Na minha infância a gente morava na Bahia, no interior, numa casa simples de taipa, sem água encanada. Minha mãe era lavadeira e lavava as roupas da freguesia num riacho que tinha perto de casa. Era ela quem mantinha a casa, o salário do meu pai era gasto em farra, com bebida e nos bordéis. Ele...Continuar leitura
Na minha infância a gente morava na Bahia, no interior, numa casa simples de taipa, sem água encanada. Minha mãe era lavadeira e lavava as roupas da freguesia num riacho que tinha perto de casa. Era ela quem mantinha a casa, o salário do meu pai era gasto em farra, com bebida e nos bordéis. Ele era alcoólatra, violento, às vezes chegava em casa quebrando as coisas.
Até um potezinho que minha mãe comprava, quando chegava quebrava, se o achasse sem água ele quebrava. Porque era muito difícil pegar água, tinha um dia de pegar água doce e água salobra, então o chafariz abria de dois em dois dias para a gente poder pegar água doce para beber. Geralmente eu e a minha irmã mais velha que íamos buscar, era muito longe. Então, tinha dias que quando ele chegava e não tinha água na telha, ele quebrava, xingava e quebrava.
Quando a gente saiu pra viver na capital, éramos meu pai, minha mãe, eu e nove irmãos, três irmãos meus haviam morrido ainda bebês. A gente pensava que a vida ia melhorar, mas nunca é assim. Fomos morar com a minha avó mas no dia que minha avó bebia, colocava todo mundo para fora. Depois fomos morar de aluguel em cima do mar. Quando chovia, era uma lama só, e se a maré enchia, a gente subia na cama e minha mãe cozinhava com as pernas na água.
Não era só coisa ruim que acontecia, tinha coisa boa também. Meu pai era ótimo quando estava bom, mas quando bebia, era um inferno. Ele morreu de cirrose, era alcoólatra. É ruim a gente ver a família toda se destruindo.
Comecei a trabalhar muito cedo, trabalhei de babá e de arrumadeira. Até que conheci meu marido e tive um pouco de descanso. Namorei com dezessete anos, com dezoito casei e formamos uma família. Quando fiz vinte e dois anos tive a minha primeira filha e, depois de três anos, veio mais uma menina.
Passei um bom tempo só cuidando da casa, depois fui trabalhar na feira para ajudar meu marido. Às vezes acordava às duas horas da madrugada para montar a banca.
Eu amo minhas filhas, amo com todas as forças. Tentei fazer de tudo para dar o melhor a elas. Levava, ia buscar no colégio, tinha o maior medo de que acontecesse alguma coisa com elas. A gente tinha o maior cuidado. Estava sempre nas reuniões do colégio, acompanhava de perto. Até que perdi o controle com a Helen, que apareceu grávida com dezesseis anos. Foi um choque.
Minha filha entrou em depressão quando o menino nasceu. Ela só comia e via TV. Começou a engordar e a andar com gente drogada. Dormia na rua, passava a noite toda na beira da praia, começou a enfrentar o pai, a responder, a fazer um bocado de rebeldia. Depois que teve o bebê, ela não quis mais saber de estudar, foi para o ProJovem [Programa Nacional de Inclusão de Jovens] e no meio do caminho ela deixou, não foi mais.
Eu não dormia mais e o pai deu para beber mais. Acho que ele ficou com medo quando viu a filha naquela agressividade toda. Josué, ele começou a beber por brincadeira, curtição, e aí, se tornou isso. Tem vezes que eu digo assim: “Meu filho, não beba”. E ele: “Esta, não vou beber, não”. Uma vez ele chegou em casa e disse assim:
“Eu não consegui”. Quer dizer, eu creio que Deus faz a sua obra, porque agora ele esta diminuindo mais. Mas foi um milagre ele chegar e não estar bêbado, caindo aos pedaços. Meu marido não é violento. O que me incomoda com a bebida dele é que ele bebe todos os dias, mas ele chega, deita e dorme.
A minha vida era no joelho, pedindo a Deus. Muita gente dizia para a gente botar nossa filha para fora de casa, mas eu dizia: “Não vou fazer isso não.” E para a minha filha eu repetia: “Sou sua mãe e nunca vou desistir de você.” Ela saía, eu ia atrás. Uma vez, eu a vi dançando, bêbada, foi horrível! Só Deus sabe o que minha filha fazia na rua, tinha gente que dizia que ela usava droga, tinha gente que dizia que ela se prostituía. Helen chegava em casa muito estranha, agressiva, com os olhos vermelhos, comendo feito uma condenada e não queria nem encontrar com o filho. Se jogava na cama e nem banho tomava.
Um dia, ela me viu tão triste, tão triste, que começou a chorar e me disse: “Mãe, eu não tenho mais jeito.” Eu disse: “Você tem jeito sim! Que o mundo se acabe, mas eu fico perto de você!” Sempre disse que nunca ia desistir dela.
Esses meninos com quem ela se envolveu eram muito perigosos, eram envolvidos mesmo com drogas, sabe? Aí o pessoal queria a cabeça deles, para matar, muitos morreram mesmo. E eles diziam: “Tia, não se preocupa com ela não” “Como eu não me preocupo?”. Eu me preocupava com eles. E sempre: “Tia, pode deixar, a gente cuida dela. Ninguém vai fazer nada com ela, não”. Mas na verdade, eu queria que minha filha saísse dali, daquele meio. E fiz de tudo para tirar os outros também.
Uma vez desceram, iam matar um homem na minha porta, e eu me lembro como se fosse hoje, eu clamei a Deus, me ajoelhei ali, clamei a Deus, disse: “Senhor, não deixa acontecer isso”. Aí eu pedi a eles e nesse dia a mão de Deus pesou que não matassem aquele rapaz.
Fui buscar ajuda para a Helen, cheguei lá no ViraVida implorando por ajuda. Deus abençoou, ela foi aprovada na seleção e ficou. Hoje, minha filha é outra pessoa! Foi uma lição para mim. Cada vez que vamos ao ViraVida, nos reunimos com as mães das alunas e vemos que cada uma tem um problema pior do que o outro. A gente compartilha experiências, ensinamentos, Isso faz a diferença, ajuda muito. E lá eu aprendi a conversar com a minha filha, a colocar ela para cima.
Com o projeto, ela foi mudando dentro de casa, ela passou a dividir o dinheiro dela comigo, começou a me ajudar dentro de casa, direitinho, comprar as coisinhas do filho dela. Eu agradeço muito por Deus ter colocado o ViraVida na vida da minha filha, hoje ela tem projeto para a vida dela, antes não tinha. Quer trabalhar e crescer mais na vida. Hoje eu posso dizer que é uma nova Helen.
O Projeto ajuda muito, sabe? Assim, tanto nas reuniões como em dar oportunidade. Eles estão sempre correndo atrás de alguma coisa para fazermos, sabe? Eu não cheguei a aprender, eu conheço muitas que aprenderam a fazer pizza, doce, costureira, tudo isso, mas eu nunca fui, para cuidar do menino. Porque eu tinha que abrir mão de alguma coisa e aí eu preferi ficar com o menino, para que pudesse ajudar ela, a minha filha.
A vida foi dura, mas teve uma fase muito boa na minha vida, foi quando eu conheci o meu marido e quando as minhas filhas eram bebês, pequenas. E quando eu conheci Jesus, quando eu conheci o meu Deus. Porque se não fosse o meu Deus eu não tava em pé, quem me sustenta é o meu Deus. Então, felicidade... Eu acho que eu sou feliz agora, agora que eu sou feliz. Com pouco, mas eu sou feliz. Sou mais que vencedora, sou vitoriosa. É isso.
“Nesta entrevista foram utilizados nomes fantasia para preservar a integridade da imagem dos entrevistados. A entrevista na íntegra bem como a identidade dos entrevistados tem veiculação restrita e qualquer uso deve respeitar a confidencialidade destas informações”.Recolher