por parte de pai e mãe.
P/1 – Seus avós são do Maranhão?
R – Meus avós, minha mãe, minha família.
P/1 – Vamos falar um pouco da família do seu pai agora, qual é o nome do seu pai?
R – O nome do meu pai é Eduardo Raulino.
P/1 – E o pai dele?
R – É Eduardo.
P/1 – O que é que o seu avô fazia, você lembra?
R – O meu avô? Eu não lembro, porque eu não fui criada com ele, eu fui criada com meus avós.
P/1 – Por parte de mãe?
R – Por parte de avós, que eles que me criaram e cuidaram de mim, porque eu não fui criado com os meus pais biológicos, eles me deram cedo para os meus avós me criarem, então fui descobrir que ele era o meu pai mesmo aos 15 anos de idade.
P/1 – Quem era o seu pai?
R – Quem era o meu pai, eu não conhecia o meu pai biológico.
P/1 – Nem a sua mãe?
R – Não, a minha mãe eu conhecia.
P/1 – O nome da sua mãe como é que é?
R – Maria Ivonete.
P/1 – E da sua avó que te criou?
R – É Maria Luiza.
P/1 – E do seu avô?
R – José Luís.
P/1 – Você convivia na casa, quem morava nessa sua casa de infância?
R – Os meus sobrinhos, que eu tenho como irmão, que eu fui registrada no nome dos meus avós, então morava com os meus irmãos, com minhas irmãs.
P/1 – Como é que era essa casa de infância, você lembra?
R – Minha casa de infância? Lembro, tinha um pezinho de árvore na frente, uma fachada de azulejo amarelo, era uma casa bem simples, humilde.
P/1 – Quantos quartos?
R – Tinha três cômodos, com banheiro, uma cozinha bem grande, uma sala, é uma casa boa de se morar.
P/1 – Como é que vocês dormiam nos quartos? Como é que dividiam?
R – Eu dormia, eu gostava de dormir na rede, eu dormia na rede e dividia, dormia com minha mãe no quarto, dormia com a minha mãe no meu quarto.
P/1 – É Santa Cruz a cidade, como é o nome?
R – Santa Inês o nome da cidade.
P/1 – Como é que era essa cidade?
R – É um interior bem pequeno, é uma cidade bem legal, maravilhosa, muito boa de se morar, é um fervo lá, tem pessoas humildes, simples, bem receptiva, maravilhosa lá, lá aonde eu comecei.
P/1 – Como eram suas brincadeiras de infância?
R – Todas as brincadeiras eu tive de criança, todas essas brincadeiras de criança eu brinquei, de pipa, de pião, de peteca, brincadeirinha de polícia e bandido, tacobol, essas coisinhas, todas eu brinquei.
P/1 – Você entrou na escola?
R – Eu entrei na escola.
P/1 – Com quantos anos?
R – Eu entrei com sete anos na escola, sete anos.
P/1 – A escola era perto da sua casa?
R – Era próximo de casa.
P/1 – Como que você ia para escola?
R – Eu ia caminhando.
P/1 – Alguém te levava?
R – Não, ninguém me levava, eu ia caminhando, a mãe só levou a primeira vez, aí pronto, aí eu fui sozinha, ia caminhando.
P/1 – Você lembra da escola? De algumas professoras?
R – Lembro, lembro de todas, da escola, todas as professoras e até hoje eu encontro com elas, são vivas, as professoras que...
P/1 – As do primário você lembra?
R – As do primário eu lembro.
P/1 – Lembra o nome de alguma?
R – Agora você me pegou, (risos) não me lembro mulher, nome de professora é babado para lembrar.
P/1 – Do que é que você gostava na escola?
R – Na hora do recreio, era a melhor parte, que eu gostava, (risos) e na hora da educação física também eu gostava, deixa eu ver mais...
P/1 – Você tinha amigos na escola?
R – Tinha bastante amigos e era bem, eu era bem, vamos dizer, eu sofri bullying, assim.
P/1 – Sofreu?
R – Sofri bullying.
P/1 – Com quantos anos?
R – Com uns 12 anos sofri bullying.
P/1 – Por quê?
R – Ah, pirracinha, na escola, dos moleques chamando de veadinho, essas coisas.
P/1 – Com quantos anos você percebeu que você...
R – Com 12 anos de idade eu já percebi que eu era gay, que eu gostava de homem.
P/1 – Antes disso não?
R – Não, antes disso não.
P/1 – Como você percebeu? Como é que você sentiu?
R – Eu percebi com um primo meu dentro de casa.
P/1 – Como foi?
R – Ele me paquerou, quis mexer, cutucou comigo, entendeu? Aí eu peguei, aí eu descobri que eu gostava de homem, que eu tinha atração por homem e desde aí então até hoje.
P/1 – Mas você daí assumiu? Ou você foi entendendo aos poucos? Como é que foi isso?
R – Eu assumi aos 15 anos de idade para minha família, eu me lembro como se fosse agora.
P/1 – Como é que foi?
R – Foi num aniversário meu de 15 anos, eu hora na mesa eu peguei e falei para todo mundo que eu era gay e que eu era feliz assim, quem quisesse me aceitar bem, quem não quiser, beijo.
P/1 – Quem estava na mesa?
R – A família toda. (risos)
P/1 – Você falou na hora do aniversário?
R – Com 15 anos de idade, nos meus 15 anos eu peguei e rasguei o véu para família.
P/1 – Como é que foi a reação?
R – A reação foi, não foi legal não, a reação foi bem dolorosa, assim, bem triste.
P/1 – A sua mãe, o que ela falou?
R – Ah, minha mãe falou assim, uma coisa assim, horrível, que eu acho que filho nenhum acho que gostaria de ouvir isso de uma mãe.
P/1 – O que ela falou?
R – Ai, ela falou que não era para mim ter nascido, não era para eu ter vindo ao mundo, que ela tentou me abortar várias vezes, entendeu? Aí isso eu lembro até hoje, sabe?
P/1 – E sua avó?
R – Minha avó foi maravilhosa, aceitou tudo bem, sabe, mas ela, porque eu acho que ela, por causa da religião dela, que ela é testemunha de Jeová, então acho que, sabe, não entendo essa religião, assim.
P/1 – E seu avô?
R – O meu avô, o meu avô também, ele trabalhava com oficina, ele era mecânico e o meu avô ele também era daquela criação muito rígida, não queria naquela época, não quero ter filho gay na família, para zelar o nome da família, tudo. E ele também me desconjurou, me desconjurou também, como se eu fosse Cristo na cruz, me apedrejou, me apedrejou e falou até de me matar também. Falava várias vezes no almoço, assim, nas refeições, ele falava, os filhos tudinho, nós tudinho da família. Ele falava, que se no dia que nasceu, um filho meu virar gay, eu prefiro que um filho meu vira bandido do que virar gay, porque o dia que eu descobri, esse dia eu mato, aí eu tive que sair fugida.
P/1 – Com 15 anos?
R – É, com 15 anos, que aí eu peguei o rumo da vida, sabe? Depois que eu assumi eu peguei.
P/1 – Como que você fugiu?
R – Eu fugi com um cara que eu conheci, que ele era cobrador de ônibus e eu frequentava os domingos o banho que tinha lá, que chamava BB, então domingo eu ia.
P/1 – Isso você estava morando na casa dos seus avós?
R – Isso eu morava na casa dos meus avós, isso antes.
P/1 – Aí você começou a assumir, começou...
R – Isso, eu comecei assumir. Eu assumi, aí o meu avô separou da minha mãe, isso que é mãe, o pai então, que quem cria é pai, querendo ou não. Então, ele pegou e separou da minha mãe, construiu outra família. Aí, foi na época que ele ficou sabendo que eu tinha virado gay, aí foi quando a minha mãe falou para mim que ele vinha só lá, só me matar. E aí a minha mãe pegou e falou: “Olha, te arruma, vai te embora, arruma tuas coisas agora, que o teu pai está vindo para te matar, vá para São Luís para casa da tua tia, porque ele está vindo na tua onda,” aí foi.
P/1 – Você sofria com isso?
R – Eu sofria muito, sofria muito, bastante, bastante mesmo, foi assim, para aceitar, assim, entendeu? Ele morreu, entendeu? Deus o tenha, mas ele não aceitava, minha mãe sempre cobria, entendeu? Ele não aceitava por nada.
P/1 – Bom, aí com 15 anos você falou: “Preciso sair.”
R – Falei não, eu fugi de casa.
P/1 – Como é que foi a fuga?
R – Eu conheci esse cara, lá do lado, ficava do lado, o clube de banho, ficava do lado da empresa onde ele trabalhava.
P/1 – O que é o clube de banho?
R – É um clube de banho, é ABB que fala, de banho, piscina, tudo, tem quadra, tudo. Aí eu conheci esse cara lá, eu peguei conheci ele, fui conhecendo, fomos nos conhecendo, conhecendo, e aí eu peguei e falei para ele: “Eu quero namorar você e tudo, eu quero, eu quero seguir a vida assim contigo,” aí eu peguei rumo com ele, assim.
P/1 – Mas ele morava na cidade?
R – Não, ele não morava na cidade, ele trabalhava lá e nesse dia, quando eu conheci ele, ele era frequentador também lá do banho, e eu conheci ele lá e daí eu peguei com ele e saí. Ele era cobrador de ônibus, então eu saí aventurando com ele, tinha um casinho e tudo, e o pessoal, para os amigos dele, para os amigos pensavam que eu era filho dele, porque eu era de menor, tinha 15 anos, ou seja, ele era um pedófilo, ele tinha mais, ele tinha uns 38 anos, entendeu? Ele era um pedófilo, adorava uma criança, e eu peguei, fazendo o filho dele, para os amigos dele eu era filho.
P/1 – Você foi morar com ele?
R – Fui morar com ele.
P/1 – Aonde?
R – Morei em São Luís com ele, ele alugou um quarto, ele era bem parceiro, sabe?
P/1 – Vocês tinham relações? Transavam?
R – Tinha relações, tudo, normal, entendeu? Normal, tinha até a mais, que uma vez a gente, eu acabei descobrindo que ele tinha um... eu peguei ele com o amigo dele, transando.
P/1 – E aí?
R – Ah, e aí, (risos) eu falei: “Olha, que legal isso, delícia, (risos) porque não falou logo antes para gente fazer logo um trenzinho juntos, caralho.” (risos) E foi, eu descobri assim que ele tinha um caso mais o amigo dele.
P/1 – Você transava com outras pessoas?
R – Quando eu estava com ele?
P/1 – É.
R – Transava, saía, eu sabia também que ele me traía também, mas era um relacionamento bem aberto.
P/1 – Mas você era apaixonado por ele?
R – Eu gostava dele, eu gostava dele, porque ele era bem parceiro, sabe? Ele não deixava faltar nada para mim.
P/1 – Você parou de estudar nessa fase?
R – Eu parei de estudar, foi aí que eu parei, parei de estudar.
P/1 – O que é que você fazia durante o dia? Quando ele estava trabalhando?
R – Eu não fazia porra nenhuma, (risos) não fazia porra nenhuma, ficava só em casa descansando, fumando meu bom, minha boa taba, ia no mercado, fazia as compras, fazia comida, às vezes eu almoçava fora. Era um quartinho que ele alugou para mim, não deixava faltar nada, pagava o aluguel, deixava o dinheiro da dispensa, assim, essas partes assim ele fechava, ele é maravilhoso, sabe. Aí foi que eu fui também, fui desgostando dele, aí eu fui vendo umas coisinhas, sabe? Fui criando nojo.
P/1 – Por quê?
R – Depois disso que eu peguei ele com o amigo dele, entendeu? Outras traição que eu vi ele fazendo, aí eu peguei fui desgostando dele, aí foi, também nunca mais vi ele.
P/1 – Quanto tempo vocês ficaram juntos?
R – A gente ficamos uns três anos, eu mais esse cara, dos 15 eu fiquei até os 18 anos com ele, eu conheci vários lugares.
P/1 – E você não trabalhava? Dos 15 aos 18 você não trabalhou?
R – Eu trabalhava, eu continuava fazendo putaria.
P/1 – Quando que você começou a...
R – Aos 15 anos eu comecei já fazendo putaria, eu fui sair da minha cidade, eu fui para São Luís e já comecei a me transformar e fazer programas.
P/1 – Mas por que você escolheu isso? Por que você achou que essa maneira você...
R – Porque eu achei uma maneira que fosse para mim mais fácil de levantar uma grana.
P/1 – Mas teve alguém que te incentivou? Como é que passou isso pela sua cabeça?
R – Não, ninguém me incentivou, foi uma vontade minha mesmo que eu tive.
P/1 – Você pensou o quê?
R – De fazer programa?
P/1 – É.
R – O que é que eu pensei?
P/1 – É.
R – Ai, eu vou fazer programa, porque era a única opção que tinha também. Aí comecei a fazer programa como, fiz programa como michê.
P/1 – Você lembra do seu primeiro programa?
R – Vixe! O meu primeiro programa? Faz muito tempo, mulher, eu não me lembro, não me lembro como foi o primeiro programa.
P/1 – Mas como é que você começou assim? Você foi para algum lugar? Você sabia aonde que você tinha que ir?
R – Eu fui, eu fui para um avenida.
P/1 – Como é que você tinha que se vestir?
R – Começou assim, eu estava, eu comecei como garoto de programa, fui michê, e eu via as outras travesti, tudo, eu já fui, eu sempre gostei disso, já tive já, sempre tive a cabeça, a mente de mulher e sempre falava: “Ai, eu quero ser assim, sabe, que quero,” aí foi, comecei como michê.
P/1 – Quando que você começou? Foi a partir dos 15 que você começou também a se vestir como mulher?
R – Não, a partir dos 15 anos eu comecei sendo michê, com 18 anos que eu me transformei e virei travesti.
P/1 – Então vamos voltar nos 15, aí você foi para que lugar? Você foi fazer programa?
R – Eu fui para São Luís, capital, fazer programa como michê. E lá eu conheci, eu vim com as amigas, que já tinham vindo para São Luís, fazer programa e tudo, aí eu peguei e vim com elas para cá, eu vim com elas fugida.
P/1 – Mas com 15 anos você fazia programa e tinha esse namorado?
R – Fazia programa e tinha esse namorado, e ele sabia que eu fazia programa, e eu saía como michê para fazer programa na avenida que tinha lá.
P/1 – Tinha bastante cliente?
R – Tinha bastante cliente, inclusive tinha um, eu lembro, agora falando de programa, assim, que eu lembro mesmo, foi um cara, que ele era lá da minha cidade, de Santa Inês, que eu encontrei com ele em São Luís rodando atrás de travesti, e ele acabou me pegando, a gente foi para um motel e fizemos programa, esse cara da cidade. Eu jamais pensei que ele gostava, que ele era gay, que ele era, que ele gostava de sair com travesti, de sair com gay, eu não pensei que ele era um homem liberal assim, que gostava de fazer sexo liberal, eu nunca imaginava. Eu lembro, foi, e a minha relação com ele, eu tive que ter, eu tive que ser ativa com ele no programa, o que eu lembro é isso e foi.
P/1 – Você ganhava dinheiro?
R – Ganhava, sempre ganhei dinheiro, sempre trabalhei.
P/1 – Até quantas vezes você transava numa noite?
R – Tinha noite que era bem maravilhosa, fazia vários programas, quando a noite estava bem mesmo, movimentava bem, assim, eu fazia bastante programa, assim.
P/1 – Quantos?
R – Uns cinco, uns dez programas, quando a noite estava bem mesmo.
P/1 – Você usava alguma droga?
R – Usava, comecei a usar, a primeira droga que eu usei foi maconha, a primeira droga que eu usei foi maconha, porque eu acho que é carma já de família, vem no sangue já. Quando o meu pai com a minha mãe lá brincaram eles com certeza fumaram um baseadinho, deram um tequinho, sabe. Eu conheci a primeira droga, maconha, com 15 anos, eu comecei a fumar com as amigas lá da cidade, a primeira droga que eu experimentei. Não fui a única ovelha negra da família, porque o meu avô, ele era traficante, então já viu, a filha nem ele queria, ele vendia, mas não usava e também não queria que filho nenhum usasse, que nenhum fosse gay e nem ladrão, entendeu? E foi a primeira droga que eu experimentei, foi na cidade. Aí, já quando eu virei travesti, vim para São Paulo, aí também, por influência de amiga, influência não, que a gente não faz nada influenciada, nada arrastada, eu que me zuei, quis provar, quis cheirar, peguei, cheirei o primeiro teco.
P/1 – Lá você não tinha cheirado?
R – Lá na minha cidade eu nem sabia o que era cocaína, fui saber em São Paulo.
P/1 – Voltando um pouquinho lá, você falou que o seu avô era traficante, você via ele vendendo? Como é que era?
R – Eu via ele vendendo e ajudava também ele vender.
P/1 – É mesmo? Como é que era isso?
R – Era babado, viu? Era babado, porque quando ele não estava, ele ficava muito na oficina, quando não estava o pessoal chegava lá, eu peguei, eu conhecia também, que já era cliente já, eu acabava passando também. E já teve várias batidas, da federal bater, chegar e bater, já foi várias vezes preso e numa dessas a federal deu batida lá, eu tive que pegar, ele não estava em casa, estava só a gente, eu e a minha mãe e mais duas irmãs. Nós estávamos em casa, a federal chegou: “Pronto, a casa caiu,” pronto, aí eu já ouvi, que a porta estava fechada, eu peguei já ouvi que é a federal, pronto, já fui lá no quartinho, já peguei os sacos de maconha, joguei tudo para o outro lado para casa do vizinho, tudo em cima do teto, peguei, varri rapidinho. Pronto, tirei todos os flagrantes de casa, nessa ele se salvou, entendeu? Ainda queria me matar ainda, entendeu? Aí não estava em casa e foram bater, a federal foi bater na oficina, aí pegaram ele, vinha algemado, aí ele foi preso e ficou lá na delegacia lá, ficou preso, a minha irmã fazia a comida, eu ia deixar para ele, tudo.
P/1 – Você levava comida para ele na cadeia?
R – Levava, na cadeia eu levava comida para ele, para o meu avô, que é pai, que me criou, que era traficante na cidade.
P/1 – Quanto tempo ele ficou preso?
R – Ele ficou bastante tempo preso, depois desceu para Pedrinha, ficou bastante tempo preso, foram várias vezes preso, até que ele separou de casa, da minha mãe, da minha família, aí foi fazer, teve outro, isso já, com a minha mãe ele já era velho safado, mulherengo, montava na bicicleta. Minha mãe sabia tudo, nossa, era triste, a gente via isso, sabe? Era triste, que ele traía mesmo minha mãe na cara de pau mesmo, minha mãe sabia, mas tinha que submeter, essas coisas. A gente crescendo e via isso, era para gente que é filho, assim, é triste.
P/1 – Aí você fazia programas dos 15 aos 18, fazia michê, tem algum fato marcante desse período? Alguma transa? Alguma coisa, algum programa que tenha: “Esse ficou na minha memória”?
R – Então, tem esse que eu estou te falando, esse cara que era lá da minha cidade, que foi marcante, foi marcante, assim, um programa, assim, que eu fiz mesmo, assim, que ficou marcado, foi esse, assim, sabe, quando eu comecei.
P/1 – Teve alguma vez que te pediram alguma coisa para fazer que você não quis fazer? Você se negou?
R – Várias vezes, eu não gosto de fazer nada, sexo bizarro, negócio de sadomasoquismo, eles pedem para mim fazer, eu faço, pagando bem que mal tem? Eu faço, mas deixar eles fazer em mim eu não deixo, sabe? Acontece várias vezes, até hoje eles pedem para mijar, cagar em cima deles, essas porcaria.
P/1 – E aí como é que foi a sua decisão de sair de lá de São Luís e vir para São Paulo?
R – A minha decisão foi essa, porque o meu avô, ele queria me matar, ele queria me matar, eu peguei, saí fugida.
P/1 – Mas ele queria te matar porque você virou michê?
R – Não, não é porque eu virei michê, é porque eu virei gay, entendeu? Meu pai era traficante rígido da cidade, super conhecido, então jamais ele queria um filho gay, então ele estava fora, já estava com outra família, fora, em Parauapebas, ele estava fora. Aí descobriu e saiu de lá só para me matar, eu peguei, vim para São Luís, para casa da minha tia, fiquei na casa da minha tia, fiquei lá um tempinho por lá, aí depois eu peguei e caí na putaria. Aí que eu comecei, putaria assim, aí eu comecei a virar michê, comecei a virar michê. Aí eu já aluguei um quartinho, já comecei a dividir com as amigas, aí já saía toda noite, aí eu comecei a fazer michê aos 15 anos de idade.
P/1 – Aí com 18 você decidiu vir para São Paulo?
R – Com 18 eu decidi vir para São Paulo e aqui em São Paulo que eu me transformei, que a flor desabrochou. (risos)
P/1 – Por que você escolheu São Paulo?
R – Porque eu sempre via na televisão passar, que São Paulo é uma máquina de fazer dinheiro, não tem um lugar assim como São Paulo, assim, para trabalhar, é mais quantidade de cliente, por isso que eu sempre tive vontade.
P/1 – Você não pensava em fazer outra coisa para ganhar dinheiro? Você já estava certa que você ia viver disso?
R – Eu já estava certa, ciente que eu ia viver disso.
P/1 – Você gostava da profissão?
R – Porque eu gosto da profissão.
P/1 – Aí você veio com quem para São Paulo? Você falou?
R – Eu vim com as amigas, colegas.
P/1 – Quem que eram?
R – Eram três, minto, quatro, era a bombadeira, que se diz bombadeira e mais três, vamos dizer, três gays, comigo quatro, ou seja, ela pegou a gente como cobaia.
P/1 – Você chamava Manuel ainda?
R – Não, eu chamava Patrícia, o meu nome quando eu comecei, o meu primeiro nome, meu primeiro personagem foi como Patrícia.
P/1 – Você falou que você decidiu se travestir aos 18?
R – Aos 18.
P/1 – Como é que foi essa decisão aos 18 anos?
R – Que eu virei travesti, por até enquanto eu só me transformava, era só montagem, peruca, eu era todo cheio de enchimento, peruca, peito, espuma, toda espumatizada eu era. (risos) Aí quando eu era, como se transformava, como fala, que só se transforma, assim, que eu me montava, mas com 18 anos mesmo que eu virei travesti, que foi aqui em São Paulo.
P/1 – Como foi? O que você fez?
R – A primeira coisa que eu fiz foi, eu já era toda afeminadazinha, toda hormonozadinha, o peitinho já, tinha o corpinho já bonitinho, mas a gente nunca está satisfeita, contente com nada, eu comecei, eu peguei, botei: “Quero dar mais uma empinadinha na minha bunda,” aí botei silicone na minha bunda, eu botei prótese, fiz o nariz. Aí a flor mesmo desabrochou, que eu fiz mesmo todas as plásticas, que eu acho que as imperfeições que estavam faltando em mim para eu me sentir bem, para eu me sentir, sabe, mulher.
P/1 – Você veio como para São Paulo? Foi de ônibus? Avião?
R – Eu vim no pau de arara, minha amiga, no pau de arara.
P/1 – Como é que foi a viagem?
R – Foi sofrido, viu, foi sofrido, nossa, senhora, só de lembrar até hoje, meu Deus, demorou, mas cheguei, minha filha, foi coisinhas que passou de lá para cá, pau de arara, já sabe, o pneu fura, outra coisa acontece, ai, mulher. Aí foi que em Minas Gerais, aí passou, esse ônibus faz o desfavor, a infelicidade de dar prego em Minas Gerais, fiquei lá em Minas Gerais com essas bichas, com a bombadeira e a gente. Fiquei lá sofrendo o maior preconceito com o homem de lá do posto lá, era podre, o ó ele, e era preconceituoso, aí ele começou a destratar a gente, tratar a gente mal, ficamos lá para dar lucro para ele. Aí o filho dele tratando a gente super bem e ele tratando a gente mal, destratando a gente, aí até que a gente ficou, nós ficamos loucas com essa situação, eu fiquei nervosa com ele, irritada, eu e elas: “Então vamos deixar esses vira aqui agora se você não tratar a gente bem.” Aí já metemos a doida já, aí pronto, aí ele começou a tratar a gente bem, porque a gente ficou lá um dia e pouco esperando esse pessoal vir arrumar esse ônibus, entendeu? Lá nessa cidade, interior de Minas Gerais, que eu não me lembro agora, deu um branco. Mas é uma cidadezinha, que esse homem, nós ficamos loucas lá nesse lugar, aí até então o ônibus chegou, aí a gente continuou a viagem, vindo para São Paulo. Chegou aqui, eu fui cair na Penha.
P/1 – Você já tinha o lugar que você ia ficar?
R – Já, ela disse que tinha um lugar aqui, que ela que dominava, que ela que pipipi, papapa.
P/1 – A bombadeira?
R – A que se diz bombadeira, que se disse cafetina, que inclusive o nome dela é o mesmo que o meu, Carla Bruna. Aí foi, ela disse que era cafetina, que era bombadeira, que tinha uma rua aqui para gente, que a gente ia descer e que ia ganhar, entendeu? Chegou aqui não foi nada disso, meu amor. Chegou aqui não foi nada disso, chegou lá as outras bichas já botaram a gente para correr.
P/1 – Você chegou aonde, na Penha?
R – Na Penha.
P/1 – O primeiro lugar que você viu de São Paulo foi a Penha?
R – Foi, na Penha, ela tinha uma casa lá, morava com os parentes dela, que eram estelionatários, era na casa de cafetina também, era estelionatário, tinha um comerciozinho lá dentro já, qualquer coisa que a gente precisasse, entendeu? De alimentação, tudo, a gente só pedia lá, tudo caderno, na Penha, casa de estelionatário, recém-chegada, que eu tinha o quê? 17 anos eu acho que eu tinha, foi 17 para 18 que eu me transformei, caí na Penha, imagina na Penha, bairro, para fundar ponto de travesti, foram várias carreiras, várias carreiras, que uma das, nossa, que eu tive que me jogar dentro do carro de lixo para mim está aqui dando essa entrevista para você. Eu tive que me jogar dentro do carro de lixo, e mais outra amiga, eu trepada num salto dessa altura, minto, numa bota, esses caras vieram, mas eles vieram várias vezes botar a gente para correr, porque esses veados não vão dar ponto nenhum aqui, não, caralho nenhum, e foi várias carreiras. Aí foi que a, que eu conheci a...
P/1 – Deixa eu voltar só um pouquinho atrás, qual foi a sua primeira impressão quando você chegou em São Paulo?
R – A minha primeira impressão? “Nossa, eu estou em São Paulo, eu não acredito que eu estou aqui nessa máquina de fazer dinheiro,” eu achei São Paulo uma Europa, eu estou me sentindo na Europa, foi a primeira impressão que eu tive de São Paulo.
P/1 – Você lembra qual foi o primeiro lugar que você viu? Que você chegou e viu?
R – O primeiro lugar que eu cheguei e vi? O primeiro lugar que eu cheguei e vi aqui foi na Penha, o primeiro lugar que eu caí, eu vim direto para Penha. Então ela queria fundar o ponto, eu levei várias carreiras lá nesse ponto para fundar, depois, conheci a outra cafetina. Ela veio me buscar lá na Penha, tudo, porque eu não queria mais ficar lá, porque não ia, começou a briga deles lá, rixa deles, cafetina com bandido com parente, com parente bandido, teve o maior...
P/1 – Mas como é que era? Vocês faziam programa, você tinha que dar o dinheiro para ela, como é que funcionava?
R – Era cafetinagem, era cafetinagem com estelionatário, era uma quadrilha, eu não sabia, eu não tinha noção da onde eu tinha caído, depois que foi cair a ficha, eu falei: “Meu Deus do céu, eu estou numa casa de estelionatário.”
P/1 – Você tinha, assim, na cabeça: “Preciso sair desse lugar”?
R – Urgentemente, o mais rápido possível. Aí foi que eu conheci uma cafetina, que já eu conhecia já lá por nome, e ela pegou e veio buscar a gente.
P/1 – Qual que é o nome?
R – Michele o nome dela, foi a Michele, eu morei muito tempo com ela, fui para casa.
P/1 – Como é que você conseguiu sair dessa?
R – Lá da Penha?
P/1 – É.
R – Eu consegui porque eu falei, a gente falou que ia sair: “Não, não quero, a gente não quer ficar aqui,” mas as outras amigas, já tinha acontecido lá várias coisas tenebrosas, horrível, briga deles.
P/1 – Você lembra de briga?
R – Lembro de briga, eles chegaram lá, quebraram toda a casa, quebraram a gente, foi bem num dia de almoço, derrubaram toda a comida.
P/1 – Por quê?
R – Porque briga deles lá, rixa deles, aí quebraram tudo, aí foi, a gente, sabe? Por isso também, ter que descer todo dia, que eu era obrigada a ter que sair para rua armada com punhal para mim poder roubar, ele ficava do lado esperando eu assaltar os clientes, tudo, com um punhal na mão.
P/1 – Você assaltava os clientes?
R – Eu assaltava os clientes, eu assaltava para mim pagar eles, porque era uma conta que não tinha fim, entendeu? Eles sempre iam enfiando coisa para gente, enfiando, enfiando. Aí foi isso que eu desgostei de lá e queria sair, falei não: aqui não é lugar para mim nem para ninguém, aí conheci a Michele.
P/1 – Você assaltava como os clientes?
R – Assaltava mesmo, entrava dentro dos carros, entrava e metia o punhal no pescoço: “Bora, perdeu, otário, é um assalto,” eu era marginal, eu entrava mesmo só para assaltar e dava tudo para eles, aí eu saí de lá por isso.
P/1 – Teve algum problema? Alguma resistência para você sair?
R – Não, não teve resistência nenhuma, porque para onde a gente falou que ia era a cafetina, ela já tinha nome, era conhecida, então eles liberaram a gente normal.
P/1 – Você chegou a ser presa alguma vez aí nessa época?
R – Não, nunca cheguei a ser presa, entendeu, mas...
P/1 – Você não tinha medo de ser presa?
R – Tinha, morria de medo de ser presa, mas mulher eu estava devendo até a minha alma, o pescoço, eu tive que descer.
P/1 – Devia o quê? Comida? Casa?
R – Devia aluguel, comida, casa, roupa, essas coisas, o que eu quisesse eles tinham, estelionatário, já tinham o comércio dentro de casa, então era para isso, eu tive que assaltar para poder pagar a moradia, pagar alimentação, roupa, essas coisas.
P/1 – Quem era o chefe? Tinha um cara que controlava, anotava as contas?
R – Tinha, era um casal, um casal, uma filhinha, normal, não dava nada por eles, nossa, era muito, ela era muito garotinha, nossa, a beleza angelical, não dava nada para ela, com uma filhinha no berço. Eles iam nessas lojas aí grande, o que a gente quisesse eles pegavam para gente, a gente pagava metade do preço, se quisesse um secador de cabelo, era 150, 200, cobrava 100, a metade, então era isso que ficava me segurando lá, era isso lá, que eu ficava, sabe, ficava a mercê deles.
P/1 – Aqui que você começou a cheirar?
R – Foi, comecei cheirar foi quando eu fui para Michele, para outra cafetina.
P/1 – Era em que bairro?
R – Ela que veio pegar a gente, ficava na Zona Norte, fica na Cruzeiro do Sul, eu fui morar com ela lá e várias. Aí foi, eu comecei a descer, descia lá na Cruzeiro do Sul, descia em Santana. Aí eu comecei descer em Santana, aí eu conheci outra, essa bicha, ela disse: “Ai, vamos aqui comigo,” eu peguei: “Vamos” ingênua ainda: “Vamos,” eu fui ver eu estava sabe aonde? Dentro da Zaki Narchi, uma favela: “Bicha, o que eu estou fazendo na favela, mona?” “Ai, vou pegar um negocinho aqui para gente,” aí eu já: “Ah, tá, já sei,” aí ela: “Ai, mona, vai, cheira aí,” aí eu falei: “Ah, então vamos”, aí peguei e cheirei, pronto, foi a primeira vez que eu usei cocaína, foi cocaína da Zaki Narchi a primeira. Aí pronto, mulher, até hoje eu cheiro, fumo, já experimentei pedra, mas não gosto, que é uma viagem muito errada, sabe? Muito tenebrosa. Saio com os clientes que usa, fico só um pouquinho com ele, que eu não aguento aquele cheiro daquela fumaça que impregna, fico lá só um pouquinho: “Não, meu amor, já estou indo, beijo, me liga,” que eu não aguento ficar.
P/1 – Nesse programa na Zona Norte você, como era o sistema? Você dava o dinheiro para ela também, uma parte, como é que funcionava?
R – Eu dava, eu pagava só, que para mim ela não é cafetina, entendeu, essa segunda, a Michele, que foi mãe para mim aqui em São Paulo, entendeu? Que eu sou o que eu sou assim hoje mesmo, sabe, graças a ela, que eu devo muito a ela, que eu aprendi muita coisa com ela, ela foi parceira mesmo, sabe. Então eu pagava mesmo só a dormida, que era 20 reais, entendeu? E dez reais para alimentação, assim, sabe, não era cafetina ela, ela cobrava acho que é o certo, porque cafetinagem para mim foi a que a outra fez, que ela foi pilantra, entendeu?
P/1 – Aí você parou de assaltar?
R – Aí sim, eu parei, parei de assaltar.
P/1 – Não te passava mais pela cabeça?
R – Não passava mais pela minha cabeça ter que assaltar, eu assaltava mesmo, porque era obrigada, mas sempre fiz, gostei de ganhar meu dinheirinho na moral, sem roubar ninguém, entendeu? Aí não roubava, não. Descia, fazia os programas direto, só quando aparecia, quando maricona tirava, quando a maricona começa com tiração eu dou dois tapas na cara, uma testada, entendeu?
P/1 – Quando é o quê?
R – Quando é tiração.
P/1 – Como assim?
R – O cara, o cliente, quando está começando a querer tirar, já me irrito mesmo, dou dois tapas, uma testada e me dá o que é meu por direito, aí sim eu dou uma multa, entendeu? Mas não gosto de roubar, como eu falei, já roubei muito, mas não vale a pena.
P/1 – Quanto tempo você ficou na Zona Norte?
R – Eu fiquei bastante tempo, fiquei bastante tempo na Zona Norte.
P/1 – Você passeava pela cidade quando você não estava trabalhando? Como que era o seu lazer?
R – Passeava, ia, acordava, a gente vive mais à noite, mas eu sempre vivi, gostei de viver o dia, saía para as lojinhas, ia comprar os acessórios, ia na farmácia, tomar hormônio, sabe, ia na boca pegar um beck, essas coisas.
P/1 – Você se apaixonou?
R – Me apaixonei, me apaixonei por um cara que era cliente, saí três vezes no programa, aí na terceira vez ele me pediu em namoro, disse que queria namorar comigo, esse foi corajoso, me assumiu mesmo. Levou, assumiu para família, para os amigos, sabe, eu fiquei um ano e seis meses com esse cara.
P/1 – Como é o nome dele?
R – Marcelo, ele era de fora, sabe, assim, de fora do mundo da putaria, sabe, assim, ele vivia, tinha uma vida normal, assim, aí eu conheci ele, ele foi, me apresentou para família, para os amigos.
P/1 – Para família, quem da família?
R – A família, o pai, a mãe.
P/1 – E os pais?
R – O pai dele aceitou, tudo bem, mas a mãe, meu amor, (risos) quem eu pensei que ia aceitar, que era a mãe dele, não aceitou, nossa, a mãe dele me desconjurou, ela aceitava mesmo por, na tora.
P/1 – Você frequentava almoço?
R – Eu frequentava almoço na sala, tudo, e ela com a cara de cu para mim, (risos) e ela nem confiança para mim, e eu querendo fazer a social, interagir, conversar, para ver se fazia amizade, ganhava o coração da sogra, mas não, ela era ruim mesmo, entendeu? Preconceituosa mesmo ela. Aí ela não aceitou, mas o pai já: “Tudo bem, se é isso que ele quer, que ele gosta, importante que seja feliz,” o pai dele, foi um amor ele.
P/1 – Ele fazia o quê?
R – Ele?
P/1 – É.
R – Ele trabalhava na empresa Ericsson, ele trabalhava na empresa Ericsson, ganhava um bom salário dele, tinha um carrinho dele, um Chevette. Eu continuava fazendo programa, continuava morando com ele, ele vivia com a família dele e eu vivia lá, ele foi o meu fiador, emprestou nome, alugou um apartamento para mim, tudo, pagava o aluguel para mim, ele era parceiro mesmo.
P/1 – Ele não se incomodava? Não ficava com ciúme?
R – Se incomodava, era isso que foi desgastando o relacionamento, porque ele ficava muito, pesando muito na minha, entendeu? E eu falava para ele: “Olha, meu amor, tu gosta ou não gosta, confia ou não confia.”
P/1 – Você não tinha vontade de fazer outra coisa? Essa era a tua profissão?
R – É a minha profissão, ele me conheceu fazendo programa, então é a cara dele aceitar, entendeu? Porque ele não me tirou dessa vida, então, meu amor, então aceite que dói menos. E foi, eu fiquei com ele, nossa, foi o único cara, assim, que eu aprendi mesmo, que foi assim, sabe, amar mesmo, eu aprendi a amar foi com esse cara, assim, o primeiro cara que o amor que eu tive, assim, foi ele assim mesmo. Aí eu fui desgostando porque, sabe, assim, nas relações, a maioria das vezes, ele sempre queria que eu comesse ele, entendeu? A maioria das transas que a gente fazia sexo, então ele sempre queria que eu comesse ele, entendeu? Aí foi isso que eu fui, sabe, tendo nojo, sabe, eu fui tendo nojo. Aí também ele já descobriu também, já começou a desgastar, aí ele pegou e um certo dia ele me ligou, acho que ele estava no trabalho, eu estava em casa, ele me ligou, aí me ligou outro cara, que eu também saía com ele, era outro cliente. Aí eu falei: “Pera aí, que a minha outra linha, segura aí que a minha outra linha está tocando,” aí era esse outro cara, esse outro cliente, ele ouviu eu falando um monte de coisa para esse cliente, entendeu? (risos)
P/1 – O que é que você falou para ele?
R – Ele falou, eu falei para ele, ele ouviu eu falando, pagando pau para o cara.
P/1 – Você gostava dele também? Você paquerava também esse outro cliente?
R – Esse clientezinho já era, era meio que, sabe, não era meio que um cliente, já se tornou já um vício, entendeu? Eu comecei a fazer, aí eu comecei a fazer, pagou as primeiras vezes, aí depois eu comecei a sair de graça com ele. E esse meu ex-namorado ele pegou eu falando no telefone com o cara, pagando pau para o cara no telefone, aí pronto, ele ouviu eu falar, entendeu? Aí pronto. Aí ele foi, veio, disse que ia terminar, eu chorei, esperneei tudo, mas, sabe, eu chorei muito na perda dele, sabendo que eu estava errada, entendeu? Mas a gente vê que gosta mesmo quando está perdendo, aí foi aí que eu vi, eu falei: “Nossa, perdi ele mesmo,” sabe, o cara era nota dez comigo e eu, sabe, fui pilantra com ele, por causa disso também, sabe, que ele só queria que eu comesse ele, eu falei: “Ai, não, chega,” sabe. Porque já bastava os clientes na rua que eu tinha que comer, aí chegar e comer namorado ainda, ai, não, sabe, faça-me o favor, entendeu? Aí fui desgostando dele, aí pegou, falou que esse cara, que esse cliente. Ai, gente, eu estou suando, porque aqui está sem ar condicionado, não é que eu estou nervosa não, viu, e nem tenho menopausa. Sabe, aí foi, foi a gota d’água, aí pronto, aí acabou tudo o meu relacionamento, eu falei também, desde aí então eu também nunca mais...
P/1 – E esse outro cliente nada?
R – Ah, esse outro cliente até hoje, mulher, eu tenho assim, sabe, eu vejo ele, eu falei: “Ai, desgraçado, por tua culpa, infeliz,” sabe, eu falo para ele, ele sabe que eu terminei com o meu namorado por causa dele: “Você foi o pivô da minha separação, por causa de ti, desgraçado.”
P/1 – Você nunca mais encontrou o Marcelo?
R – Nunca mais encontrei o Marcelo, assim, depois que eu terminei com ele aí eu encontrei com ele com outro travesti no carro, eu vi ele passando e pegando outro travesti do carro do meu lado, foi para mostrar, eu falei: “Eu também não vou deitar para esse veado também.” Pegou a outra do meu lado, mulher, pegou minha outra amiga do meu lado, que estava trabalhando comigo, pegou do meu lado e foi para o drive, eu também estava indo, peguei o programa e estava indo para o drive. Aí eu falei: “Se ele está indo para o drive também com essa bicha,” paramos no semáforo do lado, olha como é as coisas, o carro parou do lado, ele com a outra bicha, eu com outro cliente do lado do carro, nós paramos box a box. Ai, parou box a box e eu ouvi toda a movimentação do lado, box a box, já era gemeção, ele gemia, gemia, que ele só ia mesmo, só gostava, só para dar o cu para gente, eu ouvi, ai, eu falei: “Ai, que maricona safada, está vendo como é traição, (risos) que bando de maricona safada,” eu falei: “Ai” (risos) ai, mulher, e foi. Eu tive que ver isso tudo, sabe, ainda, eu falei: “Ai, uma lição mesmo terrível.”
P/1 – E você com a sua família você não tinha mais contato?
R – Sempre tive contato com a minha família.
P/1 – Com quem que você mantinha? Como é que vocês se falavam?
R – Todo fim de semana eu ligo para minha mãe, só mesmo quando, sabe, quando as coisas está difícil mesmo.
P/1 – Sua mãe avó?
R – Mãe avó, que eu tenho mais contato com ela, ih, minha mãe outra, biológica, ela é testemunha de Jeová, muito seca, Ave Maria.
P/1 – Você fala com a sua mãe avó até hoje?
R – Eu falo com ela até hoje, quando eu não ligo para ela, ela me liga. Esses dias mesmo lá atrás teve o caso aí do esquartejamento, passou alguma coisa falando de travesti na televisão a família da gente no outro dia já liga preocupada, para saber se a gente não, (risos) não morreu, para pegar o que a bicha não tem. Ai, que família é só isso, só para coisar, ficar com a coisa da gente tudo.
P/1 – Aí você ficou na Zona Norte quanto tempo? Você falou que ficou muitos anos.
R – Ai, eu fiquei bastante tempo lá, lá que eu me fiz toda, que eu comecei a me transformar, comecei a fazer minha primeira bombação, que eu me bombei, foi lá, sabe, botei peito, fiz nariz, fiz tudo lá de Santana, tudo lá, correndo da polícia, porque lá os travestis lá em Santana era assim correndo da polícia.
P/1 – É mesmo? Por que é que a polícia...
R – Embaçava? Nossa, porque tinha muito roubo, as bichas roubava muito, eles iam todo dia lá fazer batida, eles me pegavam, várias vezes eu corria, pendurava nas árvores, me escondia, entrava dentro dos box, os clientes coisando e eles invadindo os box, só mesmo para fuder a gente, sacanear, sabe, porque sempre tem esses policiais pilantra também, que são tudo corrupto também. Eu tinha que me esconder, tinha um que era capitão de lá, nossa senhora, foi várias vezes, eu fui humilhada, agredida, sabe, no meio de todo mundo, fui presa. Eu fui tentar, que eu não tinha feito nada, eu estava lá só fazendo programa, entendeu? Ganhando o meu e o polícia em vez de vir fazer a segurança da gente, não, eles queriam botar a gente para correr, porque, infelizmente, porque umas fazem, todas pagam, e quando veem, meu amor, que os alemão tão vindo, era perna para que te quer em Santana. A gente só trabalhava assim, correndo da polícia, e os clientes adoravam, que a gente correndo da polícia, e os clientes já parava o carro: “Bora, borá, entra,” já fazia a fuga da gente. (risos)
P/1 – Você chegou a ser presa?
R – Cheguei, várias vezes, mulher, perdi várias noites de trabalho ali, viu, porque eles pegavam mesmo só para gente perder a noite, só para sacanear.
P/1 – Você ficava quanto tempo presa?
R – Ficava a noite todinha, a madrugada todinha.
P/1 – Mas com outros presos na cela?
R – Com outras bichas, não, eles não misturavam a gente no meio dos presos babados, não, eles botavam a gente numa outra cela. Mas chegava lá, só palhaçada: “Vocês trazem a gente para cá para quê? para gente perder a nossa noite de trabalho, entendeu? A gente cheia de dívida para pagar e vocês trazem a gente para cá para querer ficar fazendo vício com a gente.” Porque o policial lá queria botar lá, queria que eu chupasse ele dentro da cela, fiquei louca, sabe, fiquei louca, arrasei com a cara dele, eu falei: “Ah, se manca, vocês, se manca, vocês trazem a gente para cá para ficar querendo, zombar da cara da gente e fica querendo fazer no vício.” E outras bichas, tudinho na cela, que eles faziam o caminhão, enchiam e levava todas, só para sacanear, a gente perder a noite todinha e ficava lá. Babado ali em Santana, viu, para trabalhar.
P/1 – Mas eles soltavam? Não precisava de advogado? Nada?
R – Não, não precisou, dessa vez não precisou porque, só uma vez que eu precisei da minha amiga Karen, que foi que ela me salvou, que eles botaram, na delegacia eles arrancaram a minha roupa, arrancaram a roupa que eu estava e fizeram eu entrar nua dentro da delegacia. E chegou lá, um preto, eu vou dizer assim, um preto, que ele tinha eu acho que, sabe, era revoltado da vida, preconceituoso.
P/1 – Policial?
R – Policial militar ele, e ele pegou, isso ele e o outro, que embaçava mesmo na gente pesado, sabe, pegava mesmo, batia na cara, algemava, sabe, e uma dessas, na primeira vez que ele pegou, sabe, eu peguei fiquei revoltada mesmo, eu falei: “Ai”, sabe, revoltada, estava revoltada já com essas coisas de ele vim, sabe, e querer levar a gente para delegacia presa, sem ter feito nada. Aí numa dessas ele pegou, eu reagi, ele queria me levar e eu não queria ir por nada, foram os dois policias para poder, sabe, me botar dentro da viatura, me algemar, até que eles me venceram no cansaço e me botaram e algemaram, me deixaram dentro da delegacia, eles arrancaram a minha roupa e botaram a maconha na minha bolsa e fizeram eu assinar um processo e eu tive que assinar, mulher, sabe, com a situação, sabe, desorientada ainda, confusa, eu peguei, tive que assinar, quando eu fui ver era um BO que eles tinham botado para me fuder. E ele vinha no carro, dentro da viatura, e eu atrás algemada e ele vinha me apavorando mesmo, assim, no psicológico, dizendo que eu ia: “Tu está em São Paulo, veado, tu vai ver, tu está mexendo é com policial, não sei o que, eu vou te mostrar, eu vou botar para fuder, eu vou botar,” sabe, falando mesmo para mim que ia botar para fuder. Aí teve babado, teve audiência, eu fui para o Fórum, tudo, sabe, paguei uma cesta básica, tudo, que o juiz ele perguntou para mim se eu queria.
P/1 – Você chegou a ficar presa?
R – Não, não cheguei a ficar presa, eu fiquei detida lá.
P/1 – Onde você estava?
R – Eu estava trabalhando, estava em Santana, Voluntários da Pátria, estava trabalhando.
P/1 – Quando foi isso? Que ano?
R – Isso foi em 2008, por aí, sabe, por aí.
P/1 – Por que é que o policial persegue? Por que você está fazendo programa?
R – Eles perseguem a gente, mulher, porque eles são, esses aí, vamos se dizer, que são, sabe, uns ratos, uns vermes, vamos dizer assim, são uns policiais corruptos, sabe, porque eles lá, os próprios, eles chegavam para mim e falava assim, quando quisesse fazer um assalto, um cliente, sabe, eles faziam.
P/1 – Com 15 anos você começou já, quando você começou a fazer michê você já se vestia de mulher, antes dos 15 anos você tinha vontade de se vestir de mulher?
R – Tinha, não, minto, minto, foi com uns 15 anos mesmo, quando eu estava sendo michê, que eu via outras travesti, que eu comecei a ter vontade de me vestir de mulher, aí foi que eu comecei a me vestir, aí depois eu botei minhas plásticas, fiz as plásticas, aí virei, me transformei em travesti.
P/1 – Vamos ir para frente agora, aí quando aconteceu esse, como que você sabia da Karen? Quando você conheceu a Karen?
R – Eu conheci a Karen através do Barry, nosso amigo Barry, eu conheci através dele.
P/1 – Como você conheceu o Barry?
R – Eu conheci o Barry através da Michele, que eu morava com ela e eu conheci ele através dela, que ele me salvou.
P/1 – O que o Barry fazia?
R – O Barry fez?
P/1 – O que é que ele é? Quem é o Barry?
R – O Barry? Ai, o Barry é um anjo na minha vida, (risos) é um amor de pessoa ele, o Barry.
P/1 – Mas por quê? O que é que ele ajudava?
R – No que é que ele me ajudava?
P/1 – É.
R – Ai, só ele ter me tirado desse BO.
P/1 – É um advogado?
R – Um advogado, ele foi, ele que foi o meu defensor, ele me defendeu, então, devo isso a ele, entendeu? De eu não ter meu nome sujo, assim, por causa desses babados que aconteceu a ele.
P/1 – E aí? Aí os policiais fizeram você tirar a roupa.
R – Fizeram eu tirar a roupa e ser algemada, eles tiraram minha roupa, nisso já me deram uma surra, levei um corrió deles antes de entrar na viatura, quando eles chegaram para me abordar, que eu renitei, eu renitei. Aí eles me deram uma surra, me algemaram, me botaram dentro da viatura atrás e vinham me apavorando o psicológico e quando chegou na delegacia ele me levou para salinha lá e botou droga na minha bolsa, isso eu nua, toda espancada, com droga dentro da minha bolsa. Aí foi, aí foi que eu liguei para Karen, exatamente, liguei para ela, aí falei que eu, aí teve audiência, tudo, fui no juiz.
P/1 – Você conseguiu provar que você não tinha droga?
R – O juiz chegou lá, viu que, olhou para mim, disse: “Não, essa daí vai pagar só uma cesta básica mesmo por ter desacatado,” sabe, que ele viu, ele percebeu, que viu minha situação que eu não tinha, sabe, viu que os policiais quiseram me fuder mesmo, botaram droga dentro da minha bolsa. E fez eu pagar uma cesta alimentar por mês, eu paguei durante um ano, eu paguei, eu ia, tive que pagar essa cesta básica, sabe, uma instituição de caridade.
P/1 – Você está até hoje na Zona Norte?
R – Não, hoje eu não estou na Zona Norte, depois disso eu vim para o Centro.
P/1 – Você conhecia alguém no Centro?
R – Conheci, conheci as bichas no Centro.
P/1 – Você é ligado a alguma cafetina no Centro?
R – Não, não sou ligada, conheço, mas não me envolvo.
P/1 – Você faz programa por conta própria?
R – Eu sou acompanhante de site, eu faço programa pela internet, os clientes me ligam, marcam programa comigo ou eu desço também para rua, quando a internet não está bem, o movimento não está legal pela internet, eu vou para rua. Mas ultimamente eu estou só pela rua, porque a internet deu uma caída muito, eu estou descendo para rua direto, então eu desço aqui no Centro, aqui na Rego Freitas, na Amaral Gurgel, eu fico ali em frente ao Kalipha, na Rego Freitas, fico em frente ao Grant´s Hotel, ali que eu fico e moro, eu moro num hotel ali, pago por dia.
P/1 – Quanto você paga por dia?
R – Pago 60 reais nesse hotel aonde eu estou morando.
P/1 – Quanto você faz em média numa noite hoje?
R – Numa noite?
P/1 – É.
R – Em média, assim, tem noite que eu faço uns 500 reais, tem outras que eu faço 200, sabe, tem outras que faz nada, só vai gastar, que quando a roda está penosa, a gente ganha, faz um programinha, um varejinho, aí eu faço um varejinho e pronto, aí bebe, gasto todinho, bebe, fuma, cheira, sabe, fico fazendo as festinhas com as amigas na rua, quando a rua está ruim o movimento.
P/1 – Qual que é a diferença de está no Centro da cidade para Zona Norte, por exemplo?
R – Uma grande diferença, diferença disso, sabe, que Zona Norte é bairro, os programas lá são mais barato, é mais varejo ainda, mas a vantagem que é um atrás do outro, sabe, você faz o quê? Por noite você chega a fazer uns 800, 900 reais na Zona Norte, no Centro não, no Centro você pega os clientes doido aí, maricona, sabe, que dá um bom dinheiro para gente.
P/1 – Tem tempo em média que você fica por programa? Ou varia?
R – Tem, eu determino o tempo, eu trabalho por hora, sabe, eu trabalho por hora, eu cobro 100 reais para fazer um programa normal, e quando eu vejo que o cara é drogado, quer se drogar, entendeu, eu cobro 200 reais para mim sair com um cara drogado, e o que o cliente quiser lá na hora a gente combina.
P/1 – No Centro é só chegar, é difícil chegar e se estabelecer no Centro? Você teve que ter alguma negociação para fazer ponto lá?
R – Olha, para mim não foi difícil não, para mim foi fácil, porque eu já era bem conhecida, já fiz vários filmes pornô, então bem conhecida, eu conheço todas, sabe, então para mim foi fácil chegar, cheguei, as outras não tiveram rivalidade nenhuma, nada, cheguei e fiquei, conquistei meu espaço.
P/1 – Mas não é qualquer uma que consegue chegar e se estabelecer lá?
R – Não, não é qualquer uma, viu, meu amor, que fica ali, viu, ali para você ficar mesmo você tem que ser...
P/1 – Você falou que você já fez filme pornô.
R – Já fiz filme pornô, vários filmes pornô.
P/1 – Qual foi o primeiro que você fez?
R – O primeiro? Ai, o primeiro eu fiz com um cara.
P/1 – Como foi o convite?
R – O convite? Foi um produtor que me ligou, ele me ligou: “Ai, oi, Carla, tudo bem? Sou produtor da Maso e tenho um filme aqui para você, é assim, assim, assim e assado e eu estou pagando 500 reais para você fazer, cinco posição de cada coisa.” Aí foi, eu comecei a fazer filme pornô com esse cara da Maso.
P/1 – Qual é o nome do filme?
R – O filme chama-se “Amor de boneca,” o nome do filme, um dos, outros chamam “Trans site,” o nome do filme.
P/1 – O segundo que você fez?
R – É que eu fiz vários, eu fiz para vários produtores, fiz nacional e internacional.
P/1 – Internacional?
R – Internacional.
P/1 – Como foi o internacional?
R – Foi um produtor de fora também, que a gente fica bem conhecida entre eles, aí foi por indicação, aí o produtor daqui, brasileiro me indicaram os caras.
P/1 – Depois você assiste o filme?
R – Assisto, assisto o filme, até hoje assisto o meu filme, eu vejo: “Ai, não acredito que é eu,” (risos) sabe, mulher, eu sou tão safada, (risos) eu sou tão atriz pornô que tem hora que eu nem me reconheci, nossa, é eu mesmo, sabe, fico passada.
P/1 – Qual que você gostou mais de fazer?
R – Ai, mulher, que eu gostei mais de fazer foi, que eu queria que tivesse saído, que eu tentei esse filme, eu tentei fazer ele, foi uma penetração dupla por dois caras, Pitt Garcia e quem mais? Foi um produtor daqui, da Maso, foi para o da Maso? Não, minto, para Buchmann, para esse produtor da Buchmann, tentei fazer uma dupla penetração, eu não consegui, mulher, porque eu estou muito apertada, não estou, (risos) não estou larga ainda, o meu é apertadinha, queria entrar dois paus desse tamanho enfiado no cu, (risos) aí eu só enfiei um, aí foi o que eu gostei e queria que saísse e não saiu, entendeu? E os outros, assim, também foi no truque, tinha umas gay, sempre botava gay para botar com a gente. Esses dois, botaram os únicos dois bofes que são conhecidos no mundo da putaria, que são ativão, que só comem, então eu queria que saísse era esse filme, já que eu vou fazer uma coisa, só que eu tentei e não consegui, mas o que eu queria que saísse era esse. Aí saiu esses outros filmes, que eu fiz com esses meninos, com esses michezinho, com essas gay, as gay não ficava excitada direito, para na hora de fazer a cena, não ficava excitada direito, aí toda hora um corta, corta na cena, aí uma checava, aí tinha que ir limpar tudo, nossa, senhora, sabe. Porque chegava lá: “Vamos, vamos trabalhar, está aqui para quê?”
P/1 – Você pode me explicar? Eu não entendi, checar, como é que era?
R – Checar é quando a gente caga o pau, aí a gente fala cheque, entendeu? As gays começaram a checar, tinha que parar a cena, essas coisas, de filme, para, corta, é tudo demorado, nada é fácil, tudo demorado.
P/1 – Você conseguiu juntar dinheiro?
R – Consegui, mulher, consegui, mas eu sou muito compulsiva, gasto tudo, entendeu? Estou numa fase assim, sabe, gastando tudo, gasto com moradia, no hotel que para morar aqui em São Paulo é o preço que a gente paga é esse, é um preço de um programa, eles querem da gente, eles querem um programa, entendeu? Aqui para morar, assim, um quadrado desse tamanhozinho, um ovinho que você, quase não se dá para você se transitar.
P/1 – Você passeia pelo centro da cidade?
R – Passeio, eu vou, sabe, dou minha voltinha, eu vou no Arouche, vou na República, sabe, vou nos parques, adoro ir, quando tem de domingo, nas feirinhas, vou para as feirinhas, Santa Cecília, vou para o Minhocão, comércio, desintoxicar, por a droga para fora um pouco, andar um pouco, ver gente, ver o dia, sabe, eu adoro viver o dia e depois também gosto da noite. (risos)
P/1 – Você voltou para São Luís?
R – Volto, quase todo ano eu volto, esse ano mesmo que passou eu voltei, passei lá as festas natalinas com a família.
P/1 – Como é que é quando você encontra? Quem da família? A sua mãe?
R – Ai, foi tudo, quando eu encontro, quando eu chego lá tão todo mundo me esperando, a família toda.
P/1 – Hoje todo mundo aceita?
R – Todo mundo hoje em dia aceita, hoje aceitam normal.
P/1 – Seu avô morreu quando?
R – Ai, meu avô morreu, assim, a puta dele, com a puta dele já cresceu o olho nas coisas dele, porque ele ficou finíssimo, o meu avô, em Parauapebas, ele ficou finíssimo, comprou casa, comprou carro, ele botou distribuidora de arroz, de feijão, de farinha, sabe, ele distribuía essas coisas, ele vendia. Então ele construiu várias coisas, casa, carro, tudo, e a puta dele, a mulher dele pegou, botou, deu soro vencido para ele e ele morreu assim, ela matou ele, o soro vencido vai ficar com as coisas dele. E a minha mãe que ficou por mais tempo com ele, o que ele deixou para gente lá foi a casa, o fusquinha e a oficina e um monte de dívida.
P/1 – E aí você voltou para lá agora esse ano?
R – Eu voltei, eu volto todo ano, assim, eu passo as festas com a família, ai esse ano eu fui, essa mãe biológica me surpreendeu, ela foi me buscar no aeroporto com minhas duas irmãs, coisa que eu sentia falta, quando eu chegava assim, quando eu ia chegar lá, ia para lá, porque como o aeroporto fica em São Luís e eu moro a três horas de São Luís, então eu sentia falta de chegar lá e ter alguém me esperando lá chegar, a gente via todo mundo, os parentes de todo mundo chegando e vinha e não tinha ninguém, assim, sabe, era chato, assim, sabe. Aí dessa vez não, ela me surpreendeu, veio ela e minha irmã me buscar, e ela ia quase todo dia, dessa vez ela foi menos, minha mãe, ela ia menos para lá. Mas ela é empregada doméstica, trabalha em outra casa também, no sítio, fica bem de frente, sabe, assim, cinco passos já está no trabalho dela, ela é empregada doméstica, testemunha de Jeová. Então ela, de vez em quando ela ia, sabe, assim, dessa vez que eu fui, essa última vez que eu fui agora passar lá ela foi menos, sabe, estava fazendo a difícil ela.
P/1 – Você tem uma cicatriz.
R – Essa cicatriz foi um briga que eu tive na minha cidade.
P/1 – Como foi?
R – Foi num pagodezinho, eu estava eu e outra amiga minha, das antigas, a Pérola Letícia, e esse bofe veio querer bater nela, e eu sou muito dessas, eu sou muito, sabe, de querer fazer a delegada, querer comprar barulho dos outros, quando eu estou assim com as minhas amigas, se algum bofe vier com babado, querida, sabe, eu não deixo bater jamais não, que eu tomo mesmo, sabe: “Não, não vai bagunçar assim também, não.” Aí o bofe, ele queria bater nela, deu um murro nela, aí foi, ele pegou também me deu um soco também aqui, cortou aqui os meus lábios, foi uma briga essa cicatriz. E outra também, nossa, e outra também que, lá em São Luís também, eu tenho outra cicatriz aqui assim, que foi assim essa cicatriz, foi quando eu comecei também a fazer programa lá em São Luís, eu era só me montava, era gay, mas só me montava, só vestia roupa de mulher, não era travesti ainda. Aí eu conheci essa outra colega lá, eu comecei a descer e ir e olho grande dela, ela viu um carro finíssimo para mim parando, aí ela pegou e foi logo entrando dentro do carro, ela já foi logo abrindo a porta de trás do carro, já foi logo entrando, pá, já invadiu, essa travesti lá de São Luís, já invadiu o carro, chegou lá no hotel, eu ia fazer o cliente, não ia roubar ele, mulher, sabe, quando o cliente parou, maravilhoso, fez tudo certinho, bonitinho, eu falei para ela: “Mona, eu não vou, não quero,” todo tempo falando: “Eu não quero, eu não vou, sabe, ele fez a maravilhosa com a gente, então não tem porque, ele não foi pilantra com a gente, não foi tirando, então não tem porque roubar ele.” Aí ela na maldade, que ela só desce para roubar, e ela na maldade disse: “Bicha, eu vou roubar esse bofe” e eu já estava lá, mulher, sabe, acabei me envolvendo, falei que não queria, mas acabei: “Ah, já estamos aqui então nesse fim de mundo, então, não vai levar sozinha também, não, veado, não vai tomar o cliente também sozinha, não,” também já peguei, parou lá na boca do lobo lá em São Luís que a gente levava para lá os carros, aí parou, nisso estava vindo mais três bofezinhos também fazer, o assalto, ajudar no assalto, mulher, quando nós saímos do carro e o cliente gritando: “Socorro, socorro, socorro, socorro,” uma puxa a bolsa do lado, outra puxa a bolsa do outro, e nisso eu já ia saindo e tinha um buraco assim aberto na parede e nisso o vizinho acordou, com os gritos do cara pedindo socorro. E eu peguei, o cara saiu já atirando para cima, tá, tá, tá, e o terceiro tiro pegou em mim, ele pegou em mim e bem na hora que eu ia passando dentro do buraco assim, o tiro já veio, pum, entrou e saiu, afetou uma tripa minha e até então eu não tinha percebido ainda que eu tinha levado um tiro, que a gente não sente quando leva um tiro. Eu senti falta de ar, assim, eu senti, ai, falta de ar, assim, peguei na barriga, quando eu peguei assim eu vi, que eu não tinha me dado conta, caiu a ficha que eu tinha levado um tiro, aí eu fiquei nervosa.
P/1 – Quando caiu a ficha?
R – Foi.
P/1 – Quando que caiu a ficha que você tomou um tiro?
R – Foi quando eu vi que estava, peguei assim, passei a mão na barriga, vi, olhei assim, estava a minha tripa saindo, aí perdendo ar, perdendo ar, minha voz já faltando, meu Deus do céu, e minha vista ficando escura e eu falei: “Pronto” e eu me arrastando nas paredes até para chegar na avenida, eu me rastejando, rastejando. Nisso essa amiga me viu, essa amiga me viu, já pegou no braço e eu falei: “Mona, ai bicha, eu vou morrer,” “Não, bicha, não vai, não vai, não vai, não vai,” “Bicha, eu estou morrendo, estou morrendo, bicha, eu estou perdendo muito sangue, bicha.” E nisso, no meio da avenida lá em São Luís, já era para parar e pegar um táxi para ir para o hospital, ai, eu quase morrendo e táxi nenhum queria parar, entrar, vai melar o táxi de sangue, mulher, muita coisa mesmo, muita, sabe, só Deus mesmo, “Ai, deu”, “Não me desampare agora,” peguei até: “Pelo amor de Deus, senhor, me ajuda, se você tiver filho me ajuda, eu estou morrendo,” botou dentro do táxi, eu fui. Quando eu me espanto já vinha o cara que foi assaltado, mais duas viaturas indo para o pronto-socorro, socorrão, socorrão, eu cheguei já algemada, porque foi flagrante, eu cheguei algemada, cheguei trajada ainda, toda espumada, travesti, não tinha me transformado ainda, e tiraram toda a minha roupa e me atenderam na hora, eu cheguei lá, fui na urgência, me atenderam, me enfiaram anestesia, me abriram, costuraram a tripa, e fui para sala de recuperação. Eu acordo, os efeitos do coisa, eu já estou, eu algemada, mulher, eu toda ponteada, aí algemada, cheia de dor ainda dos remédios ainda, sentindo dor, ai, meu Deus do céu, algemada, eu falei: “Ai, que ódio, eu toda costurada, ainda algemada,” aí foi podre, ai peguei, liguei, não podia, eu fiquei nove dias de recuperação.
P/1 – Algemada?
R – Não, nunca que eu ficar algemada, eu peguei na hora liguei para o meu primo, que ele é capitão de lá, da polícia, coronel, alguma coisa assim, eu peguei e liguei para ele, com muito esforço, assim, da ajuda, sabe, de enfermeira, contei a situação tudo para elas. Elas se sensibilizaram comigo, ficaram com muita pena de mim e deixaram eu fazer a ligação lá do hospital para casa, para vim, para o meu primo vir me desalgemar, que eu gritava lá dentro, gritava lá: “Me desalgema, eu quero ser desalgemada agora,” sabe, aí ele veio, me desalgemou, eu fiquei, continuei lá em observação ainda, quando foi no dia lá, no dia que o médico deu a alta para mim, ai, fui sair lá fora, fui respirar, pegar um ar, andar, caminhar um pouco, para se movimentar, eu fui caminhar lá fora um pouco, quando eu saio já encontro a minha tia, com a sacola na mão, crente ela de fogo, sabe, da Assembleia, pegou: “Vamos, te veste rápido,” já me vesti, tirei a roupa do hospital, tirei a toca, tirei coisa. Aí ela: “Te veste”, eu prendi o meu cabelo, que eu tinha o cabelo curto ainda, que eu usava aplique, usava aplique, eu era ruiva na época, usava aplique, eu com o meu cabelinho, amarrei meu cabelo, botei a bainha, o shortão e a blusa e passei por meio da polícia, do segurança, passei por três portas, três, e saí para casa do meu primo. Fiquei lá, ele ficou lá cuidando de mim, na casa do meu primo, minha mãe foi para lá, minha outra mãe também, elas estavam no táxi me esperando as duas, quando foi que a minha tia me pegar, já estavam no táxi esperando elas, minha mãe biológica e minha avó. Aí, eu fui para casa de um primo meu, que eu nunca tinha visto ele na vida, nunca tinha conhecido, fui lá para casa dele, aí chegou lá, foi ótimo porque ele, sabe, super cabeça aberta, ele fumava beck, nossa, sabe, saí de lá, (risos) eu me recuperei lá rapidinho, aí de lá eu voltei para Santa Inês e fiquei lá me recuperando, na casa da minha mãe biológica.
P/1 – Você tinha quantos anos?
R – Eu tinha 20 anos.
P/1 – Quando que você mudou o nome para Carla Bruna?
R – Quando eu mudei para Carla foi quando eu conheci...
P/1 – Por que Carla Bruna?
R – Por que Carla Bruna? Porque eu fiquei conhecida assim, eu sempre gostei de nome composto, Carla Bruna é um nome forte, de personalidade forte, são dois nomes, são dois nome fáceis de se gravar, decorar, eu peguei e botei Carla Bruna, aí ficou Carla Bruna, fiz filmes.
P/1 – Com quantos anos?
R – O quê?
P/1 – Quantos anos você tinha quando você passou a chamar Carla Bruna?
R – Ah, já foi agora, foi aos 20, depois dos 20 que eu virei travesti e que eu botei Carla Bruna.
P/1 – Parou de ser Patrícia.
R – Parei de ser Patrícia, Larissa, que foi Patrícia, foi Larissa, aí fiquei Carla Bruna até hoje, todo mundo me conhece como Carla Bruna por causa dos filmes que eu fiz, tudo, eu fiz vários filmes, vários, fui lá no Google digitar Carla Bruna aparece uma lista de filme meu com gay, com homem, com outro travesti, com mulher, só não com bicho, nunca gostei de sexo, sabe, bizarro, essas coisas eu nunca gostei.
P/1 – Carla, olhando a sua trajetória, tudo o que você contou, a sua história de vida, você se arrepende de alguma coisa? Você faria alguma coisa diferente?
R – Não, eu não me arrependo de nada, nada, e muito pelo contrário, ainda me arrependo de não ter feito ainda várias coisas ainda. (risos)
P/1 – Qual que é a sua relação com a Karen?
R – Ah, a Karen é uma grande amiga minha, eu tenho ela como amiga mesmo, considero demais ela, sabe?
P/1 – A Karen é a advogada que você conheceu naquela época?
R – A Karen é minha defensora que eu conheci na época, sabe, eu tenho um relacionamento ótimo com ela, assim, bem aberto, sabe, ela passa lá no meu trabalho, sabe: “Carla, passei aqui para te ver, vamos dar uma voltinha, dar um giro, vamos tomar uma cervejinha,” sabe, eu tenho uma relação ótima com ela, adoro a Karen, adoro, adoro mesmo, eu amo de paixão.
P/1 – Quais são os seus sonhos?
R – É ter, um sonho de todos nós, ter seu tetozinho para morrer embaixo, não ficar velha na putaria, ter o seu tetozinho, o meu carrinho, o meu negocinho, mulher, e não ter essa obrigação de está, sabe, todo dia fazendo programa, só quando quiser, assim, abrir uma exceção para alguns, sabe, mas é esse. Meu grande sonho é esse, e dar minha casinha para minha mãe, que apesar que ela já tem a casa dela, não paga aluguel, tudo, mas eu quero, sabe, pá, dar uma reforma babado assim na casa dela, apesar que eu já reformei tudo, sabe, mobiliei tudo, mas.
P/1 – Você manda dinheiro para ela?
R – Mulher, agora ultimamente está difícil, não estou mandando não, parei de mandar um tempo, porque ultimamente só está dando para sobreviver, pagar conta, mas de vez em quando eu mando, sabe, uns 200, 300 reais, assim, mas quando a vaca estava gorda eu dava um bom dinheiro para ela, sempre mandei, sempre ajudei minha mãe, sabe?
P/1 – A gente falou num espaço super pequeno, deve ter um monte de coisa que a gente não tocou no assunto, tem alguma coisa que você acha importante deixar registrado?
R – Alguma coisa? Deixar registrado?
P/1 – É, que a gente não falou e que você acha importante: “Ah, lembrei de tal coisa que eu queria contar.”
R – Não, acho que não, colega, eu contei tudo, viu.
P/1 – O que você achou da experiência de contar a sua história de vida aqui no Museu da Pessoa?
R – Eu achei legal, interessante, muito bom ter que mostrar a realidade da gente, que é essa.
P/1 – Obrigada, eu queria agradecer.
R – Obrigada você.
FINAL DA ENTREVISTA
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