Meu nome é Luciene de Souza Borges. Sou mineira de Catiara, mas resido em Serra do Salitre (MG). Considero-me uma educadora inusitada e vou contar o porquê. Caso o cartunista Ziraldo decidisse encontrar alguém para personificar a Professora Maluquinha, uma de suas criações mais famosas, ...Continuar leitura
Meu nome é Luciene de Souza Borges. Sou mineira de Catiara, mas resido em Serra do Salitre (MG). Considero-me uma educadora inusitada e vou contar o porquê.
Caso o cartunista Ziraldo decidisse encontrar alguém para personificar a Professora Maluquinha, uma de suas criações mais famosas, eu seria uma forte candidata. Tal como a educadora do livro, eu modifiquei a prática pedagógica com atividades, brincadeiras e técnicas que tornam as aulas uma divertida aventura do aprendizado. Música, teatro, paródias, jogos e instrumentos musicais entram em sala como ferramentas que utilizo para fugir do clássico formato quadro negro e giz e deixar o conteúdo didático mais atrativo para as crianças e jovens. Também como a personagem, gosto que minhas classes extrapolem os muros da escola, transformando praças, ruas e hortas em palco para o ensino.
As semelhanças com a Professora Maluquinha não param na didática inusitada. Assim como ela, eu também iniciei a carreira em uma escolinha do interior de Minas Gerais. Após concluir o curso Normal, comecei a dar aulas de educação infantil em Catiara, minha terra natal, distrito de Serra do Salitre. A Escola Cornélia Regina tinha apenas uma sala e parcos recursos para materiais. A dificuldade fez florescer o estilo criativo que adoto até hoje. Para ensinar lateralidade aos alunos do maternal, lembro dos reloginhos que rodei na máquina de estêncil, colori, recortei, colei em um papel mais rígido e coloquei no braço esquerdo de cada criança. Acho que os alunos de Catiara foram as minhas primeiras cobaias, no bom sentido.
Um concurso público me trouxe para Serra do Salitre e garantiu minha estreia nas aulas de alfabetização, pelas quais tenho especial carinho. É a fase da descoberta, a hora que acende aquela luz nas crianças. Nos 20 anos seguintes dedicados à educação, lapidei técnicas de ensino em formações universitárias - incluindo uma pós graduação em Fundamento da Didática -, além de experiências em turmas do Fundamental à formação de adultos e passagens pela coordenação e direção escolar.
Um dos principais aprendizados que tirei dessa rica trajetória é muito simples, mas por vezes esquecido na tarefa de casa dos educadores: observar os alunos. Quando eles cruzam o muro da escola, não deixam para trás tudo o que estão vivendo lá fora. Crises familiares e desilusões amorosas, por exemplo, podem ser a causa de um comportamento arredio em sala de aula ou do mal desempenho escolar. É preciso conhecê-los, entender pelo que estão passando, perceber se precisam de auxílio, criar espaços de conversa.
Entre os métodos que utilizo para dar voz às inquietações dos estudantes estão as Tertúlias Dialógicas Literárias, que incentivam o diálogo e a reflexão, por meio da leitura de clássicos universais. Conheci a técnica quando fiz a formação do Comunidade de Aprendizagem, projeto de melhoria do ensino idealizado pelo Instituto Natura e desenvolvido em Serra do Salitre, com o apoio do Instituto Lina Galvani. Percebi que nas tertúlias os alunos falam de acontecimentos em casa, desabafam, aliviam problemas que estão presos em seus corações. A experiência no Comunidade de Aprendizagem foi transformadora para mim. O programa abriu horizontes para a minha vida e mostrou formas de trabalhar diferenciadas. Inquieta como só eu, voltei das formações em São Paulo com as ideias fervilhando. Entre elas, estava a da Mala Viajante, uma biblioteca itinerante recheada de livros comprados, a partir de doações que os alunos coletaram no comércio local fantasiados de personagens das histórias infantis. A mala que utilizo nesse projeto, aliás, é a mesma na qual levei a bagagem para São Paulo.
A oportunidade para concretizar outra de minhas ideias veio com o edital Agenda de Futuro, proposto pelo Instituto Lina Galvani para apoiar projetos em áreas prioritárias levantadas pelos moradores de Serra do Salitre, entre elas a educação. Eu tinha o sonho de resgatar a antiga biblioteca da Escola Municipal Senador Lúcio Bittencourt, que há tempos havia se transformado em uma espécie de depósito. Esse seria o meu projeto, mas faltava o toque inusitado que já me é característico. Foi quando tive o lampejo de incluir na proposta a adaptação de uma bicicleta com uma estante de livros e, dessa forma, ampliar o acesso de toda a comunidade à literatura. A ousadia deu certo: o Pedalendo na Bicicloteca foi um dos selecionados do Agenda de Futuro. Quando recebi a notícia, comemorei bem ao meu estilo. Pulei por toda a escola, saí gritando e dei até cambalhota!
Longe de sossegar, já tenho engatilhado o próximo projeto. Tenho o sonho de fazer um curso de contação de histórias. Quero estudar a técnica a fundo,
associá-la às tertúlias e, mesmo depois de me aposentar, seguir como voluntária apresentando a literatura aos alunos das escolas de Serra do Salitre. Mas já antecipo: não será só leitura, não, vai ter pandeiro e música e vou vestida a caráter, com fantasia de Branca de Neve, sete anões. Me diz: sou ou não a própria Professora Maluquinha?Recolher