Meu nome é Vitória e eu nasci no Ceará. Eu morava em uma casa bem simples na infância. Eu lembro que era só um cômodo de chão batido, bem simples, numa periferia. Perto, tinha um morro, uma duna muito perigosa. Depois, eu fui crescendo e, quando eu fiquei adolescente, a gente aumentou a casa....Continuar leitura
Meu nome é Vitória e eu nasci no Ceará. Eu morava em uma casa bem simples na infância. Eu lembro que era só um cômodo de chão batido, bem simples, numa periferia. Perto, tinha um morro, uma duna muito perigosa. Depois, eu fui crescendo e, quando eu fiquei adolescente, a gente aumentou a casa. A família não era muito feliz, não. O meu pai não era uma pessoa muito agradável, ele bebia. Eu não gostava muito porque eu presenciava muitas brigas.
Quando ele saiu de casa, eu fiquei triste, porque eu era criança, mas depois que eu fiquei madura eu agradeço a Deus, porque eu acho que a gente tem que estar com uma pessoa que a gente possa ser feliz. Eu brincava de elástico, de corda, de buraco, de bola, carimbo, ciranda-cirandinha, essas brincadeiras de rua. A escola que eu estudei foi uma escola maravilhosa, lá o ensino é muito bacana. A alimentação era ótima, tinha biblioteca, lazer, professores maravilhosos, então eu me sentia feliz. A escola, os alunos, os meus amigos de sala de aula, tudo era muito bom. Eu ia pra casa da minha avó. A casa dela era no caminho da escola, então, quando eu saía da escola, eu ficava na casa da minha avó. Eu gostava de ficar lá.
Eu comecei quando a sair era adolescente. Todo sábado eu saia com uma galera e comecei a ir à praia. Lá eu conheci um turista italiano, o Pietro, e ele se encantou por mim. Eu era muito nova nessa época aí ele foi embora, mas a gente mantinha contato por telefone e ele mandava dinheiro pra mim pelo Western Union. Mas conheci uma pessoa aqui do Brasil, me apaixonei e passei dois anos junto com ele. Durante esse período eu parei de estudar. Era pra eu ter terminado o ensino médio cedo.
Minha mãe também sofreu muito porque ela não queria que eu tivesse parado de estudar. Acho que eu fiquei louca. Eu gostava de estudar antes de ter conhecido essa pessoa e parei. Foi por isso que eu parei de estudar: fui morar junto e isso atrapalhou um pouco. Eu tinha catorze anos quando conheci o Pietro, que não era uma má pessoa, mas era mais velho. Ele foi embora e mantinha contato comigo por telefone. Queria me ajudar, ajudar a minha família, só que como eu conheci o brasileiro, eu não quis mais ficar com ele. Não quis mais manter as esperanças de que a gente ia ficar junto. E me juntei com o fulaninho aqui do Brasil, na época que eu não estudava, não fazia nada da vida.
Depois que me separei dele, eu comecei a ter contato com outros, já era maior, já tinha conhecido muitas pessoas. E conheci outro italiano que me convidou pra ir para lá, o Luca. Fui com dezoito anos pela primeira vez e passei um mês na Itália. Na época, eu não tinha a mentalidade que eu tenho hoje, senão eu teria ficado mais tempo, estudado e aproveitado as oportunidades. Voltei e fiquei na mesma vida de praia, de ficar com um, com outro. Não estudava, não fazia nada mas sempre ajudava a minha mãe porque esse segundo estrangeiro que eu tive me ajudava. Foi a época que eu aumentei a casa, fiz mais dois cômodos, reboquei, botei cerâmica. Eu sempre quis ajudar a minha mãe. Eu gosto muito do povo italiano. Não tenho nada a dizer contra eles. É um povo muito simpático. Se eu ficava com eles, essas coisas todas, eles me ajudavam. Não eram eles que iam atrás de mim, eu que ia até eles. Sempre fui muito desenrolada, nunca fui uma pessoa muito tapada. Quando eu não posso falar, eu uso as mãos, faço gestos, eu acho muito fácil.
O namoro com o primeiro foi uma coisa bem complicada porque, na época, eu era muito nova e tem lugares proibidos pra menores. Eu conheci uma pessoa que arrumou um quarto e a gente ficou, rolou e tudo mais. Eu já tinha namorado aqui, não era uma garotinha virgem. Ele me mandava dinheiro. Seiscentos, setecentos, depois foi aumentando, mil. Depois que eu conheci o menino aqui do Brasil, ele viu que eu tava fria e foi diminuindo. Depois não mandou mais porque eu deixei de atender as ligações dele. O meu erro foi ter abandonado os estudos porque já era pra eu estar formada. O meu erro foi esse, eu enlouqueci mesmo. Era pra eu ter namorado e conciliado com os estudos.
O brasileiro… Com ele era um pouco cárcere privado, ele era muito ciumento. Se eu queria dançar, ele já me proibia. Não queria que eu dançasse, não queria que eu olhasse pro lado. Se eu olhasse pro lado e tivesse um garoto, ele achava que eu tava paquerando. A gente vivia brigando porque ele era muito chato, muito ciumento. Ele me bateu por conta dos ciúmes. E eu também não era fácil. Se ele quisesse mandar em mim, eu não deixava, sempre gostei de respeito. Se ele falasse um palavrão que fosse comigo, eu não aceitava. Eu não ficava calada. E começaram a aparecer manchas no meu corpo, minha mãe via, ficava triste, pedia muito pra eu deixar ele. Acho que ela intercedeu muito na base da oração.
Eu sabia que ele não era bom pra mim, mas eu não conseguia, acho que era mais forte do que eu. Tinha dias que eu acordava, olhava pra cara dele e dizia: “O que eu tô fazendo com esse cara?” Eu me achava uma pessoa muito legal pra estar com ele. Teve um dia que eu acordei, a gente discutiu e eu disse: “Ah, eu vou embora.” Nesse dia que a gente discutiu, eu fui embora e nunca mais voltei. Tô até hoje com a minha mãe.
Quando voltei eu ficava na casa das minhas vizinhas, na barraca de praia, ajudava como garçonete pra ganhar uma grana. De vez em quando eu saía pra uma balada e depois voltei a estudar aos poucos. Fui criando gosto. Eu acho que você tem que estudar por vontade e não por obrigação. Em 2010, em janeiro, eu me inscrevi num supletivo e to lá até hoje, já fiz as provas e vou receber o resultado em fevereiro. Passei dois anos lá. Hoje, eu sou uma das pessoas mais felizes do mundo, porque a pior coisa que tem é você estar só em casa, eu não gosto. Eu gosto muito de ter pra onde ir. Eu estudo porque eu gosto, sonho com a minha independência financeira, em poder ajudar a minha mãe. Eu amo o ViraVida, os meus amigos de lá são minha família, minha casa.
Eu me encantei pela Itália na primeira vez que eu fui. É um dos lugares mais lindos que eu já vi na minha vida. É muito bacana! E até hoje eu tenho a oportunidade de voltar, porque eu fiz muitas amizades lá, mas como hoje eu priorizo os meus estudos, não posso. Eu namorava o italiano e gostava muito dele. Se eu não gostasse, eu não teria ido. Ele era uma pessoa muito bacana, empreendedor na parte de construção. A família dele tinha uma empresa de construção. Ele era tão bacana que ele disse assim: “Vitória, onde você quiser ir, eu te levo.” Só felicidade.
Eu só tenho alegria quando eu lembro, tanto que quando a gente se separou, eu e o Luca, eu sofri muito porque eu queria ter continuado com ele. Mas ele tem a vida dele lá, não é casado, é solteiro, não tem filhos, e eu tinha que estar aqui. Acho que foi isso. Mas até hoje eu tenho contato com ele. A gente não tem contato direto por telefone mas de vez em quando, quando bate a saudade, eu dou um toque pra ele, ele retorna, a gente conversa. Ele é um cara muito maduro, que sempre falou: “Vitória, você tem que estudar, você tem que ser independente, tem que ser igual as italianas: duras e frias. Tem que ter a sua independência.” Ele me dava muito conselho. Na época, quando eu o conheci, ele tinha 42 anos, mas era um coroa enxuto.
Quando digo que ia para a praia, digo que eu tinha me prostituído. Foi uma coisa que surgiu do nada. Não foi porque a minha mãe mandou, ou porque eu botei na cabeça pra ir. Comecei a ver como era a vida das meninas, e aí despertou aquele negócio em mim. Acho que eu tinha um vazio mesmo. Lá é bacana, tem as discotecas, música eletrônica, eu gostava de dançar. Eu tinha muitas amigas que ficavam lá, a gente ficava dançando, ia pra curtir. Se aparecesse uma pessoa que eu gostasse fisicamente, eu ficava, senão, tranquilo. Eu nunca falei assim: “Eu só fico por tanto.” Eu falava: “Me dá um dinheiro aí pro meu táxi, moro muito longe.” Eu nunca falava que era garota de programa, não. Até porque eu não acho bonito você sair dizendo isso. Quando eu conheci o Luca e o Pietro, eles me deram mais, mas não era porque eu tava cobrando, era porque eles gostaram de mim. Queriam namorar comigo e me ajudar, sabiam que eu era uma pessoa que precisava, de família simples.
Uma vez, uma menina que morava no interior convidou um grupo de meninas que estavam comigo. Ela disse: “Vamos, tem uma casa lá que acolhe meninas para se prostituírem.” Mas eu não aceitei. Eu também experimentei drogas. Maconha, cocaína. Eu usava com frequência porque eu bebia e, quando você bebe, te dá mais vontade, mas eu não era dependente, não, de usar todo dia. Tem umas meninas na praia que vendem. Aqueles garotinhos que pedem dinheiro ou então aqueles caras que vendem cigarro. A maioria vende cigarro só de fachada. A maioria daqueles caras que vendem protetor sabem onde tem ou vendem.
Eu acho que eu caí em mim, eu tava fora de mim. Tive depressão, e a minha mãe me ajudou muito. Eu acho muito bonito uma mulher independente que nem a minha mãe, por isso que eu tive vontade de voltar a estudar e pedi ajuda à ela, à minha família, à minha tia e à Associação. Minha mãe é a minha melhor amiga, ela sabe tudo da minha vida. É a pessoa que sempre me ajudou nos momentos mais difíceis. Contei tudo pra ela. Eu fazia uma coisa que não me engrandecia. Acho que qualquer pessoa quando bebe muito, fuma muito, não fica bem espiritualmente. A gente não tem que cuidar só do corpo, a gente tem que cuidar do nosso espírito. Eu me afastei por um tempo, mas eu sempre vou à igreja. Gosto muito de ouvir a palavra de Deus, é a melhor coisa que tem e eu não troco por nada. Eu sempre falo pra Deus que ele é tudo na minha vida, que sem ele eu não sou nada.
Eu ficava ali, vendo as pessoas passarem e me dava uma tristeza. As pessoas chegavam às sete horas do trabalho, da escola, da universidade e eu achava que eu também tinha capacidade pra isso. Pedi: “Senhor, por favor, abre uma porta pra mim, um emprego.” Quando recebi a ligação avisando que entrei no ViraVida foi muito bom, porque eu já tava cansada de ficar em casa. Eu não nasci pra estar dentro de casa, pra ser dona de casa. Foi muito bom mesmo. Hoje eu sou outra Vitória, tô me sentindo até mais bonita.
Lá, eu conheci muitas pessoas, tenho professores maravilhosos, amigos maravilhosos, aprendi muitas coisas, sou outra pessoa. Tem gente que me vê e nem reconhece. Falam: “Como você tá diferente.” Mudei mesmo. Eu acho que eu tô mais em paz, mais tranquila, mais inteligente pelo fato de eu estar estudando. Eu sei o que eu quero, mudei muito, e acho que a tendência é melhorar cada vez mais. Quanto mais você estuda, mais vontade você tem de crescer. Quem estuda, cresce.
Eu tenho pena das meninas da praia delas. Eu acho que elas são infelizes. Às vezes eu peço a Deus pra dar uma luz na cabeça delas, porque o que tem que despertar é por dentro, não por fora. Às vezes a pessoa tem uma oportunidade e não sabe. Peço que Deus ilumine a cabeça delas, que mude pra elas seguirem um caminho diferente. Todo mundo tem capacidade. Todo mundo é inteligente, todo mundo é capaz de alcançar os seus objetivos.
Eu quero concluir meus estudos e o curso também. Ter um emprego, entrar no mercado de trabalho e conciliar com uma faculdade. Eu já pensei em várias coisas: turismo, jornalismo. Mas pelo fato de eu estar fazendo o curso de auxiliar administrativo, talvez eu faça administração. O meu sonho é dar uma casa boa pra minha mãe. Sempre sonhei com isso. Poder ter um carro pra passear com ela e meu irmão, ter uma alimentação boa, conforto, minha estabilidade financeira. Ser feliz, ter paz. Não adianta você ter status e não ter felicidade, paz, saúde. Quero ver a minha família bem. Eu me sinto forte, sou muito forte. Tudo o que eu passei serviu para me engrandecer. Se eu sinto tristeza, é porque eu sei que eu fiz algumas coisas erradas, mas eu sou uma pessoa muito forte. Espero que as pessoas que estão entrando no ViraVida aproveitem. Que tentem mudar e que aproveitem as oportunidades.
Nesta entrevista foram utilizados nomes fantasia para preservar a integridade da imagem dos entrevistados. A entrevista íntegra, bem como a identidade dos entrevistados, tem veiculação restrita e qualquer uso deve respeitar a confidencialidade destas informações.Recolher