Meu nome é Martinho de Oliveira, nasci em Pirajú no estado de São Paulo em 25 de fevereiro de 1936, depois que saí de minha cidade natal, nunca mais voltei... De meus antepassados não sei muita coisa. Minha mãe dizia que minha bisavó por parte de pai era indígena. Talvez isso explique minha ...Continuar leitura
Meu nome é Martinho de Oliveira, nasci em Pirajú no estado de São Paulo em 25 de fevereiro de 1936, depois que saí de minha cidade natal, nunca mais voltei... De meus antepassados não sei muita coisa. Minha mãe dizia que minha bisavó por parte de pai era indígena. Talvez isso explique minha falta de pelos e barba rala. Meu pai, Ludgero de Oliveira, também nascido em Pirajú, eu mal o conhecí - quando falecera eu tinha apenas 5 anos - mas foi o suficiente para sentir seu temperamento forte e até violento. Ele era muito trabalhador, foi lavrador de profissão, trabalhou na Ferrovia Sorocabana e serviu o exército, já casado com minha mãe Antonia Baptista no quartel de Quitaúna (4º Regime de Infantaria - II Batalhão - 5ª Cia, de 13 de novembro de 1931 a 26 de setembro de 1932), era letrado e tinha 1,66 m de altura. Seu temperamento violento talvez devesse à sua participação na Revolução de 1932. Ele mesmo contava que para se encorajarem, os soldados tomavam cachaça com pólvora. Trazia, ainda como lembrança da Revolução um ódio por pessoas nascidas nas Minas Gerais devido, segundo ele, a traição que praticaram declarando-se aliados e depois atirando pelas costas.
Porém, seu modo de ser sempre foi muito difícil, pois minha própria mãe dizia que uma de suas diversões, quando solteiro, era atirar nas lâmpadas das ruas de Pirajú, ou talvez Fartura onde seu pai era delegado, o que o deixava impune. Lembro-me que, certa vez, meu gatinho preto e branco estava em meu colo dormindo quentinho, quando meu pai chegou muito violento - certamente depois de tomar sua cachaça "A Predileta" - pegou e atirou meu gato contra o esteio central da casa. A violência foi tanta que seus olhos saltaram. Pegou o pobre animal ainda agonizando e me mandou jogar fora. Perdí as contas de quantas vezes apanhei por deixar escapar as rolinhas da arapuca que ele armava. Aprendí a ler com meu pai que reunia as crianças dos outros colonos em nossa casa, à noite, à luz de lamparina. Creio que aos 4 anos já lia almanaques, pedaços de jornais velhos. Mas, desconhecia os significados das coisas e aos poucos minha mãe, analfabeta, explicava-me enquanto eu dizia as palavras. Morávamos como colonos, na lavoura em casas de taipa - nessa casa tinha muita "chupança" (barbeiro). Por sermos colonos não podíamos criar animais, nem plantar para nosso próprio benefício. Comprávamos mantimentos na venda. Durante a 2ª Guerra Mundial, às vezes não conseguíamos sequer querosene para as lamparinas. Açúcar, só o preto ou o mascavo, assim mesmo 1/2 Kg por pessoa por mês. Nesta época, não havia rádio em casa e só sabíamos da Guerra porque "as pessoas falavam...".
Moramos em Mandurí, Ourinhos e em Óleo onde meu pai falecera, talvez no ano de 1943.
A última vez que ví meu pai, eu estava em uma cama de solteiro e ele em outra ao lado, ambos com pneumonia dupla. Acordei no hospital após 3 dias de coma. Meu pai já tinha sido enterrado. Em mim, fizeram um experiência com um novo remédio que estava sendo usado na Guerra Mundial. Seu nome: penicilina; e não é que deu certo?
Creio que tive oito irmãos, alguns morreram antes do meu nascimento. Conhecí a Isabel e me lembro de sua morte. Ela faleceu de Crupe na garganta. Também conhecí Ivan, Ivanildes e Silvestre - este, por ter nascido em 31 de dezembro, dia de São Silvestre. Lembro-me que Silvestre morreu nos braços de minha mãe, na rua, sem socorro médico, em Londrina em 1946, aproximadamente. Mamãe, viúva com 3 filhos foi "convidada" a desocupar o casebre de taipa. Fomos procurar minha tia Flamínia Baptista que morava em Londrina, Paraná. Arrumou emprego de doméstica, mas quem queria uma empregada com 3 filhos para cuidar? Foi quando minha mãe encontrou um espanhol chamado Antônio Moreno Munhoz, com quem viveu 21 anos.
Fomos morar em Apucarana, estado do Paraná no Limoeiro. Meu padrasto trabalhava na lavoura. Ele tinha sua propriedade, então, colhíamos o que plantávamos e trocávamos por comida, engordávamos porcos e vendíamos. Assim conseguimos, com o tempo e com muito trabalho, um certo progresso. Tínhamos até um caminhãozinho. Meu padrasto era muito inteligente. Lembro-me que desenvolvíamos juntos muitos projetos que só mais tarde, depois de estudar muito descobrí que, muitas vezes tratava-se de coisas tão difíceis que só engenheiros poderiam fazer. Certa vez, lembro-me de concluirmos de como nivelar o rio. Nossa casa, nesta época já tinha luz elétrica, pois fizemos um gerador a partir de uma roda no rio construída por nós, seguíamos a intuição. Meu padrasto faleceu em minha casa, já em São Paulo, em 15 de fevereiro de 1966 ou 1967. Os filhos dele do 1º casamento eram 6, foram avisados mas nunca vieram. Dividiram os bens deixados excluíndo meu irmão por parte de mãe, Oswaldo Moreno Munhoz. Briguei na justiça e meu irmão recebeu cerca de US$30.000. Assim ganhei meu 1º carrinho, um fusquinha de placa NL 8118. Sei que éramos católicos, pois fui batizado porém não éramos assíduos na Igreja tanto que não cheguei a fazer a 1ª Comunhão.
Quando criança pensava em estudar, ser engenheiro, ter dinheiro (mas, não muito) e criar os filhos na cidade para que não passassem pelo que passei. Para ir à escola tinha que caminhar 6 Km. Levava uma lata de manteiga cheia de arroz e ovo frito.
Sempre tive muitos amigos (o Clóvis que mora em Amparo visito até hoje). Desenhava muito - certa vez fiz o rosto de Ângela Maria que mereceu elogios de todos. Também jogava futebol desde menino - era nossa diversão. Quando o Brasil ganhou a Copa de 1958 só fiquei sabendo mais tarde, pois estava jogando uma partida e a transmissão era muito ruim.
Saí da casa de meu padrasto porque queria vencer na cidade, criar os filhos num centro cultural, esportes (por isso mais tarde fui morar no Parque São Jorge). Morei em Maringá no estado do Paraná. Lá ia ao cinema, lia jornais, revistas. Vendia produtos de catálogos para empresas de São Paulo. Casei-me aos 28 anos, em 25 de julho de 1964, em Maringá com uma linda moça - Aurora do Prado - disputada Vivi muito bem até que comecei a viajar "no trecho". Viajei muito, tive muitas mulheres...que destruíram meu casamento...será?
Na verdade, sempre fui muito tímido. Tive minha primeira experiência sexual aos 17 ou 18 anos. Eu tinha fimose e sangrava - relações sexuais perfeitas só depois de casado, quando fiz a operação.
Comecei minha vida profissional na Mercedes Benz em 1961 como ajudante e fui um dos melhores eletrecista técnico. Depois, fui para Ford - de onde nunca devia ter saído. Saí, levado por um amigo. Gosto até hoje do que faço. Projeto um painel e se for preciso monto. Ter uma micro empresa de montagem elétricas e um carro novo parece que ainda dá.
Frustração? Nenhuma, talvez morar longe dos meus filhos.
(Martinho de Oliveira deu o seu depoimento ao Museu da Pessoa no dia 27 de dezembro de 1998 através do nosso site da internet)Recolher