Plano Anual de Atividades 2013 – Pronac 128.976 Whirlpool
Depoimento de Maria Lucia de Sousa dos Santos
Entrevistada por Márcia Trezza
Rio Claro, 17 de abril de 2014
WHLP_HV010_Maria Lucia de Sousa dos Santos
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Nós vamos começar, ...Continuar leitura
Plano Anual de Atividades 2013 – Pronac 128.976 Whirlpool
Depoimento de Maria Lucia de Sousa dos Santos
Entrevistada por Márcia Trezza
Rio Claro, 17 de abril de 2014
WHLP_HV010_Maria Lucia de Sousa dos Santos
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Nós vamos começar, Lucia, fala o seu nome completo.
R – Maria Lucia de Sousa dos Santos.
P/1 – Você nasceu onde?
R – Nasci em São Tomé.
P/1 – Em que estado?
R – Paraná
P/1 – Quando que você nasceu, que data?
R – Dia dois de abril de 1964.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Benedito Cicrail de Sousa e Maria de Lurdes Vera Cruz de Sousa.
P/1 – Seu pai trabalhava com que?
R – Meu pai trabalhava, assim, em roça, né? Bem sofrido.
P/1 – Como?
R – Era bem sofrido, coitado, pra criar quatro filhos.
P/1 – Ele trabalhou sempre na roça?
R – Sempre na roça. Depois de uns anos, aí ele veio embora pra cá.
P/1 – E você chegou a morar nesse lugar que ele trabalhava?
R – Cheguei! Nasci, né, na roça, nasci no mesmo lugar (risos).
P/1 – Vocês moravam no lugar onde ele plantava? Ele plantava para sobrevivência ou tinha alguma produção?
R – Ele plantava para sobreviver.
P/1 – E o que é que vocês plantavam?
R – Arroz, feijão, tinha roça de café,
P/1 – E o café dava pra vender?
R – É, o café dava pra vender.
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe também trabalhava em casa, né, fazia as coisas em casa e também trabalhava na roça pra ajudar.
P/1 – E você participava também desse trabalho?
R – Sim, desde criança. Eu fui a mais velha, daí fui a mais sofredora (risos), trabalhei bastante, comecei a trabalhar cedo.
P/1 – Na roça?
R –Na roça.
P/1 – Como era o seu dia? Fala um pouco do seu dia, assim.
R – Ah, o dia era bem corrido, né, cansativo.
P/1 – Mas, descreve, assim, desde que você acordava, como que era?
R – Acordava, tomava o café, já ia pra roça cedo, logo cedo.
P/1 – Com quem você ia, seu pai?
R – Eu, meu pai, meus irmãos.
P/1 – Ah, todos iam?
R – Sim!
P/1 – Vocês são em quantos?
R – Nós somos em três irmãs e um irmão. Tinha mais um, mas faleceu também, novinho.
P/1 – A partir de que idade, assim, vocês começaram a ir pra roça?
R – Ah, eu trabalho desde os… A minha mãe já ia com a gente desde pequeno, né, ela já ia, porque tinha que trabalhar, ajudar. A gente foi criado debaixo dos pés de café. Desde pequenininha mesmo, três, quatro anos.
P/1 – Iam todos?
R – Ia todos. Comecei a trabalhar cedo (risos).
P/1 – Que lembranças, além do trabalho na roca, que lembranças você tem desses momentos, você, seus irmãos?
R – Era bem sofrido, né? Era bem sofrido, a gente criado na roça, tinha que ir cedo, desde pequeno pra roça. Pra estudar foi difícil, teve um ano que eu tive que entrar no meio do ano pra estudar pra poder ajudar o meu pai na roça. Porque eu era a mais velha, daí o meu pai ficou meio doente da coluna, tive que reforçar com ele, dar uma força pra ele. Daí eu entrei já no meio do ano pra estudar, acho que no terceiro ano.
P/1 – Mas você estudou sempre, desde pequena?
R – É, eu estudei. Desde pequena, eu estudei até o quarto ano, né, o meu pai tinha mania de falar que mulher não precisava estudar muito. Eu fui terminar de estudar, eu já tava com 30 anos. Eu trabalhava e fui estudar pra terminar o segundo grau.
P/1 – Voltando ainda pra aquela época, você e seus irmãos, mesmo trabalhando bastante, você lembra de brincadeiras que vocês faziam?
R – Ah sim! Dia de fim de semana, às vezes, a gente ia nos vizinhos, brincava bastante de roda. Mas divertia fim de semana, só fim de semana, também (risos).
P/1 – Durante a semana, não tinha brincadeira?
R – Não! Era trabalhar, né? Chegava cansada, daí tinha as tarefas, tinha que ajudar a mãe em casa, tinha que lavar louça, tinha que dar força pra mãe, mas na semana, não (risos).
P/1 – E que brincadeira você mais gostava, Lucia?
R – Roda, nós cantávamos bastante roda, de mês.
P/1 – Mês? Como que era brincar de mês?
R – Passava na roda e perguntava de que mês você é, tinha que adivinhar. Era bem divertido!
P/1 – E teve alguma arte, algum caso, assim que aconteceu? Alguma travessura que vocês fizeram?
R –Eu não era muito arteira, não (risos). Eu era mais sossegada, mas uma vez, eu “alembro” fui moer cana, tinha as crianças, tinha engenho, daí eu fui moer e apertou o dedo do menino (risos). Eu sofri bastante com aquilo, que eu sentimental, mas é o que eu lembro. Mas não era arteira.
P/1 – Você ficou com pena dele?
R – Eu fiquei, né, porque já pensou, tadinho? Mas nós tava moendo cana pra tomar o caldo de cana, aconteceu, aquilo ficou na minha lembrança pra sempre (risos).
P/1 – Como que você chamou essa máquina de moer cana?
R – Engenho.
P/1 – Vocês tinham na sua casa?
R – É, tinha no sítio, né?
P/1 – No sítio. Vocês moravam no sítio?
R – Morava, fui criada no sítio.
P/1 – E que outras coisas tinham? Café, por exemplo, vocês torravam, como era?
R – Torrava. Era torrado em casa, socava o arroz no pilão, era bem difícil!
P/1 – E vendia o café, né, que você falou?
R – Vendia. Daí colhia, né, e vendia o café.
P/1 – E vocês faziam tudo?
R – Secava tudo, colhia, secava, era muito trabalho (risos).
P/1 – E você fazia todas essas tarefas?
R – Fazia.
P/1 – Você lembra de alguma imagem que você pudesse descrever? De algum cheiro que você pudesse descrever?
R – Ah, assim…
P/1 – Você falou do café. Da sua casa assim, o que mais você lembra?
R – Ah, eu tenho umas lembranças. Eu não gostava de sítio, eu odiava (risos). Eu odiava morar em sítio. Fim de semana era uma vida, porque eu queria vim pra cidade. Eu morava, mas não gostava. Eu dava um trabalho danado pro meu pai. Pra vim pra cidade, tinha que arrear carrinho, carroça, às vezes, eu pegava e vinha sozinha, arreava o carrinho e se mandava, o meu pai ficava doido (risos).
P/1 – Com que idade você fazia isso?
R – Ai, 12 anos, 13 anos. Que, assim, a gente nunca teve infância que os meus filhos têm hoje. A gente desde pequeno já era adulto, né, porque muita responsabilidade, né?
P/1 – Então, com 12 anos, você já pegava a carroça?
R – Já! Pegava cavalo, arreava e se mandava (risos).
P/1 – Você montava?
R – Eu não gostava muito de montar, não, né, odiava muito. Quebra muito, preferia mais na carroça.
P/1 – E o que você gostava de fazer na cidade, quando você vinha?
R – Ah, vinha na casa das amiga, né, divertir, brincar. Não gostava muito de sítio não, ficava na marra (risos).
P/1 – Essas suas amigas, você conheceu onde?
R – Conheci na cidade, meu pai trazia a gente pra igreja, daí a gente tinha bastante amizade, assim.
P/1 – Igreja católica?
R – Não, vinha na igreja evangélica mesmo. A gente tinha bastante amiga. Às vezes, trazia pra casa, nós vínhamos. E o meu pai, assim, nunca deixava a gente pousar na casa de ninguém, né? Minhas amigas queria ficar com a gente às vezes no fim de semana, aí ia tudo pra casa, ia aquela renca! Daí a gente ficava a noite inteira conversando, cochichando e o meu pai ficava doido (risos), ficava muito bravo, mas era divertido.
P/1 – E quando você vinha pra cidade, o quê que vocês faziam pra se divertir na cidade?
R – Ah, a gente passeava, ia pra praça, divertir na cidade. Eu, estar na cidade, pra mim já tava ótimo (risos).
P/1 – Você vinha sozinha?
R – Vinha com a irmã. Sempre tava junto, que eu nunca andava, assim, sozinha, né?
P/1 – E depois, aqui na cidade, até quando vocês tinham essa rotina? Até que idade, mais ou menos, você tinha?
R – Ai, eu já vinha pra cidade, eu já tinha 16 pra 17 anos. Meu pai mudou pro Patrimônio, que era uma cidade, uma vilinha. Nessa altura, já tava em Paranavaí, já tinha mudado.
P/1 – Porque ele trabalhou até um tempo, depois ele voltou pra cidade. Foi nessa época?
R – É, foi nessa época.
P/1 – E por que ele resolveu mudar, você lembra?
R – Porque ele já tava fraco, né, a roça já fracassou bastante. Tinha tudo que vim buscar na cidade, aí ele veio, mudou pra vilinha, foi trabalhar no ferro velho. Daí nisso fracassou também lá, daí ele resolveu vim embora pra cá, que é bem melhor de serviço, né?
P/1 – Ele tinha um ferro velho ou ele trabalhava como empregado?
R – Não. Ele trabalhava para os outros.
P/1 – Entendi. E nessa época, você falou que você já tinha vindo antes pra essa cidadezinha, pra essa vila.
R – É. Assim, eu trabalhava de doméstica, né, eu, minhas irmãs.
P/1 – Entendi.
R – Nessa época nós trabalhávamos já pra ajudar em casa com as despesas. O que nós ganhávamos, era tudo pra casa, né, pra ajudar, que a situação era difícil.
P/1 – E esse seu primeiro trabalho, você lembra do dia que você começou?
R – Lembro! Então, era até o dono do ferro velho que o meu pai trabalhava, aí eu fui trabalhar na casa dela. Daí, eu comecei a trabalhar. Que toda vida, a minha mãe ensinou a gente a trabalhar cedo, né, fazer tudo cedo, em casa. Aí eu comecei a trabalhar.
P/1 – E como foi quando você chegou pra trabalhar na casa dela?
R – Então, os primeiros dias é difícil, né, todos os primeiro dia é difícil em serviço, mas foi normal, me adaptei bem.
P/1 – E o primeiro salário, como foi, quando você ganhou o primeiro salário?
R – Vichi, o primeiro salário, eu cheguei, vichi, o meu pai tava na situação difícil, entreguei pra ele para pagar aluguel. Ajudou bastante, foi emocionante. Meu pai deixava uns troquinhos com a gente, né? Foi emocionante. Mesmo na roça eu catava mamona, eu criava galinha, sempre gostei de ter o meu dinheirinho, eu não gostava de depender de ninguém. Até hoje eu não gosto de depender. Sempre eu me virava, daí fui comprando, fui comprar enxoval, fui comprando as coisas, roupa, calcado.
P/1 – Você vendia mamona?
R – Vendia.
P/1 – Para que é que vendia mamona?
R – Eu vendia na máquina, eles compram pra fazer óleo, né? Eu catava na beira da estrada, vendia.
P/1 – E sempre teve o seu dinheirinho?
R – Ah, sempre gostei de ter os meus troquinhos.
P/1 – E esse troco que ele te deu, você comprou alguma coisa diferente, ou não?
R – Ah, eu comprei uma sandalinha, que eu tava meio precisando.
P/1 – Não foi nada especial?
R – Não! Mas depois a gente foi, né, todo mês sobrava, e a gente ia comprando enxoval, né?
P/1 – Você já tava namorando?
R – Não. Eu comecei a namorar com 18 anos.
P/1 – Você disse que fazia enxoval. Você comprava enxoval, mas você comprava porque você já tava namorando?
R – Não. Minha mãe ensinou a gente a começar a fazer cedo, né? Eu fui comprando colcha, coberta.
P/1 – Já ia reservando?
R – É, eu comecei a namorar com 17 anos e pouco. O meu pai exigia, que a gente namorava, e tinha que namorar pouco, namorar e já casar. Eu não era namoradeira. Comecei namorar, daí o meu pai deu seis meses para namorar e casar. Daí foi.
P/1 – Foi o primeiro namorado?
R – Foi.
P/1 – Como é que você conheceu ele?
R – Ah, eu conheci na casa do meu tio. Eu fui no meu tio, ele tava lá, eu conheci, daí eu gostei e começamos namorar.
P/1 – Você gostou, ele também.
R – É.
P/1 – Como é que foi esse encontro?
R – Ah, foi simples, que eu cheguei lá, ele tava, né, meu tio marcou um dia, ele foi, a gente “se conhecemo”.
P/1 – Seu tio ajudou?
R – Ajudou (risos).
P/1 – Como ele chama?
R – Ele chama Joaquim.
P/1 – Joaquim. E aí ele topou casar rápido assim?
R – Topou. É que ele já era, assim, ele é bem mais velho do que eu, né? Daí, meu pai: “É seis meses pra namorar e casar”, aí tive que se virar, né, não teve como se explicar.
P/1 – E você continuava trabalhando nas casas como doméstica?
R – Continuei trabalhando.
P/1 – E você teve um casamento como, assim, você casou no civil? Na igreja?
R – No civil, um casamento simples.
P/1 – Você lembra desse dia?
R – Ah, lembro!
P/1 – Conta pra gente um pouquinho desse dia?
R – Foi um casamentinho bem simples, fomos no cartório, onze horas da manhã, “casamo”. Aí teve uma recepção bem simples: primeiro, era pão com carne moída e um bolinho que o pai comprou.
P/1 – Gostoso!
R – É, e foi uns amigos. Aí “casemo” assim, não tinha salão, nada, fomo no quintal de casa, mesmo.
P/1 – Alegre?
R – É, foi alegre, que povo era divertido de primeiro, né? O povo de primeiro era tudo feliz, era pobre, mas era feliz (risos).
P/1 – O quê que vocês faziam? Conta um pouco como foi a festa que teve ai na sua casa no dia que você casou.
R – Ah, foi uma festinha, assim, simples, foi almoço, do meio-dia até as duas. Aí era pãozinho com carne moída, todo mundo animado, fazendo e comendo e brincando. Foi simplesinho.
P/1 – Tinha música?
R – Não.
P/1 – Era o barulho da alegria?
R – Era o barulho da turma, mesmo (risos). A música era o pessoal (risos).
P/1 – E depois, você continuou morando nessa cidade?
R – É, daí sim. Eu saí do Sumaré, que era a vilinha, eu fui pra Paranavaí mesmo, pra cidade, também numa vila também lá. Nisso eu morei 28 anos lá na vila. Aí nisso nasceu “os filho” tudo.
P/1 – Você continuou trabalhando depois que você casou?
R – Continuei. Sempre trabalhei.
P/1 – O mesmo trabalho?
R – Não, daí eu saí, que ficava meio longe pra eu ir. Eu saí e arrumei outro. Depois eu arrumei numa academia, trabalhei 12 anos numa academia, fazendo limpeza. Depois da academia, enjoei de limpeza, daí eu fui trabalhar num restaurante, trabalhei quatro anos também.
P/1 – Fazendo o que no restaurante?
R – Eu, cozinheira. Restaurante, assim, de firma, né? Empresa também.
P/1 – E você gostava desse trabalho de cozinheira?
R – Gostava. Eu gosto de fogão (risos).
P/1 – O outro trabalho que você trabalhava em casa de família, como era, o quê que você fazia?
R – Eu fazia de tudo também: cozinhava, lavava, passava. Depois, teve um tempo que eu trabalhei fazendo faxina também em casas.
P/1 – E depois, você foi pro restaurante?
R – Fui pro restaurante.
P/1 – Teve diferença do trabalho que você fazia nas casas de família e no restaurante?
R – O restaurante eu gostei bem mais, que geralmente é só aquele serviço mesmo, e casa já é mais puxado, tem casa, tem roupa, tem cozinha.
P/1 – E lá era mais cozinhar?
R – Lá era mais cozinhar, só na cozinha mesmo.
P/1 – Quanto tempo você falou que ficou nesse restaurante?
R – Quatro anos.
P/1 – E como foi a sua mudança pra cá, pra Rio Claro?
R – Ah, a minha mudança pra cá, eu trabalhava nesse restaurante, daí eu tive que pedir as contas. Meu filho caiu no mundão da droga.
P/1 – O mais novo?
R – O mais velho. Daí, já não trabalhava. Ele ficou um ano e pouco, não trabalhava, só naquela vida terrível lá. Tava se pinchando, tava vendo que tava morrendo já, já tava o couro e o osso, só tinha a orelha de tão magro que tava, não comia, não dormia. Era uma tribulação lá, daí eu vim passar umas férias aqui. Cheguei aqui, analisei, pensei e falei: “Acho que é o jeito criar uma asa e voar”, e vim prá cá. Eu larguei tudo, pedi as contas do serviço, vim pra cá morar com o meu pai. Meu pai, minha família me ajudou muito.
P/1 – Lucia e o seu marido?
R – Veio também. Por causa eu que decidi, eu vi o meu filho morrendo, falei: “Ou você vai ou você fica. Eu vou salvar o meu filho”, aí ele veio, ele se deu bem aqui também.
P/1 – Veio a família toda?
R – Veio. Só ficou minha filha e minha neta, foi uma judiação, que eu vim embora, minha neta morava dentro de casa, ela era muito apegada ao meu filho mais novo. Eu tive que largar tudo pra salvar o meu filho, eu tive que abandonar tudo, larguei a casa, larguei tudo, só vim praticamente com a roupa do corpo. Daí vim pra cá…
P/1 – Sua filha era casada?
R – Ela teve a filha, né, mas não. Agora ela tá com uma pessoa, ela ficou lá, daí ela veio pra cá, voltou pra lá de novo, tá pra lá.
P/1 – Ficou na sua casa?
R – Ficou. Tá em casa.
P/1 – E ai, veio você, seu marido?
R – E o filho mais velho e o mais novo.
P/1 – E como foi quando vocês chegaram aqui, conta um pouco.
R – Eu cheguei aqui, foi difícil eu desempregada, que larguei tudo. Fiquei na casa do meu pai. Daí a família deu muita força pra mim, me ajudou. Mas logo, graças a Deus, arrumei um serviço na escola também, fiquei um ano e meio na escola, na cozinha fazendo merenda.
P/1 – E você ficou com os seus dois filhos morando na casa do seu pai? Seus meninos também?
R – Morando tudo na casa do meu pai.
P/1 – E como foi para o seu filho mais velho?
R – Como assim?
P/1 – O que aconteceu quando vocês chegaram aqui?
R – É, ele chegou aqui, ele dormiu uns três dias. Ficou dormindo mal, com o efeito das drogas, foi muito difícil. Cheguei aqui, falei: “O jeito é eu ir pra tentar tirar ele do meio dos amigos”, porque se ele tivesse ficado lá, ele tinha morrido. Ele não tava vivendo mais.
P/1 – E aqui, ele conseguiu?
R – Graças a Deus! Aqui Deus ajudou que ele conseguiu recuperar, criou força, começou a trabalhar. Ele trabalhou um ano na firma de estofado, daí era muito pesado, ele falou: “Mãe, tá pesado lá”, daí ele pediu as contas, comprou uma motinho. Nisso ele já tava bem, graças a Deus. Aí ficou dois meses em casa, entregou um currículo, daí Tigre chamou ele, graças a Deus, tá bem.
P/1 – Onde?
R – Tá na Tigre. Trabalha aqui na empresa, aqui, na Tigre. Hoje ele já é líder, graças a Deus, tá ótimo. Nem parece aquele mais.
P/1 – É líder na empresa?
R – É, é líder na empresa. Vichi, ele mudou completamente, graças a Deus, nem parece aquele mais.
P/1 – Qual foi o meio que ele encontrou junto com você para conseguir superar?
R – Ele começou a ir na igreja, ele teve força de vontade, sabe? Ele sofreu bastante, né, porque sabe que é duro a recaída, daí ele criou força, Deus ajudou ele. Ele começou a frequentar uma igreja também, e Deus ajudou que ele saiu dessa, nem parece aquele mais.
P/1 – Como ele chama?
R – Jairo.
P/1 – Jairo. E o mais novo, como chama?
R – Jonas Natan.
P/1 – E o mais novo, gostou de vir pra cá, como é que foi a vinda dele pra cá?
R – Não, sofreu muito. Sofreu mesmo! Teve um tempo que eu falei: “Meu Deus, vim salvar um, agora o outro vai ficar revoltado”, sabe? Porque ele sentia falta da minha filha, da menina, né, dos amigos. Veio para outro lugar totalmente diferente, não tem nada a ver, né, de onde que veio. Mas graças a Deus, hoje ele tá bem, sabe? Ele faz curso, tá superando bem, tá fazendo cursinho pra faculdade, tanto um como o outro.
P/1 – Quanto tempo faz que você tá aqui?
R – Cinco anos.
P/1 – Os dois estão fazendo curso pra faculdade?
R – Tá! O Jairo tá fazendo curso pra Química. E o menino, o outro tá fazendo cursinho, ainda tá decidindo o que ele vai querer fazer ainda. Mas graças a Deus, tá tudo bem.
P/1 – E a netinha?
R – A netinha sente muita falta, ela liga direto pra mim e sente saudades. Que ela vê o meu menino mais novo como irmão dela, mas tamo aí, tamo levando, né? Mas graças a Deus, estão bem.
P/1 – Aí você começou a trabalhar nessa escola.
R – É, dai, eu trabalhei um ano e meio na escola, daí perdeu a concorrência, que era uma firma terceirizada. Eu saí, e trabalhei dois anos no restaurante.
P/1 – Também como cozinheira?
R – Também.
P/1 – Qual a tua especialidade? O quê que você gosta mais de fazer?
R – Eu faço qualquer coisa, em casa assim, doces, o que vim, eu faço. Eu gosto de tudo!
P/1 – Mas aquele que a pessoa fala: “Nossa, isso aqui só você mesmo!”, que prato é? Tem algum assim? Especial?
R – Não! É que geralmente no restaurante é a comida já básica do dia a dia, né? Inclusive, eu faço bico lá fim de semana, “os meus patrão” quer que eu “fico” lá com eles, aí eu faço bico também.
P/1 – Todo final de semana, você continua lá?
R – Todo!
P/1 – Como chama o restaurante?
R – Rei do Cupim.
P/1 – E como que você começou a trabalhar, fala o nome do empreendimento que você tá aqui?
R – Aqui é Espaço Solidário.
P/1 – É uma lanchonete?
R – É uma lanchonete.
P/1 – Como você começou a trabalhar aqui com esse grupo?
R – Aqui, eu tava fazendo um cursinho no SESI, daí nós fomos fazer uns bombons, brigadeiro pra firma mesmo, pra Whirlpool. E as meninas do Consulado convidou a gente pra vim fazer uma entrevista, né, conversou. Daí, eu entrei.
P/1 – Mas tinham outras mulheres fazendo curso.
R – Tinham várias.
P/1 – Como que houve esse encontro? Só você que veio fazer o curso?
R – Não! Veio eu, veio a Val, veio a Ivana e tinha outra também, a Raquel, mas ela saiu, ela foi embora. Mas foi legal, nós “viemo” fazer entrevista, “gostamo”, e tamo gostando.
P/1 – Você veio para trabalhar aqui, mas você trabalhava no restaurante.
R – Não! Eu já tinha saído do restaurante. Eu tava meio em casa. Daí eu comecei a fazer cursinho, né, que tirei uns tempos pra descansar, daí elas convidaram, a gente “viemo”, “gostamo”, e tamo aqui.
P/1 – Você vê diferença entre esse grupo, esse empreendimento, e o restaurante que você trabalhava?
R – Aqui, a gente trabalha por conta, né, já é outra coisa, né? Diferença sim, bastante!
P/1 – E o quê que significa pra você trabalhar por conta?
R – Significa muita coisa, a gente aprende muito, é bem diferente, né?
P/1 – Então, assim, aprende bastante coisa, vai contando um pouco, assim, as diferenças.
R – Ah, diferença assim, sei lá, você tem mais responsabilidade, porque é seu, você vai lutar pra conseguir, né? É bem diferente.
P/1 – Então, nesse empreendimento você tem essa responsabilidade, e no restaurante?
R – Também sou bem responsável, inclusive, “os patrão” quer que eu “fico” com eles, né? Nesse período mesmo, falou: “Mas por quê que você saiu?”. Eles brigam, que eles adoram, né, sempre que eu trabalhei, eu sou bem responsável.
P/1 – E o que você responde pra eles?
R – É! Inclusive no mês que vem, eu vou cobrir as férias da minha irmã. Vai ficar bem corrido pra mim, que eu vou trabalhar aqui, e daqui, eu vou sair, já vou direto pro restaurante, vai ser bem corrido.
P/1 – Mesmo assim você vai manter os dois?
R – Vou manter. Tentar manter, tem que manter, né? Porque é um mês só, porque se eu não for cobrir as férias da minha irmã, que passou do tempo das férias, ela tá precisando descansar também, né? Aí vai eu cansar (risos).
P/1 – E você, trabalhando nesse empreendimento, qual é a sua atividade principal?
R – A minha atividade mais é almoço. Mas tudo, assim, né, se falta um, a gente cobre, faz. Mas é mais assim, eu entro às nove, saio às 15, é mais o almoço.
P/1 – Quando você começou trabalhar, como que foi quando você chegou? Assim, a convivência, a forma como te receberam, conta um pouco.
R – Receberam bem, fui bem recebida. E eu sou fácil para conviver, sabe, que eu sou acostumada a trabalhar em grupo, eu não tenho dificuldade pra isso. Mas me receberam muito bem.
P/1 – Lucia, fala um pouquinho da rotina, vamos dizer, de uma semana. Como é que vocês se organizam pra trabalhar? Assim, você trabalha fazendo o almoço. Mas como que isso é decidido, fala um pouco pra gente.
R – É assim, já tem os cardápios, a gente vai seguindo. No dia anterior, eu já deixo adiantado, já deixo organizado. É tudo controladinho assim. Se às veze, se cria alguma coisa, a gente conversa, né, discute.
P/1 – Quem que dá as ideias, assim, de uma novidade?
R – Assim, se eu tenho alguma novidade, eu chego, apresento, falo: “Olha, nós podia fazer isso, fazer…”, “Podia mudar isso”, aí a gente conversa com as meninas aqui do Consulado, aí já discute junto.
P/1 – E quem decide depois?
R – Então, todo mundo. Daí junta o grupo, conversa certinho e decide.
P/1 – Todo mundo pode trazer as ideias?
R – Pode! Daí vai discutir.
P/1 – Teve alguma ideia sua, assim, que foi bem aceita?
R – Assim, eu tive a ideia das bolachinhas que eu faço, né? Daí foi aprovado, e uma vez na semana eu tenho que fazer pra vender. E assim por diante.
P/1 – E como é que funciona essa parte mais administrativa? Você faz as bolachinhas e traz?
R – Eu faço aqui mesmo.
P/1 – Na própria cozinha?
R – É. Eu faço aqui mesmo, daí a gente põe pra vender, o dinheiro vai pro caixa e pra todo mundo.
P/1 – Cada um pode fazer, mas depois?
R – É, é tudo no grupo, né?
P/1 – E na hora de resolver essa parte das finanças, quem participa dessa parte?
R – Essa parte é a Maria Lucia, minha xará, e a Val. Elas controlam o caixa, ficam no caixa, tudo, elas que cuidam mais dessa parte.
P/1 – Mas para decidir sobre finanças, como que funciona? Elas cuidam de receber, de pagar, mas na hora de fazer a prestação de contas?
R – Daí é elas mesmo. A gente pode, tem acesso ao caixa também, se quiser pra saber como que tá tudo, é normal.
P/1 – Todo mundo tem acesso?
R – Tem. Assim, querer saber, de ver, né? É tudo anotado certinho, as notas, é tudo arquivado.
P/1 – E além dessa parte da cozinha, você, de vez em quando, ou sempre, faz alguma outra atividade, lá no restaurante?
R – Faço! Ajudo vender, né? Faço sim, o que vai precisando, a gente vai fazendo (riso).
P/1 – E esse contato com o público, como é pra você?
R – É legal, é bem legal. Povo bem educado, né, bem simpático.
P/1 – Lá no restaurante, você tem esse contato com as pessoas que vão?
R – Tenho. Assim, se tá apurado no balcão, eu saio de lá, vou atender, normal (riso).
P/1 – Lucia, você assim, depois que você começou a trabalhar aqui no empreendimento, alguma coisa mudou na sua vida?
R – Mudou sim. Assim, eu fiquei mais aberta para conversar com o povo. Que nem lá no restaurante, a gente não tem acesso, a gente fica mais na cozinha. Aqui não, a gente é mais aberto, entendeu, mais liberal, né? Mudou bastante sim.
P/1 – E reuniões, vocês têm reuniões com as meninas do Consulado?
R – Tem. Toda semana, “nós tem” reunião.
P/1 – E o quê que é tratado nessas reuniões?
R – Tudo.
P/1 – Opa, o que é tudo?
R – Tudo assim, se a gente tem alguma dúvida, né, é tudo exposto, é tudo!
P/1 –Todas participam?
R – Todas participam. Reunião é com todo mundo, toda segunda-feira.
P/1 – Ou seja, tudo o que vocês querem tratar, vocês tratam nessa reunião?
R – Trata na reunião.
P/1 –E tem alguma coisa que elas levam pra tratar com você?
R – Tem, assim, se aparece alguma coisa, elas vão lá, fazem a reunião rapidinho, conversa com todo mundo. É bem, assim, conversado.
P/1 – E o quê que vocês aprendem nessas reuniões?
R – Aprende muito, tudo, como comportar, tudo!
P/1 – Como comportar, o que mais?
R – Discute, assim, algum cardápio, alguma coisa. É tudo discutido na reunião.
P/1 – Sobre a administração tem alguma coisa?
R – Conversa também.
P/1 –Sobre essa parte da administração do negócio, você ainda não aprendeu ou já aprendeu alguma coisa?
R – Assim, porque eu nunca tive assim um negócio, eu tou aprendendo bastante com isso.
P/1 – Sobre ter um negócio?
R – É. A gente conversa bastante, que é difícil, ter um negócio é muito complicado, né?
P/1 – E qual seria o aprendizado principal até agora? Porque sempre a gente tá aprendendo, mas até agora qual o aprendizado principal para se ter um negócio?
R – Acho que o principal é saber administrar tudo, compra, conta, tudo, pesquisa (riso).
P/1 – Pesquisa?
R – É.
P/1 – Do quê?
R – É assim, porque tem que pesquisar de onde tá mais em conta, né? É bem difícil (riso).
P/1 – Mas aprende?
R – Aprende. Aprende sim, com o tempo, a gente aprende (riso).
P/1 – Lucia, e você tá desde quando no empreendimento?
R – Eu estou desde o dia 28 de outubro.
P/1 – Do ano passado?
R – É. Desde sempre.
P/1 – E teve alguma mudança, teve alguma novidade?
R – Teve sim, teve a máquina de café, teve a máquina de cartão, mudou bastante.
P/1 – Ah, e como é que funciona essa máquina de café, o que trouxe de novidade?
R – Trouxe, assim, tem o café, opção de café, né, quem gosta de café, que eu não gosto de café. Tem opção, tem o mais fraco, o mais forte, tem vários tipos, né? E o povo aceitou bastante.
P/1 – Em relação à máquina de cartão, você percebeu mudança?
R – Melhorou bastante, às vezes o povo tá sem dinheiro ali, passa o cartão, já tem mais opção, né? Já não tem como falar que não vai comer porque não tem dinheiro. Melhorou bastante.
P/1 – Esse cartão, vocês aprenderam a mexer com essa máquina?
R – Eu ainda não tive acesso, porque tá com pouco tempo que ela tá, mas eu percebi que teve mudança.
P/1 – Na parte da cozinha, tem também alguma diferença em relação a sua experiência anterior?
R – Não assim, que eu encaro assim, no dia a dia, a gente sempre também faz, inventa alguma coisa, então não teve muita dificuldade, não.
P/1 – Cuidados?
R – Cuidado sim, né, mas é o cuidado que a gente tem em casa, muita responsabilidade, né? Cozinhar é muita responsabilidade. No ambiente que vende alimento, tem que ter o máximo cuidado.
P/1 – Esse cuidado, com o que você tem?
R – Higiene, com tudo, né? Data de validade, tudo, né?
P/1 – Higiene, data de validade?
R – É, tudo Precisa (riso).
P/1 – Então, e você já conhecia a marca Consul, antes de trabalhar…
R – Já conhecia! Geladeira, né, fogão, já conhecia sim.
P/1 – E o seu marido, ele trabalha aqui na cidade?
R – Ele é aposentado.
P/1 – Vocês têm uma renda diferente agora que você tá nesse empreendimento?
R – Sim, tem a renda, né, já melhora bastante, né?
P/1 – Você já recebe alguma coisa?
R – Recebo, recebo sim!
P/1 – E essa renda faz alguma diferença na sua rotina, na sua casa?
R – Faz sim, faz bastante, né?
P/1 – Mudou alguma coisa ou ainda não deu pra mudar?
R – É, pelo menos manter, melhora o dia a dia, né? Foi bem bom.
P/1 – E quais são os seus sonhos daqui pra frente, Lucia?
R – Sei lá, é ter saúde pra correr atrás das coisas e assim por diante, que enricar é difícil, né? Então, manter o bem estar, saúde, paz.
P/1 – E para os seus filhos, você tem sonhos?
R – Ah, eu tenho, né? Eu quero que eles sejam alguém um dia, que eles estudem, que eles tenham a vida deles estável.
P/1 – Como é ser alguém um dia?
R – Assim, trabalhar, ter uma profissão, viver bem.
P/1 – Lucia, você falou uma coisa que eu deixei passar, você disse que voltou a estudar. Com quantos anos você voltou a estudar?
R – Uns trinta e pouco anos. Eu trabalhava o dia inteiro, saía correndo pra estudar, chegava lá, as vezes a canseira batia, cochilava até. Mas eu consegui tirar o segundo grau, graças a Deus.
P/1 – Você foi direto para fazer o segundo grau, ou você voltou tudo?
R – Não, eu voltei para o fundamental. Comecei na quinta série.
P/1 – EJA (Educação de Jovens e Adultos)?
R – É, EJA.
P/1 – E como foi essa experiência sua de estudar?
R – Foi muito bom. Eu devia ter continuado, mas aí o relaxo bateu (risos). Então, na época, minhas amigas, muitas foram fazer curso de enfermagem, essas coisas, me chamaram. Mas só que pra enfermagem eu não tenho dom, não é o meu forte. Mas muitas são enfermeiras, da minha idade foram estudar, e eu resolvi ficar na cozinha mesmo (risos).
P/1 – E você gosta?
R – Eu gosto. Gosto bastante.
P/1 – Você vê possibilidade de aperfeiçoar mais ou você já acha que tá bem sabida nessa parte?
R – Não, eu ainda tenho muito a aprender.
P/1 – Tem uma forma de fazer isso?
R – Ah tem cursos. No ano passado, eu fiz um curso de panificação e de confeiteira e gostei. Fiz pelo Senai, gostei muito. Eu sempre procuro correr atrás, que a gente todo dia aprende, né?
P/1 – Então, a gente tá terminando a entrevista. Como que foi contar um pouquinho da sua história?
R – Foi muito bom (risos).
P/1 – Foi bom? Depois você vai ver essa história publicada. E a gente agradece, viu, Lucia, pela sua história.
R – Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTARecolher