P/1 – Seu Zé Duda, para começar eu queria que o senhor falasse o seu nome completo, a cidade que o senhor nasceu.
R – Meu nome completo é José Bernardo Pessoa. Agora, o pessoal só me conhece por Zé Duda. E nasci em uma cidadezinha pequena do interior por nome Buenos Aires. Mas essa não ...Continuar leitura
P/1 – Seu Zé Duda, para começar eu queria que o senhor falasse o seu nome completo, a cidade que o senhor nasceu.
R – Meu nome completo é José Bernardo Pessoa. Agora, o pessoal só me conhece por Zé Duda. E nasci em uma cidadezinha pequena do interior por nome Buenos Aires. Mas essa não é Buenos Aires lá de fora, é daqui do interior mesmo. Fica depois de Nazaré. Lugar que eu nasci. Nasci e saí de lá com 17 anos. Aí ganhei o meio do mundo.
P/1 – Como é que foi, você tem irmãos? Qual é o nome dos seus pais?
R – Tenho, o meu pai é Severino Bernardo Pessoa, minha mãe Eulália Malaquias. E irmão eu tenho quatro. Agora, vive mais eu somente uma irmã. O resto vive tudo pelo mundo.
P/1 – E como é que foi a sua infância em Buenos Aires? Conta um pouquinho para a gente?
R – A minha infância em Buenos Aires foi, para mim foi muito boa. No começo até que eu pensei que não. Mas graças a Deus, quem pensa em Deus tudo tem. Sempre eu tive o sonho de alguma coisa. Eu nunca saía de casa porque eu era privado, a minha mãe não deixava. Nesse tempo os filhos respeitava os pai. Hoje em dia não. Filho diz: "Vou para tal canto." E vai e vai mesmo, acabou. Mas eu fui criado em um tempo que se a minha mãe dissesse, não, meu pai dissesse: "Vai", minha mãe dissesse: "Não vai", eu não ia. Ela quebrava a ordem do meu pai. Porque ele dava a autorização de eu ir, ela não deixava. Aí eu não ia. Então eu fui criado nesse tempo. Me deram o tempo para estudar, eu não quis. Não quis. Lutaram para mim estudar, eu digo: "Eu não quero aprender ler." "O que é que você quer?" Eu digo: "Eu não quero nada." Foi depois botei na cabeça de acompanhar maracatu. Mas ela não deixava eu sair de casa para ir olhar maracatu. Mas um dia e teve um maracatu distante da minha casa e eu fui dormir. Quando eu acordei uma faixa de 10 horas da noite eu vi tocando, a zuada pelo mundo. Aí escutei assim dentro de casa, eles tudo dormindo, meu pai. Eu abri a porta devagarzinho, saí, fechei, joguei a chave por baixo, fui embora. Quando eu chego no maracatu estava dois mestres sambando. Cheguei entre um e outro fiquei. E ali só saí quando terminaram de manhã. Quando terminaram de manhã, de os dois não, mas de um eu sabia tudinho o que ele tinha cantado. Eu decorei tudinho no juízo. Eles se despediram foram embora. Um para um canto, outro para outro. E eu fui embora para casa. Quando eu cheguei em casa estava tudo brabo me procurando, porque eu não estava em casa. A rede estava armada mas eu não estava. Aí me procurando, aí vou chegando. Já com medo de apanhar. Porque a véia era malvada para mim. "Você estava aonde?" Eu digo: "Eu estava no maracatu." "Sozinho?" Eu digo: "Não, estava meio mundo de gente e eu estava no meio." "Isso é bonito?" Eu digo: "É bonito e eu sei cantar." Aí disse: "Sabe nada, meu filho." Eu digo: "Eu sei, eu sei cantar." E fiquei com aquilo no juízo: "Eu sei cantar o maracatu." Pela tarde lá nesse lugar ia ter maracatu novamente. Tomei um banho, tomei um cafezinho, me deitei mas não pude dormir, choqueado. Pedindo a Deus que chegasse meio-dia para eu ir para lá. E pedindo a Deus ela deixar eu ir. Eu já saí escondido, e agora possa ser que ela não deixe eu ir. Mas o meu pai, eu gostava demais do meu pai, pedi a ele: "Pai, deixa eu ir." Ele disse: "Eu quebro o galho, vá-se embora." Quando eu fui saindo ela me freiou: "Prá onde?" Eu digo: "Eu vou para o maracatu." Ela disse: "Ó o dedinho." "O pai deixou." Ele disse: "Vá." Eu disse: "Graças a Deus, meu Deus." Eu fui embora. Quando cheguei lá aí estava os dois maracatu travado. No lugar que eu nasci ninguém nunca tinha visto eu cantar, nadinha. Eu disse: "Olha, se eu for cantar maracatu, eu canto." A turma: "Mas tu canta nada, rapaz. Tu nunca visse maracatu, pirralho. E como é que tu canta maracatu?" Eu digo: "Eu canto." Ansioso para cantar. Aí vai, botaram um tamborete, eu me subi, que eu era pequeno assim. Subi no tamborete, cantei maracatu até a hora de terminar. Cantei o que eu decorei do cara eu cantei todinho, que o mestre ele não sabia, foi uma valha para ele. Aí a turma caiu em cima. Caiu em cima: "Tem um menino sambando maracatu, e logo na rua." Aí o bicho pegou. Tinha um sargento lá na cidade, ele era muito encapetado. Se o cara soubesse cantar ciranda, maracatu, cavalo-marinho, coco-de-roda, coco-de-pandeiro, ele chamava. Não tinha dia. Podia ser segunda, terça, quarta, qualquer dia. Aí ele disse: "Eu vou fazer um maracatu para você." Eu digo: "Graças a Deus." Realizei porque o sargento que vai fazer. Ele arrumou um bombo lá, um terno de maracatu e eu comecei brincando. E fui ensaiando com o mestre, sambando com os outros mestres: pá, pá, pá, pá, depois passei a pronto. Quando eu passei a pronto eu digo: "Agora eu não tenho medo de mestre não. Agora é pé de parede mais eles. Seja o que seja." O cara que eu aprendi com ele, escutei, ele não sabia que eu tinha aprendido tudinho que ele tinha cantado. Eu disse: "E agora? Eu com os outros posso cantar, mas com ele eu não posso cantar o que aprendi dele. Porque possa ser que eu cantar com ele, ele: 'Isso aí é meu' - realmente ele podia dizer o quanto eu posso fazer com qualquer um - 'isso aí é meu'." Aí eu digo: "O que é que eu faço? É fazer para mim. - eu digo - agora eu vou ver se o meu juízo dá." Botei o juízo para funcionar e foi a maior tranqüilidade para mim. Eu segurei o baque. Segurei o baque e aí no dia que eu completei 10 anos meu presente de aniversário foi eu tirar um carnaval. Maracatu. O cara me entregou o maracatu pronto. 36 caboclo, acompanhado. Bonito todo. Aí disse: "O mestre é você." Eu desse tamanho. Que eu com 10 anos era do tamanho de jumento, pequeno. Tirei o maracatu. Fiquei ansioso. Quando eu, a minha mãe não queria deixar eu tirar o maracatu porque ia passar três dias fora de casa. O dono do maracatu muito jeitoso, e coisa, aí tirou eu da unha dela. Quando eu saí no domingo de oito horas do dia de casa, cheguei na quarta. Quando eu cheguei em casa ela disse: "Gostou?" Eu disse: "Gostei." Ela disse: "Foi o primeiro e o derradeiro que você brincou." Eu falei: "Por quê? Eu não morri." Ela disse: "Porque eu não quero que você brinque." Eu disse: "Meu pai do céu, meu Jesus, dá-lhe no juízo dela para ela deixar eu brincar." Aí o pessoal caiu para cima dela: "Dona Eulália, deixa o seu filho brincar. É um signo que ele trouxe e ninguém pode cortar." A minha de umbigo, cortou meu umbigo quando eu nasci, aí: "Comadre, deixa ele brincar." Mas comadre, eu não quero porque maracatu é uma tuia de pau, uma tuia de homem bravo, e vai matar meu filho", não sei o que. Mas eu dizia: "E a senhora de filho só tem eu? Não tem seis filhos?" "Não, mas você é o mais desmantelado para ganhar mundo. Mas tudo bem, eu vou ver quem pode mais, se é você ou é eu." Eu disse: "O que é que ela quer fazer, meu Deus?" depois de Carpina, tem um lugar chamado Pau d'alho. É uma cidade chamada Pau d'alho e tem uma igreja de um santo chamado São Severino. Todo mundo se vale desse santo. Ela que fez. Foi uma promessa para São Severino para eu deixar de brincar. Mas que lá em casa, casa de taipa, a parede era capaz de ninguém ver a parede. Toda qualidade de retrato de santo tinha. Então tinha São Severino. Ela tramou tudinho, fez a promessa e
foi pagar. Saiu de casa no domingo quatro horas da manhã. Quando eu acordei de manhã e procurei por ela, não encontrei. Perguntei ao meu pai: "Quedê ela?" Ele disse: "Foi para São Severino." Eu falei: "Espera aí, ver o que?" Ele disse: "Não sei." Aí peguei a interrogar ele. "Mas o senhor deve saber." Realmente ele não sabia. Ela fez essa promessa e foi, mas não disse a ele sobre o que. Porque ele apoiava. Ele apoiava. Meu pai não bebia, meu pai não jogava, meu pai não fumava. O meu pai era tranqüilo. Como pobre, mas era tranqüilo. Então eu tinha todo apoio do meu pai. Eu, com 17 anos, só dormia, só ia para a minha rede quando ele se deitasse no chão em uma esteira para eu me deitar para dormir um sono em cima do estomago dele. Com 17 anos. Às vezes eu pegava no sono, ele me pegava levava para a minha rede. De tão amoroso que eu era a meu pai. Aí quando ela chegou pela tarde, dei a bença a ela. Ela trouxe um bocado de negócio para mim, para me tapear. Um bocado de bala, um pacote de bala, uns confeito grande assim. Bolo de goma. Trouxe um bocado de coisa, aí me entregou. Mas deixa que eu estava com o coração desse tamanho assim. Louco para saber o que ela tinha ido fazer. Eu falei para ela: "A senhora foi para onde?" Ela disse: "Fui para São Severino mais comadre Nana, dar um passeio, que eu só vivo em casa no roçado e coisa." Fiquei nervoso. Eu disse: "A senhora foi para São Severino, e esse santo aqui é qual?" Ela disse: "É São Severino." Aí meu pai disse até uma piada. Meu pai disse: "Meu filho, santo de casa é corno." Eu falei: "Por que santo de casa é corno, meu pai?" Ele disse: "Ela foi para São Severino, e esse aqui que você está mostrando não é São Severino? Se ela tinha alguma devoção fazia com esse aqui, não ia para lá não." Eu até brincando disse a meu pai: "Porque lá é a fonte, meu pai. Acho que aonde nasceu São Severino, eu acho que é a fonte. Então é mais poderoso do que esse aqui. E quando foi no outro dia ela disse a lá um pessoal: "Eu fiz uma promessa para São Severino e ele vai deixar de brincar." Aí o cara correu por trás e me disse: "Digo, agora não disse que fui eu que disse." Botei as duas mãos na cabeça e comecei chorar: "Meu Deus do céu." São Severino é muito forte. O que o pessoal pedia a ele via, né? E ela fazer uma promessa dessa e não me parar-me? Aí eu comecei a chorar escondido. Aqui, acolá, estava chorando. O povo perguntava: "O que é que tem Zé Duda?" "Nada não." Mas a língua engrossava porque eu não podia dizer
o que era. E lá vem se aproximando o sábado, e eu tinha um ensaio de maracatu com outro mestre para dar no sábado. Então eu disse: "Agora eu vou ver." Quando chegou a sexta-feira, eu disse: "Agora eu vou ver." Aí o pessoal que brincava comigo: "Como é, a gente vai ou não vai?"
Eu digo: "Vai." O pessoal tudo sabia. Eu fui. Quando cheguei lá sambei a noite todinha. Nada faltou no meu juízo. Quando foi no outro sábado, de novo. Eu disse: "Agora eu vou dar o pagamento a ela da promessa que ela fez. Apesar que eu sou muito devoto de São Severino também, mas eu vou dar o pagamento a ela." Fui sambar com outro mestre, ela foi. Chegou lá eu comecei cantar e coisa, e o povo admirando. O povo admirava eu cantar porque eu era muito pequeno, mas era encapetado que só uma cebola. Aí comecei a cantar e coisa, e ela lá. Com uma toalha grande enrolada no pescoço. Aí chegou bem perto de mim. Eu fiz um samba para ela. Eu disse: (CANTA) "Mamãe fez uma promessa para eu deixar de sambar. Abalando todo mundo conquistando o pessoal. Ralando o joelho pelo chão, só para me atrapalhar. Quando ela foi no altar chorando e acendendo vela. E o santo foi, gritou: 'velha deixe seu filho vadiar'." Ela botou a mão para cima e disparou no choro. Não pode me parar não. Aí eu disse: "Tá vendo quem tem fé em Deus o que é que faz? Agora, a senhora não pode me bater-me, e nem São Severino. Porque q senhora é devota dele e eu sou também. A senhora tem fé nele para parar de eu brincar, e eu tenho fé nele para ele aumentar para eu brincar." Aí ela liberou. Liberou e eu toquei a vida até hoje. Disse: "Se prestar eu fico, se não prestar eu saio." Que pena que eu já fiz 58 carnaval, agora em 2007. Agora eu estou pedindo ao pessoal lá onde eu brinco para ver se eu chegou brincando 2008, 2009. Se eu brincar esses dois anos aí eu já falei com todo mundo para fazer o aniversário. 60 carnaval e 70 anos de idade. Aí eu deixa um no meu lugar e saio do brinquedo. Aí a turma não fica." O dono do brinquedo quero ver como é que fica." O dono do brinquedo disse, o dono só não, todo mundo, produtor, tudo. Aí disse: "Ainda você não podendo brincar, mas que você só sais desse brinquedo quando Jesus levar. Porque se você não puder andar, no carnaval a gente aluga um carro, os carro do maracatu na frente, você atrás em um carrinho porque
foi você que deu a vida a esse maracatu." para melhor eu fui brincar nesse maracatu um ano. Tirar o primeiro carnaval. Saí brincando em todos os maracatu: pá, pá, pá, mas teve um de eu chegar e ficar. É esse que eu estou. Quando eu cheguei nele, olhei a cara do dono assim, ele disse: "Você vai brincar comigo?" Eu disse: "Vou não." Ele disse: "Porque
você não vai brincar comigo?" Eu digo: "Porque eu não fui com a sua cara." "Espera aí, o que é que tem o maracatu com a minha
cara?" Eu digo: "Porque o que eu tenho de dizer eu não mando ninguém, eu mesmo digo. Porque se eu disser duas palavras, e se eu mandar dizer o cara diz dez." Mas apesar que só disse duas. Talvez se eu disser: 'diga a Batista que eu vou.' São duas palavras. Aí o cara diz: 'Zé Duda mandou dizer, seu Batista, que não vinha, e pá, pá, pá.' Faz dez. São doze. Então eu estou logo lhe dizendo: 'eu não vou tirar seu maracatu não porque eu não fui com a sua
cara'." Ele disse: "Mas por que assim?" Eu digo: "Porque eu estou sabendo do povo aí que o senhor gosta muito de gritar o povo do seu brinquedo. Eu fui criado com um homem que não sabia gritar ninguém. E outra, que eu soube do senhor: qualquer coisa o senhor dá no cara. O cara que me criou me deixou, foi embora eu fiquei com 17 anos, ele nunca tocou em mim. Porque se um cara tocar em mim se eu não pegar ele na hora eu pego ele depois. Mas de me vingar eu me vingo." Ele
foi e disse: "Zé Duda." Eu disse: "Senhor." Ele disse: "Como é que você sabe que um comer é bom se você não comer?" Eu digo: "Realmente é mesmo." Eu até disse uma piada a ele, eu disse: "Eu vou enfrentar que eu só digo que o bicho é macho quando eu capo." Ele disse: "Vamos brincar?" Que brincar foi esse que eu já fiz 38 carnaval nesse maracatu? 38 anos eu estou nesse maracatu. Brinquei com ele, ele faleceu, o filho tomou conta. Eu deixei, fui-me embora, passei cinco anos fora do maracatu. O filho tomou conta, foi me buscar eu voltei. Fiz 38 anos nesse maracatu. Não tenho intrigado, não tenho um inimigo. E já rodei muito lugar com esse maracatu. Tenho grande conhecimento. Também eu sei plantar e sei colher. Porque a onde a gente encontra flores, flores. Se a gente encontrar espinho é espinho. Mas se a gente encontrar flores, como é que eu não posso maltratar vocês que me tratam tão bem? É isso que o povo é apegado
comigo. "Zé Duda, eu preciso disso eu lhe ajudo, posso ajudar?" "Pode." "Então eu vou ver se ajudo. Quando eu disser: "Não posso." é porque não posso. Não tento porque não dá para mim. Então esse sofrimento da minha vida, eu tenho uma grande felicidade, que eu digo: "O cara sofreu na vida." eu não, eu não sofri na vida. Porque eu tive tempo para estudar, eu tive tempo para tudo, mas depois que eu botei a cara na cultura eu não troco estudo. Tem muita gente formada, formatura: "Mas Zé Duda, tu estava aonde?" "Eu estava em São Paulo." "Estava aonde, Zé Duda?" "Eu estava no Rio." "Estava aonde, Zé Duda?" "Eu estava em Brasília." "Estava aonde?" "Estava em Belo Horizonte." "Estava aonde?" "Estava lá em Paris." "Zé Duda, estava em Paris?" "Estava em Paris." "Não acredito." Eu digo: "Ó o comprovante." E, hoje em dia tudo o que eu tenho foi através da cultura. Que a minha mãe disse, voltar ao assunto da minha mãe. Minha mãe só queria que eu trabalhasse na roça, no roçado. Eu trabalhava, mas aquilo não tinha futuro, não tinha futuro. Ela dizia: "Meu filho, maracatu não tem futuro." Eu disse: "Mas talvez tenha. Talvez tenha. Talvez a senhora ainda vá usar produto do maracatu." Ela disse: "Isso eu vou pagar para ver." Hoje em dia não passo como um deboche, mas foi, não foi, ela sentada assim eu passo na cara dela. E disse: "Ainda é de vim tempo de a senhora morar em um canto e eu morar noutro. Distante um do outro. Não estou com orgulho e nem jogando uma praga à senhora não. Eu estou acordando a senhora, que a senhora dorme. A senhora morar em um canto e eu noutro. Aí a senhora vem de viagem, há de perguntar: 'quem mora ali?' 'quem mora ali é um tal de Zé Duda.' E a senhora saber que é seu filho." Ela disse: "Isso nunca chega, meu filho. Não chega não, porque você é muito preguiçoso. Você só quer estar andando pelo mundo, trabalhando de porteiro, de portador, em cima de caminhão. E você nunca chega a isso que você quer não." Eu disse: "Vamos dar tempo ao tempo. Quem sabe é aquele dali, não é a gente. Eu estou fazendo a planta, vamos ver se ele água. Se ele aguar, gera." Aí foi dito e feito. E eu comecei, comecei, comecei, quando ela não esperava eu me desapartei dela. Desapartei dela. Ela foi para um canto eu fui para outro. Ela comprou uma casa, morava em casa alugada, aí comprou uma casinha. Mandou me chamar lá. Eu fui. Eu cheguei lá, ela casou novamente. Quando eu cheguei lá ela disse: "Essa casa é sua, essa casa é sua. Agora eu quero que você faça uma para mim atrás no quintal, que o quintal é grande." ______ "Não quero não." "Mas por que não quer? Estou lhe dando uma casa e você não quer?" Eu digo: "Não quero não. Não é soberba, é porque não quero." eu disse: "Era isso?" Ela falou: "É." Eu disse: "Vou embora." Ela disse: "Não, deixe para ir amanhã." Eu passei o dia lá com ela, dormi, no outro dia fui embora. ______
P/1 – Isso foi com quantos anos?
R – Já estava maduro, já. Foi agora em 88. Eu já tinha rodado o mundo. Uhh, tudinho. Porque esses tempo que eu tenho no maracatu, eu morava lá na casa do dono do maracatu. Ele tinha umas casas lá, ele tinha 18 casas. Eu morava em uma não pagava renda. Porque o encabulado do cara é pagar aluguel de casa, porque ele paga agora e já está devendo de novo. Aí, foi, foi, foi, comecei dar uns roda pelo mundo. Comecei andar para São Paulo. Fazendo uns trabalhos com Ana Paula, arrumei um trocadinho comprei um terreno, fiz uma casa. Ela sem saber eu fiz uma casa.
P/1 – Em Aliança?
R – Na praia. Fiz na praia de Catuama. E ela morando em Caporama, uma cidade lá da Paraíba. E eu aqui em Pernambuco. Fiz uma casa. Quando foi um dia eu convidei ela para ir lá em casa. Ela veio, quando chegou disse: "De quem é essa casinha?" Eu digo: "Eu aluguei." Disse: "Mas renda de casa aqui é caro. Por que você não ficou lá? Eu não dei a casa para você?" Eu digo: "Não, a renda aqui não é muito cara, dá para eu ir me virando." Ela disse: "Que bom, é até aprumadinha a casa." mas eu fiz com meia água, porque o dinheiro estava pequeno. Ela foi-se embora. Dei outra volta em São Paulo, quando eu cheguei ajeitei novamente a casa, ela veio olhou, disse: "Está modificando?" Eu digo: "Estou." Ela foi embora. Eu dei outra volta em São Paulo, aí peguei o produtor, gravei o CD. Ele me deu três mil reais. Depois me deu mais 1500, foi 4500. Eu digo: "Agora, agora." Peguei, descobri a casa, subi as paredes, fiz o chalé. Preparei a casa. Fiz umas apresentação em Brasília, São Paulo, Caruaru, Rio, passei oito dias no Rio com o maracatu. Caiu um trocadinho bom para mim. O quintal da minha casa é grande. Eu peguei fiz uma. Ela lá em Caporama. Eu peguei fiz uma casa. Eu fui buscar ela. Ela, porque estava distante de mim, não sei o que, tá, tá, tá. Eu digo: "Oi, já? Está distante, está sentindo saudade." Eu falei: "Quando eu sentir saudade da senhora eu vou lá." preparei uma casa atrás da minha e chamei ela. Eu disse: "A senhora está reclamando porque está longe de mim. Quer alugar essa aqui?" Ela disse: "De quem é?" Eu digo: "Minha." Ela disse: "É sua essa casa?" Eu digo: "É." "Mas, meu filho, que bom." Eu disse: "É?" Ela disse: "É." "Meu filho arrumou dinheiro aonde?" Eu digo: "No maracatu. Com o maracatu lá para São Paulo, pelo Rio, me deu dinheiro que eu fui." Ela disse: "Eu arrendo, quanto por mês?" Eu digo: "Como é para a senhora, filho com mãe, a senhora vai me pagar 200 reais por mês." Beira-mar, era 80 metros da minha casa para a praia. Quase essa distância aqui. "A senhora vai me pagar 200 reais por mês." Ela disse: "Eu pago 150." Eu digo: "Que bom, vou ganhar o seu dinheiro." Chamei minha irmã, minha filha - que eu tenho uma filha em casa - chamei tudinho. Fui buscar a mudança dela. Ela não estava em casa, eu cheguei lá peguei a mudança dela, trouxe, botei em casa. Quando ela chegou a casa fechada. Ela abriu assim, nada dentro. "Meu Deus do céu, roubaram meus troços tudinho. Roubaram tudo." Botou a mão na cabeça e começou a gritar. Disseram: "Foi seu filho." Disse: "Foi?" "Foi." Ela veio atrás, quando chegou eu disse: "Sua casa é essa." Ela disse: "E a outra de lá, de Caporama?" Eu digo: "Não quero saber." Ela disse: "Vá vender." Eu digo: "Eu não, eu não botei um tostão nela. Agora essas aqui eu botei. Essas aqui pertence a mim, pertence a esse suor. Cantando besteira pelo mundo, deu isso." Quando ela se situou, eu disse: "Agora." Disse: "Lembra quando a senhora batia duas enxada e entregava uma para mim para ir puxar na roça que eu dizia que não queria, a senhora dizia que eu nunca ia ter futuro com o maracatu?" Ela disse: "Lembro." Eu digo: "Ó aí, o maracatu o que me deu. Deu para mim, deu para a senhora." Ela disse: "Mas aqui não é minha." Eu digo: "É sua. A senhora só não leva ela quando morrer, que vai deixar para outra pessoa." Eu tenho uma irmã que vive com ela em casa, eu saio de casa, deixando minha irmã e uma filha que eu tenho, eu estou despreocupado. De onde eu estou eu ligo. Já hoje ligaram para aqui. Eu estou despreocupado. Porque se for doença elas agem, graças a Deus, meu bom Deus, eu não devo a ninguém. Minha família não deve. Eu não pego um tostão emprestado de ninguém para fazer uma viagem. Porque eu não preciso. Sou aposentado, é um salarinho desse tamanho, mas eu sei dividir ele. Eu sei dividir. Eu
não tenho família, não tenho mulher. Minha mulher morreu em 97, apareceu mais de mil para morar mais eu, para casar. Eu não quero não. Eu não vivo em casa. Quatro filho eu tenho. Cada qual tem uma casa muito boa, graças a Deus. Levo qualquer um de vocês e mostro aqui a casa de meu filho. Não faz vergonha entrar na casa dos meus filhos. Essa que está mais eu não tem nada, porque ficou no meu mocotó. A mãe dela morreu ela ficou no meu mocotó. Eu arranjei outra mulher, morou 27 anos mais eu. Morreu. Ela ficou, sou viúvo duas vezes. Eu não arranjei mais outra porque eu estou com medo. Porque possa ser que agora quem vá seja eu. Digo: "Quero mais não, deixa eu sozinho agora." Então essa filha ficou mais eu. Depois que eu aprontei a casa, restaurei a casa todinha a semana passada faltava murar. Comprei o material, mandei murar, está muradinha, bonitinha, de terraço. Água encanada dentro de casa, graças a Deus. Chamei a minha filha de: "Você quer ficar nessa casa pagando aluguel? Porque eu vou morar noutra. Eu não vou ficar aqui na praia não, não gosto da praia." Ela disse: "Mas meu pai, e o senhor tem dinheiro para pagar a renda." Digo: "Uma surpresa para você. Começa a fechar essa casa lá da cozinha." Ela começou fechando. Quando ela chegou onde eu estava deixou a porta de frente aberta. Eu disse: "Feche." Ela fechou, me deu a chave. Quando ela me deu a chave, ficou olhando para mim. Eu disse: "Você só teve vez nessa casa até agora, porque de hoje para diante essa casa é minha. Você é de maior, já tem uma meninazinha, é mãe solteira. Agora se vira." Ela disse: "Mas meu pai, eu vou para onde?" "Não sei." Ela disse: "Eu vou - ela chama avó, não chama vovó, chama vovô - eu vou pedir a vovô para passar uns dias na casa dela, uns dias na casa de João, outros na casa de Manoel, outro na casa de Cema lá na Paraíba, até eu arrumar um quartinho para mim." Eu digo: "Que bom, tá vendo quem luta o que é que faz? Se você botar isso na cabeça você vai fazer o quartinho rapidinho. Mas abre essa porta aqui." Ela abriu. Quando ela abriu eu digo: "Vai lá no meu guarda-roupa traga aquela bolsa capanga. Ela trouxe. Quando ela me entregou, tirei o papel da casa, digo: "Toma a chave, toma o papel, a casa é sua. Não preciso disso não." Ela disse: "A casa é de quem, meu pai?" Eu digo: "A casa é sua." "Mas por que o senhor fez isso?" Eu digo: "Porque você tem quatro irmão. Cada qual tem uma casa muito boa. E você ficou no meu mocotó então não tem nada. E nem tem posse de fazer. Eu não preciso, é sua. Tome." Ela disparou no choro contar minha mãe. Aí
a minha mãe: "O que é Maria, o que é?" Que a minha mãe entrou para 91 anos, em Santana ela fez 90 anos. "O que é Maria?" Já agarrou-se as duas chorando. Ela com o papel na mão: "Vovô, pai me deu a casa para mim." A véia: "Foi José?" Eu digo: "Foi." "Por que você deu a casa a ela?" Eu digo: "Porque ela tem quatro irmão, três, cada qual tem uma casa. E ela ficou no meu mocotó não tem nada. De uma hora para outra eu morro. Ela vai ficar com a casa, mas eu não dei. Vai ficar com a casa mas não dei. Agora ela pode dizer: 'agora eu tenho uma casa que meu pai me deu'. Está satisfeita?" Ela disse: "Estou." Eu digo: "Você está satisfeita, eu
não estou ainda. Porque ainda falta eu fazer um serviço nela." Eles sem saberem o que era, e coisa. E quando foi, eu me lembrei que eu tinha trabalhado fichado um tempo. Que é do meu PIS. Vou procurar. Quando cheguei lá tinha 1800. Eu digo: "Oche." 1853, eu digo: "_____ me dê ele para cá." Eu fui no armazém, comprei o material, murei ela. Eu digo: "Agora está prontinha a sua casa." Ainda ontem ela ligou, disse: "Pai, o pedreiro terminou a calçada, porque onde cavou a base para levantar o muro. Ele terminou, está tudo pronto aqui." Eu digo: "Está feliz?" Ela disse: "Estou, e o senhor como é que está?" Eu digo: "Eu estou bem, graças a Deus. Estou bem aqui no céu. Só isso a minha vida.
P/1 – Mas, pensando um pouquinho na sua infância, como que o senhor via no seu dia-a-dia o maracatu? Ele era quantas vezes por semana? Como é que era? O senhor achava ele na rua?
R – Não, o maracatu era de oito em oito dias. A gente só sambava de oito em oito dias. Às vezes de 15 em 15, porque cansa também. Mas que o sonho meu era de brincar, era de brincar. Chamasse qualquer dia da semana eu ia. Mas, que nesse tempo, o maracatu só brincava de oito em oito dia, de 15 em 15, porque a cultura não tinha conhecimento com o maracatu. O maracatu era esquecido. Maracatu ninguém dava nada para o maracatu. Mas depois que a cultura viu que maracatu tem futuro, aí a cultura caiu de dentro. Depois que a cultura caiu de dentro do maracatu, quem que não quer se levantar? É porque Pernambuco, se o espírito não me engana tinha, se muito tinha, era uns 10 maracatu. Pernambuco todinho. Uns 10. Hoje em dia tem 104. Pernambuco tem 104 maracatu rural. Fora o barco-virado. O barco-virado em Recife, aqui e acolá, tem 10, 12. Quem sabe é esses meninos que bate barco-virado. Mas rural tem 104. Veja o quanto adiantou? E só vejo nego dizendo: "Maracatu não tem futuro, não tem futuro" e quando dá fé o cara está fazendo um. O que diz que não tem futuro está fazendo um. Mas por que ele está fazendo? Para ver se maracatu tem futuro de riqueza. Não tem. Maracatu, o cara só adianta com maracatu. O dono do maracatu não tem resultado. Quem tem resultado é quem brinca. Porque o dono só faz gastar. Pronto, se você tem um maracatu: "Zé Duda, eu queria que você, eu fiz um maracatu eu quero que você vá mestrar meu maracatu." Eu digo: "Só vou com tantos reais." "Não, eu dou tanto." Eu digo: "Não, Fulano está me dando tanto eu vou para fulano. Você quer que eu vá? Eu vou. Já é um meio mundo de dinheiro que você vai me pagar." Eu digo: "Eu vou por três mil reais. Eu brinco os três dias por três mil reais. Você tem interesse que eu brinque? Eu vou." Aí
já é um prejuízo. Aí lá vem a despesa de carro, despesa de fantasia, despesa de comida para aquele povo. Quando é um maracatu de 60 pessoas até 80 é bom. Mas de 160? 160 pessoas dentro do maracatu para dar de comer três vezes o dia. Quatro transporte para pagar. Quando finda o carnaval aquele povo cada, o que menos ganha, 40 reais. O que menos ganha. Porque tem umas crianças que faz parte de aula das baiana. Esse ano ganharam 40 acharam ruim. As criancinha desse tamanho, quatro. Quatro que é para destacar. As baiana adulta para criança. Provando a cultura que a pequena representando a velha, e a velha representando a pequena. Mas esse ano ganharam 40. Uma, por sinal eu tenho uma neta, ela está com nove anos, está desse tamanho. Já brincou esse ano. Ela disse: "Vovô, não dá para aumentar esse dinheiro para o ano, não?" Tá vendo? Brincou por 40. Aí ela perguntou a mim: "Ô vovô, não dá para aumentar esse dinheiro não? Para o ano não dá para aumentar não?" Digo: "Realmente, minha filha, dá. Porque esse ano você está começando já 40, quem sabe que no próximo ano você não ganha 80. Quem diz é o tempo." Ela disse: "É, né?" "Quer dizer que eu já vou ganhar 80?" Eu digo: "Não estou dizendo que você vai ganhar 80, quem vai dizer é o tempo." Então se um cara tiver um jogo de vida com brincadeira ele vai, se ele não tiver ele fica. Ele fica. É de onde ele está para trás. Esse que eu estou, se a agremiação tiver o puder de ser campeão, ser vice, ainda tem uma salvação. E se ele ficar somente como aspirante ele está ferrado. Eu tive sorte com esse maracatu que eu brinco. Eu participei, fui de aspirante participei. Ganhei. Fiquei na chave B, chave B é segunda categoria. No outro ano eu melhorei, já peguei o rolo da passarela o que era, parti com ele, fiz o segundo lugar chave A. No outro ano eu fui já melhorei o brinquedo. No outro ano eu fui. Ganhei o primeiro lugar, fiquei na chave A. Chave A, primeira categoria. Hoje em dia, agora não estou ligando. Eu posso ganhar na passarela para campeão, posso perder, não tem problema. O dinheiro que o campeão ganhar o meu maracatu ganha. Quero saber que eu estou na chave A e não saio de categoria.
P/1 – É que nem escola de samba? É parecido com a escola de samba?
R – É parecido com escola de samba, o julgamento.
P/1 – E como que é? O seu grupo é lá de Aliança?
R – É de Aliança.
P/1 – Quantas pessoas são?
R – São 160 pessoas.
P/1 – E a divisão é mais ou menos como?
R – A divisão é, tem a ala de baiana, 38, 42 baiana. Caboclaria 52, 54, depende da caboclaria. Agora vem rei, vem rainha, vem valete, vem cinco para o terno. Vem três músico de sopro. É uma desgraceira, uma doideira.
P/2 – Seu Zé Duda, e quais são os instrumentos do maracatu rural, que é diferente do baque virado?
R – Demais até. Mineiro, porca, que antigamente não era mineiro, era ganzá. Antigamente não era porca, era buzina. Mas é mineiro, porca, gongué. Não era gongué, era gonguê. Mas que é um gongué. Bombo, era surdo. Não é surdo, surdo é para escola de samba. É, mineiro, porca, gongué, tarol. Não era tarol, caixa. Caixa, bombo, porca, mineiro, tarol e bombo. Cinco instrumentos, som diferente, as lapadas. Eu
poderia até bater esse barco virado, mas não é bem fácil. Agora, do rural eu sei montar e sei tocar tudinho. Lá nos colégios que a gente está dando aula com as crianças eu levo o terno do maracatu. Quando chego lá começo cantar, eles começam dançar. Depois eu paro e vou ensinar eles tocar tudinho. É uma diferença, de um baque solto para o baque virado. Grande diferença, são cinco. (FALHA NA GRAVAÇÃO)
R – Já fui duas vezes com ele para Ibirapuera.
P/2 – É?
R – Foi. Fui para Brasília duas vezes.
P/2 – _______ seu Zé Duda, suas músicas.
R – É lindo o baque solto.
P/1 – Explica para a gente de novo então um pouquinho do rural para o____
R – É porque eu tenho encontrado, já encontrei maracatu baque virado com 18 bombo, com 30 instrumento tocando. Pelo amor de Deus, onde com cinco eu faço tudinho. E eles com uma zuada que chega dói no ouvido. Quando eu chego na passarela que tem um baque virado na minha frente ou está atrás de mim eu estou agoniado. Eu estou agoniado porque dói no ouvido. Aquela tuia de instrumento. Agora, se cantasse uns negócio aí, mas também tinha razão. É um tipo misturado, é um axé, não sei o que, que eu não entendo bem isso. Aí dificulta que só a cebola. Eu me agoneio demais com aquela zuada. E o baque solto, não, o baque solto é cinco tacadinha amarrada e bons sopro. Músicos tudo bom. Tem músico ruim também, mas tem músico bom. E não só eu, a parte é, a maior parte do povo acha bonito e eu vou ultrapassando.
P/1 – e o senhor falou que quando o senhor era menino você escutou o mestre cantando, e aí você decorou todas as músicas, lembra?
R – Decorei mas não lembro de nenhuma.
P/1 – Ô.
R – Não lembro de nenhuma. Para melhor ainda lembro, quer ver, ou ver lá por baixo se ainda lembro de alguma dele que eu decorei. Finado Antonio Barage. Ele cantava assim: (CANTA) "Na mata nasceu um pau, que nasceu e se criou. O carpinar foi e achou, foi o pé do jatobá. Então ele foi serrar e fez quatro barcacinha, para o filho do governador. Uma banda que me sobrou eu fiz quatro bengalinha. Uma mandei para Aprígio, outra mandei para Doquinha, um eu dei a Zé Birrinha, a derradeira foi minha. O nome dessa bengala se chama Maria Bela da Frida, ou de pontada quem leva lapada dela." Um cara pequeno decorar uma coisa dessa, e muito, e muito. "Um dia eu saí de casa, na sexta-feira bem cedinho, cheguei no meio do caminho ia passando um velhinho com uma cestinha no braço. Eu fui perguntei: meu velho, que é que leva na cestinha? O velho me respondeu: na cesta vai um courinho. Eu perguntei: ô, meu velho, quanto custou este couro. O velho me respondeu: custou 22 mil réis. Eu disse: meu véio quer dez? E o véio me entregou o coro. Então eu peguei o couro botei na casa do vaqueiro, mandei curtir bem curtido. Tirei da casa do vaqueiro para casa do sapateiro, para fazer uma macaca para tu e teus parceiro." Aí, nisso, veja juízo bom o que é, no meio desse povo todinho uma cumprideza dessa, o cara decorar uma desgraceira que o cara cantou tudinho. Hoje em dia ninguém pode fazer mais isso. Nem pode cantar essa cumprideza, porque hoje em dia é rima, é rima, e medido: dez. Se cantar mais de dez está perdido. Se sair fora da rima está errado. Porque o cara disse a mim: "Zé Duda, de tudo que você vê faz um samba?" Eu digo: "Não, eu não sou computador. Mas talvez com um arranjo eu faço." Ele disse: "Esse pedaço de papel, é um retrato, não é?" Eu disse: "É." Aí ele disse, ela disse - até uma moça - disse: "Olha, dá-se o nome de zidro, zidro." Eu disse: "É?" Ela disse: "É. E você faz um samba?" Eu digo: "Faço." "Desse papel?" Eu digo: "Sim. Ele não vai ficar para o presente, vai?" Ela falou: "Não." eu digo: "Então eu faço o samba." Aí ela disse: "Eu quero ver você fazer." Eu digo: "Vou fazer agora mesmo." Eu disse: " Olha, (CANTA) Uma moça disse a mim que está cansada de ver retrato que é sem prazer de Figueiredo e Delfim, de Maluf, e daí do Ministro Leitão. Mas um de senhor São João, ninguém prega em meu batente, vou sim rasgar brevemente, um zidro de papelão." Ela disse: "Meu pai do céu, como é que o cara faz uma coisa desse jeito?" "Você não pediu para mim fazer? Você pediu." Ela disse: "Que digue o próximo?" "O próximo? Rapaz, nunca estudei catecismo, para melhor nunca estudei para conhecer catecismo, do próximo?" Ela disse: "Sim." Eu disse: "Como assim? (CANTA) Se o pecador é irmão no sofrimento e na prece, dá a ele o que merece, lhe tirarem da prisão. Se tiver televisão em qualquer localidade dá-lhe uma oportunidade, toma parte do programa. Feliz daquele quem ama seu próximo sem falsidade." Aí ela disse: "Meu Deus do céu, como é que se faz?" Eu digo: "Faça uma coisa mais certa." Ela disse: "Eu vinha de Caicó - Caicó? Foi. - passei em uma cidade vi uma procissão." Eu digo: "De quem?" Ela disse: "Se o espírito não me engana era de Frei Damião." Eu digo: "Dá um samba. Um dia que eu ver Frei Damião eu faço um samba." Ela disse: "Faz mesmo?" Eu digo: "Faço. No dia que eu ver eu faço." Eu morando lá nesse Chão de Camará, onde eu tenho o maracatu, fui brincar uma ciranda em Condado. Quando eu chego em Condado estava uma santa missão do padre Frei Damião, do frade. O cara: "Pára aí." Eu com o carro cheio de gente para ir para brincar a ciranda. "Pára aí." Eu parei." "O que é que está acontecendo, o que é isso?" Aí disse: "É uma passeata do Frei Damião." "Eita, meu Jesus, e agora? Agora?" O cara encostou o carro assim e eu assisti. Daí a pouco ele passou bem pertinho de mim assim, uma cruzinha assim, envergado e o povo cantando: "Frei Damião, Frei Damião." E eu estava com os parente meu, filho meu, no carro da ciranda. Eu disse: "Não sai ninguém, tudo aqui." Aí ficou. Passou a procissão, depois que a procissão passou eu fiquei mesmo de frente à igreja com o carro, porque estava preso no povo. Não tinha por onde passar, nem para a frente, nem para trás. Só depois que terminasse. Eu tive que ficar com aquele povo ali até terminar para poder eu sair. Foi bom. Porque eu conheci Frei Damião. Quando terminou tudo aí eu passei e fui embora. Brinquei a ciranda mas não esqueci da passagem de Frei Damião. Quando é no outro sábado, era sábado de Zé Pereira, no domingo Carnaval. Aí para Aliança. Quando eu chego em Aliança no palco, aí eu lembrei de Frei Damião. Eu disse, comecei cantar umas marchas e coisa, entrei no palco. Quando subi no palco eu fiz um samba, como foi meu Deus? Realmente eu estava com uma lotação. Eu disse: "Eu vinha com uma lotação de uma terra vizinha, passei na cidade tinha, uma santíssima missão. E o frade Frei Damião avistei em minha frente. Eu pedi para meu parente, demora aí um pouquinho, que a missa aponta o caminho para a salvação da gente." Aí o cara disse: "Rapaz, como é que o cara faz uma coisa dessas." Eu disse, eu vi ele dizendo: Católico." eu estava de frente à igreja ele disse: "Católico, respeite a igreja, não sei o que. Seja fiéis. Não sei o que." Aí deu outro samba quando ele disse. (CANTA) "Sou católico de mister para isso eu sou sem preguiça, todo domingo para a missa eu chamo a minha mulher. E quando ela não quer eu fico tanto valente. Fique aí no batente que eu vou para a missa sozinho, que a missa aponta o caminho para a salvação da gente." Os caras: "Rapaz, como é que tu faz uma coisa dessas?" eu digo: "Procurando a origem." procurando, o cara tem que se pegar em alguma coisa, senão a gente não faz nada. Ou para ser um poeta não faz. Então eu me agarro em qualquer coisa eu me agarro. Vou passando em um canto assim, tanto que eu brincava ciranda, para fazer a ciranda de uma pessoa, de uma beira de praia eu fazia na hora. Em uma praça, sentado em uma praça via um pessoal passando para eu fazer, fazia na hora. O cara disse: "Que pena tu não saber ler." Eu digo: "Você é formado, não chega aonde eu cheguei, analfabeto." "Estava aonde?" Eu digo: "Estava em tal canto. E tu com diploma debaixo do braço: 'sou formado, fiz formatura, fiz isso, fiz aquilo.' e não sai, com uma colher de pedreiro ou então trabalhando de gari. E eu não trabalho para isso, eu trabalho para a cultura." Aí o jogo da minha vida.
P/1 – Ô, seu Zé Duda, lá de Buenos Aires, quando foi que o senhor mudou para Aliança?
R – Eu saí de Buenos Aires eu estava com 17 anos, peguei para Recife. Fui para Recife, trabalhei três anos e seis meses. Voltei fui morar no engenho. Cheguei lá botaram eu para a paia da cana. Eu trabalhei três dias: "Não dá para mim, vou voltar para Recife." Quando voltei o patrão não me deu mais o serviço porque eu tinha entregado: "Isso é parada mesmo, foi que eu fiz? Entreguei o serviço, agora volto para pedir ele não dá mais." eu voltei para o engenho. Chega lá no engenho, felizmente, o senhor de engenho botou eu para carregar recado, levar carta em um canto, levar em outro. Era montado de cavalo. Comecei trabalhar. Depois ele comprou um trator mandou me ensinar, eu aprendi trator. Fui trabalhar no trator. Depois ele vendeu o trator, caminhão, eu passei para o caminhão. Fui carregar cana em caminhão. Trabalhei três anos, deixei o caminhão dele, fui para a Usina São José, fui carregar cana no caminhão. Saí da Usina São José, fui para a Usina Santa Teresa. Goiana. Cheguei lá trabalhei dois anos no caminhão, deixei, fui embora para a Usina Aliança, fui carregar cana no caminhão do dono do maracatu. E comecei nesse jogo, nesse jogo. Depois eu deixei: "Não quero mais dirigir. Não quero mais dirigir não." "Mas por quê?" "Eu quero aprender fazer cangalha para burro." Que lá era um armazém de cangalha. Eu disse: "Trabalhando em caminhão é batida aqui, é batida acolá. É virada, é gente morto. E se eu aprendesse a fazer cangalha era bom porque só é dentro do quarto aqui, não tem problema. Só se for uma furada com agulha. Eu queria aprender." O dono do maracatu disse: "Mas, Zé Duda, tu deixar de estar no caminhão para aprender fazer isso?" "Eu quero aprender." E é que eu aprendi. Trabalhei 18 anos fazendo cangalha. Foi tempo que ele morreu eu saí de lá. Saí de lá ele,
mas fiquei fazendo cangalha em uma cidade por nome de Vicência. De Vicência eu vim embora para a praia. Cheguei na praia o cara que eu fui morar perto da casa dele tinha um armazém de cangalha. Eu fui fazer cangalha. Quando foi depois eu deixei, fui trabalhar mais um pedreiro. Eu trabalhando dentro de casa sem levar sol, sem levar chuva, fui trabalhar mais um pedreiro. A mão cheia de calo, estourando, tinha dia que amanhecia chega fedia a minha mão. Mão fina que nem ladrão de galinha, quando amanhecia o dia, mão cheia de calo. Eu digo: "Mas trocar a profissão por essa?" Aprendi um bocado de coisa como pedreiro, trabalhei nove anos como pedreiro. Aprendi um bocado de coisa com ele. Chegou minha aposentadoria eu digo: "Agora é mundo." Aí só mundo.
P/1 – Mas sempre tocando, né?
R – Sempre tocando, sempre tocando. Quando eu não vou com o maracatu vou com o cavalo-marinho. De tudo eu vou. O cavalo-marinho de Mestre Grimaro. Quando eu não estou com o maracatu eu estou com o cavalo-marinho de mestre Grimaro. Quando eu não estou com o de mestre Grimaro eu estou com o de lá de Chão de Camará, do maracatu. Que lá tem maracatu, na sede de Estrela tem maracatu, tem cavalo-marinho, tem coco e tem ciranda. São quatro agremiação lá no Ponto de Cultura.
P/2 – Mestre, conte a história do encontro do senhor com a criança de 10 anos, como foi?
R – Que bom, e vou contar agora. Vou contar para encerrar. Eu venho fazendo, cantando maracatu, rodando o mundo, eu já conheço uma parte do mundo, graças a Deus. E até aqui eu não encontrei uma pessoa para fazer eu tremer, nem sequer ficar emocionado. Mas deixe que eu encontrei. O menino é do tamanho dessa menina, me fez chorar. Está fazendo dois meses, que ele me fez chorar, o menino. Em Patininga com uma vilazinha que é município de Aliança, ele me fez chorar. Porque eu comecei nos colégios, dando aula de maracatu para os meninos, Bil dava aula de coco, eu dava aula de cavalo-marinho também. Mas que tem o mestre de cavalo-marinho. Mais que eu canto é no cavalo-marinho, que eu faço três partes. Canto maracatu no projeto, canto cavalo-marinho e, para chatear, ainda canto ciranda. O Bil só canta coco. Mas dá uma ajuda em mim no cavalo-marinho. Eu chego no Patininga, meio mundo de menino dentro do colégio. Eu disse: "Iniciar o cavalo-marinho." Iniciou o cavalo-marinho, a gente tem o 40 minuto de cavalo-marinho. Quando chegou no maracatu, minha amiga, chegou um cara disse: "Zé Duda, tu não sabe de nada." Falei: "O que?" Disse: "Aqui tem um menino que canta maracatu." Eu disse: "Não acredito. Porque tanto cabra velho na profissão, quando emparelha um homem comigo para trocar idéia fica nervoso, tremendo, com medo de mim. E aqui tem um menino?" Disse: "Tem." "Só acredito vendo." Quando eu me virei assim, disse: "Aqui menino." Eu fiquei em pé, ele ficou aqui assim em mim. Eu olhei assim para ele eu disse, com a mão na cabeça dele, disse: "Você canta maracatu?" Ele disse: "Canto." "Tem certeza?" Ele disse: "Canto. E eu só não vou cantar agora porque eu estou com a farda da escola. Você deixa eu ir trocar de roupa?" Eu digo: "Vá." Para mim, ele morava longe. Ele morava bem pertinho assim. Vapt, vupt, que nem Chico Anísio. Vapt, vupt. Quando eu estava conversando com outros alunos assim, ele puxou aqui na minha camisa: "Já cheguei, estou pronto." Aí fechou de gente em cima dele. Ele disse: "Eu só não vou cantar porque não tem apito." Eu digo: "Eu tenho." Eu estava com dois apito, eu digo: "Tome um." Ele pegou o apito, aí eu puxei de frente. Quando eu puxei de frente ele acompanhou. Quando ele acompanhou eu olhei para o menino assim, e o povo fechou em cima. Fechou em cima de mim e dele, né? E ele não abriu parada não. Disseram assim: "Zé Duda, canta um sambinha de má criação, dando lapada." Fiz um jogo com ele. Porque o maracatu que eu brinco é Estrela. Eu fiz um sambinha assim, eu disse: "(CANTA) Quando eu deixar de brincar para essa estrela amarela, o coral que vim pra ela vai tremer de perna bamba sentindo o peso do samba, que eu canto na frente dela." Ele olhou para mim, mas menino, me passou um carão triste. Ele disse: "Zé Duda, não é assim que se faz, porque você não começou assim não. Você começou escutando os outros e levando uma cipoadinha. Não pode dar nos outro assim não." Eu meti as duas mãos na cabeça assim, que disciplina desse menino. Eu disse: "Tem razão. Mas eu vou fazer outro." Eu disse a ele: "(CANTA) Quando eu deixar de cantar, para um pessoal que me ama, para apagar minha fama fica emocionado vendo um mal assombrado correndo em cima da cama." Aí ele disse: "Nesse aí eu não entro não, mas em outro eu entro." Eu sei que eu bati um papo com ele e ele cantou lá um samba. É porque eu não decorei o dele, né? Quando terminou, aí ele ficou alisando meu braço. Ficou alisando meu braço dizendo: "Zé Duda, eu gostei muito de você." Aquilo me trancou. Agarrado comigo mesma coisa que fosse um filho meu. Aquilo me trancou, me trancou de eu não poder falar. Aí as lágrimas veio. Disse: "Quem é seu pai?" Ele disse: "Meu pai mataram." Quando ele disse: "Meu pai mataram", aí outra tacada em cima de mim. Eu digo: "Quem é sua mãe?" Ele disse: "Minha mãe é uma bêbada, só vive bêbada pelo mundo." Eu digo: "Outra cipoada. Mas quem toma conta de você?" "Meu avô e minha avó." "E quem é seu avô?" Ele disse: "Esse aqui." O avô dele brincou seis anos de caboclo mais eu. Não está brincando agora porque não pode. E eu não sabia. Eu digo: "Meu avô é esse aqui." Eu digo: "Meu pai do céu. E sua avó?" Disse: "Está em casa." Eu digo: "Seu Antonio, eu preciso desse menino. Eu quero ensinar esse menino cantar maracatu, Antonio." Aí estava a câmara, tinha duas câmara. Estava o fotógrafo lá do Ponto de Cultura. Eu disse: "Filma direitinho esse menino, tira as foto direitinho, que eu vou aproveitar esse menino." "Vai, Zé Duda?" Eu digo: "Vou." "É difícil. Duvido tu tirar esse menino." Disse: "Tem nada não, mas eu vou lutar pelo menino. Eu gostei do menino." Quando terminou eu fui na casa da avó. Quando cheguei lá ela me recebeu muito mal. Disse: "Bom dia." Ela disse: "Bom dia, o que é que você quer?" Eu digo: "Nada. Queria conversar com a senhora." Disse: "Eu não tenho nada que conversar com você. Para melhor, não lhe conheço." Eu digo: "Mas vai conhecer. Que idade a senhora tem? Desculpe eu perguntar sua idade." Ela disse: "Eu tenho 72 anos." Eu digo: "Já dá para isso mesmo." Ela disse: "Dá para isso o que?" Eu digo: "Quase caducando." Disse: "Mas finalmente, o que é que o senhor quer?" O marido dela foi chegando. Eu disse: "A senhora é a mãe daquele garoto que canta maracatu?" Ela disse: "Sou, por quê?" Eu disse: "A senhora não deixa aquele menino brincar maracatu com outra pessoa não?" Ela disse: "Não tem quem tire ele daqui." Disse: "Tá bem." Também eu
não pedi ele, não pedi nada. Deixei lá e fui embora. ________, para o Ponto de Cultura. Quando foi no outro dia as fotos chegou. O cara veio me trazer as fotos, por sinal muito bem tirada as foto. Eu tenho um CD gravado por mim, eu fui no escritório lá no Ponto de Cultura, peguei o CD, peguei as fotos dele e disse: "Eu vou se essa mulher tem força de brigar comigo agora." Que ela estava agitada com meio mundo de gente na frente da casa dela e agora eu vou sozinho. Chamei o cara de uma moto assim, que mora ali no Patininga mais eu. Quando cheguei lá na, a casa dela pega duas rua, eu cheguei na primeira, fechada. Eu arrodeei, aberta. O marido dela estava lá fora. Quando me viu ele veio. Eu disse: "Antonio, cadê tua mulher?" Disse: "Está lá dentro." "Chama ela aí." Ele chamou ela. Quando ela saiu, o vestidão todo sujo. Era aquele povo antigo. Eu disse: "Bom dia, patroa, tudo bem? Já esfriou a cabeça?" Disse: "Quem é você?" Eu disse: "Aquele mesmo que conversou com a senhora anteontem." Disse: "O que é que você quer aqui?" Eu digo: "Eu vim saber se a senhora conhece esse aqui?" A foto do filho dela. "A senhora conhece esse aqui?" Ela disse: "Nunca vi." Eu disse: "Como é a história?" Ela disse: "Nunca vi." Eu peguei outra foto, eu digo: "Conhece esse aqui?" Ela disse, chegou até a botar a foto de cabeça para baixo. Botou aprumada, depois arrevirou. Disse: "Meu filho." Eu disse: "É seu filho?" Disse: "É." Eu digo: "Pois é ele que eu quero." "Meu filho?" Eu disse: "Sim." Ele não estava em casa, ele estava jogando bola de gude na rua. Não sabia que eu estava na casa dele. Ela disse: "Ah, isso não." Daí a pouco ele chegou. Disseram a ele lá pela rua: "Zé Duda está na tua casa." Ele veio de carreira, sem camisa. Quando ele chegou, bateu no meu ombro: "Tudo bom, meu mestre?" Agarrou-se comigo, já foi chorando. "Tudo bom, meu mestre?" Eu digo: "Tudo bom." Peguei ele, botei no braço. Ele é tão pequeno que eu botei ele no braço. Ele é tão pequeno que eu botei ele no braço. Ele disse: "Meu mestre, bota eu no chão." Quando eu botei ele disse: "Desculpa aí, viu?" Eu disse: Tá bem." Aí ele, chegou lá, vestiu a camisa, abotoou a camisa até aqui. E quando chegou disse: "Agora eu posso falar com você, modo eu estava despido." Outra tacada em cima de mim, o menino. Eu pego a foto dele, eu digo: "Você
conhece esses?" "Ele disse: "Meu pai do céu, minha foto, Mestre Zé Duda, minha foto." Eu digo: "É tua." Ele disse: "Ô, meu Deus, cada um melhor que o outro." Ele tem 10 anos lê tudo, lê mesmo. Eu disse assim: "Suas fotos, o CD de presente. Você não é meu fã?" Ele disse: "Sou indo e voltando." Eu disse: "Agora, quer brincar maracatu comigo?" Ele disse: "É meu sonho é brincar com você." Agora, vamos brigar mais a mãe dele. Aí a casa entupiu de gente. A casa é grande. Entupiu de gente. Quando entupiu de gente ficou brigando eu e ela. Ela disse: "Olha, não tem que tire o meu filho da minha mão." Eu disse: "Isso vai doer na sua testa, isso que a senhora está dizendo vai doer na sua testa. Porque os tio libera o menino, o avô libera o menino. Se a mãe do menino estivesse aqui ia liberar, só se ela estivesse muito cheia de álcool. Mas se ela estivesse numa boa ela ia liberar. Porque eu vou ser
responsável o menino. O que acontecer com o menino o responsável sou eu, e a senhora não tem essa responsabilidade tão grande por ele. Porque se a senhora tivesse não deixava ele estar jogando bola de gude lá na rua sem camisa. Responsabilidade que a senhora tem? Se a senhora tem esse privilégio pelo menino ele estava aqui no seu quintal que é grande, olha aí. Mas ele estava jogando lá no meio da rua. Sujeito o cara jogar uma pedra na cabeça dele, chamar para um beco daquele dar um cigarro, dar erva a ele." Aí o povo: "(BATE PALMA) Pá, pá, pá, pá." Ela já foi se encabulando. "Mas como a senhora está cortando a sina do menino - e ele pegado comigo - a senhora está - ele olhava para eu assim, chorando, não podia dizer nada, né? - mas como a senhora está cortando a sina do menino, eu não vou ficar com raiva da senhora não. Agora, Deus vai dar o pagamento à senhora. Não vai dar a ele não, vai dar á senhora. A senhora vai fazer assim não cai um pingo de suor. E talvez, que esse menino um dia ainda diga: 'tome vó, isso é dinheiro de maracatu.' Quem sabe que ele não faça isso. Mas muito obrigado." Aí ele disse assim: "Zé Duda, você me deu um presente muito lindo, seu CD. Mas eu vou guardar porque eu
não tenho rádio." Aí casa cheia de gente, chegou João Inácio, um colega meu, disse: "Lá em casa tem dois rádio grande de CD." Chamou uma filha e disse: "Vá buscar um daquele." Foi e disse: "Olha aqui o rádio." Eu digo: "Decore esse CD. Você é bom de decorar?" Ele disse: "Sou." Eu digo: "Decore esse CD e pode cantar em qualquer maracatu que tem nesse CD. E se alguém disser: 'é de Zé Duda', você diga: 'foi ele que me deu, transmitiu para mim'. E muito obrigado pelo presente que a senhora me deu, viu dona?" Fiz que ia embora. Mas que eu não ia embora. Eu tinha que abater aquela mulher para ganhar o menino. E ele dizendo: "Zé Duda, não vai agora não, Zé Duda." Eu digo: "Vou embora, porque não tenho mais que conversar com a sua avó." Quando eu cheguei na calçada o avô dele me chamou: "Zé Duda, vem cá." Eu voltei. "Fala." Ele disse: "Você está vendo que a culpa não é minha." Eu digo: "Não, você liberou. Ela é quem não pode, não libera e coisa. Mas Antonio, o que eu disse a ela eu digo a você. Talvez que esse menino, ou seja, parece que não vou morrer agora porque Deus não quer, talvez que esse menino ainda dê um pó a vocês. Porque eu a mesma
coisa de mim. Sabe por que eu estou interessado nesse menino? Porque esse menino botou a cara em maracatu completando 10 anos. Completando 10 anos foi quando eu botei a cara em maracatu também, foi eu completando 10 anos. Foi o meu presente. E hoje em dia tudo que eu tenho eu agradeço a maracatu. Então, quem sabe que esse menino não vai fazer isso com vocês. Mas ela não quer. A senhora não merece isso não." Ela encostou para perto, eu digo: "A senhora não merece isso não. Tchau, viu?" Ele disse assim: "Zé Duda, me visita sempre, viu, Zé Duda?" Aí me trancou de novo. Porque que coisa boa, uma pessoa estar querendo o outro, o outro querendo chegar. E o outro cortando. Aí dói. Eu desci para o meio da rua, o cara da moto que eu fui em uma moto de aluguel, o cara: "Eu não estou avexado não, Zé Duda, pode conversar o dia todinho. Eu sei." Eu desci, cheguei perto da moto, o povo cercado. Ficou uma turma de gente dentro de casa e outro cercado no meio da rua. "Zé Duda, o que você está fazendo está lindo demais, está bonito." Ela foi e disse: "Estou admirada com esse povo, que só passa de facão para o lado daqui." Ela me chamou. Eu já ia montando no bagageiro da moto, mas que eu não ia me embora não. Eu ia passar lá umas duas horas ou três, brigando com ela. Estava dando um susto nela. Voltei, disse: "Olhe, dona, eu não tenho mais nada a conversar com a senhora." Ela disse: "Faça o favor, entre na minha casa." Eu digo: "Agora." Aí eu entrei. "Diga o que é que a senhora..." "Sente." Eu digo: "Eu não quero sentar não. Eu já ouvi tudo da senhora, a senhora não tem mais nada a me dizer." Ela disse: "Mas sente, por favor." Eu sentei. Olhei para ela, ela estava pingando lágrima. "O que é que a senhora quer dizer?" Ela disse: "O senhor sabe por que eu não libero o menino?" Eu disse: "Não, só a senhora dizendo. Porque se eu soubesse eu já tinha ido embora." Ela disse: "Porque esse carnaval, aqui tem dois maracatu na rua, ele passou os três dia brincando em um. E não deram nem sequer água para ele beber. É por isso que eu não deixo o menino ir." Eu disse: "É?" Disse: "É." Eu digo: "Ah, pois, se ele fosse brincar mais eu ele não morria de sede nem de fome." "Mas o senhor se responsabiliza por ele?" Eu disse: "Desde que eu tirar ele da sua casa eu tenho, se eu tirar ele em um domingo de carnaval na terça-feira quando eu chegar com o maracatu, eu tenho que vim trazer ele na sua casa. Porque foi eu que tirei, eu tenho que vim trazer. Eu não mando não, eu venho trazer. Mas já que a senhora não quer - cada vez eu dava uma tacadinha nela - já que a senhora não quer eu estou tomando o seu tempo. E tudo bem." Fui saindo. Ela puxou aqui na minha camisa: "Seu Zé Duda venha cá." Eu disse: "De novo? A senhora já está esquentando minha cabeça." Ela disse: "O menino está liberado, o menino está liberado." Eu digo: "Está?" "Tá." "Quando é que o senhor precisa dele?" Eu digo: "Quando eu precisar eu venho aqui, está a senhora e Antonio, eu digo: vim buscar o menino. Levo ele. Quando eu terminar as apresentação eu volto: olha aqui seu menino. Tá certo assim?" "Tá, Zé Duda."
(FIM DO CD 01)
Projeto: Memória dos Brasileiros
Depoimento: Jorge Bernardo Pessoa - Mestre Zé Duda
Entrevistado por: Winnie Shoe e Júlia
Local: Piaçá do Sul, 06/10/2007
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: MB HV 059
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
R – E a gente começou a trabalhar. A casa lá, a sede estava estiorada. Aí produtor caiu de cima. A gente restaurou a casa, preparou a casa. Disse: "Agora vamos lutar pela biblioteca." Coisa linda. Fez escritório, fez estúdio de gravação. Por sinal botaram até o nome que eu digo: "Rapaz, esse nome está errado. Porque tem escritório, estúdio de gravação do 'Mestre Zé Duda." Aí sabe o que foi que aconteceu? É porque lá grava. Aconteceu, os meus colega souberam. Tudo pediram a mim para gravar: "Mas Zé Duda, tu não tem um estúdio de gravação?" Eu digo: "Olha quanto foi errado isso. Eu disse a você." Ele disse: "Deixa o cara vim, rapaz." Eu digo: "Quanto foi errado. Porque meu amigo aí tem um maracatu, quer gravar, fazer um CD aí vem pedir para mim gravar. O estúdio não é meu. Você tinha botado outra coisa." Ele disse: "Mas tem que ficar esse nome." Então tem estúdio de gravação, tem biblioteca, lá tem o quarto do coco. Tem o quarto do cavalo-marinho. Tem uma equipe muito dengosa que a gente trabalha
com ela. E a gente faz as festas, ele fez 10 festas. Todas as qualidades de agremiação maracatu desfilando. Tinha noite de apresentar dois maracatu, apresentava coco, ciranda, caboclinho, boi. Sim, a gente tem outra agremiação, tem o boi. Tem o boi. É maracatu, coco, ciranda, cavalo-marinho e o boi. É cinco. Tem o boi. O meu mestre caboclo brinca um boi. E eu sei que a gente armou. A gente armou e agora o ano passado a gente, esse produtor, todo ano ele fazia o Festival do Canavial em Nazaré. Mas o Ponto de Cultura lá da gente ganhou um terreno que tinha na frente, aí abriu o terreno e o Festival do Canavial vai ser. Então a gente está convidando agremiações que queira agora a partir de novembro, se o espírito não me engana é a partir de um, de um de novembro. Não estou bem informado não, mas o professor sabe. São seis dias de festa. Todas as qualidades de agremiação, é uma coisa linda. Tem o pessoal que trabalha, tem no escritório. Tem gente fazendo, trabalhando bordado, gola. Lá tem faxineira, tem tudo, tem tudo. Cada carro tem o seu salariozinho. Equipe que anda comigo são seis, que a gente anda nos colégios. Agora, a gente seis faz tudinho. Porque a gente sabe jogar, sabe bater tudo, sabe tocar tudo. A gente seis faz a festa. E dos Pontos de Cultura que a gente já rodou eles, a gente ainda não ficou abaixo de um não. Só se aparecer um lá na frente que, mas a gente não ficou. Possa ser que a gente deu um empate com algum. Mas a gente não ficou ainda não. Então deu uma animação muito grande o Ponto de Cultura. Mas, mais gente trabalhando, mais gente querendo aprender. Sim, tem outra agremiação lá também, que eu ia esquecendo, tem um Xangô. Tem um Xangô.
P/1 – São seis então?
R – É, um Centro de Xangô lá. O meu rei, que brinca o maracatu, é o pai do terreiro. É o Centro Nossa Senhora da Conceição, parece. E é um espetáculo. De todas as agremiação que procurar lá no Ponto de Cultura, encontra. Encontra.
P/1 – E, desde o começo você foi convidado para ser mestre?
R – É, não. Foi feito a partir de, está com três, parece que está fazendo três anos que a gente fez isso. A gente veio somente, tinha a sede, né? O Ponto de Cultura armou há três anos, parece. Agora, que o produtor já trabalhava lutando para fazer. Procurando recurso, procurando ajuda, patrocínio. E até que encontrou.
P/1 – E o que o senhor acha da tradição oral? Da importância assim da, dessa tradição, dessa cultura que vocês passam, a organização que vocês têm?
R – Eu acho tranqüilo, eu acho tranqüilo. Para mim é bom porque chegar em um lugar estar 40, 50 pessoas querendo que você ensine a ele cantar maracatu, ensine cantar ciranda, ensine cantar coco, dançar, fazer isto, fazer aqui, é bonito. Aquilo dá um prazer para quem está ensinando. Agora, o pior é quando a gente vai ensinar uma coisa e que o cara: "Quero aprender isso não. Isso não tem futuro." Porque antigamente maracatu não tinha futuro porque era dança de negro. Mas o negro chegou onde o branco ficou. Tem muito negro lá na frente, que o branco está lutando para chegar atrás, onde está o negro. Então não vamos distinguir. Não vamos distinguir. Porque cada cara tem que puxar da cultura. E com esse Ponto de Cultura é que o cara sabe de coisa. Porque foi não foi chega uns aluno sabido, que é bom. Eu gosto de conversar com os aluno, ele procurando, mexendo com cultura. Eu gosto. Porque eu digo: "Eu não sei não, não entendo bem cultura não. Eu entendo cantar maracatu. Agora, cultura eu não conheço não." Ele: "Mas, Mestre Zé Duda, tem isso, tem aqui." Eu digo: "Onde você encontrou isso? Porque isso não é assim, é desse jeito e desse." Ele diz: "Ô, Mestre Zé Duda, que bom." Mas deixe que ele foi acordado por mim, que ele dormia. Ele veio perguntar uma coisa que ele sabia. Mas eu me neguei, porque para ver que era a reação dele. Então tem muita gente que vive da cultura, luta por ela. E o pior lugar é o que a gente vive. Porque tem uma cidade por nome de Nazaré, já tem o nome: A Terra do Maracatu. Nazaré é a terra do maracatu. Até os carros da prefeitura. Tudo tem o
nome de maracatu e as fotos dos caboclo. Os ônibus da prefeitura. É a terra do maracatu. São os aluno mais perigoso que existe. Porque eles conhece maracatu de um tudo, eles. Então quando eles sai para fazer um trabalho nos Ponto de Cultura, quem estiver lá se prepare que eles só vão pesado. Só vão pesado. Na gente não, a gente não se assombra não. Pronto, a gente está recebendo um maracatu de mulher que tem em Nazaré. Só mulher. Não tem um homem no meio. É músico, batuqueiro, mestra, tudo, tudo é mulher. Não tem um homem para dizer assim: "Esse homem está tomando conta do maracatu." Não, é mulher. Tudinho, tudinho. E é lindo. Grande, grande mesmo, e é lindo. Então eles vão para lá, para a semana eles vão para lá gravar o CD. Vão gravar o CD lá, e a gente está esperando. Vai dois maracatu gravar o CD. O caboclinho já gravou, Bil já gravou. Aí é, quem é o outro? Tem um outro que está querendo ir para gravar. E próximo mês é a Festa do Canavial. Os ticoqueiro, quem estiver bom que se prepare para ir para lá. Porque lá tem tudo, tem tudo o que procurar.
P/1 – Zé Duda, eu queria agradecer muito pelo Museu da Pessoa. Espero que a gente se reencontre muito.
R – Quem agradece sou eu. Agora, eu peço uma desculpa, você querer, o analfabeto fala muito errado. Aí quem pede desculpa sou eu. Mas para mim é um prazer. Porque eu não sabia onde era São Paulo. Aí lá vai eu para São Paulo. O cara me levou para São Paulo. Fui lá para Ibirapuera. Não, Sesc Pompéia. O Antonio Carlos Nóbrega, me levou. Quando eu chego lá, uma foto minha: "Vixe, aqui? Espera aí. Quem trouxe para aqui?" Ele disse: "Eu. Você não é meu convidado? Eu mandei lhe buscar, tinha que botar sua foto." Aí um bocado de gente lá: "Eu já vi esse camarada." Outro: "Eu já vi ele." Um dizia: "Eu vi em Recife." Outro: "Eu vi em Nazaré." Disse: "Meu Pai do céu. Quando eu pensei que estava sozinho estava cercado." Então aquilo que eu dou de presente é outro presente que eu ganho. Quando eu dou fé, é uma coisa dessa. Quando eu dou fé ________: "Mestre Zé Duda, está lembrado de mim? Tal canto assim." o quanto é bom isso. Mas se eu me negar de fazer isso, sei que vocês não dizem, mas tem outra classe que diz assim: "Aquele é imbecil, aquele é imbecil, não sabe nem se apresentar. Não sabe o que perdeu." Quem sabe o quanto eu ganho com isso? Ir para o museu? Depois de morto vou para a terra, mas o meu nome fica no museu. É para mim uma tranquilidade. Só resta dizer muito obrigado.
P/1 – Só tenho a agradecer. O Museu, a gente sente muito feliz de estar trabalhando junto com a Ação Griô, e conhecer pessoas maravilhosas como o senhor.
R – Então muito obrigado. E, só é o que me resta dizer.
FIM DA ENTREVISTARecolher