A convivência diária com o público nos Correios é uma fonte inesgotável de aprendizagem. Eu estava no meu gabinete numa unidade postal que eu administrava no centro do Rio de Janeiro, quando fui avisado que havia uma estranha mulher exigindo falar com o gerente. Resolvi descer no salão, quando...Continuar leitura
A convivência diária com o público nos Correios é uma fonte inesgotável de aprendizagem. Eu estava no meu gabinete numa unidade postal que eu administrava no centro do Rio de Janeiro, quando fui avisado que havia uma estranha mulher exigindo falar com o gerente. Resolvi descer no salão, quando me deparei com o vulto daquela mulher alta, de cabelos longos e negros, com traços fortes de pintura no rosto e roupas extravagantes.
Antes que eu lhe dirigisse a palavra, ela caminhou resoluta em minha direção, franziu a testa, apontou-me o dedo indicador, lançou-me um olhar penetrante e fez soar sua rouca e trêmula voz:
”- Tenho uma séria previsão a fazer sobre a sua vida! Deixe-me ler a sua mão.”
Eu agradeci, disse que não era necessário e perguntei em que poderia ajudá-la. Ela insistiu, desta vez cravando o olhar na minha secretária, que estava ao meu lado.
“- É muito grave o que tenho a dizer sobre este homem, o seu futuro está em risco!”
A secretária, muito assustada, sussurrou:
“- Chefe, por favor, deixa ela falar!”
Eu poderia ceder às pressões psicológicas daquela misteriosa mulher, estender a minha mão e – por mera curiosidade - ouvir que previsão tão séria ela julgava que poderia fazer sobre a minha vida. Mas a curiosidade impulsiva não é própria do ser que aprendeu a dirigir a vida e adquiriu confiança em si próprio. Além disso, eu daria um péssimo exemplo de insegurança e temor para aquelas pessoas, que assistiam em silêncio a inusitada conversa. Um líder não pode perder a serenidade e nem a oportunidade de ensinar com as suas atitudes.
Com a mesma impetuosidade que apareceu, aquela senhora se retirou como um raio e jamais voltou a ser vista.
Nunca perco a oportunidade de dar uma mensagem de motivação e esperança. Reuni a equipe e expliquei que a nossa intimidade guarda segredos invioláveis. Além do Criador, ninguém tem o poder de penetrar nesse território íntimo do nosso sagrado mundo interior. Sem as convicções, somos alvos fáceis para as influências oportunistas. Quando Deus criou o ser humano, entregou-lhe a intimidade como o mais sagrado refúgio.
Está apenas em nossas mãos o poder de ler o futuro, porque somente nós temos a prerrogativa de construir o nosso destino. Pela observação do que estou realizando agora, é possível conhecer o futuro que me espera; falo isso diariamente para as minhas filhas.
Somos herdeiros de nós próprios. O futuro é o troféu maior que receberemos, pelo triunfo das horas que consagramos ao nosso aperfeiçoamento e pelo bem que transmitimos ao nosso semelhante.
Falei de um circo onde levei minhas filhas, quando me chamou atenção o equilibrista. A arte de viver é como aquele equilibrista, que fixou no solo diversas varetas e, sobre elas, girou pratos de louça. Eram muitos pratos girando ao mesmo tempo, o que fez brilhar os olhos das minhas filhas Kelvian e Rayane. Quando alguns já estavam perdendo o equilíbrio, o artista voltava a impulsioná-los para que não caíssem e se quebrassem.
Refleti que assim acontece em nossa vida. Como malabaristas que somos, estamos girando muitos pratos ao mesmo tempo. Com a complexidade do mundo em transformação, a vida sempre nos oferece novos pratos para girarmos. São pratos relacionados à profissão, à criação dos filhos, ao convívio familiar, à vida social, ao cuidado com a saúde e tantos outros que nos desafiam.
Somos eternos malabaristas. O segredo reside na confiança de que somos capazes de girar todos os pratos com segurança. Mas se os pratos relacionados com o nosso crescimento individual forem desprezados os demais não se sustentarão, perderão a força e tombarão. Somos seres em processo de evolução e todos os setores da vida precisam encontrar o ponto de equilíbrio. É fundamental compreender o sentido maior da luta diária, é essa visão que nos faz sentir que estamos participando de uma obra edificante; nada pode nos proporcionar felicidade maior do que nos sentirmos criando, com firmeza inalterável, a obra da nossa vida.
Há aqueles que dão excessiva atenção aos pratos das necessidades materiais e imediatas, mas esquecem de girar outros que são vitais para a nossa existência. Há também pratos pesados que podemos estar movimentando sozinhos, porque não sabemos pedir ou merecer que outras pessoas nos ajudem, na mútua colaboração que deve existir entre os seres que se amam e buscam a evolução.
Contei essa história para os meus companheiros de trabalho naquela inesquecível manhã de outono. Concluí dizendo para eles que essas reflexões envolviam a minha alma no circo, quando senti as mãos sedosas da Rayane tocarem o meu rosto. Ela sorriu, pediu-me pipoca e perguntou:
“- Pai, em que você está pensando?”
Beijei-a, acariciei seus longos cabelos e respondi: - Estou pensando, filha, no grande espetáculo da vida.
A partir desse dia, em todas as reuniões, as pessoas da minha equipe pediam que fosse reservado um momento para falarmos da mais sublime de todas as artes: a arte de criar a si próprio.
Ninguém é insubstituível! Você já ouviu essa frase? Concorda com essa afirmação?
Essa expressão nunca caiu bem nos meus ouvidos, mas eu preferia guardar silêncio diante dela; até que um dia ouvi um integrante da minha equipe pronunciá-la numa reunião. Eu administrava nessa ocasião a Gerência de Ralações do Trabalho na Diretoria Regional do Rio de Janeiro. Nessa hora, a consciência sugeriu que eu me posicionasse diante dessa afirmação. Vi naquele precioso momento uma imperdível oportunidade de fazer uma reflexão de esperança e motivação com a minha equipe.
- Somos todos mesmo substituíveis? – perguntei. Você, meu estimado companheiro, considera-se substituível para seus filhos? Seus pais são substituíveis para você? As pessoas que você ama, são?
Quando muitos chegam a pensar que perderão a batalha pela vida ou que não mais terão ânimo para prosseguir, existem aquelas pessoas que aparecem para ressuscitar a esperança. Pense nos verdadeiros amigos que conquistamos durante os instantes felizes e difíceis da profissão, por exemplo, eles são substituíveis?
Há muitos seres que nos foram próximos em vida e já partiram, mas permanecem vivos em nossa saudade e gratidão. Muito do que desfrutamos hoje é obra de seres especiais, benfeitores da humanidade, que são lembrados por gerações pelo exemplo e seus feitos imortais. Vale pensar naqueles professores que vivem na nossa recordação; eles colocaram todo amor nas palavras, foram além do ensino formal e nos inspiraram com ensinamentos que nos acompanham até hoje. Sabemos que foram seres imprescindíveis na nossa vida, e por isso insubstituíveis.
Quantas vezes, em instantes difíceis da nossa jornada, pensamos nessas pessoas que já nos deixaram fisicamente. Nessas horas, exclamamos no silêncio da nossa alma: - Ah! Se meu pai estivesse aqui... Se minha mãe estivesse comigo! Se aquele amigo estivesse vivo! Não temos dúvida de que eles nos mostrariam caminhos, dariam conselhos e a palavra amiga de que tanto precisamos nesses momentos.
Há pessoas que conseguem ser queridas, outras admiradas. Há aqueles que se tornam símbolo de bondade, generosidade e lucidez. Mas existem os que conseguiram concentrar em si o emblema de todas essas virtudes. Essas pessoas se tornam carismáticas, belas, inspiradoras, exemplo de luta pela vida e – por tudo isso – são imprescindíveis. Quando partem deixam uma lacuna que jamais pode ser preenchida. Fica a nossa gratidão viva e a recordação do bem que esses seres nos entregaram em vida.
É preciso deixar a nossa impressão digital na vida, na nossa família, no local onde trabalhamos e no coração das pessoas que cruzam o nosso caminho. É aquela sensação de utilidade que nos diz: A minha presença no meu trabalho, no meu país e na Terra torna o mundo melhor. Isso não é pretensão, é confiança na diferença que a nossa presença no mundo pode fazer. Não conheço uma pessoa realmente feliz que não sinta essa sensação de ser importante para as pessoas que a cercam. No nosso trabalho, por exemplo, podemos atuar com generosidade ao transmitir os nossos conhecimentos para desenvolver os nossos sucessores. Isso nos torna profissionais diferenciados, com características próprias, reluzentes e marcantes. Isso é ser insubstituível.
É possível estar atento e observar as oportunidades de fazer o bem, que diariamente se apresentam diante de nós. Nem a morte torna substituível aquele que honrou cada hora da sua existência e se tornou pessoa procurada por aqueles que precisavam de ajuda.
É certo que todos nós passaremos, o mundo continuará sendo mundo e girando sem a nossa presença; as pessoas sobreviverão a nós. É evidente que, depois da nossa passagem pela profissão, alguém poderá realizar as nossas tarefas. Mas a nossa arte, o nosso jeito de ser e a nossa experiência são valores próprios, jamais alguém fará as coisas como nós fazemos. A impressão digital do amor que colocamos em nossas funções estabelece a exclusividade das nossas ações. A nossa história é única e vai sendo escrita e impressa em tudo o que realizamos, é assim que nos tornamos imprescindíveis para os nossos semelhantes, para o nosso país e para a humanidade.
Nesse momento da reunião, um colega pediu a palavra e – emocionado - disse que compreendeu que nós fomos dotados de todos os recursos para escrevermos cada página do nosso destino, podemos nos tornar seres especiais e conquistar uma identidade inconfundível. Disse que essa é a maior de todas as conquistas humanas.
Eu concluí dizendo que nós somos um edifício em construção. Muitos ainda não sabem que podem ser construtores de si próprios. Mas há aqueles que enxergam a missão, idealizam a obra e apóiam suas bases em terrenos firmes. Esses conseguem transformar a vida num majestoso arranha-céu, de cujo cume se pode sentir o mais puro frescor da felicidade e contemplar horizontes só vistos nos sonhos que embalam a alma.
Em outra ocasião, eu seguia um dia normal de trabalho no edifício-sede da Diretoria Regional do Rio de Janeiro, quando a portaria me comunicou que lá estava uma senhora, que não desejava se identificar, querendo muito falar comigo. Eu resolvi descer e me emocionei quando vi minha querida mãe, numa visita surpresa. Falou-me sobre o doce que havia preparado com a mesma emoção que o artista fala de sua obra de arte. Abracei o vidro e imaginei o seu inigualável sabor.
A chegada em casa à noite, após um dia de trabalho, é sempre movimentada; Rayane me chamava para ajudá-la no dever escolar, minha outra filha Kelvian também atraía a minha atenção. Apoiei o vidro na mesa da cozinha e saí em direção à sala, quando ouvi um ruído. Voltei-me para a mesa e não quis crer no que meus olhos contemplavam: o recipiente – encostado às pressas – ficara em falso, tombou, ganhou energia própria, rolou sobre a mesa e encontrou o caminho do chão.
O som do vidro se quebrando ecoou em toda a casa, seguido de um desértico silêncio. Toda a família correu para o local do acidente. Sem arriscarmos uma só palavra, lá permanecemos mudos, como num cortejo fúnebre, velando os restos mortais do nosso desejo.
Lágrimas não produzem som, mas as que escapavam do rosto da
Rayane pareciam bradar tão alto quanto o choro do cristal quando se quebrou. Falei que os acidentes não acontecem por acaso, porque em suas causas quase sempre estão presentes a desatenção e a imprudência.
Meu doce lar já dormia, quando me pus a escrever sobre o fato. O gosto que não senti poderei saborear cada vez que abrir estas páginas – refleti, deitei, adormeci.
As franjas douradas do Sol na parede do meu quarto anunciavam uma alegre manhã. O céu estava pintado de um azul quase absoluto. Os matizes sutis dos raios de sol pincelavam um discreto verniz nas árvores, cujos galhos, em contraste com o imenso azul, faziam-me pensar nas letras do Criador escrevendo no infinito o mais sublime poema de amor.
O telefone soou: “- Filho querido, bom dia!” – exclamou minha mãe. “- Gostou do presente?” “As meninas provaram?”
- Desta vez a sua arte alcançou a perfeição, mãe, foi o doce mais saboroso que já provei em minha vida! - respondi.
Kelvian, que observou a conversa, advertiu-me: “-
Pai, você não falou a verdade, mentiu para a vovó!”
- A verdade franca soaria inoportuna e cruel naquele momento, ferindo o amor que deslizava na voz de sua avó; por isso, minha filha, eu não menti. Não se experimenta um presente apenas com os sentidos físicos, mas, sobretudo, com os dons superiores da alma. Aquele foi sim o doce mais saboroso que eu já provei na vida; provei sem comê-lo e senti seu gosto sem tocá-lo, porque o degustei com o paladar do mais profundo sentimento.
Kelvian sorriu, saiu e me pus a refletir. Compreendi que a gratidão é o fixador que eterniza os mais sublimes sabores em nossa alma, e os mais raros aromas em nosso coração. Naquele pote, mais do que um doce gostoso, havia o amor em sua forma mais pura: o amor de quem dá sem nada esperar em troca. Quantas horas de vida minha mãe consagrou à feitura daquele doce! Quantos pensamentos e sentimentos passaram em sua mente enquanto o preparava! Havia um conteúdo mais nobre naquele vidro. Foi tudo isso que eu provei com o paladar da gratidão, que nos permite sentir o néctar mais puro que se pode conhecer na vida. Minha mãe levou um dia preparando a iguaria. E o Supremo Criador do Universo, em quanto tempo preparou a compota dos conhecimentos superiores, que nos são diariamente oferecidos?
Muitos chegam ao fim da vida e percebem que não provaram o seu conteúdo essencial.
Nesse momento é possível observar que o pote se quebrou, e que só foi experimentado o superficial aroma de uma vida material e fútil. Foi preciso o vidro estilhaçar para eu compreender o valor maior do seu conteúdo. Minhas reflexões foram mais longe ainda.
Em que pote estamos guardando os nossos valores mais preciosos? E os seres que amamos? Por que tantos sentimentos, que um dia juramos ser eternos, morrem sem deixar qualquer rastro no nosso mundo interior? Por que amizades viram fumaça no tempo? Em que recipiente estamos conservando a essência dos nossos sentimentos? Os sentimentos também podem quebrar quando são apoiados em falso na delicada mesa do agir diário. Não é preciso esperar que se despedacem para reconhecer a grandeza de seu conteúdo.
Nota: Alguns meses depois, contei o fato à minha mãe. Seus olhos marejaram lágrimas sentidas, como se o vidro se quebrasse naquele instante. Ela continua me oferecendo doces, mas nunca mais em vidros. Assim precisamos fazer com nossos sentimentos: guardá-los no pote inquebrável da nossa consciência, para que superem o fugaz tempo das horas e se eternizem como força imortal em nosso coração.
Esta história é uma homenagem à minha querida mãe Isabel.
Ingressei na ECT com 14 anos. Hoje tenho 45 anos de vida profissional na Empresa, sendo 35 anos exercendo função de confiança e gerencial. Já ministrei palestras em quase todas as Diretorias Regionais, todas voltadas para o desenvolvimento do potencial humano, liderança e a motivação para uma vida plena de sentido. Tenho diversos livros escritos, dentre eles: O Sentido da Vida no Mundo em Crise (Ed. Record); Reflexões Essenciais para Entender e Dirigir a Vida ( Ed. Vozes); A Inteligência Espiritual;
Falar em Público - Do medo ao trinfo; e Como ser Feliz e Entender a Morte ( Em fase de publicação).Recolher