Hoje sou um cidadão desta grande pequena cidade chamada Aracaju, capital de Sergipe. Mas nasci e vivi minha infância e adolescência no baixo São Francisco, na cidade de Propriá. E sempre que visito a minha cidade natal, volto a ser aquele menino que ia à roça do avô. Era aos domingos, na di...Continuar leitura
Hoje sou um cidadão desta grande pequena cidade chamada Aracaju, capital de Sergipe. Mas nasci e vivi minha infância e adolescência no baixo São Francisco, na cidade de Propriá. E sempre que visito a minha cidade natal, volto a ser aquele menino que ia à roça do avô.
Era aos domingos, na distante e amada década de 1980. Acordávamos cedo, minha mãe, meus irmãos e eu. Com alegria, empreendíamos a longa caminhada que nos levaria da nossa casa situada no centro da pequena cidade até a região da grande pedreira onde meu avô trabalhava. Ali, nas horas de folga do pesado trabalho de quebrar pedras, meu avô cultivava sua poética roça num pequeno terreno cedido pela administração da empresa. Ao chegarmos lá, meus irmãos e eu realizávamos nossa brincadeira: para nós, nunca foi um trabalho o ato de, durante horas, depositarmos sementes de feijão ou de milho em pequenas covas e, despreocupadamente, usarmos nossos pés para cobrirmo-las. Acreditava-se que, se plantadas por crianças, as sementes produziriam uma farta colheita. Assim, para cumprir nossa missão na realização de um milagre, entre risos e muitas histórias infantis, nós íamos criando desenhos pelo chão. Ao fim do dia, retornávamos alegres para casa com a certeza de que nossa brincadeira seria abençoada e dela resultariam belos frutos. E o verde logo brotava na roça. Silenciosamente, nos caminhos traçados na terra por nossos pés, fazia-se o milagre da vida: eis que as sementes por nós plantadas eram agora
majestosas espigas de milho, fraternas vagens de feijão, gordas abóboras e pacíficas melancias.
Chegavam, então, os dias da colheita e voltávamos à roça. Éramos os convidados para uma grande festa que começava com o divertido trabalho de, durante uma manhã inteira, colher os frutos da terra. Depois, em torno do fogo de lenha que ardia no chão, sentávamos admirando as generosas panelas nas quais ferviam os alimentos saídos de nossas próprias mãos. O almoço tinha o sabor do nosso paciente trabalho. Ao fim do dia, soberanamente, meu avô, Manoel Florêncio – um rei generoso – partilhava com todos nós os frutos da terra. Éramos, pois, uma família que a cada ano fazia sua pequena roça, sem ambição alguma: só com uma imensa alegria no espírito.Recolher