Plano Anual de Atividades 2013 Pronac 128976 - Whirlpool
Depoimento de Lea Nila da Silva Muniz
Entrevistada por Marcia Trezza e Eliete Pereira
Manaus, 25/04/2014
WHLP_HV016_Lea Nila da Silva Muniz
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Lea, nós vamos começar. Fala o ...Continuar leitura
Plano Anual de Atividades 2013 Pronac 128976 - Whirlpool
Depoimento de Lea Nila da Silva Muniz
Entrevistada por Marcia Trezza e Eliete Pereira
Manaus, 25/04/2014
WHLP_HV016_Lea Nila da Silva Muniz
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Lea, nós vamos começar. Fala o seu nome completo.
R – Lea Nila da Silva Muniz.
P/1 – Quando que você nasceu?
R – Eu nasci 17 de agosto de 1971.
P/1 – Onde?
R – Em Manaus.
P/1 – Em Manaus? Qual o nome dos seus pais?
R – Nilo Ferreira Muniz e Maria Lindalva da Silva Muniz.
P/1 – E a atividade deles?
R – Meu pai era pedreiro e a minha mãe era doméstica, cuidava de casa mesmo.
P/1 – Eles são vivos, ainda?
R – Não, não, já são falecidos, há mais de 20 anos.
P/1 – Que lembrança você tem deles? De seu pai? Como é que você lembra dele?
R – Bom, meu pai era muito trabalhador e sempre passou pra gente coisas boas, né, minha mãe já era assim, o inverso dele, era mais assim, animada. Apesar de ser doméstica, ter uma vida difícil, mas minha mãe era muito animada, entendeu, ela não tinha medo da vida, trabalhadora, guerreira mesmo, é um exemplo de mãe. O meu pai, vindo do interior, né, minha mãe, não, era da cidade, ele vindo do interior, então, ele trabalhava como pedreiro para sustentar 12, 11 filhos, não, oito filhos, tou dando mais três filhos pro papai, nossa! Oito filhos e a vida dele assim, a gente via que era sofrida, né, porque antigamente, as coisas eram mais difíceis do que é agora, mas assim, ele sempre deu o que ele pode, o melhor pra gente.
P/1 – E você lembra assim, de alguma situação junto com ele, assim, os filhos com ele?
R – Tem uma irmã, Leila, que ela ficava atrás dele. Quando ele fazia o trabalho de pedreiro, ela ficava atrás dele, dando tijolo, entregando a colher de pedreiro, né? Até um dia que caiu um tijolo nela, ela sumiu de lá, parou de ajudar ele (risos). Então, foi uma área mais divertida, mas, assim, ele passava para os irmãos que eram homens, ensinava a profissão dele, era muito importante isso pra ele, né, repassar para os filhos. Assim, do que eu me lembro mais divertido foi esse da minha irmã e como no dia a dia, como ele era carinhoso com os filhos.
P/1 – Quantos irmãos homens você disse que tem?
R – Quatro.
P/1 – E cinco meninas?
R – Isso.
P/1 – E a sua mãe, que lembranças você tem, assim, junto com ela?
R – A minha mãe, ela era o avesso do meu pai, ela era muito divertida, apesar da vida ser muito difícil, mas ela não passava isso pra gente. Você vendo ela, tudo parecia ser feliz, mas a gente sabia que não era, né, mas ela sempre foi uma pessoa super animada, nunca foi de mal com a vida, por a vida ser difícil. Não, ela sempre foi uma mulher alegre.
P/1 – O dia a dia de vocês assim, com ela, você lembra como era?
R – O nosso dia a dia com ela era, assim, tinha… É, a família nos finais de semana era de praxe estar todo mundo reunido, os filhos, os sobrinhos, então era muito divertido com ela. E voltando assim, quando chega os finais de semana que a gente não vê… voltando a lembrança, né, era assim, muito boa, ela gostava da família reunida, pra ela era um prazer estar todo mundo junto, unido, muito bom o final de semana com a minha mãe.
P/1 – E vocês sempre viveram em Manaus?
R – Sempre. Sempre, nós nascemos aqui e os filhos casaram, mas todos moram aqui, exceto uma que mora em São Paulo. Ela mora lá há mais de 18 anos.
P/1 – Que bairro você morava em Manaus?
R – A gente “moramos” primeiro na Matinha, a gente foi criado lá, depois, nós “se mudamos” pra Compensa e por último, aqui, nessa casa, que era da minha mãe.
P/1 – Sua mãe vivia aqui, com você?
R – É, era aqui.
P/1 – Essa casa era da sua mãe, você viveu aqui com seus irmãos também?
R – Isso, era.
P/1 – Mas na Matinha, quando era criança, né?
R – Quando era criança.
P/1 – Como era lá o bairro?
R – Ah, o bairro assim, era bem legal. Ele sempre foi mais desenvolvido do que esses outros, porque lá, na Matinha, é localizado bem no centro, então tinha tudo praticamente. E quando nós “se mudamo” pra Compensa, a gente já sentiu um pouco, porque lá era muito diferente, mesmo, urbanização, assim, a gente sentiu muito. Aqui, quando a gente chegou aqui, foi pior ainda, se lá na Compensa era menos urbanizado, imagine aqui. E quando nós “se mudamo” pra cá, a gente sentiu mais ainda, né?
P/1 – Que idade você tinha, quando se mudaram pra cá?
R – Nove anos.
P/1 – E por quê que vocês sentiram muito? Como era aqui?
R – Aqui era só um terreninho assim, esse terreno e uma casa de madeira bem pequena (risos). Aí foi difícil, porque na Matinha a casa era enorme, né, não lembro porquê a gente se mudou, saiu daquela casa, mas era dos meus pais mesmo, ela. E a gente foi pra Compensa, lá, a casa era menor, mas essa daqui ganhou, era menor ainda. E aqui, ele trabalhava, né, porque ele mesmo fazia a nossa casa, era pedreiro e ele conseguiu fazer o que ele queria, né, o que ele sonhou, aqui nesse terreno.
P/1 – E sempre a casa era de vocês, mesmo?
R – Sempre. Sempre.
P/1 – Lea, você ainda lá, em Compensa, você lembra das brincadeiras suas e dos seus irmãos?
R – Era, porque quando a gente chegou na Compensa, mais novos, eu e meu irmão e as meninas já estavam assim, mocinhas, elas quase não brincavam, né?
P/1 – E as suas brincadeiras?
R – Ah, as nossas brincadeiras eram legal. Eu não gostava de brincar de casinha, nem comidinha, eu gostava de jogar bola (risos), era! Pegava bola, corria, a mamãe ficava atacada, porque quando eu chegava em casa, eu tava toda lameada de lama: “Uma menina assim!”, mas eu sempre gostei do que era ao contrário: futebol, esse pega, que a gente corre um atrás do outro, né, e gostava muito de brincar com menino. Não gostava muito de brincar com menina, não, porque elas eram muito bobas, assim, né, tudo chorava! E menino, não, a gente era bem legal…
P/1 – E os meninos, como é que eles te tratavam?
R – Ah, eles me tratavam bem, porque mais jovem, eu era, assim, forte, né, ai eu metia pé neles.
P/1 – E no futebol, você jogava futebol com eles?
R – Jogava. Jogava futebol com eles.
P/1 – E dava certo?
R – Dava. E tinha um detalhe, eu tinha que ganhar, né, quando era bandeira, alguma coisa, se eu perdesse, ficava chateada (risos).
P/1 – E ganhava?
R – E ganhava.
P/1 – Esse jeito seu, como você tá contanto, tem uma história a ver com o seu nome, também, que você tava dizendo pra gente do seu nome, como é que foi escolhido. Você não quer contar?
R – Era assim: as meninas, se fosse menina, a mamãe colocava o nome e se fosse homem, era o papai. Então, o nome da minha mãe começava com L e do papai começava com N. E das meninas ficaram assim: Laete, Laziete, Lacete e Lea. Ai, o papai, na última, né, colocou Nila, que sou eu, a outra parte do nome dele. E também, dessa da minha irmã, eu e ela temos o nome composto, né, de dois: Lacete Leila e eu, Lea Nila. A Lacete Leila, mamãe acho que se empolgou e colocou dois “L” de uma vez. O papai, pra não perder, colocou em mim, já que ela tinha ultrapassado, né, dois “L”, ele colocou um “N” em mim: Lea Nila.
P/1 – Não, mas você tava dizendo que quando você fazia essas artes todas, essas brincadeiras…
R – Ah tá, quando a mamãe… Eu aprontava muito, que ela me chamava de Lea, só Lea, né, então quando eu aprontava muito, ela me chamava Lea Nila, quando o negócio tava feio (risos). Aí eu levava umas peias dela (riso).
P/1 – Então, depois quando vocês mudaram pra cá, você disse que tinha nove anos, né? Como é que eram aqui as brincadeiras, vocês chegavam a… continuavam brincando, tinham outras coisas pra fazer?
R – Não, eu e esse meu irmão mais novo, a gente continuava brincando. Eu acho que eu brinquei até os meus 15 anos de futebol, com menino. Eu me lembro que mamãe tinha feito um bolo pra mim nos meus 15 anos, né, e tava aqui a família reunida, caiu no final de semana. Só que eu fui primeiro pra aula de catecismo, que era um domingo, né? Quando eu voltei, eu não sabia que a mamãe ia fazer esse bolo pra mim, e eu fiquei me danando lá, jogando bola com eles, quando eu cheguei aqui, meus irmãos já tavam todos aqui, né, que era um almoço que ela ia fazer. E eu cheguei aqui toda suja, meus convidados todo aqui e eu toda suja (risos).
P/1 – E na escola, Lea, como foi? Você tem lembranças da primeira escola, de algum professor?
R – Da escola… eu me lembro da escola quando eu já tava, assim, adolescente, já aqui, nesse bairro mesmo. Eu estudei na escola que fica aí atrás, na outra rua, que é a Santo Agostinho. Que nessa época, os terrenos eram todos abertos, e eu só saía daqui de casa quando batia a campainha pelo quintal do vizinho, que chegava rapidinho, ficava na outra rua. E lá, era assim, bacana, eu me lembro, os professores eram legais, mas não era, assim, naquele tempo, não tinha professor como agora, uma série que o aluno continua com uma mesma professora, por exemplo, o primeiro ano, você fica com ela até o final, né? No meu tempo, não, era uma professora, acho que não se adaptava, né, ai era outra, eu não criei nenhum vínculo nessa época com nenhuma professora, acho que devido a isso, né, que elas não ficavam até o final.
P/1 – Você gostava de ir na escola?
R – Eu não gostava muito, não (risos).
P/1 – Por quê?
R – Eu achava meio chato, mas sabia que ia servir pra mim futuramente, né? Mas, assim, de gostar de estudar, gostar, gostar, naquele tempo, não.
P/1 – E você continuou estudando?
R – É, ai, agora, depois de uns tempos, casei e tive meus filhos. Aí eu tive que parar, né, porque eles nasceram e a preferência era deles. E depois, quando eles estiveram grande, eu retornei, mas foi difícil, porque quando eu retornei, já foi pra entrar numa faculdade, né, e lá, eu senti muita dificuldade. É tipo, assim, se pudesse voltar a trás, não teria preguiça antes, eu não tinha penado um pouco, mas eu penei nos dois primeiros períodos, que eu fui me adaptando e assim, senti um pouco, porque as meninas lá eram um pouco mais jovens, né, então elas pegavam no ar os assuntos, era passando, elas pegando rápido. Mas eu também, só foram dois períodos, depois, eu me adaptei direitinho.
P/1 – Que curso você fez?
R – Serviço Social.
P/1 – E como é que você escolheu esse curso, por quê que você resolveu?
R – Ah, escolhi esse curso porque na época, eu fazia parte do Consulado da Mulher e lá, tinha empreendimentos que eram assessorados por psicólogas, educadoras, assistentes sociais. Eu via aquele trabalho, que era um trabalho bem bacana de fazer com aquelas mulheres, era uma forma de ajudar, e eu participava nessa época de lá. E quando a gente viajava com as meninas, eu via, os empreendimentos, né, e o que eram pra eles, passavam batido, porque as pessoas mais espertas pegavam, eu ficava danada e eu falei para Gilizandra: “Gi, quando eu voltar aqui de Belém, eu vou estudar”, e foi isso que eu fiz.
P/1 – Explica melhor essa parte, você disse que tinha os empreendimentos melhores… eu não entendi.
R – Os empreendimentos funcionam assim, que é a Economia Solidária: tem reuniões que são voltadas para aqueles empreendimentos, ou seja, algo que é deles de direito.
P/1 – Deles, quem?
R – Dos empreendimentos, como eles viajar pra mostrar os produtos deles lá fora, com outros artesãos, a formação mesmo, assim, informática, essas coisas, que eram deles, de direito. Então eram passados, porque não entendiam, porque só fabricavam, mas não sabiam que aquilo era direito deles. Então, quando ia nas reuniões, como eu falei um pouco de ontem, aí tavam lá gestores públicos, municipais, estaduais e federais, pessoas já com conhecimento, que quando passavam, passavam o slide e mostravam que eles tinham direito. E eles ficavam calados, porque eles não estavam entendendo porquê que eles estavam lá! Porque na cabeça deles, eles tinham que produzir e vender. Era isso que eu ficava indignada, porque o direito era deles e tava passando, né? E quando as meninas iam, lá do Consulado, os empreendimentos que elas assessoravam, a gente não, a gente não podia, na época, ser estudada, mas a gente era lapidada, a gente sabia em que a gente tinha que entrar, como era pra gente agir, então eu fiquei observando aquilo, né? E dessa forma, a última vez que eu resolvi estudar, que eu tava em Belém, justamente, com a Gilizandra que eu disse que eu ia estudar, eu fiquei atacada lá, que passou tudo e não podia, né, tipo assim, você sabe que você pode fazer alguma coisa, mas eu não conseguia, então aquilo me indignou. Então, essa área do serviço social é uma forma de eu contribuir mais com eles, para que eles possam ver o direito deles de fato, e saber que eles têm direitos, que eles estão ali porque eles são cidadãos de bem e desde que eles nasceram, eles têm direito, né?
P/1 – E você acha que o curso atendeu aquilo que você esperava?
R – Olha, o curso era tudo aquilo que eu imaginava e um pouco mais, assim, no que eu procurava, né? Porque eu fui nele, logo no serviço social, porque eu via o trabalho, então: “Ou vou ser professora, mas professora eu não vou conseguir chegar tão perto, né, vou ser assistente social mesmo, porque assistente social tá lá in loco e vê a realidade do que tá acontecendo”, então, foi por isso que eu fui pra essa área. E eu gostei e era o que eu esperava mesmo.
P/1 – Você disse que casou. Como é que você conheceu seu marido?
R – Numa fábrica. Na época, eu trabalhava numa fábrica e ele também. Engraçada essa história, que a gente ia ser compadre (risos). Era! Porque quando eu conheci ele, eu tava grávida, né, e ele era pra ser meu compadre. A gente já conversava e tudo, ainda hoje, pessoal duvida, mas não é não, ele ia ser meu compadre mesmo, não tinha nada a ver.
P/1 – E como é que é? Conta essa história, assim, com mais detalhes (risos).
R – Porque quando a gente trabalhava, ele era noivo, e na época, eu tinha uma outra pessoa. E a gente se dava muito bem, conversava, né: “E ai, como tá o teu… vai casar mesmo?” “Vou. E ai, quando vai nascer?”, digo: “Em abril” “Olha, então, vou ser padrinho” “Tá bom”, e a gente começou essa amizade, mas era amizade mesmo, apesar do pessoal desconfiar, era amizade mesmo. A gente, às vezes, se encontrava quando ia bater o cartão, né: “E aí? ” “Tudo bom?” “Tudo”, na hora do almoço, a gente conversava muito, né, eu, ele e a noiva dele (risos). Mas tá, ai quando eu tive a Pati, a minha filha mais velha, a gente fica de licença quatro meses, né? E quando eu retornei, ele não tava mais de aliança, né, do noivado dele. E eu perguntei: “Você não vai casar mais, não?”. Ele disse: “Não, porque não deu certo”. Eu disse: “Poxa, que pena. Nós estamos na mesma; não sei se é sorte, o meu também não deu certo” “É mesmo?” “É”. Aí tá, a gente continuou sendo amigo e tudo, a gente começou a brincar, porque eu era da produção e ele era do setor de qualidade, né, ai ele falava pra mim: “Menina só vive no banheiro, tu não vai trabalhar não, né, porque tu vai pro banheiro pra tu enrolar, né?”, e era verdade mesmo (risos)! Porque a gente ficava sentada ali, né, passando peça e ai, a gente saía, conversava, mas não tinha mesmo nada. Ai, com o tempo, essa minha filha mais velha já tava, acho que com um aninho, a gente sentada, olha… E a gente conversava assim, muito, né, nós dois, porque o que é que ele queria da vida dele, e o que é que eu queria. E ele perguntou… a gente convivia muito, o que eu tinha vontade de falar pra ele, eu falava. Não tinha aquele negócio muito de coisa restrita, não, porque eu sempre fui assim, entendeu, quando eu quero falar, eu falo logo. Ai, ele falou assim pra mim: “Não quer ficar comigo? Porque eu sei que tu ainda não gostas de mim, eu também ainda não gosto, assim, de ti ao ponto da gente ficar, mas se a gente ficar junto, o amor vem depois e o que vale é o respeito, se a gente fizer isso, vai dar certo”. E eu achei, assim, muito interessante, porque no primeiro, eu não queria nem saber, era amor e uma cabana, né? E dele, não, já foi assim, uma coisa diferente, entendeu? Ai, eu aceitei, só que na época, as minhas irmãs, elas achavam assim, que eu já tinha uma filha, né: “Essa menina vai ficar se enchendo de filho, né, fica com um, quer ficar com outro”. Ai eu falei pra ele, disse: “Minhas irmãs acham que não vai dar certo, porque eu já saí de um relacionamento”, ai ele: “Não, mas vou te buscar ai”, disse: “Tá bom”, ai quando foi um dia antes, elas estavam, que ia ser aniversario dessa minha outra irmã, né, ah, eu ainda fugi dia primeiro de março. Era o aniversário da minha irmã no outro dia, ai, elas vieram aqui, tudinho, ai eu combinei com ele: “Olha, quando elas saírem, tu vem me buscar” “Tá bom. Tu vai mesmo?”, disse: “Vou”, aí ele veio. Era acho que quase uma da manhã, eu fui, minha maleta já tava arrumada.
P/1 – Aqui, nessa casa?
R – Nessa casa. Eu saí, e quando chegou quase no final do bairro, eu me lembrei, porque ele era solteiro, né, então ele não tinha panela de pressão, assim: “Volta, volta, que a gente tem que pegar a panela de pressão” (risos). E aí a gente voltou, pegamos a panela de pressão. Ai, hoje em dia, depois de 22 anos, ele fala: “Meu Deus, o quê que eu fiz? Se eu não tivesse há 22 anos, se eu não tivesse feito essa loucura e pegado a panela de pressão, tinha escapado”, é brincadeira dele. E a gente vive até hoje.
P/1 – Lea, mas você só levou as suas coisas e a panela de pressão?
R – E a panela de pressão, porque a minha filha, a minha irmã mais velha, como eu trabalhava, né, ela cuidava dela e os meus irmãos, eles sempre tiveram só um filho ou dois, né, então, os filhos delas tavam grande, então, pra elas, era novidade aquela meninazinha, né? A Pati. Então, ficou com ela. E quando eu fui buscar, depois que a menina ficou comigo, era uma choradeira, precisava ver, que ela ia cuidar bem dela, que ia ser igual como se a mamãe tivesse viva, que ia cuidar pra mim, quando eu quisesse de volta, que ela ia me devolver, devolveu não. Isso já tem 24 anos e… ela me chama de mãe, mas ela não foi criada comigo.
P/1 – Você acabou deixando? As irmãs insistiram.
R – Foi.
P/1 – Ela vivia aqui também, nessa casa?
R – Vivia.
P/1 – Agora, eu tava perguntando de objetos, você levou a mala e a panela?
R – Foi, a mala e a panela. Só isso daí, a mala e a panela.
P/1 – E deu certo ai, o casamento?
R – Deu.
P/1 – Você vive com ele até hoje?
R – Até hoje.
P/1 – Como ele chama?
R – Emanuel.
P/1 – Você teve outros filhos?
R – Tive. Tenho dois, o João Paulo, fora a Pati, né, o João Paulo e o Junior, que é o mais novo.
P/1 – Quantos anos eles têm?
R – O Junior tem 20 e o Joao Paulo, 21. Eu sou rápida, né? E o João, ele é especial, o do meio, né? Mas assim, se você vê, ele é normal. A gente sempre cuidou dele, mesmo eu sendo leiga quando ele nasceu, né, não sabendo dos caminhos, assim, certos, exatos pra levar assim, ele, mas consegui. Ai, o João, consegui, né, mas também tinha muito as minhas irmãs, principalmente, a Leila ficava: “Esse menino nasceu assim, mas tu tá acabando com ele, ele é normal, coloca na cabeça que ele é normal, ele é capaz de ser igual ao Junior, se tratar ele diferente, vai ser pior, trate ele normal”, então, eu sempre tive essa força, né, comigo, e o João, ele é normal (risos), pra mim.
P/1 – E hoje, você, ele, seu marido…
R – É, hoje, o mais novo, ele trabalha em fábrica, ele tem 20 anos, né? O João ainda não, tá terminado o segundo grau dele, ainda, mora com a gente. E ele falou que quando terminar, ele também quer fazer uma faculdade. Ele tem vontade de ser professor de História. E o outro também, esse ano, ele vai, disse que quer ser Pedagogo. Vão começar esse ano, né, todos os dois.
P/1 – Lea, e de trabalho, você disse que trabalhava numa fábrica.
R – Isso.
P/1 – E antes, você teve outros trabalhos?
R – Eu trabalhei em supermercado. Antes de trabalhar em fábrica, eu trabalhei em supermercado, somente esses dois: supermercado e fábrica.
P/1 – E ai, você, às vezes, fugia pro banheiro (risos)?
R – Era! Então, ele observava, porque era caminho, né: “Poxa, mas tu gostava de enrolar, hein?” Eu vivia no banheiro, ele sabia certinho, era de manhã e à tarde: “Quando te via, tu tava no banheiro”, tava enrolando mesmo, que era cansativo.
P/1 – Como era o trabalho de fábrica?
R – Ficava todo mundo sentado, passava uma esteira, a gente montava televisão. Então, era uma placa que a gente chamava, né, então, cada um enfiava um componente ali. E os meus eram aqueles bem pequenininhos, que chamava iodo, que eu tinha que tá enfiando, era ruim aquilo, pelo menos a área que eu ficava, né? Quando eu pegava a área que era assim, uns componentes assim, grandão, que a gente pegava e só enfiava, era legal. Mas eu ia mais no banheiro quando eu tava nesse outro lado, que era assim de iodo. Eu ficava, e quando eu saía, tinha alguém pra ficar no meu lugar.
P/1 – Lea, e como é que você começou a trabalhar com artesanato? Como que você começou a fazer artesanato, primeiro?
R – Então, foi através da minha irmã, que ela sempre falava…
P/1 – Qual irmã?
R – A Leila. Ela falava pra mim que eu tinha que aprender a fazer alguma coisa: “Lea, tu não quer…”, como ela falava, né, como ela fala: ‘Não quer prestar mesmo, né?”, ela falava pra mim (risos), “Tem que aprender a fazer alguma coisa, menina, os meninos já estão grandes, pra ti ganhar teu dinheiro, fica só dependendo do Emanuel, do Emanuel. Eu sei que o Emanuel te dá o que tu precisa, né, mas tu tem que fazer alguma coisa”, e eu fui. Quando eu cheguei lá, que elas só faltava morar fazendo curso, né, lá.
P/1 – Você tinha parado de trabalhar?
R – Era, os meninos já tavam grandinho e eu fui fazer curso com ela. Primeiro, eu entrei no biscuit, que não acabava o biscuit, porque é um processo muito lento lá, né, tem que fazer por exemplo, assim, uma mão, ai, outro. E eu sou irmã dela mesmo, que eu quero a escola tudo rápido, né? E eu montei um urso, me lembro benzinho, quando foi no outro dia que eu fui ver o urso, o urso tava todo escorrido, porque a gente montava num dia, pra ver no outro. Ai, não dei pra fazer biscuit. Depois, eu fui pra pintura em tecido. Eu fazia cada coisa, meu Deus! E tava usando, na época, umas calças, assim, com uns desenhos de flores, eu queria pedir pra ela pintar. Ai, ela disse: “Não, pinte você, você tá aprendendo”, ai eu fui pintar eu mesmo, né, só que quando eu olhei aquela calca, meu Deus, eu escondi debaixo da cama! Ai, o meu filho, esse mais novo, ele é muito brincalhão também, quando ela chegou aqui, ele falou: “Tia Leila, a senhora viu a calca da mamãe?”, ai ela disse: “Não, mas eu quero ver”, ai eu tentei enrolar ela, né, ela disse: “Cadê a calca?”, ai eu fui mostrar pra ela. Parecia, assim, as flores que tem aqueles miosótis no meio, parecia assim, um monte de olho te olhando, horrível aquela calça (risos), ai ela foi e ajeitou. Também não dei pra pintura em tecido. Ai, fui pro jornal, né, mas eu acho que eu tive mais paciência também no jornal, porque quando a gente entra no curso, a gente não aprende exatamente tudo, era porque ela já sabia, né, tanto é que ela se estressava comigo, que eu fazia tudo torto.
P/1 – Ela era a sua professora?
R – Era, mas, olha, vou te falar, viu, minha irmã é um tédio! Ela ensina, só que ela… tava falando pra ela que não dá pra ela ser uma professora assim, de muitos alunos, né, porque ela quer daquele jeito! Acredita que ela desmanchava as minhas peça torta? Ai, eu ficava atacada (risos), é, ela desmanchava. Ai, eu comecei a fazer, ela ficou estressada comigo, fiz uns jarros, só que ele saiu meio torto. Ai, a minha outra irmã, né: “Olha, tá torto. Lea, tu não tá vendo que isso tá torto?”, ai a outra: “Deixa ela, que esse ai vai ser o primeiro a ser vendido”, e era mesmo, as minha peça torta era vendida tudinho.
P/1 – Como é que você fazia pra vender as peça?
R – Ah, a gente tinha no Consulado, tinha… Dia de pagamento, estratégia deles, né, dia 15 e dia 30, a gente tava lá vendendo naquele espaço que vocês viram, colocava lá, a gente tava lá, a gente vendia. Eu entendo o que ela falava pra mim, porque esses que eu vendia, os tortos, né, eles não tinham uma noção de artesanato, mas tem gente que tinha noção, né, ai ela sempre brigava comigo, me dizia assim: “Olha, se tu vai vender, vai vim uma pessoa que vai dizer assim: ‘Quem foi que fez isso?’ ‘Ah, foi Lá e Le, tá acabando com a gente’”, ela falava, né, ou então, dizia: “Você tem que fazer uma coisa pra pessoa voltar e comprar de novo”, ai eu fui começando a fazer direito, entendeu?
P/1 – Mas se era torto e era o primeiro a ser vendido?
R – Era (risos), era o primeiro a ser vendido.
P/1 – Como é que você fazia?
R – Era porque ela media. Só vendo ela fazer artesanato, ai, ela mede, ai ela ajeita tudinho, né, pra depois, ela montar e eu queria acompanhar ela, né, eu via e fazia também, só que quando eu cortava, porque quando a gente corta o papelão, a gente tem que, depois, olhar as duas partes e ver se tá certo. Pra mim, na minha cabeça, aquilo tava certíssimo e quando ela montava o dela, saía bem, o meu saía meio assim (risos), mas a gente foi aperfeiçoando.
P/1 – Lea, e como é que você conheceu o Consulado da Mulher?
R – Olha, essa história foi engraçada. A gente tava numa exposição e o Consulado, eles têm muito conhecimento, né? E uma moça falou assim pra mim: “Se eu te chamar pra gente ir no Consulado, tu vai?”, eu disse: “Vou”.
P/1 – Ela era do Consulado essa mulher?
R – Não, não, ela era só conhecida deles. E eu falei pra minha irmã: “Leila, eu disse que se ela me chamasse pro Consulado, eu ia”, só que na época, a gente não sabia o que era Consulado, né, ai a Leila falou: “Olha onde você tá se metendo”, eu falei: “Tá bom”, só que tava na fase de aprendizado, né, assim, não sabia muito, não dominava o jornal, na verdade. Ai, essa menina foi lá: “Olha, eu dei o teu número pra menina do Consulado, ela vai te ligar”, eu disse: “Tá bom”, peguei e dei o número. Só que eu dei, quando uma pessoa passa, assim, pensei “vão ligar nada, né?”. E me enganei! No outro dia, telefone tocou, disse: “Alô” “Aqui, quem tá falando é Monica” – na época, era a educadora – “eu tou entrando em contato se você não quer fazer com a gente uma oficina, o Consulado vai mandar te buscar e ver quais são os preparo que você precisa”, eu disse: “Tá bom”. Quando eu soltei esse telefone, eu liguei pra minha irmã: “Leila, e agora? Eles me chamaram mesmo!”, ela disse: “E agora que tu vai ter que aprender a fazer isso direito!”. Só que ela me chamou como se fosse numa terça e quinta-feira eu tinha que tá lá. Ai, eu disse: “Vamos arrumar os material, tá bom”, que era pra ver, né, a gente arrumou tudinho os materiais, ai quando chegou lá, tava assim de mulher que tava fazendo curso, ai apresentaram, né, que eles fazem apresentação da gente, ai a mulher falando assim: “Olha, qual que vocês querem aprender primeiro?”, e eu tinha levado uma sacola, aí eu tirei pra mostrar, levei só coisa bonita, eu levei baú, levei abajur, levei… Essas meninas ficaram encantadas. Uma lá disse assim: “Eu quero fazer esse”, que era o mais difícil e eu ainda não tava dominando, eu disse: “Não, meu amor, vamos fazer primeiro esse quadro, porque você não tá acostumada, então pra você fazer, você tem que começar primeiro, pelo mais simples e depois, você faz o baú. Vamos fazer assim?”. Tá, escapei, mas quando chegou lá, treinando pra como fazer, foi assim que eu aprendi, porque pra gente passar pra outra pessoa, a gente tem que passar coisas boas, né, assim, legal, ajeitada. Aí, que eu fui entender o quê que ela tava passando pra mim, né? Mas depois de muito tempo dela se estressar comigo.
P/1 – Lea, que ano foi, mais ou menos que você conheceu o Consulado?
R – Em 2004.
P/1 – Em 2004. E você falou que antes de você conhecer o Consulado, vocês faziam exposições, mas como é que você chegou a levar as peças pra exposição?
R – Era no bairro mesmo, a gente tava no Terra Nova, e como eu não dominava, não era exposição, não era. Era que elas faziam as peças e eu fazia, sabe como fazia? Era depois que eu fui, depois do Consulado, foi isso mesmo. Ai, as minhas irmãs me davam as peça, né, aí eu disse: “Eu vou vender, quanto que vocês querem?”, o negócio era com elas, né: “É tanto” “Tá bom”, eu fazia bolo, comprava refrigerante e chamava a vizinhança, né: “Olha, um chá da tarde, bolo”, colocava as peça todinha lá e vendia tudinho. E a outra minha irmã ficava atacada, porque ela passava por um preço e eu dobrava, né? Aí vendia tudinho, todo muito alegre e satisfeito, né? Aí foi nesse que a menina do Consulado viu e indicou a gente. E depois que a gente foi indicada, a gente tinha esses espaços, né? A gente ia não só lá na Whirlpool, mas a gente ia pro clube do trabalhador, a gente viajava com elas pra expor nossas coisas, né, assim, mostrar.
P/1 – Se você puder contar, assim, tudo o que tá mudando, se é que mudou, depois que vocês tiveram contato com o Consulado, no quê que mudou? Ou não, ficou do mesmo jeito?
R – Não, mudou! Porque antes, era como eu fazia essa exposição em casa, e depois, não, com a parceria delas, com a assessoria delas, elas foram tipo aperfeiçoando a gente. A gente fazia curso, a gente tinha professor aqui, de pintura, as meninas fizeram informática, eu não fiz, mas as outras fizeram informática. Por exemplo, a gente precisa de um curso de pátina, porque a gente quer adaptar a pátina à decapagem num jornal, tudo isso era liberado pra gente, conhecimentos que a gente tem assim, hoje, às vezes… Eu nem conheço assim, as pessoas, porque meu jeito é esse, a pessoa olha pra mim, eu vou rindo, às vezes, eu nem sei quem é, olha, né, mas diz: ‘Olha, a La e Lê, aquela menina do jornal”, sabe assim, isso é um reconhecimento, né? E é tipo assim, como a gente fala, é tipo uma rede, a gente precisa delas, e elas precisam da gente pra que dê andamento. Porque agora elas estão com outros empreendimentos e é tipo assim, eu volto pra ajudar eles junto com elas, é tipo como se fosse assim, o que eu aprendi, é uma forma de eu retribuir, repassando as outras que não tiveram.
P/1 – O quê que você mais repassa para as outras?
R – Formação nós temos lá, formação que seria como que ontem tava tendo, né, como vender seus produtos, troca mesmo de experiência, por exemplo, assim que é feito, ai eu vou lá e ensino. Quer dizer, não ensino, né, a gente troca ideias, que eu não ensino nada. E deixa ver o que mais que a gente faz… tipo assim, tem uma comunidade, aquela comunidade precisa de tal formação, vamos dizer, de Economia Solidária, a Lea entende mais um pouco, aí a Lea vai e ajuda aquelas pessoas, sobre a Economia Solidária, como se dá, como que tem que ser um grupo em Economia Solidária. É interessante falar da Economia Solidária, em que o Consulado trabalha em cima. É eu, duas irmãs e agora, são mais duas que entraram, como que é feito isso? Esse dinheiro que a gente recebe…
P/1 – Essa ideia de Economia Solidária, você aprendeu como? Com que, na verdade?
R – Com o Consulado. Então, foi através deles. Eu não sabia nem o que era Economia Solidária, quando eu entrei lá. E lá, eles trabalham assim, por exemplo, cada grupo que tava ali, tem uma pessoa que representa o grupo, né, no caso, aqui das minhas irmãs, das outras, sou eu. Sai uma de cada grupo e vai, né? E me mandaram, dessa vez, que foi isso que eu tava falando ontem, mas depois pensei: “eu não expliquei direito”, que na Economia Solidária, que são 50% empreendimento, que somos nós, né, e 25% são assessoria e 25% são os gestores públicos, que são a esfera municipal, estadual e federal.
P/1 – É um fórum?
R – É um fórum. Então, quando a gente se reúne ali, né, a gente tá… Os empreendimentos, eles são maioria, né, e eles me mandaram pra lá. E lá, eu comecei a assistir as palestras, que tem palestra, né, como que funciona, como que é a Economia Solidária. E como que eu aprendi e a gente já trabalhava sem saber que era a Economia Solidária, né, porque aqui, a gente divide assim: a gente divide igual, a gente ganha, ai a gente divide tudo igual com as outras e fica um restante na caixinha, que a gente chama, que é pro outro trabalho, a gente ter. E tem outros grupos que não, que já adaptaram outro modo, que também pode ser assim, no caso, eu venho trabalho até tal dia, até tal hora e vou embora. Então, tem grupo que ganha por horas trabalhadas e a gente adaptou para que esse não, né, que todo mundo ganhava igual. Então, é variado lá e foi através do Consulado que eu conheci a Economia Solidária, as formações como que eram, como que a gente tinha que trocar conhecimentos lá fora com outros, que é muito bonito quando a gente se reúne com outros empreendimentos, assim, as novidades que eles têm, né, como eles têm prazer de ensinar pra gente como é feito, o que é que a gente tem aqui e o quê que a gente pode estar melhorando. E a gente se empolga também, né, mostrando pra eles, o da gente, né, como que é feito, como que então, é assim, a gente traz um pouco de lá e eles, daqui. É muito bonito a Economia Solidária.
P/2 – Lea, o empreendimento de vocês já nasceu com esse nome?
R – Lá e Lê?
P/2 – Lá e Lê.
R – Não.
P/2 – Como surgiu o nome?
R – Surgiu lá no Consulado também, que a gente teve nossa identidade visual, né, e ela falou: “Poxa, tá perfeito, mas tá faltando um nome pra vocês”, aí a gente ficou, né: “Mas qual o nome?”. Até na época, eu até errei, que era pra ser: Lea e Lê, né, porque era Lea e Leila, só que eu puxei o primeiro nome da minha irmã, que é Lá, né?
P/1 – A outra irmã?
R – É, que o nome da Leila é Laciete Leila
P/2 – Ah, o primeiro nome da Leila, né?
R – É. Ai, ficou assim: Lá e Lê, mas foi assim, a gente ainda ficou: “Fica bom esse?”, foi trabalhado esse aí do nome, depois, eu achei legal, quando eu cheguei e disse: “Leila…”, porque é assim, as ideias que são postas pra eles, eu trago pro pessoal, então, mesmo que eu goste, mas o que vale é a maioria, né, ainda bem que elas gostaram.
P/1 – É sempre assim?
R – É sempre assim. Eu posso gostar, trago pra elas, o que é lá de fora, se elas não gostarem, não, é a maioria. Funciona assim, a autogestão.
P/2 – Lea, e a divulgação que vocês fazem, assim, do trabalho de vocês, é feito dentro da própria rede de Economia Solidária, junto com o Consulado, ou vocês também têm algum tipo de divulgação, por exemplo, pela Internet?
R – A gente ainda não tem pela Internet. O Consulado colocou um tempo, mas assim, ele coloca os empreendimentos que eles assessoram e só que assim, como são muitos, a gente não fica muito tempo na Internet, porque tem que sair uns e dar chance pros outros, né? E a gente ficou um pouco na Internet, mas assim, a parceria mais é mesmo Economia e Consulado.
P/1 – Economia e Consulado, porque Economia Solidária é um outro grupo?
R – É, assim…
P/1 – Que grupo é?
R – Economia Solidária são esses outros grupos. Tem uns que estão lá dentro do Consulado, que eles assessoram, e tem uns que estão fora. Então, são esses, né, como se fosse mais ou menos por esse outro lado tem um deles, e tem um outro, que lá fora é Economia, mas o Consulado também é Economia. É meio… eles estão meio (risos), atrelados um ao outro. Mas são diferentes.
P/1 – Lea, você vai falar um pouco mais da marca, mas você disse assim: “Antes a gente já fazia e não sabia que era”…
R – Economia Solidária. Era, porque quando a gente fazia os nossos produtos, a gente fazia do mesmo modo, porque tem a minha irmã, né, então era tudo dividido igual e ela falava: “Esse daqui vai pra cá, alguém tem alguma coisa a falar?”, a gente: “Não” (risos). Porque ela falava assim pra gente: “Porque tem que ter, como é que a gente vai fazer alguma coisa se a gente não tem pra dar o pontapé inicial?”. E quando veio, ela já tinha essa ideia quando o Consulado entrou, a gente tinha caixinha também, elas vinham no final de cada mês ver, né, como que a gente tava. A minha irmã também que cuidava disso, né, junto com ela, sentava e fazia, mas a gente teve assim, uma visão maior quando eu fui pra Economia Solidária, que eu vi que a gente já fazia, mas não sabia.
P/1 – E quando vende a peça de uma de vocês que foi uma que fez, a peça dela é que é vendida, mesmo assim, divide?
R – Divide igual.
P/1 – Mesmo que sejam várias peças da mesma pessoa vendida?
R – É igual. Divide igual.
P/1 – E nessas feiras que vocês participaram, tem a ver a participação das feiras com a participação na Economia Solidária?
R – Tem, porque a economia Solidária, eles não têm um local certo, tipo assim, o que tem local certo é no Consulado, que você sabe que encontra eles naquele local. Mas a Economia Solidária lá fora, ela não tem, então ela ocupa espaço quando tem alguma, vamos dizer, dia do trabalhador, ai eles pegam um oficio, né, ai, levam lá e liberam pra eles estarem vendendo. Eles não têm um local assim, certo, uma hora eles estão lá, outra hora, eles estão pra cá. Ai, agora, eles ganharam, parece que eles têm um espaço no Millenium, que é um shopping que a gente tem aos domingos e quando também tem formação, que vem pessoas de outros estados, né, eles colocam pra eles verem os produtos da gente também, ai às vezes, é três dias, às vezes, dura até uma semana. Mas eles não têm local, assim, certo.
P/1 – E quem participa do Consulado?
R – Tem (risos). Tem, porque tem esses, que eles abrem espaço lá, né, que é o dia 15 e o dia 30 e sempre eles estão tendo contato com fábricas mesmo para colocar cada uma da gente numa fábrica diferente, né? “Tu não vendeu bem nesse, mas fulana vende”, né, que ela não vendeu, ai já troca, porque aquele não vendeu, mas a outra já vendeu. Então, a gente fica, tipo assim, alternando pra dar certo.
P/1 – Em fábricas?
R – Em fábrica. E no local mesmo, lá dentro, eles fazem isso.
P/1 – E Lea, a gente já tá chegando quase no fim da entrevista, mudou alguma coisa na sua vida, como era, com tudo isso que você contou pra gente, mudou alguma coisa depois que vocês conheceram o Consulado?
R – Pra mim, mudou, porque quando eu entrei lá, eu não tinha assim, visão do que era assim, como eu falei no começo, aquelas outras pessoas precisando, né, eu não tinha uma visão de eu querer estudar, entendeu? Eu não tinha… ver além do que eu podia conseguir, né? Mudou, mudou. Eu tenho, hoje em dia, eu tenho uma outra cabeça, um outro pensamento. E se voltar anos atrás, se eu não visse, né, tendo todo esse contato como eles me levaram pra mim ver a realidade, como funcionava, acho que eu ainda tava parada um pouco. Assim, né, eu poderia, né, a gente nunca diz “nunca”, mas assim, o que veio mesmo foi com elas.
P/1 – Fala um pouco mais, pra gente entender, você disse de ajudar… Explica um pouco mais isso.
R – É, assim, porque o trabalho do Consulado, o que me chamou mais atenção é isso, eles levam a gente, os empreendimentos, cada uma de nós, né, que era eu, esqueci qual que era a outra que ia com a gente, a gente ia pras comunidades, mesmo ver como era que funcionava com elas, né, elas mostravam ali, como é que que era. E aquilo foi me abrindo ainda mais minha mente: “Poxa, elas fazem isso”, e a gente nem sabia! Porque o trabalho delas com a gente era uma outra coisa, né, a gente tá ali, então elas levavam para essas mulheres, né, as que não se adaptavam com o curso, iam pra culinária, como aquela outra falou ontem, né? Então tudo aquilo me chamou muita atenção. E na minha cabeça ficou: “Vou estudar, vou estudar, vou ajudar”, né? Então assim, mudou muito. Até o meu pensamento de antigamente, a minha irmã que o diga, mas já mudou assim, bastante. Eu me sinto diferente, entendeu, não só assim, mudei também um pouco, porque os anos se passaram, né, não sou mais a mesma, mas por dentro, mudei assim, muito, minha percepção do que é ai fora, esses empreendimentos que precisa, de fato, né, da gente.
P/1 – E nas comunidades, você diz que tem uma ação com as mulheres. Qual é o objetivo, assim?
R – Então, ontem tava falando que era… A gente fala muito na autoestima delas, né? Quando a gente chega lá na comunidade, tem mulheres que estão pra baixo, que acham que ali, pra elas acabou. Então, esse trabalho, eu também gostei muito, que vai lá, né?
P/1 – Eu perguntei, você falou que o trabalho na comunidade fez você mudar, ver outras coisas, né, aprender. Ai, eu perguntei mas qual o objetivo quando vai pra comunidade, vai para fazer o quê?
R – Então, lá é feita formações com elas, e até mesmo oficinas, mesmo, porque lá é dado o básico, né?
P/1 – Você tava falando da autoestima, do que…
R – Às vezes tem até momentos de beleza, cursos de cabelo, unha, pra animar elas, né? É legal, eu gosto dessa parte e essa parte do artesanato, que a gente leva um pouco pra elas. E eu achei interessante, uma vez tinha uma senhora que a gente fez um sorteio e a gente… ela ganhou um jarro de jornal. Ela ficou tão empolgada e da outra vez que a gente foi lá na comunidade, ela: “Eu já faço jornal, já ganho o meu dinheiro, daquele jarro que tu me deu, eu já faço”, então, né, digo: “poxa, ajudei sem saber”, então, sem saber, eu já gostei.
P/2 – Qual o nome da comunidade?
R – Parque Riachuelo.
P/2 – Fica aqui, em Manaus?
R – Fica, fica perto do Consulado, num bairro que tem mais próximo de lá.
P/1 – E vocês têm uma marca, né, além de nome?
R – Temos.
P/1 – Como que foi chegar nessa marca?
R – Essa marca, o Consulado deu pro grupo. A gente já tava caminhando bem, né, assim, e a gente precisava dessa logomarca, e eles deram. E lá, na hora, estavam todos os grupos e era uma votação, porque é como a gente quer. Aí, saiu, a gente veio, decidiu, falei com as meninas, elas gostaram, né, foram lá, porque quando é pra decidir, leva todo o grupo. É diferente, né, diferente de quando eles tiram cada uma de nós pra levar pra fazer. Então quando é pra decidir, leva todo mundo. Naquele dia, me chamou atenção que tavam as indígenas bravas, porque as meninas tinham entendido que ela queria uma casa e elas não queriam uma casa, elas queriam a mão, porque a mão mostrava os trabalhos que elas tinham feito, que elas já estavam idosas, mais ou menos assim. E era esse que elas queriam mostrar, né, as mãos delas. Na época, foi uma casa e elas ficaram atacadas, ai, mudaram de novo pra mão delas.
P/1 – Outra marca, outro grupo?
R – Não, mesmo grupo, só que mudou lá, não queria a casa…
P/1 – Mas não vocês?
R – Não, não. No nosso sempre foi tranquilo. Porque o grupo delas era muitas indígenas (risos), e quando chegava naquela sala, ela lotava, entendeu? Elas foram entre elas mesmo. Mas o nosso saiu, assim, bacana. Se eu soubesse, tinha trazido para vocês verem.
P/2 – Lea, quais são os desafios que se tem quando se tem um empreendimento?
R – Nossa, são muitos, porque às vezes, as pessoas pensam que ter um empreendimento, você vai ganhar dinheiro rápido, né, na visão delas é isso. E não é, é com o tempo. Tanto empreendimento pequeno, como um grande, leva um tempo pra você se erguer, né, às vezes, leva cinco, seis anos, então, é devagar, não é assim. O desafio é esse, você estar ali, né, não desistir, que às vezes, dá vontade de desistir, que é muita assim, coisa. Mas não desistir e ser persistente. Sempre obstáculo tem, que nada é fácil, e um desses é esse, a espera, a gente tá esperando assim, e ao longo do tempo. Isso sim, é um grande desafio. Porque os outros anteriores, nós já passamos, as outras etapas, né?
P/1 – E qual o maior desafio hoje?
R – Levar mais adiante o nosso nome, a gente tá meio assim, paradas, mas nós vamos conseguir ir mais adiante. Aqui em Manaus, a gente já é bem conhecida, né? Outra vez, a minha irmã fez uma boneca pra dar pro Paul Singer, que é da Economia Solidária mesmo. Ele que inventou a Economia Solidária no Brasil, e quando as meninas do Consulado falaram se a gente podia doar aquela boneca – assim, as minhas irmãs, elas não entendiam um pouco, eu repasso pra elas – mas eu fiquei tão feliz daquela boneca parar na mão do Paul Singer, que era um trabalho, assim, feito pela gente que ele, com a Economia Solidária, ele tava entendendo daquilo, entendeu? Mas o desafio é esse, é você sempre levar adiante, firme, ali, ser sempre honesta, digna com o seu trabalho mesmo, fazer aquilo direito, que tem que ser feito, boa qualidade, porque pra gente estar indo pro mercado, a gente tem que bater de frente igual com eles, sendo bom também, né? A gente não pode levar qualquer coisa. Depois diz assim: “Não deu certo, porque o mercado tá ai, eles produzem muito”, “não sei o que”, não é não, se você tiver qualidade no que você faz, você vai longe.
P/1 – Deixa eu fazer uma pergunta para te provocar, agora. Uma hora, o Consulado, provavelmente, não vai mais estar com vocês, e aí? Vocês já pensam nisso?
R – Já.
P/1 – E ai?
R – Então, eles já preparam a gente pra isso.
P/1 – Como?
R – Quando a gente já ganha a logomarca, que foi aquilo que eu passei lá pra vocês, é porque a gente já tá em fase de sair para dar vez aos outros, né? Mas eles sempre preparam a gente, eles falam pra gente que é a emancipação da gente, que a autonomia, né, que a gente tem. E eles falam que quando sai, não é mais assessoria, mas eles podem ser só consultoria. Por exemplo, assim, eles vêm, ai a gente já bate de igual, né: “O quê que vocês acham?” “Tá”, já não é mais a mesma coisa de eu acatar, né, tou batendo de frente, é uma autonomia forte. E eles já preparam a gente, aquelas mulheres que estavam lá, elas já sabem, por isso que eles qualificam a gente, que é pra gente estar fora igual, sem precisar… igual que eles dizem: “Caminhando com as próprias pernas”.
P/1 – Você se sente preparada?
R – Sim.
P/1 – O grupo se sente preparado?
R – Sim, sentimos.
P/1 – E qual o seu maior sonho, agora, já que nós estamos fechando a entrevista?
R – Meu maior sonho?
P/1 – Ou alguns sonhos…
R – Ai, eu tenho um monte. Primeiro, é a minha festa de formatura, é brincadeira (risos).
P/1 – Também, né?
R – Eu tenho um sonho, assim, que eu sempre falo pra minha irmã, que agora, agora não, mas com o tempo, a gente vai usar aquela logomarca, que é o sonho que eu tenho de você poder fazer chaveiro, abrir a sua loja e ter a sua marca ali, e a gente vai conseguir essa loja do jeito que a gente quer. Então, isso daí é o meu maior sonho, que ele era pequenininho quando eu entrei, né, ai foi mais… A gente tava conformada com o nosso ateliê que era pequeno, a gente não quer mais, a gente já tá fazendo maior, então, depois, o outro passo é esse.
P/1 – E você vai continuar fazendo parte da rede, tendo a sua própria loja? Esse sonho, eu tou achando que vai acontecer mesmo, e aí, em relação a rede? Aos outros grupos da Economia Solidária?
R – Então, a gente, como eu aprendi, a gente pode ser parceiro, né? Tendo essa loja, eu posso também ajudar eles de uma forma que eu posso vender os produtos deles lá dentro, entendeu? A gente chama isso de também rede e parcerias, né?
P/1 – Bacana. Muito bom.
P/2 – Só pra encerrar essa parte, já que a gente tá fechando a entrevista, Lea, vocês têm uma sustentabilidade no empreendimento de vocês? O que vocês geram de renda, você consegue, por exemplo, ajudar a sua família e manter o empreendimento com as suas irmãs?
R – Não. Funciona assim: também, a gente consegue, só que no meu caso, tenho o meu marido, né? No caso, eu não sinto assim, muito, porque tem ele, mas como eu falei no começo, isso ai é um processo muito lento, né, que a gente tem que ir devagar. E a minha irmã também, ela tem uma renda fora desse, mas a gente vê outras pessoas que não têm, a gente fica feliz, porque eles sobrevivem com o que eles ganham, entendeu, do trabalho deles. Ainda não é, assim, eu não posso dizer que seja 100%, mas aí já estão numa meta de 50%.
P/1 – De quanto?
R – De 50%, já é metade, né? Ai, se melhorarem mais… Mas eu já vi relatos de mulheres dizerem que hoje em dia, elas não pedem mais pro marido, por exemplo, elas mesmo pegam o dinheiro delas, vão comprar o que elas querem, pro filho delas, entendeu? Sem depender.
P/1 – Muito bom. E o quê que você achou? Terminou, você quer falar mais alguma coisa que a gente não perguntou?
R – Não. Eu já falei tanto (risos).
P/1 – Como foi contar a história?
R – Ah, foi bom! Outra vez que a gente fez uma assim, é bom, porque vocês deixam à vontade, né? Foi bom, eu imaginava… Eu tava falando pra Gi que eu imaginava de outra forma, né, que não fosse tão bacana, assim! Mas eu gostei que vocês vieram aqui. O que eu quero falar é agradecer de vocês terem vindo aqui, do Consulado ter escolhido a gente para estar participando com vocês, porque é tipo assim, ontem, quando a gente tava na… aquilo foi uma formação, né?
P/1 – Você achou que foi uma formação?
R – Achei.
P/1 – Por quê?
R – Porque uma formação, assim, que eu aprendi, é que você tá passando o que você sabe pra gente e a gente tá passando o que a gente sabe pra vocês. Na verdade, o que tava acontecendo ali, ontem, a gente tava trocando saberes. Ela falou de um povo indígena que eu não conhecia, eu não precisei ver jornal, nem ler, eu aprendi ali, né? E isso me chamou assim, muita atenção, é o que eu tava falando. E aquele momento ali, eu achei que foi muito rico em conhecimento. Tava até falando pra minha irmã que quando a gente tava resgatando a identidade, né, que parece que eu fui lá e voltei. Então foi, assim, muito bom, fazia tempo que eu não resgatava esse meu lado infância, minha família mesmo, né, como que eu era. Então, assim, isso foi muito bom. Eu gostei muito.
P/1 – Então tá, Lea, a gente também achou muito bom ouvir a sua história, viu? Muito bom, parabéns e obrigada.
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