Plano Anual de Atividades 2013 – PRONAC 128.976 - Whirlpool
Depoimento de Marlene Maciel Barbuio
Entrevistada por Márcia Trezza
Rio Claro, 17 de abril de 2014
WHLP_HV011_Marlene Maciel Barbuio
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Marlene, fala o seu nome inteiro, ...Continuar leitura
Plano Anual de Atividades 2013 – PRONAC 128.976 - Whirlpool
Depoimento de Marlene Maciel Barbuio
Entrevistada por Márcia Trezza
Rio Claro, 17 de abril de 2014
WHLP_HV011_Marlene Maciel Barbuio
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Marlene, fala o seu nome inteiro, por favor.
R – Marlene Maciel Barbuio.
P/1 – Onde você nasceu?
R – Borda da Mata, Estado de Minas Gerais.
P/1 – Quando?
R – Em 1952.
P/1 – Que dia e mês?
R – Seis de novembro de 1952.
P/1 – E seus pais, qual o nome deles?
R – Meu pai é José Maciel, com o apelido de Zé Moreno, e a minha mãe é Amélia Coutinho Maciel, também com o apelido de Melica.
P/1 – Eles são vivos?
R – O meu pai faleceu o ano passado, com 99 anos. Minha mãe está acamada, tá pra fazer 91 anos agora em maio.
P/1 – Que lembranças assim, se você pudesse descrever, agora, em poucas palavras, o seu pai, como é que você o descreveria?
R – Eu descreveria ele como um herói pra mim, uma pessoa que batalhou muito. Ele trabalhou muito com animais, teve uma vida muito difícil, então tenho ele como m herói.
P/1 – Que tipo de trabalho ele fazia com os animais?
R – Ele comprava boiada, saía pra buscar boiada, esse tipo de trabalho, assim, bem precário mesmo.
P/1 – Ele conduzia o gado?
R – Conduzia, ele conduzia o gado, ele ia buscar em outras cidades. Enquanto ele ia buscar os gados, a minha mãe ficava tomando conta dos filhos, que não eram poucos, e também matava os animais, pra gente sobreviver, que seria a nossa alimentação, né? Ela que tomava conta de tudo.
P/1 – Quantos irmãos vocês são?
R – Nós somos em 20 irmãos, dez faleceram, alguns já com 12, 15 anos e dez sobreviveram. Então, desses dez que faleceram, eu conheci apenas dois, mas os outros dez, a gente conviveu muito tempo. Eu só perdi uma irmã faz três anos. A gente teve uma infância, uma adolescência mesmo, depois adulto, uma vida muito boa entre eles.
P/1 – Convivência bacana?
R – Foi, foi.
P/1 – O quê é que vocês faziam quando criança?
R – Ah, a gente trabalhava muito, né, ajudava muito a minha mãe. De fim de semana, a gente brincava de pique, correr na rua, tinha toda liberdade, né, andava a cavalo. Era outro tipo de brincadeiras, né?
P/1 – Vocês moravam na cidade ou no sitio?
R – No sitio. Morava no sitio.
P/1 – E no sitio, durante a semana, vocês trabalhavam muito, todos os irmãos ajudavam?
R – É. Muito é modo de dizer, né, a gente tinha o trabalho de lavar louca, de ajudar a limpar a casa, que eu acho que é obrigação de todo mundo, né? Mas hoje já não se tem mais isso, mas eu não tenho o que reclamar, não. Eu acho que foi muito bom, porque com isso eu cresci bastante.
P/1 – Os meninos ajudavam também nesse serviço?
R – Não. Os meninos mais eram pra ficar na roça, e até hoje eu falo que a minha mãe, ela deu muito pras mulheres e pouco pros homens, porque as mulheres, elas são muito decididas em tudo, muito decididas. Enquanto os homens, não que eles não trabalham, eles trabalham, mas já são mais controlados, sabe? As mulheres, elas tomam uma iniciativa, se tiver que tomar uma decisão rápida, elas tomam.
P/1 – Marlene, o que você acha que sua mãe fazia, como ela fazia com vocês, que vocês ficaram com essa iniciativa maior?
R – Eu não sei se é porque a gente tava muito próximo dela, e ela era uma pessoa muito sistemática, exigente, então ela exigia muito da gente. Então, eu acho que por esse motivo foi por onde a gente puxou pra ela, né, que talvez, por essa forca dela, ela levou a gente. E como os meninos ficavam mais pro sítio, cuidando dos animais junto com o meu pai, talvez eles tiveram essa diferença.
P/1 – Eles iam com o seu pai buscar o gado?
R – Não. Eles ficavam em casa, ajudando o serviço do sítio.
P/1 – Do sitio. Qual era o serviço do sítio?
R – Era colocar comida para as criações, separar vaca, separar bezerro, essas coisas que tem, né, no dia a dia, na vida do sítio.
P/1 – Você chegou a fazer alguma coisa dessas pros animais assim? Você tinha alguma relação assim, com essa parte?
R – Eu era muito xereta, eu gostava de tirar leite, porque não que ela exigia, é que a gente gostava mesmo, eu tirava leite, gostava de andar a cavalo, separava bezerro. Mas isso foi muito pouco tempo, porque depois com dez anos, eu já vim embora, né?
P/1 – Como que é separar bezerro?
R – Ai meu Deus (risos)! Separar bezerro é quando você precisa tirar o leite, aí você deixa o bezerro separado da vaca, porque no dia seguinte você tem que ter o leite pra tirar, né? Aí você tira o leite, depois que tira o leite, junta os bezerros, e ele mama à vontade, lá por umas quatro horas da tarde, separa de novo. Então, seria esse o chamado “separar os bezerros”.
P/1 – Você gostava dessa vida do sítio, de morar lá?
R – Gostava muito. Gosto até hoje, sou apaixonada pelas coisas da natureza e eu acho que o sítio, toda criança deveria ir, pelo menos, dar uma passadinho pra conhecer um pouquinho da natureza, porque tem muita criança que não conhece.
P/1 – O quê que você mais gostava de lá?
R – Ai, tudo! Andar a cavalo, subir em árvore, brincar de pique, andar descalço, nadar no rio, essas coisas, eu adorava.
P/1 – Teve alguma travessura que vocês fizeram, alguma aventura, alguma coisa marcante?
R – Teve. Quando eu era criança, devia ter uns nove anos, eu fui andar a cavalo, e a minha irmã tinha muita vontade de andar, mas ela tinha medo, e o que é que a gente fazia? Ela tinha que subir em cima da arvore para montar no cavalo, só que ela tinha muito medo e ela não conseguia, então quando ela não conseguia, às vezes, ela jogava pedra no cavalo, espantava o cavalo, que era pra gente correr, ela ficava com raiva. E numa dessas travessuras, o meu pai viu. Ele tava vindo pra casa, morava longe, e do fundo da chácara, do sitio, ele viu a gente. E eu tinha saído pra dar água pro cavalo, só que primeiro, eu fui andar. Aí quando eu fui pôr a água pro cavalo, ele chegou junto comigo e eu me espantei, porque ele era muito bravo, e fui descer do cavalo, e ele machucou o meu joelho. Machucou meu joelho, eu dei água pro cavalo, fiquei quietinha, fui pôr remédio e fui curar o joelho. Amarrei, pus sal, amarrei um pano e fui cortar com o tesourão dele, de cortar a crina de cavalo, fui cortar e cortei as pontas dos dedos. A única travessura que eu tenho fio essa, que me marcou bastante e eu não esqueço.
P/1 – Imagino o tamanho da tesoura!
R – É, uma tesoura grande, era de tosar animal, você já viu, né?
P/1 – Que idade você tinha?
R – Devia ter uns nove anos, mais ou menos.
P/1 – Com aquela tesourona na mão.
R – É, cortei a ponta dos dedos. E pra esconder? Porque tinha que esconder, né, porque senão, apanhava ainda.
P/1 – Seu pai era bravo?
R – Ele era. Mas a minha mãe era mais. Minha mãe era mais braba, inclusive, ela batia, meu pai nunca bateu. Meu pai só olhava torto assim, a gente já sabia. Mas a minha mãe era muito braba.
P/1 – Agora, você disse que o seu pai era um herói pra você. Fala um pouco disso.
R – Então, eu acho que devida à necessidade que eles passaram, eles tiveram tantos filhos, ele foi uma pessoa que não sabia te passar um carinho, um amor, sabe, então, a gente teve uma infância meio difícil. E o que me deixou legal foi que depois de adulto, já com os filhos e com os netos, ele mudou, sabe? Ele aceitava mais a gente, ele já conversava mais, então foi muito bacana. Porque enquanto criança, não sei se é devido à falta de condições, ele tinha que sair, trabalhar, buscar alimento, então eu acho que isso dificultou um pouco. Mas eu tenho ele como um herói, muito bom mesmo.
P/1 – Quando ele chegava, ele chegava a caráter quando ele trazia o gado?
R – Às vezes, sim. Às vezes, ele chegava de bota, de roupa de couro, ele gostava muito de caçar também. Às vezes, ele saía, chegava todo sujo. Isso foi uma história de vida assim, que a gente trouxe com a gente, procura passar para os netos, para os filhos, então isso foi muito importante.
P/1 – Isso o quê?
R – O que ele trouxe, né? A história de vida dele, a gente procura sempre estar passando.
P/1 – Marlene, você disse que com certa idade, dez anos, você veio pra cidade.
R – Isso.
P/1 – Você veio sozinha ou com a família toda?
R – A minha irmã mais velha, ela era muito "atiradona", como eu te falei. Ela sentiu a necessidade de vir pra cá, vendo a dificuldade dos irmãos, a gente chegava até a passar fome, nessa época, a gente almoçava polenta. Aliás, levantava de manhã, comia polenta doce no almoço, polenta salgada, café da tarde, polenta doce e na janta, polenta salgada de novo. Estava muito difícil, aí ela sentiu necessidade de vim embora, os meus avós já moravam em São Paulo no ABC, aí ela veio. Ela veio, arrumou uma casinha, ficou lá, trabalhou, depois de uns cinco, seis meses, ela foi buscar a família. Aí nós viemos, a mãe e os filhos, né, o meu pai continuou lá. E aqui, a gente deu continuidade da vida da gente.
P/1 – Mas você disse que ela veio pra onde?
R – Pra Santo André, no ABC.
P/1 – Isso, e vocês mudaram pra lá?
R – Mudamos pra lá. Nós fomos pra lá e ela sempre muito dedicada, muito atenciosa, ela ajudou bastante a gente, pôs na escola.
P/1 – Quantos anos ela tinha?
R – Ah, ela devia ter uns 22, mais ou menos.
P/1 – É a mais velha?
R – É a mais velha.
P/1 – E quando você chegou, você que vivia no sitio, qual foi a sua sensação?
R – Ah, muito diferente! Foi muito engraçado, porque eu adorava ir nas feiras e ver as bancas de maça. Eu achava muito lindo aquilo lá tudo colorido, eu não conhecia, sabe? Que o máximo que a gente conhecia era uma laranja, um pé de chuchu, uma abobrinha. E aquelas maçãs eram muito lindas! Não pelo gosto, mas pelo formato da maçã. Isso que me chamou bastante atenção.
P/1 – E as brincadeiras, quando você veio pra Santo André?
R – Aí ficou difícil (risos), porque a gente ficou muito fechado. Mas a gente ia pra escola, chegava, ajudava a minha mãe, eu passei a ajudar ela a comercializar alguma coisa. Ela fazia coxinha, eu ajudava, que a gente precisava sobreviver, né? Só o dinheiro da minha irmã não dava. A gente fazia as coxinha durante a tarde, de manhã cedinho, quatro, quatro e meia a gente tava fritando os salgadinhos pra entregar nos bares. A gente entregava nos bares até às oito horas, voltava pra casa e começava tudo de novo. Então a brincadeira foi ficando mais…
P/1 – Desde quando você foi pra lá, você já tinha essa rotina? Desde dez anos?
R – Desde os dez anos, sempre trabalhando.
P/1 – Marlene, e os meninos participavam dessa atividade, os seus irmãos?
R – É, eles ajudavam. Mas logo também, eles já foram pegando idade, já foram trabalhando fora. Aí a gente foi mais ajudando. Quando eu entrei já com 18 anos, aliás 17 anos, já comecei a trabalhar fora, então já foi uma ajuda melhor pra ela, né?
P/1 – Você frequentou a escola na época do sitio?
R – Frequentei.
P/1 – Como era essa escola, que lembranças você tem?
R – De escrever no caderno de papel de pão. A gente abria todo o papel de pão, montava o caderno, a gente fazia as margens e as linhas, e ali era o nosso caderno do dia a dia.
P/1 – Era uma escola fora do sítio?
R – Fora.
P/1 – E o caminho pra escola como era?
R – Não era muito difícil. Era bem próximo, vamos supor, mais ou menos, uns quinze minutos do sitio até a escola, era perto.
P/1 – Depois, quando você veio pra cá, você foi pra escola?
R – Fui pra escola.
P/1 – Teve muita diferença de uma escola pra outra?
R – Ah tem, né? Era outro mundo, as crianças tavam acostumadas com outras coisas, brincadeiras diferentes, então foi difícil a adaptação, mas nada que atrapalhasse.
P/1 – Conta um pouquinho, Marlene, do primeiro dia nessa nova escola, você lembra?
R – Ai, eu não me lembro (risos), eu não consigo me lembrar, não.
P/1 – Assim, alguma situação nessa nova escola que tenha te marcado.
R – Eu me lembro, não sei se foi logo que eu vim, eu lembro que choveu muito, molhou meu calçado, saiu a sola e eu fui pra escola. Só que eu fui descalça e aquele dia eu me senti muito humilhada, porque a turma começou a fazer graça, né, tirar sarro. E eu fiquei, assim, muito chateada, porque eu não entendia! Pra mim era normal eu sair descalça e na cabeça deles: “Ai, ela é uma coitada, ela tá descalça”, porque a gente só tinha direito a um calcado, você entendeu? Acabou aquele, você vai começar a comprar o outro. Então, eu me senti um pouco humilhada por esse motivo, por eu ter ido descalça na escola. Mas não me lembro a época.
P/1 – E algum professor marcou você nessa escola?
R – Marcou. Tem a professora Hilda, eu acho que ela deu toda atenção que ela entendeu, porque é complicado quando você vem de uma cidade pra outra, a aceitação é difícil. Eu achei que ela foi muito boa, ela fez amizade com a gente, fez amizade com a minha família, então eu acho que essa aproximação dela nos ajudou bastante. Muito bom!
P/1 – E ai, você disse que fazia umas coxinhas e vendia. Vocês que iam levar para os bares?
R – Nós que levava, eu e a minha mãe.
P/1 – E as outras irmãs?
R – Ah, elas ficavam, ajudavam a limpar a casa. As que tivessem trabalhando fora, já tinha compromisso de sair todo dia, e quem ficava, ajudava, lavar a louça, limpar a casa, às vezes, ajudar a desfiar o frango. Ajudavam em todos os sentidos, todas elas. Tinha as prediletas, mas o forte mesmo foram as mais velhas.
P/1 – Marlene, eu fiquei curiosa em relação a essa venda das coxinhas nos bares. Como você lembra dessa época? O quê que você aprendeu, talvez, com isso?
R – Saudade, eu tenho saudades. Com tudo isso, a minha mãe, acho que deixou uma boa cozinheira, porque ela me deu umas boas aulas, foi minha professora. E eu ajudei na família, né, e gostei muito, gosto até hoje de fazer as coxinhas, não tenho preguiça. Mas o que eu tenho de muita lembrança é a minha irmã mais velha. Ela nos ajudou muito, ela nos ajudou muito. Vamos dizer, assim, que ela era a nossa segunda mãe, porque a minha mãe, ela deu muito, mas sem conhecimento. Porque você imagina, uma pessoa com 99 anos não tinha uma estrutura nenhuma de dar uma educação assim, mais elevada, entendeu? Foi tudo muito precário! Porque se você tem ideia, os meus irmãos, logo que eles casaram, a gente não tinha nada. Então eu vejo como a minha irmã entrou na minha vida como uma pessoa que levou a gente pra vida, porque senão a gente ia ficar muito restrito só naquilo que a minha mãe passou. Ela deu muito conhecimento, mas a minha irmã, ela levou a gente pra conhecer novos horizontes e isso para mim foi importante. Então essa minha irmã também, ela tá aqui, eu amo de paixão, o nome dela é Romilda. Batalhou muito por todos os irmãos, batalha até hoje, então isso marcou muito mesmo. E ela também ajudava nas coxinhas (risos).
P/1 – Você acha que essa… dessa época que vocês batalhavam tanto, ficou alguma coisa pra você pra hoje em dia?
R – Ah, eu acredito que não. Eu só sinto que quando criança, eu não tinha muita proximidade do meu pai e da minha mãe. Isso a gente teve só depois de adulto, quando vieram os filhos, aí vieram as cobranças, e eu consegui beijar a minha mãe, beijar o meu pai, porque a gente não tinha isso. Então, nesse ponto, eu acho que ficou alguma coisa, mas hoje eu sou realizada já, porque eu já tirei esse trauma, eu já consegui esse abraço e beijo deles quando eles mais velhos, e bem tranquila.
P/1 – Depois chegou uma fase em que você foi trabalhar. Qual foi o seu primeiro trabalho, além de tudo o que você já tinha feito?
R – Eu fui trabalhar numa fábrica de peças pra carro. Uma empresa de peças mesmo pra caminhão, carro. Era um trabalho até meio sujo, mas foi lá que eu fui trabalhar.
P/1 – Sujo?
R – Sujo.
P/1 – Por quê?
R – Muita graxa, trabalhava com produtos químicos, limpar a mão, essas coisas, era um trabalho meio sujo.
P/1 – O quê que você fazia, Marlene, nessa fábrica?
R – Eu trabalhava com rebites, tinha que rebitar as pecas. Inclusive quando eu entrei, até, a turma se surpreendeu, porque era a primeira vez que se trabalhava mulher nessa produção, e eu fui uma delas. E eles ficaram muito surpresos, porque as mulheres estavam dando mais produção do que os homens (risos). Os homens não gostaram, né, porque eles achavam que a gente ia estar atrapalhando eles, né? Mas as mulheres davam mais produção pros homens.
P/1 – E a convivência nessa fábrica, com os outros, como é que foi?
R – Foi boa, não tive problema, não. A única coisa é que eu era muito infantil, de vez em quando eu aprontava as minhas, né, coisa de moleca. A gente tinha as caixas, né, umas caixas atas, grandes, que colocava o material e era comprido, um espaço grande, de várias caixas. E eu subia em cima de uma e ia pulando de uma em outra. Então eu era chamada muita atenção por esse motivo, né, eu me atrevia de vez em quando, mas eu acho que o meu trabalho talvez superasse essa molequice minha, né? E eu fui aprendendo, eu fui pegando o jeito mais, fiquei lá um bom tempo.
P/1 – Você fez amizades nessa fábrica?
R – Fiz, fiz bastante.
P/1 – Fala um pouco dessas amizades.
R – Então, tem a Sônia e o Toninho, eles foram uma das pessoas que eu mais fiz amizade. Eles foram meu padrinho de casamento, e a gente tem uma relação boa. Agora, faz um tempinho que a gente não se encontra, tá precisando se encontrar de novo, mas foi uma amizade muito boa.
P/1 – E o cotidiano nessa fábrica, Marlene, como era? Além dessas brincadeiras, o trabalho pesado?
R – Era bom, eu gostava.
P/1 – Descreve um pouco.
R – A gente trabalhava, às vezes tinha alguns eventos, mas nos eventos eu não podia participar, porque a minha mãe não deixava. Sempre a minha mãe, ela nunca deixou a gente participar. Mas sempre quando tinha alguma coisinha assim, hora de almoço, assim, eu tava lá. Só não podia fim de semana, dia de sábado, domingo, que eu não trabalhava, não podia, mas quando era durante a semana, eu participava, porque ela não sabia, senão, ela não deixava.
P/1 – Que idade você tinha?
R – Eu comecei com 17 anos.
P/1 – E além do trabalho, vocês passeavam na cidade?
R – Não. A única coisa que a gente fazia era ir na igreja. Aí dia que chovia não podia ir na igreja, porque não podia ir porque chovia. E eu sempre fui muito danada, eu não aceitava isso, por que pra trabalhar pode e pra ir na igreja não pode? Era o nosso único divertimento, né? Então eu questionava muito isso.
P/1 – E você aprontou alguma arte por isso, por não poder fazer as coisas?
R – A minha mãe me castigava bastante, ela castigava bastante e ela era muito desconfiada. Tipo, assim, não pode namorar, não podia ter amizade com os rapazes. As meninas, a gente não podia sair pra bater papo, nada, era a gente mesmo, era uma coisa bem, bem fechada, sabe? Ela não deixava.
P/1 – Marlene, você tava dizendo que a sua mãe não deixava vocês conviverem com rapazes, mas na fábrica, a convivência era grande com homens?
R – Era, era grande. Mas a gente era sempre meio restrito, né, não tinha muita amizade, não conversava muito, só mesmo o necessário. Tanto é que uma vez, eu saí do serviço, eu tinha uma prima minha que trabalhava junto, e a gente saía com a turminha, né? E justo aquele dia, a minha mãe tinha ido à casa de uma tia, que passava justamente perto da firma. E tava uma turma de acho que umas oito meninas e dois rapazes. E uma hora vai uma, outra hora vai conversando. E uma hora eu tava conversando com ele, minha mãe chegou dando bronca: “Onde já se viu, que se ele quisesse namorar, era pra ir em casa”, porque pra ela era tudo muito difícil, né? Eu fiquei muito sem graça, porque eu não sabia o que eu fazia, aí o rapaz ficou chateado. No dia seguinte, eu cheguei, conversei e expliquei pra ele, né: “Você me desculpa, mas não sei o quê que aconteceu”. Eu tenho essa coisa comigo até hoje, dela chegar e de repente: “Olha, você quer namorar, você vai falar com o pai dela, vai namorar em casa”, e a gente nem nunca pensou em namorar, era simplesmente uma amizade, você entendeu? Então, uma coisa, assim, que ela tinha umas iniciativas que prejudicavam um pouco a gente.
P/1 – Você disse que a sua diversão era ir na igreja, né? Você tem lembranças dessas idas à igreja? O que acontecia lá?
R – As igrejas, a gente era muito criança ainda, 17 anos pra mim, naquela época, eu era uma criança. A gente ia muito, porque eu gostava pelo seguinte, eles passavam sempre coisas boas pra gente, na época de Pascoa, eles faziam eventos, a gente participava no coral, então isso me deixava mais contente, né? Porque como eu não tinha um lazer lá fora, era um meio de eu estar buscando na igreja, foi bom.
P/1 – Você cantava no coral?
R – Não muito. Eu comecei o ensaio, mas logo eu saí. Mas eu gostava de assistir o coral, de ouvir as peças que eles faziam, eu gostava bastante.
P/1 – E depois dessa fábrica, Marlene, você trabalhou em outros lugares?
R – Trabalhei numa fábrica de cobertores e também foi só. Porque quando eu trabalhava nessa primeira fábrica, eu conheci o meu marido, aí a gente já se deu umas paqueradinha ali, se conheceu. E depois, quando eu tava trabalhando nessa fábrica de cobertores, foi quando a gente começou a namorar mesmo, né? Então eu trabalhei pouco tempo. Logo que eu comecei a namorar, minha mãe já tirou do serviço, porque não podia, né? Aí eu ficava em casa ajudando na casa.
P/1 – Ele trabalhava na outra fábrica com você?
R – Trabalhava. Trabalhava junto comigo.
P/1 – Como é que foi esse encontro?
R – Muito bom. Dá saudades do tempo. Ele tinha um amigo, eles se vestiam quase iguais, meu marido é moreno, o amigo dele é loiro, e eu olhava muito pra eles, porque eu achava bonitos, mas não que quisesse o interesse, né? Eu achava que eles poderiam ser casados ou comprometidos. Eu sempre comentava com as amigas: “Nossa, como ele é bonito”. E um dia, ele perguntou pra menina: “E aquela espanhola lá?”, que eu tava sempre de lencinho na cabeça. Aí foi onde que foi surgindo, um ajudando o outro, e foi como a gente se conheceu. Ele era solteiro, tinha 22 anos e a gente começou um namorinho assim, de cinco, dez minutos, era o máximo que a gente tinha. Ele queria sair, ir no cinema, coisa e outra, não podia sair. Quando foi um dia, ele falou que ia falar com o meu pai pra gente namorar no portão.
PAUSA
P/1 – Marlene, você tava contando que você conheceu o seu marido na fábrica que você trabalhava e você o admirava, achava ele interessante. O namoro era tímido, de dez minutos…
R – É, até que ele resolveu querer namorar em casa, mas ele queria namorar no portão e eu nem queria que ele fosse falar com os meus pais, porque eles não admitiam namorar no portão. Aí foi quando ele foi falar com a minha mãe, ou melhor, nós desistimos por esse motivo, ficamos uns três meses afastados um do outro. Aí depois, voltamos, ele resolveu, falou com os meus pais. Nós namoramos um ano e sete meses e casamos. Aí veio a preocupação: “ai meu Deus, a minha mãe”, “Ah por que tá gravida?”. Tinha o medo da gravidez, porque naquela época era tudo muito confuso, muito complicado.
P/1 – Você tinha esse medo?
R – Não, ela! Porque eu casei, logo eu fiquei grávida, a gente não sabia, não existia pílula anticoncepcional, não sabia que existia um método de evitar filhos. E engravidei, só que logo no começo, eu engordei muito. Mas foi assim: eu casei em novembro, meu filho nasceu em outubro, mas como eu engordava, ela tava preocupada do nenê nascer antes do tempo, que eu tivesse arrumado o bebê antes de casar, era essa a preocupação.
P/1 – E depois?
R – Então, a preocupação maior era se eu tivesse engravidado antes do casamento, então existe muito essa cobrança, né? Mas tava tudo tranquilo, o nenê nasceu com dez meses já de casada, então, não teve como dar o que falar, né? Mas essa era a preocupação maior da família, porque naquela época, mulher não podia casar grávida. Era uma complicação! Mas graças a Deus, a gente nunca teve esse problema, minhas irmãs, meus irmãos, todos fizeram o gosto da minha mãe, então a gente fica contente por isso também.
P/1 – Quantos filhos você tem?
R – Eu tenho três filhos. Tenho dois homens e uma mulher.
P/1 – E Marlene, como você começou a fazer artesanato?
R – Bom, na realidade eu aprendi na escola, quando eles davam as aulas de trabalhos manuais. A minha irmã mais velha, muito prendada, também me ajudou bastante, e eu comecei nessa época.
P/1 – Mas na escola, desde criança?
R – Desde criança. Eu aprendi a fazer o fuxiquinho, a gente trabalhava muito com fuxico, e alguns pontos de bordado eu aprendi na escola. E a minha irmã foi me ajudando, eu fui fazendo alguma coisa.
P/1 – Você vendia esse artesanato que vocês faziam?
R – Não, não. Era só mesmo pra escola e pra casa, a gente usava muito em casa.
P/1 – Atualmente, você trabalha com bijuterias, né, com produtos naturais. Como é que você começou a trabalhar com isso?
R – Na realidade, em 1999 se formou o Fórum de Mulheres, onde eu comecei a participar e o objetivo era trabalhar com mulheres vítimas de violência. No ano de 2000, houve um evento que foi a Semana da Mulher, e eles me convidaram pra participar.
P/1 – Marlene, por que você foi chamada pra participar desse Fórum da Mulher?
R – Eu tinha vindo do ABC, aí eu conheci pessoas, que foi uma vereadora, que ela tava começando, e ela me convidou pra participar. Eu gostei, porque adorava mexer com eventos, essas coisas. E ela pediu pra organizar uma feira de artesanato. No fundo, eu fui participar dessa feira mais pra ajudar as pessoas, porque o meu objetivo era trabalhar essa questão da geração de renda. Nós fizemos essa feira, aí começou a aparecer outras e outras, e eu fui indo. Nós fundamos em 2004 o Grupo de Geração de Rendas, que é do Fórum de Mulheres Colmeia Azul, onde a gente trabalhou com mais de 40 mulheres. Depois o grupo foi diminuindo e ficou menos. Mas o meu objetivo mesmo é trabalhar a questão de geração de renda. O artesanato, talvez, seja uma fuga, porque a família cobrava muito: “Por que você vai pra feira e fica lá, você não tem nada pra fazer”, então eu comecei a fazer os trabalhos. Eu comecei com o fuxico, que era o que eu sabia. Depois eu fui trabalhando mais a questão da natureza, que eu amo trabalhar com coisas da natureza e fui dando continuidade no grupo, o grupo cresceu bastante. Eu fui buscando, né, alguns elementos da natureza, gosto de trabalhar com a fibra da bananeira, bagaço de cana. Hoje a gente trabalha com a semente, é um trabalho ecologicamente correto. Eu procuro respeitar a lei da natureza, eu nunca vou lá e apanho a semente quando eu quero, a gente tem que esperar a árvore chorar. Chorar como? A árvore chora quando ela derruba sementes. Então, a gente só vai colher a semente quando ela tá no chão. Geralmente, a gente colhe essa semente quando ela tá no chão e nunca apanhando da árvore. E sempre também respeitando a lei da natureza, a gente colhe uma faixa de 60 a 70% das sementes, a gente deixa o restante para que a natureza se incumba do seu novo ciclo de vida, tanto o alimento para os animais, como para novas árvores pra manter aquilo que a gente precisa. Porque o objetivo não é eu colher hoje e fazer o hoje, o meu objetivo é ter sempre, não só pra mim, como pras outras pessoas, produtos que a natureza traga e que a gente vai ter sempre em abundância.
P/1 – E como que você aprendeu tudo isso?
R – Ah, acho que desde a infância, muita curiosidade, eu sou muito autodidata, sabe? Então eu cismo numa coisa, eu vou lá, eu tento, eu faço, até eu chegar onde eu quero. Essas biojóias, eu fiz um curso, onde eu aprendi a mexer um pouco com a semente, conhecer as sementes e até um pouco valorizar mais a natureza, saber mais da natureza, porque eu acho que a gente tem que contribuir, porque hoje tá um mundo tão estranho. Trabalhar com sustentabilidade, a questão do meio ambiente que está pedindo pra gente colaborar. Então, isso me ajudou bastante, apesar de eu já fazer isso desde criança, né, mas só amadureceu algumas ideias, a gente talvez tava adormecido, que a gente teve que acordar.
P/1 – O que você fazia desde criança?
R – Eu sempre mexi muito com artesanato, era uma curiosidade que eu acho que já vinha vindo, então isso acho que aflorou agora.
P/1 – Você fazia panelinha?
R – Fazia panelinha, burrinho, vaquinha, era uns bichinhos que a gente fazia, né, na época que a gente… Eu acho que tem um pouco de raiz, de tradição, fazia as panelinhas de barro, eu sou apaixonada!
P/1 – Marlene, você falou que lá no ABC, Santo André?
R – Santo André.
P/1 – Você já tinha uma participação. Descreve um pouco essa participação, como que ela se deu, como que ela começou?
R – Em Santo André, a minha participação era mais em dar oficinas, alguns cursos, sabe? Eu fiz muitos cursos pra eu ganhar conhecimento também, mas eu procurava mais ajudar as pessoas passando o que eu sabia pra elas.
P/1 – Curso de quê?
R – Eu dei muito curso de alimentação, as coxinhas, entrou bastante (risos), dava curso de pintura em gesso, os fuxiquinhos. Então foi uma coisa mais pra ajudar mesmo.
P/1 – Marlene, quando te chamaram para participar de uma ação maior com as mulheres, você faria o quê? Você participou de que forma nessa ação maior?
R – Então, nós começamos num grupo de mulheres onde a gente ia buscar ajuda, buscar propostas, até mesmo políticas públicas para algumas coisas. Nós trabalhamos com centro de referência, que são das presidiárias. Demos curso lá dentro, eu e outra amiga, de fuxicos e também do macramê. Nós fizemos um trabalho junto com as prostitutas que tem aqui no jardim público. Nós buscamos, muitas vezes, participar de reuniões pra economia solidária. Hoje, nós já temos a economia solidária.
P/1 – Vocês vieram para Rio Claro por quê?
R – Ah, no ABC tava tendo muita violência, aí o meu irmão morava aqui, meu filho veio pra cá arrumar um serviço, e nós acabamos vindo também.
P/1 – Seu marido também veio?
R – Também.
P/1 – E ele continuou trabalhando aqui?
R – Trabalha.
P/1 – Você, lá, participava já com essas ações?
R – É, algumas coisas. Sempre fazendo em benefício dos outros, nunca a meu beneficio.
P/1 – Mas tinha uma associação, alguma coisa assim?
R – Não. A gente…
P/1 – Quem era “a gente”? Quem eram “nós”?
R – Eu, tem a Neuza Caetano, tem a Marlene Delgado. A gente participava muito na ajuda de distribuição de leite mais barato pras famílias mais carentes.
P/1 – Tudo isso no ABC?
R – Tudo isso no ABC.
P/1 – Era uma associação?
R – Não, era um grupo de mulheres que fazia isso. Então, a gente levantava quatro horas da manhã, ia lá receber leite, lavar os galões, e a gente distribuía o leite para as pessoas mais carentes. Assim, vendia num preço mais acessível. Me parece que ele chegava em Sorocaba esse leite. O que a gente paga hoje, vamos supor, na época a gente ia pagar um e vinte, mais ou menos. Então, as famílias iam comprar esse leite. A gente teve, e depois a gente foi pegando mais a parte de geração de recurso pras outras famílias mais carentes, né?
P/1 – O seu trabalho era ensinar alguma coisa para as mulheres para elas gerarem renda?
R – Isso.
P/1 – E você sempre se interessou por geração de renda, por esse tipo de trabalho. Conta pra gente como foi a sua evolução até chegar aqui.
R – Foi boa, muito boa, porque eu acho que eu aprendi bastante, eu passei muita coisa pra muita gente e espero que ainda esteja passando, né?
P/1 – Mas como aconteceu?
R – Como aconteceu? Então, aqui a gente formou o grupo de geração de renda, onde a gente começou a fazer os trabalhos. É um grupo, mas ele é individual, onde eu faço o meu trabalho, você faz o seu. E depois, a gente busca os espaços pra venda, que é o que tá acontecendo hoje. O supermercado cedeu o espaço, a gente vem, coloca, aí a gente só junta nessa hora de fazer a venda, porque uma toma conta da mesa da outra, enquanto a outra fica produzindo, mas o lucro é todo dela, ela vendeu, o lucro é dela; a gente não pega nada e a gente tá sempre buscando essas ajudas. E com isso a gente vai caminhando, né?
P/1 – Você disse que sempre se interessou por geração de renda. E que artesanato foi assim “um a mais”, o seu interesse é geração de renda.
R – É.
P/1 – Você disse também que começou a ajudar as pessoas pra isso acontecer. Quando você veio pra Rio Claro, você foi trabalhar onde?
R – Eu não trabalhei em Rio Claro. É que nem eu te falei, eu comecei com esse Fórum de Mulheres, foi onde a gente começou logo com as feiras, foi fazendo alguma coisa. Ai, nós fundamos a Colmeia Azul, ficamos quatro anos, depois, eu fui embora pra Sorocaba, morei quatro anos lá. Voltei, e estou retomando, né?
P/1 – Que significa?
R – Colmeia Azul.
P/1 – É uma cooperativa?
R – É uma associação. Uma associação onde as mulheres vêm para trabalhar. A gente tem reunião uma vez por mês. A gente busca parceria com outros lugares pra elas poderem vender os trabalhos. Mas sem ter lucro nenhum, cada um tem a sua venda, se ela vendeu, ela tem lucro, se não vendeu também…
P/1 – Marlene, você sempre, tou repetindo, mas você sempre se interessou por esse tipo de geração de renda. O que você vê de importante nessa ação?
R – O que eu vejo de importante? Eu acho que um pouco a emancipação da mulher, que ela se emancipa bastante quando tá fazendo. Trabalha muito a autoestima, eu acho que isso é bem importante, porque nós começamos com mulheres que elas tinham uma depressão muito grande, elas foram trabalhando isso, foram melhorando. Até nos trabalhos a gente vê quando a pessoa vai melhorando. Muitas adoram fazer feira. Então eu acho que isso é um ganho muito grande pra mulher. É um trabalho muito cansativo, é complicado, elas têm que carregar peso, elas enfrentam chuva, temporal, tudo que você possa imaginar, é difícil. Hoje a gente já pode dizer que a gente tá melhorando, porque a gente tem ajuda de parcerias, do Consulado, a Economia Solidária ajuda muito a gente, porque eu ganho muito conhecimento por intermédio deles, mas a gente também tem que ir acompanhando a evolução do mundo. Hoje nós temos uma maquininha que ajuda bastante, facilita bastante artesãs. E isso, a gente tem que trabalhar muito a cabeça delas, porque elas acham que às vezes não tem necessidade, mas também não vende, porque a maioria só sai com cartão, não leva dinheiro, porque tem o medo do assalto, da violência que hoje tem. Então, essa causa a gente ganhou bastante, então eu acho que elas, hoje, pode se dizer que elas têm um salário mínimo pra elas, pra ajudar na renda. Espero que melhore, a gente sempre busca melhora.
P/1 – A Economia Solidária que tá ajudando bastante, mas como que você começou a praticar a Economia Solidária? Como que você ficou sabendo, começou a fazer isso?
R – Então, a gente já vinha fazendo há muito tempo. Aí surgiu a Economia Solidária, elas ajudam a gente no que podem.
P/1 – Quem é esse grupo Economia Solidária?
R – A Economia Solidária dá assessorias pra gente, né?
P/1 – É do Consulado da Mulher?
R – Tem parceria também com o Consulado da Mulher. E é um trabalho onde eles ensinam o que a gente que é um trabalho sem patrão, onde a gente só consome o que a gente precisa, sem ter muito gasto, respeitando a lei da natureza, entendeu? Então isso é a Economia Solidária.
P/1 – É uma organização?
R – É uma organização.
P/1 – E essa organização tem um nome?
R – É Economia Solidária mesmo.
P/1 – Ah, chama assim?
R – É.
P/1 – E como que vocês se aproximaram do Consulado da Mulher? Da iniciativa da Consul?
R – O Consulado da Mulher, na realidade, logo que nós começamos com o Fórum de Mulheres, começou o Consulado da Mulher. Então a gente foi muito ligado por causa dos empreendimentos, porque na época em que se inaugurou o Consulado, existiam muitas oficinas e a gente dava essas oficinas, você entendeu? Eu mesma fiz várias oficinas lá pra mim, como passei também. Eu passei mais na área de alimentação, mas teve pessoas que entrou na área de biscuit, de trabalho de gesso, de mosaico. Então, foram várias oficinas. Foi nessa época que a gente já veio, praticamente, crescendo junto, né? A gente participou muito.
P/1 – E vocês têm que tipo, atualmente, de relação com o Consulado da Mulher?
R – Então, eles estão dando assessoria pro grupo e buscando alternativas de venda, que é o que a gente precisa, então essas alternativas ajudam bastante.
P/1 – O que você considera que mais as mulheres aprendem com essas assessorias?
R – Empreender melhor.
P/1 – Como assim?
R – Porque muitas vêm e não têm noção de nada.
P/1 –Só voltando, você tava me dizendo que esses programas de Educação Solidaria.
R – É um programa que existe aqui em Rio Claro, que eles vêm buscando já há algum tempo, é do Governo Federal e a gente sempre tem esse apoio deles, né?
P/1 – Agora, continuando, em relação à assessoria que vocês têm do Consulado da Mulher. Pode continuar a falar sobre isso?
R – Então, o Consulado, ele dá essa assessoria, buscando alternativas pra gente de venda dos artesanatos e ajudam até mesmo a colocar preços nos produtos. Porque tem muitos artesãos que vêm e fazem, mas eles não têm noção de preço, de qualidade, de embalagem. Aí entra o Consulado dando toda essa assessoria, falando que o trabalho tem que ser um trabalho bem feito, com um bom acabamento, uma boa divulgação, sempre identificando o trabalho, quando é na área do artesanato, tudo bem, mas quando é na área de alimentação, entra a Vigilância Sanitária, entra a embalagem, que não pode ser vendido o alimento sem embalagem, eles ensinam, explicam pras pessoas que o alimento tem que ser manipulado num lugar bem adequado. Então são todas essas ajudas que passam pras pessoas, pra elas manter o empreendimento delas, né? Tanto em relação a preço, qualidade, tudo isso.
P/1 – Em relação ao seu próprio trabalho, teve mudanças?
R – Bastante.
P/1 – Conta quais, por favor?
R – Ah, na hora de pôr os preços, a gente trabalha muito o preço justo, na embalagem, divulgação, a gente tem que saber que os produtos devem estar todos etiquetadinhos, com endereço, telefone. Eles explicam que a gente tem que ter tudo isso pra gente ter um retorno e na época, eu nem me importava, porque o meu objetivo era outro, que nem eu te falei, né? Mas hoje eu vejo que eu tive uma boa melhora, a gente tá vendendo bem melhor desse jeito. Então, eu acho que só tem a acrescentar mesmo.
P/1 – Em relação ao produto, propriamente, você diz sobre a qualidade do trabalho, você acha que as mulheres mudaram em relação a isso ou não?
R – Ah, muda bastante. Muda, porque o próprio artesão começa a cobrança, vamos supor, se vê uma coisa muito mal feita, ela fala: “Precisa melhorar isso” “Aconteceu isso, você pode fazer isso”, você entendeu? Tudo, tudo a gente procura ajudar, então, mudou bastante.
P/1 – Você diz uma em relação as outras?
R – Isso. O Consulado faz a reunião, quando a gente faz as reuniões, ele passa: “Você precisam fazer isso, isso, isso”, e a gente sempre procura cobrar. Se a gente vê que uma pessoa tá saindo do normal, a gente fala: “Olha, gente, vamos melhorar isso daí, porque tem que ter essa melhora”.
P/1 – Em relação à divulgação, o quê é que foi aprendizado?
R – Ah, a divulgação. Ela passa pra gente, né, que ela tem que existir. Então, divulgação é sempre bom, porque a resposta a gente vê logo em seguida, né?
P/1 – Como é que vocês fazem a divulgação?
R – Olha, a divulgação a gente faz, às vezes no jornal, e em cartões, a gente distribui bastante cartões e nós temos a parceria com o Enxuto, que ela faz muita divulgação, assim, o dia todo, o tempo todo divulgando os empreendimentos, certo? Aqui, nós estamos com três empreendimentos, que é o grupo de geração de renda, que é a Colmeia Azul, que já faz 14 anos que a gente vem trabalhando, já é uma associação emancipada, então nós conseguimos esse passo. Tem outro grupo também de duas pessoas, que vem uma vez por semana. E depois tem o grupo maior que é o da Economia Solidária, que elas vêm, e tem algumas pessoas também, que são assessoradas pelo Consulado, que vêm junto com a Economia Solidária e também faz esse trabalho. A gente entra na quinta-feira e sai na outra quarta-feira. Então, são todos os grupos, a gente fica a semana inteira.
P/1 – Cada grupo num dia?
R – Cada grupo uma semana. E sempre renovando. Acho que a gente vai ficar enquanto o mercado tiver dando essa oportunidade pra gente, a gente vai continuar aqui.
P/1 – Como que vocês conseguiram espaço nesse mercado?
R – Então, esse espaço, a gente tava fazendo uma feira, e nós pegamos junto com a coordenadora da Economia Solidária e pedimos pra ver se conseguia, né? Ela conversou com o prefeito, a primeira dama, e eles ficaram de ver. Passado um tempo, eles inauguraram e chamaram a gente pra vim fazer a parceria. Só que a gente trabalhava assim: final de semana, uma vez por mês. Depois mudou pra três vezes por semana e agora, eles liberaram uma semana pra cada grupo.
P/1 – Marlene, você falou que já fazia esse trabalho, que acontece por meio do programa da Economia Solidária. Estou voltando ao que o Consulado da Mulher acrescentou a essa prática que você já tinha. O que mudou? Você disse divulgação, você disse…
R – A qualidade dos produtos…
P/1 – Pode continuar.
R – Divulgação, qualidade dos produtos, novos espaços para vendas, entendeu? Até mesmo a autoestima da mulher, porque eles trabalham bastante isso. Eu acho que cresceu muito o grupo com tudo isso.
P/1 – O Consulado da Mulher trabalha bastante?
R – Trabalha. A gente faz reuniões uma vez por mês, sempre quando a gente precisa, a gente busca tirar alguma dúvida, eles estão sempre tirando as dúvidas da gente, então é uma parceria boa.
P/1 – Existe uma rede desses grupos?
R – A gente tá montando uma rede agora. Ainda tá em funcionamento, tá começando.
P/1 – Qual é a sua expectativa em relação a essa rede?
R – A expectativa pra mim é boa. Eu espero que os artesãos se inteirem bem dela e que a gente ponha ela pra funcionar, porque é importante.
P/1 – Por que é importante? No que ela ajuda?
R – Eu não tenho muito conhecimento, mas eu acho que pra gente vai trazer bons resultados, principalmente nas vendas. Porque o objetivo nosso seria mesmo, as vendas dos produtos, né, e a divulgação, então eu acho que numa rede, isso vai estar contemplando todo mundo.
P/1 – É uma rede de artesãos?
R – Uma rede de artesanato.
P/1 – Você tem algum objetivo pra quando a rede estiver formada?
R – É, a gente tá conversando. Agora a gente tem que trabalhar um pouquinho essa parte pra gente ver certinho como vai funcionar, né, mas o objetivo é grande.
P/1 – Você já conhecia a marca Consul, antes do Consulado da Mulher?
R – Já conhecia. Conhecia muito.
P/1 – E pensando nessas mulheres que trabalham com você com artesanato, teve mudanças quando o Consulado da Mulher começou a assessorar, pensando na vida delas?
R – Eu acredito que muito, porque elas sempre estão gostando. E eu acho que elas cresceram bastante, e elas estão ai pra mostrar o que elas estão fazendo, mas eu acho que teve muita mudança.
P/1 – Há quanto tempo vocês trabalham em parceria com o Consulado da Mulher?
R – Ah, eu acho que desde quando inaugurou o Consulado, quantos anos? Quatorze anos? Doze, acho que uns doze anos, mais ou menos. Quando inaugurou, a gente já começou a trabalhar com o Consulado da Mulher.
P/1 – Cresceu muito o número de mulheres?
R – Cresceu, cresceu bastante. Até hoje elas procuram, elas querem saber, elas querem se inteirar pra participar, cresceu bastante.
P/1 – Você disse que realmente mudou, teve influência na vida dessas mulheres. Você pode dar algum exemplo pra gente?
R – Olha, teve uma pessoa, é a Sueli. Ela começou com a gente na Colmeia Azul, ela era uma pessoa muito deprimida, ela fazia biscuit. Ela fumava muito e o biscuit dela vivia sempre feio, sempre sujinho. E ela começou a participar com a gente, com o Consulado, aí ela passou a participar com a gente no Consulado, na loja do Consulado, ela teve outras ajudas, né? Ela foi uma pessoa que trabalhou muito a autoestima dela. Então, eu tenho essa pessoa como referência. Só que infelizmente, nós a perdemos, faz uns três anos que ela faleceu, mas ela é uma pessoa que deixou uma história de vida e ela cresceu muito. Não perdia uma feira lá na Whirlpool, não perdia feira de jeito nenhum, a paixão dela era isso. Eu acho que ela cresceu muito com todo esse trabalho, que veio trabalhando a autoestima, melhoria do trabalho, ela deixou história.
P/1 – Marlene, a gente já tá encerrando. Qual é o seu maior sonho?
R – Ah, o meu maior sonho? É impossível! Eu queria que tivesse menos desigualdade. Eu acho que o mundo é complicado, mas pra minha família, eu agradeço, porque eles me deram muito pra eu ser o que eu sou hoje. Agradeço ao Zé Moreno, à Dona Amélia, que é a minha mãe, a Romilda, minhas irmãs, a minha família, meu marido, meus filhos. E para os artesãos, eu queria que eles tivessem uma vida digna, que eles pudessem ter a casinha deles, que eles pudessem ter um salário digno pra chegar em casa, dividir com os filhos, com o marido. Eu sei que é meio impossível, mas a gente tá lutando.
P/1 – Eu vou fazer mais uma última pergunta em relação aos artesãos. Pra acontecer tudo isso, você falou da Economia Solidária. Tem alguma possibilidade de trabalhar por aí para que eles alcancem o que você quer?
R – Muito. Eu acho que tem uma possibilidade grande. Eu acho que depende muito do artesão, eles têm que buscar, eles têm que mudar algumas coisas, eles são meio rebeldes, mas eu acho que tem muito a crescer. Eu acho que tem que ter paciência, pra nós aqui é uma coisa nova. E o pessoal, eles são muito difícil de assimilar uma coisa com a outra, mas eu acho que a gente chega lá, sim. É uma grande coisa que tá acontecendo na nossa vida, eu acho que a Economia Solidária tem que fazer parte do Brasil inteiro, do mundo inteiro.
P/1 – O que significa a Economia Solidária, em sua opinião, em relação a esses artesãos? Qual a grande diferença que poderia ser?
R – Eu acho que é buscar um meio melhor para o trabalho: sem patrão, ajudando eles a se organizar pra alguma coisa, um trabalho sem patrão, mas eles têm que ser artesãos organizados, entendeu? Porque não é só o fazer, eu vou lá, eu faço, vou num lugar pra eu vender. Não! Eu acho que eles têm que se organizar, e a Economia Solidária ajuda muito isso. A gente tem Fórum uma vez por mês, onde eles passam sobre as feiras que tem, sobre os trabalhos que tem, sobre os projetos que tem. A Economia Solidária, hoje, conseguiu muita coisa junto com o Consulado também, um trabalho de parceria e tá buscando cada vez mais. Então, eu acho que falta gente pra abraçar a causa. Se tiver bastante gente, eu acho que vai ser uma causa muito bonita e eu quero tá aqui pra ver essa causa.
P/1 – O quê que você achou de contar a sua história?
R – Foi bom. Bom, eu acho que é interessante, espero ter ajudado em alguma coisa.
P/1 – Ajudou bastante, viu, Marlene, obrigada! Foi bastante preciosa a sua história pra gente, tá?
R – Obrigada, foi um prazer.
FINAL DA ENTREVISTARecolher