P/1 – Rosalia, muito obrigada por você ter vindo até aqui pra conversar com a gente, contar sua história, contribuir com o projeto. E pra começar eu queria que a senhora falasse o nome completo, o local e data de nascimento.
R – Ok, eu é que agradeço, na verdade, essa oportunidade. Meu Ro...Continuar leitura
P/1 – Rosalia, muito obrigada por você ter vindo até aqui pra conversar com a gente, contar sua história, contribuir com o projeto. E pra começar eu queria que a senhora falasse o nome completo, o local e data de nascimento.
R – Ok, eu é que agradeço, na verdade, essa oportunidade. Meu Rosalia Mary Wentz Biazus. Eu nasci e moro em Chapecó, Santa Catarina. E minha data de nascimento é 25 de março de 1956.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Gernold Werter Wentz e a minha mãe é Maria Jatyr Silveira Wentz.
P/1 – E a senhora sabe um pouquinho da história da tua família, dos avós?
R – Sim, sim. Minha mãe é gaúcha, meu pai também é gaúcho. Minha mãe nasceu em Porto Alegre (RS) e meu pai nasceu num lugarzinho perto de Carazinho chamado hoje Victor Graeff (RS).
P/1 – E conta um pouquinho como é que eles foram se estabelecer em Chapecó, como se conheceram.
R – Na verdade o meu pai conheceu minha mãe quando ela foi pra essa pequena cidade no Rio Grande do Sul pra ser professora. Então, eles se conheceram, se casaram e depois de algum tempo acabaram indo pra Chapecó pra trabalhar. Meu pai trabalhava num banco, Banco Inco [Banco Indústria e Comércio de Santa Catarina] e minha mãe era professora numa escola pública de Chapecó, chamada hoje Escola Básica Marechal Bormann.
P/1 – E os avós a senhora teve contato?
R – Sim.
P/1 – A senhora consegue falar um pouquinho deles pra gente.
R – Eu tive mais contato com meus avôs maternos que moravam também em Chapecó, acabaram morando em Chapecó. E meus avôs paternos moravam e moraram por muitos anos numa cidade chamada Não Me Toque, que é pertinho dessa cidade que hoje se chama Victor Graeff (risos) e perto de Carazinho, no Rio Grande do Sul.
P/2 – E conta pra gente da origem dessa família, da onde que veio esse sobrenome.
R – Bom, meu pai é descendente de alemães. Meus bisavós não eram imigrantes, eram os pais deles, dos meus bisavós, que eram imigrantes. E a minha mãe também é filha de descendentes alemães, a minha avó, porque ela é Binz, Barcelos e Binz. E o meu avô é Silveira, ele é descendente de portugueses. Então, moravam no Rio Grande do Sul, depois acabaram morando em Chapecó. Eu tive contato com meus avós maternos. Aliás, a minha avó materna era uma pessoa muito querida porque como minha mãe trabalhava, ela estava sempre muito presente cuidando de nós pra que minha mãe trabalhasse (risos). Minha mãe foi uma mulher de uma certa forma pioneira, foi de uma geração que a mulher começou a sair de casa pra trabalhar e isso foi muito legal. Ela o trabalhou com educação durante 32 anos.
P/1 – A senhora tem irmãos?
R – Não, não tenho mais irmãos, já faleceu meu irmão mais velho, e tenho irmãs, tenho três irmãs.
P/1 – E a senhora é mais nova, mais velha?
R – Não, eu sou a do meio! (risos) Eu sou a do meio.
P/1 – Conta um pouquinho, então, dessa casa cheia de criança, dessa infância com a presença da vó, fala um pouquinho pra gente.
R – Olha, nós morávamos numa cidade, Chapecó, muito pequena. Era uma vida muito boa porque era uma vida não como a de hoje, que eu acho que é uma loucura: as crianças ficam restritas a uma casa, um apartamento ou a escolinhas. Nós tínhamos um contato muito com a vizinhança: brincávamos, íamos pro colégio, depois brincávamos, fazíamos as nossas tarefas e eu acho que foi uma infância boa, foi uma infância legal.
P/1 – E como era a cidade?
R – Muito pequena. Muito pequena. Chapecó logo completará cem anos, mas era uma cidade muito pequena, sabe? Era uma cidade que devia ter, eu não lembro na minha infância, mas ela devia ter o quê? 20 mil habitantes? E cresceu muito nos últimos anos. Mas era uma cidade pequeníssima (risos), bem de interior do Brasil. Porque Chapecó fica no oeste de Santa Catarina. É uma cidade que foi fundada por gaúchos porque no Rio Grande do Sul começou um movimento de pessoas no interior do Brasil, eles começaram a fazer essa circulação migratória de pessoas que estavam buscando novas oportunidades pelo interior do Brasil, passando por Chapecó, pelo oeste e centro de Santa Catarina, depois pro Paraná, pro Mato Grosso.
P/1 – E do que vocês brincavam nessa rua, com vizinhos?
R – Ah, de muitas coisas. Nós brincávamos de sapata, que é amarelinha. Brincávamos de esconde-esconde. Jogávamos cinco marias, que acho que vocês também não sabem o que é (risos). De muitas coisas. Brincávamos num riachinho que tinha, a gente ia lá brincar com sapinhos, coletar os girinos que estavam lá. Foi assim muito legal.
P/2 – E como era essa brincadeira das marias? Conta pra gente.
R – Cinco marias você fazia cinco saquinhos de tecido e colocava arroz dentro. E aí você ficava jogando pro alto, tinha regras. A gente jogava muito isso. E muitas outras coisas que a gente brincava.
P/1 – E tem algum amigo, alguém que tenha marcado essa fase da infância?
R – Olha, muitas pessoas. Toda a nossa vizinhança eram nossos amigos. Nada de muito especial, mas eram todos conhecidos que a gente brincava, estudava no mesmo colégio. Mas nenhum amigo muito especial não, não tenho.
P/1 – E na casa da senhora, como era a rotina da casa? Fala um pouquinho de como funcionava o dia a dia da casa da senhora.
R – Olha, minha mãe trabalhava. Então, nós íamos pro colégio, nesse colégio que eu estudei, o antigo primário, hoje existe o Fundamental, que é de primeira até a nona série, mas na época que eu estudei chamava primário. Havia pré-escola, o primário e depois o ginásio e depois a escola normal, ou Ensino Médio. Eu estudei no Colégio Bom Pastor, que era de irmãs franciscanas e a gente tinha aula à tarde, os pequenos tinham aula à tarde. A gente ia pro colégio, frequentava aula e depois a gente brincava. Porque era um colégio grande, as irmãs tinham quadras de esportes e a gente ficava jogando vôlei depois do colégio. Antes disso ainda, quando eu era bem pequenininha, na pré-escola, na primeira e segunda séries, o colégio era um pouco menor e depois da aula a gente tinha uma brincadeira que a gente ficava escorregando por um barranco que tinha, sabe, com papelões, coisas bem de criança. Eu era bem moleca (risos)! A gente brincava, minha mãe ficava louca de brava. Eu me atrasava do colégio, chegava em casa e era uma bronca única. Mas era muito legal, todo mundo se conhecia, era uma cidade pequena, todas as pessoas em cidades pequenas se conhecem e fazem amizade.
P/1 – E tinha alguma festa típica na cidade, que a cidade se reunia?
R – Não. Tinha uma festa de igreja, nós tínhamos um frei, Frei João, que dava muito apoio pra igreja, ele fazia uma festa anual no dia de São João, que eu acho que é 12 ou 13 de junho. E ele fazia uma festa, tinha um pequeno clube. As pessoas, uma pequena comunidade, são bem sociáveis, procuram interagir. Mas era uma cidade pequena, muito pequena. Na década de 70 é que Chapecó explodiu.
P/1 – E na casa da senhora vocês comemoravam Natal, os aniversários?
R – Sim, sim.
P/1 – Tem algum desses que seja mais marcante?
R – Não, mas eu sempre gostei muito do Natal, porque minha avó gostava muito de Natal, sabe? Então é aquela história toda de fazer o pinheirinho. Naquela época, a gente buscava um pinheirinho natural, enfeitava o pinheirinho. Minha avó, como descendente de alemães, adorava fazer aquelas bolachas de Natal caseiras, as cucas, sabe? Minha avó cozinhava muito bem, eu aprendi muito com ela. Na verdade, aprendi com ela pela convivência. Era uma festa. E ela era muito agregadora, gostava da família reunida (risos).
P/1 – E esse contato com a avó, tinha alguma comida preferida?
R – Nenhuma comida preferida, tudo o que ela fazia eu adorava, porque ela cozinhava muito bem. Uma comidinha trivial do dia a dia mas tudo muito bem feito, então é isso.
P/1 – Dona Rosalia, a senhora começou a contar um pouquinho pra gente da sua trajetória na escola, um pouquinho da pré-escola e depois da outra escola um pouquinho maior. Mas tem algum professor que tenha marcado a sua trajetória?
R – Olha, que engraçado que é, não? Eu tinha um professor no ginásio que era meu professor de francês e professor de inglês, professor Alfredo Baiz. Ele era uma pessoa muito diferente na nossa comunidade porque ele mantém uma correspondência até hoje em esperanto, sabe? Ele tinha pessoas com quem ele se correspondia no mundo inteiro em esperanto. Eu acho que vocês sabem o que é o esperanto, sabem? É um idioma que foi pensado em ser um idioma comum pra toda humanidade e ele falava muito bem inglês, francês, se comunicava, numa comunicação internacional, com esses idiomas, mas também com esperanto e por um longo tempo ele editou uma revista. Ele foi meu professor no ginásio e eu adorava quando ele conversava conosco e contava, sabe, sobre as pessoas com quem ele se correspondia e nos trazia pra escola os cartões postais que ele recebia. Eu sempre tive uma coisa assim (risos), um olhar diferente pro lá fora, é uma curiosidade. Pra conviver com pessoas de outros lugares, conhecê-las, aprender, eu sempre tive isso.
P/2 – E o que a senhora queria ser quando crescesse?
R – Um monte de coisas (risos). Muitas coisas. Eu lembro quando era bem menina e adorava minha professora de História também, então eu pensei ser professora de História, muitas coisas. Como minha mãe era professora, nós tínhamos que obrigatoriamente fazer a escola normal e eu fiz a escola normal, porque achavam que nós devíamos ser professoras. Mas eu não queria ser professora. Eu até fui professora por um período, mas eu não queria ser professora, aí foi que eu optei por fazer o curso de Administração de Empresas que eu não terminei. Eu já era muito crítica em relação à nossa educação naquela época que eu estudava porque as escolas, principalmente a escola pública, nunca tiveram um grande apoio, não têm até hoje, dificilmente terão porque eu acho que o Brasil não valoriza muito a educação. Então eu pensava em alguma outra coisa. Como Chapecó era uma cidade pequena e não tinha uma universidade, em 1972 que eles começaram a Fundeste [Fundação Universitária do Desenvolvimento do Oeste], eles ofereciam poucos cursos e aí dentre os cursos estavam: Pedagogia, Ciências Contábeis, Administração de Empresas, eu não lembro os outros, mas eram cinco cursos, se eu não me engano. Eu optei por fazer Administração de Empresas porque eu queria fazer uma outra coisa.
P/1 – E qual era o lazer, a diversão, nessa época mais jovem, mais adolescente, ficando adulta, pra onde que vocês iam, o que vocês faziam?
R – Nós tínhamos barzinhos ótimos, boates muito boas, cinema e restaurantes pequenos e tudo o mais, nós tínhamos isso e frequentávamos.
P/1 – E a senhora tinha um grupo de amigos, com quem a senhora passeava, saía?
R – Eu tenho uma irmã mais velha, Ingrid, então nós sempre fomos muito parceiras e saíamos juntas pra cinema, pra jantar fora com os nossos amigos, pra ir à boate, sempre íamos nós duas. E algumas amigas também, é óbvio.
P/1 – Nessa época mais ou menos a senhora teve o seu primeiro contato com o AFS, conta pra gente aquela história do jornal.
R – (risos) É, a história toda foi em 1971. Um amigo nosso, meu e de minha irmã, começou a estudar em Santa Maria, no Rio Grande do Sul e soube do AFS, do Comitê de Santa Maria. Aí ele esteve em Chapecó, eu acho que foi em julho de 71, que eram férias de inverno e nos encontramos depois de ir ao cinema e ele nos acompanhou até em casa e nos contou que ele estava se despedindo e que ele iria para os Estados Unidos para fazer a experiência de AFS. Aí eu perguntei a ele: “Mas exatamente o que é isso?”, e ele me contou como funcionava, devia ser um jovem estudante de Ensino Médio e que estivesse dentro dessa faixa etária, se inscrevia para um seleção, fazia uma prova e algumas outras atividades e ganharia uma bolsa para ficar um ano nos Estados Unidos. Eu achei a ideia maravilhosa. Um ano depois ele voltou, esteve em Chapecó e em 73 ele fez um contato com uma parente dele em Chapecó pra que recebesse um americano que estava em Santa Maria, o Mark, que tem a foto dos dois no jornal, que eu te mostrei. E foi aí que o Mark estudou na minha escola, no Colégio Bom Pastor, e que eu conversei muito com o Mark. Ele já falava muito bem o português porque ele já estava praticamente voltando pros Estados Unidos, naquela época acho que eles voltavam em julho, e eu fiquei encantada com essa possibilidade de sair, principalmente nessa faixa etária, que eu acho que é muito importante, na adolescência. É um momento muito especial pro ser humano e ele tem que saber um pouco mais de si pra que ele aprenda algumas coisas importantes pra sua vida. E foi, digamos assim, eu fiquei mais interessada sobre o AFS nessa época. Mas como eu morava em Chapecó, que não tinha AFS, minha família também não tinha condições de me manter na experiência, então eu fiquei com isso um pouquinho adormecido, por um período. Em 1975, eu conheci meu marido, que foi a Chapecó pra começar a trabalhar lá, tinha se formado em Porto Alegre. Aí eu soube que a irmã dele, como eu te falei, foi a primeira jovem intercambista de Caxias do Sul (RS) que fez a experiência de AFS pelo comitê Vale dos Sinos, que é de São Leopoldo, que era São Leopoldo, Novo Hamburgo, eu não sei se atingia Canoas também. Mas ela fez o AFS, o Jaime depois, naquela época o AFS ainda eram bolsas e o Jaime não foi fazer a prova da seleção (risos) e o Jorge, meu cunhado, também fez a experiência. Então eu fiquei sabendo como funcionava e aí fiquei pensando: “Nossa, mas se eu tiver filhos, meus filhos farão”. Porque eu não sabia se eu ia me casar com ele ou não, mas foi um momento que eu me inteirei mais de como é que estava o AFS no Brasil porque a Cristina trabalhava com o AFS em Caxias. Eu fiquei mais interessada ainda e pensando: “Nossa, se eu tiver filhos com certeza eles farão”. E foi assim que aconteceu.
P/1 – Dona Rosalia, eu vou perguntar depois bastante sobre a experiência dos seus filhos, mas antes eu queria saber como é que foi, a senhora contou que o seu esposo foi até Chapecó pra trabalhar, tinha se formado, mas como foi que a senhora encontrou ele, como é que foi a primeira vez que a senhora o viu, o seu primeiro encontro? Conta essa história pra gente.
R – A minha irmã tinha um namorado, a Ingrid, e eu também tinha um namorado. Só que esse meu namorado tinha viajado. E esse namorado da minha irmã disse: “Tem uma festa lá na república onde a gente mora, tarãrã tarãrã, vamos?”, eu disse: “Olha, eu não vou, não, meu namorado não está aí, então” “A gente quer muito que você vá pra que você não fique sozinha”. E eu disse: “Mas eu não estou realmente a fim de ir”. Eles tanto insistiram, a Ingrid e ele, que eu decidi ir. E nessa festa meu marido estava lá. Ele também tinha chegado há pouco tempo em Chapecó, fazia um mês e pouco, isso foi em julho de 75. E engraçado que ele estava em uma roda de amigos e amiga conversando e me apresentaram: “Olha, esse é o Jaime, é um bioquímico que está trabalhando num laboratório do hospital”. Eu disse: “Ah, que legal”. E aí ele me convidou pra dançar e começou a me perguntar muito sobre Chapecó, sabe? Porque ele também tinha chegado há pouco: “Como é Chapecó, como são as pessoas aqui?”. Eu disse: “Olha, Chapecó é uma cidade pequena, é uma cidade que todo mundo se conhece e as pessoas comentam: ‘Olha, Fulano que chegou’”, essas coisas todas. Eu sei que a gente ficou conversando muito e aí ele queria me levar pra casa quando a festa estava acabando e eu disse: “Ah não, não vai me levar, não. Eu vim com a minha irmã, com o namorado dela, então nós vamos, eu vou com ela”. Ele disse: “Ah, tá bom” (risos). E nessa época, eu estava fazendo faculdade. Daí no final de semana seguinte, sábado à tarde, ele esteve lá em casa, foi me buscar pra passear (risos). E eu tinha vindo da faculdade e eu disse: “Olha, Jaime, eu não vou sair contigo porque o meu namorado está aí e eu vou sair com ele à noite, vai ficar muito chato eu ir passear contigo à tarde e depois sair com ele à noite. Que explicação eu vou dar?”. Aí ele saiu muito bravo lá de casa, depois ele me contou que tinha dito assim: “Nunca mais procuro essa guria, não sei o quê”. Aí saí com esse meu namorado, fomos a uma boate que tinha em Chapecó e ele estava lá esperando. Quando nós chegamos ele estava paradinho num lugar e ficou me olhando e quando nós entramos ele disse assim: “Boa noite”, eu disse: “Boa noite”, o que está fazendo aqui, fiquei pensando. Daí depois é que eu entendi, que nós estávamos dançando na beira da pista e ele ficava me observando. E eu achei aquele meu namorado um chato (risos) na verdade aquele dia. Eu disse: “Nossa, mas esse cara é muito chato”, sabe, era um carinha chatinho mesmo, “preferia estar conversando com o Jaime”. Porque a conversa dele era muito agradável. E foi assim que eu terminei o tal do namoro e comecei a namorar o Jaime. Porque nos encontramos, passeando de carro, dias depois e daí ele me convidou pra sair, pra jantar, pra ir ao cinema. E um belo dia ele foi me buscar na faculdade e nós saímos pra fazer um lanche e aí ele me disse: “Olha, eu tenho gostado de estar contigo e que tal a gente levar isso adiante e continuar, começar um namoro?”, foi assim que nós começamos e nunca mais nos separamos, até hoje. Nos casamos, tivemos três filhos e continuamos juntos. Como todo mundo com altos e baixos, brigas, tudo faz parte (risos).
P/1 – Vou fazer uma voltinha agora. Quando a senhora teve contato com o Mark, como é que foi pra cidade receber esse intercambista? Como era ter um americano na escola naquela época?
R – Foi maravilhoso, foi muito especial, porque todos os estudantes da escola e também de um outro colégio que nós temos até hoje, que é o Colégio São Francisco, procuraram conhecer ele. Ele foi muito bem recebido, muito bem acolhido em Chapecó, sabe? Como era uma cidade muito pequena era uma novidade e tanto ter um americano morando em Chapecó. E ele gostou também porque ele foi muito bem recebido.
P/1 – E agora conta pra gente como é que foi seu casamento.
R – Ah (risos). Meu casamento? Meu casamento foi super legal porque nós estávamos namorando há quase um ano e o Jaime foi a Porto Alegre e comprou umas alianças (risos), voltou pra Chapecó e me entregou e disse: “Estamos noivos, vamos casar em tal mês”, que era cinco ou seis meses depois. Eu disse: “Nossa, e você não me consultou” (risos). Mas aí eu fiquei pensando: “Eu vou me casar porque ele é uma boa companhia”. E aí marcamos o nosso casamento pra fevereiro de 77. Casamos no dia 26 de fevereiro de 77. Um calor horrível. Mas foi uma festa muito bonita, em que nossas famílias estiveram presentes, amigos nossos, amigos das nossas famílias, foi uma festa bonita, bem legal. Aí casamos, viajamos, nós fomos a Montevidéu, depois fomos a Buenos Aires e depois fomos a Bariloche na nossa lua de mel, que foi bem bacana, conheci lugares bem especiais. E depois voltamos pra Chapecó e começamos a nossa vida. Aí eu fiquei grávida em seguida, após o meu casamento, e tive Guilherme no dia 31 de dezembro de 77.
P/1 – E como que foi ser mãe?
R – Ah, é muito especial. Eu acho muito especial. Eu era bem jovem, mas eu acho que é a melhor experiência do mundo. E o Gui é um querido.
P/1 – Como é que foi essa primeira experiência com filho, com bebê?
R – Olha, não foi fácil porque eu era muito jovem, eu tinha 21 anos. Hoje falando isso, nossa, é uma criança tendo um filho, né? Mas foi difícil e foi de grande aprendizado. Foi de um aprendizado de valorização da vida. Só quem tem filhos entende isso, porque é a melhor experiência das pessoas. Quem não tem filhos acho que não entende isso. E realmente é muito bom. Não é fácil, não é nada fácil você ser responsável por um outro serzinho que você gerou. E isso, menina, eu acho que mexe com todas as tuas fibras e te faz ver a vida de outra maneira e viver de outra maneira. É uma responsabilidade pra vida inteira.
P/1 – E os outros dois?
R – Eu tive o Guilherme em dezembro de 77. Depois em 81, eu tive o Harold, meu segundo filho; eu quase perdi ele no início da minha gravidez, aí depois transcorreu tudo direitinho e nasceu um bebezão enorme que pesou quase cinco quilos. E é um homem alto, tem um metro e 95, 96. Também foi uma experiência muito legal. Mas aí eu já tinha Guilherme, já sabia um pouquinho. E com Harold foi outro aprendizado, porque os filhos são diferentes. Depois, em 84, eu tive o Gustavo, que é o meu filho mais jovem, que também foi uma história e tanto.
P/1 – E como é que foi pra senhora, e ainda é, criar três meninos?
R – Não é fácil. Veja bem, a mulher é muito diferente do homem, sabe? São dois seres diferentes. E você ser a única mulher que você vive no universo feminino, tu imagina na minha casa só homens, meu marido e três filhos homens. Então é muito interessante que você tem que aprender a transitar no universo masculino de uma forma boa, de uma forma equilibrada. E isso é um aprendizado, ao longo do tempo que você vai aprendendo isso. Porque as diferenças existem, não adianta, todos os movimentos feministas dizendo que homens e mulheres são iguais. Não são. Na minha opinião não são, eles têm direitos iguais mas são diferentes e eu acredito que essa diferença é muito saudável para a humanidade, para as pessoas, eu acho muito saudável que a mulher seja mulher e que o homem seja o homem. Óbvio que tem que fazer o conserto ou acerto de determinados comportamentos que são derivados de culturas e tudo o mais, mas eu acho que as mulheres sentem a vida de uma forma, até pela experiência da maternidade. Acho que as mulheres são diferentes. E os homens têm o seu universo que eles devem aprender um pouco mais sobre a mulher, é a minha opinião, eles devem aprender um pouquinho mais sobre a mulher, no funcionamento da mulher, eu acho que eles ainda não entenderam muita coisa, sabe? Mas também é muito legal, eu acho que o universo deles é bonito, eles têm coisas maravilhosas, assim como a mulher também. Eu acho que está faltando alguns ajustes, sabe, que devem ser feitos.
P/1 – E agora conta pra gente, conforme eles foram crescendo, esse processo de enviar um filho pra longe, conta então essa história.
R – Olha, como
eu acreditava muito no valor dessa experiência, eu quis muito que o Guilherme fizesse um intercâmbio. Começou com o Guilherme. Quando o Guilherme ia fazer 15 anos, a Cristina já não trabalhava mais com o AFS em Caxias, já morava em Porto Alegre. Eu telefonei pra ela perguntando: “Tu sabes onde está o escritório nacional?”, ela disse: “Olha, eu sei que é no Rio de Janeiro mas eu perdi o contato, não tenho telefone”. Foi aí que eu procurei, através de uma telefonista, e ela me informou o número do escritório do AFS no Rio de Janeiro. Eu entrei em contato com o escritório e eles me informaram da pessoa que trabalha no AFS até hoje em Florianópolis, que é a Tania Lee. Telefonei pra Tania à noite, conversamos longamente, ela me orientou que o Guilherme poderia fazer a seleção pro AFS no ano seguinte e uma semana depois ela me ligou e me propôs que eu trabalhasse com o AFS em Chapecó. Quando Guilherme viajou, foi toda aquela preparação, eu fui a Florianópolis com a turminha de Chapecó, inclusive com o Guilherme, pra fazer a seleção. Nós fomos por três vezes a Florianópolis nas seleções que eram feitas no comitê, realmente foi uma empolgação, foi um entusiasmo enorme pra fazer o intercâmbio, ai que maravilhoso tã rã rã tã rã rã. Quando Guilherme viajou, eu passei seis meses sem entrar no quarto dele, eu não conseguia entrar. Eu não conseguia entrar. Foi muito difícil. Depois, quando a experiência já estava dele bem encaminhada, eu comecei a me dar conta: “Nossa, daqui a pouco ele está voltando”. Foi aí que eu comecei a entrar no quarto dele e organizar as coisas de novo pro retorno dele. Eu não conseguia, Deus do céu, é muito difícil! E foi meu primeiro filho a sair de casa porque quando o Guilherme voltou dos Estados Unidos, ele foi em seguida pra Porto Alegre pra terminar o Ensino Médio e fazer cursinho pré-vestibular. E aí começou a longa caminhada dele, de fazer vestibular, fazer faculdade, fazer a residência dele, depois especialização. Então foi uma longa caminhada. E é uma coisa bem difícil você ler Khalil Gibran, eu li muito quando era guria. E aí: “Os filhos são como umas flechas que você lança com arco para vida”. Não é tão simples assim não (risos), não pensem que é. Vocês têm filhos?
P/1 – Eu tenho.
R – Ah, então tu sabes o que eu estou falando (risos). Não é tão fácil assim, nossa, é muito difícil. Mas você tem que aceitar. Porque é a vida deles e eles precisam fazer a sua caminhada porque senão fica muito complicado. Guilherme voltou da experiência, foi pra Porto Alegre, morou dois anos em Porto Alegre, depois ele passou na faculdade, na UCPel [Universidade Católica de Pelotas], em Pelotas (RS), lá ele fez o curso de Medicina. Depois ele voltou pra Chapecó, ficou um período em Chapecó porque ele queria trabalhar, queria ganhar dinheiro, aí foi pra Curitiba (SC), fez Ortopedia e depois ele foi a Belo Horizonte fazer uma especialização em cirurgia de ombro. Depois, voltou pra Chapecó e se casou com uma mineira de Belo Horizonte (risos). Estão lá, os dois. E depois foi o Harold, que fez a experiência dele na Itália, quando voltou ele ficou alguns meses em Chapecó porque eu disse: “Ah, muito complicado sair logo em seguida, deixa ele ficar um pouquinho aqui (risos), faz o pré-vestibular aqui em Chapecó”. Ele estudou ainda o segundo semestre, depois ele fez o vestibular também em Pelotas porque nós já tínhamos alugado um apartamento em Pelotas, né? Alugar um outro apartamento em outro lugar? Faculdade particular, gente, não é nenhuma brincadeira. Ele foi fazer lá Psicologia na UCPel. Aí isso era uma coisa bem louca porque era um filho fazendo faculdade, o outro que começou. Guilherme começou a fazer faculdade, aí o Harold estava no intercâmbio. O Harold voltou, o Gui estava fazendo faculdade e depois o Harold já fez vestibular, passou, foi fazer faculdade. Aí chegou a vez do Gustavo, em 2001, fazer o intercâmbio dele. Nessa época eu estava falida (risos), completamente falida, menina, pagando duas faculdades, aluguel, mandando carro pra lá, um monte de coisas. Mas deu certo e o Gustavo foi fazer o intercâmbio dele. Aí voltou e quando ele voltou ele ficou em Chapecó por um semestre, que achou que era razoável ele ficar também o semestre e aí no ano seguinte ele quis ficar mais um semestre e eu fiquei relutante em relação a isso porque os cursinhos não eram tão bons em Chapecó, e ele também queria fazer uma faculdade. Ele não me dizia o que ia fazer. E isso me deixou muito atucanada, porque eu queria saber: “Afinal de contas, o que tu vai fazer?”. Aí quando chegou na metade do ano o meu marido disse assim: “Ai, ele vai ficar aqui até o final do ano” “Não vai, não, ele vai pra Pelotas também, lá tem bons cursinhos e ele vai estudar lá e se preparar para o vestibular”. Aí ele também foi pra lá, fez um bom pré-vestibular e passou também, também é médico, fez Medicina e agora está fazendo residência em Oncologia em Porto Alegre, no Hospital de Clínicas. E o Harold, que é psicólogo, quando voltou pra Chapecó, abriu consultório de Psicologia, aquela coisa não andou de jeito nenhum porque é uma profissão que você precisa ter um conceito e isso só com um tempo de trabalho e tudo o mais. E ele estava muito chateado, ele disse: “Mãe, eu não ganho meu dinheiro, a coisa está difícil”. Eu disse pra ele, em 2009: “Harold, vai fazer outra faculdade. Vai fazer que é o melhor investimento que você pode fazer pra ti mesmo”. E aí ele foi fazer Farmácia e Bioquímica porque nós temos laboratório de análises clínicas em Chapecó. E aí ele fez e terminou agora em julho desse ano. E já está trabalhando. E bem mais feliz. Porque a gente não pode perder tempo e quando você tem essa possibilidade de correr atrás e buscar o que tu queres, tu tens mais é que arregaçar as mangas e ir em frente.
P/1 – E nessas idas e vindas desses três filhos como é que foi acompanhar de longe o que eles estavam passando lá?
R – Foi horrível! Foi horrível porque quando teus filhos estão longe... Quando Guilherme viajou em 95, 96, estavam começando a aparecer os telefones celulares, não se tinha telefone celular, as ligações dos telefones fixos custavam uma fortuna, as ligações internacionais. Então, a gente escrevia cartas ou nos telefonávamos esporadicamente. E eu lembro que no final do ano de 96, Guilherme, bem no final do ano, nós já estávamos na praia, início do ano seguinte, o Guilherme saiu com o irmão hospedeiro dele e ele foi assaltado na boate que ele estava,, roubaram a carteira, tiraram a carteira dele. E aí foi aquela história, porque queriam na verdade dinheiro. E ele me telefonou, eu lembro que o Rubens estava com o telefone celular na praia e daí foi telefonado pra ele, minha cunhada telefonou, avisando que Guilherme tinha sido assaltado. Não me lembro bem, acho que eles chegaram na praia e como nós já estávamos na praia e não tinha telefone fixo na praia eles chegaram falando: “Olha, Guilherme ligou, Guilherme foi assaltado, tem que fazer o cancelamento do cartão de crédito” “Mas eu quero saber se ele está bem” “Não, tá bem, só na boate tiraram a carteira dele”, que depois ele achou. Sabe, dois dias depois, tinha neve na parte externa desse local e a pessoa que o roubou pegou o dinheiro que ele tinha, que eu não lembro quanto que era, uns 80 dólares que ele tinha e jogou fora a carteira com todos os documentos dele. Do colégio, cartão de crédito, tudo. Mas aí eu correndo pra cancelar, que ele tinha o American Express. E foi uma “incomodação”. Quando essas coisas acontecem, você começa a ter a nítida sensação da tua impotência. Porque você pode ajudar até um certo ponto, mas não mais do que isso porque tem coisas que aí o teu filho tem que fazer, ele que tem que decidir, ele que tem que ir buscar, ele que tem que agir. E você começa a se dar conta de que você tem uma limitação também. Não é só da distância mas é de ações também. Filhos é um longo aprendizado, da vida inteira. Você tem que prepará-los de certa forma para a vida mas também você tem que deixar que eles aprendam a viver. E é isso que eles nos ensinam, principalmente na adolescência quando começam a sair (risos).
P/1 – E Rosalia, nesses processos de viajar dos três, o seu envolvimento como voluntária também, eu imagino, que tenha se ampliado. Eu queria que a senhora falasse um pouquinho dessas funções: como é que a senhora foi se engajando, começando a participar mais?
R – Na verdade, eu comecei em 93 e não parei mais. E o meu trabalho foi em 94 receber um garoto neozelandês na minha casa, o Craig David Ross. Foi uma experiência de todo ano de 94 que foi muito legal, estávamos todos em casa, aprendemos muito com ele e ele com certeza aprendeu muito conosco. Eu continuei trabalhando porque eu trabalhei como professora até 88, mas eu não conseguia mais trabalhar e ter três filhos que estudavam e que tinham aula de inglês, faziam tênis, faziam natação, alguém tinha que levá-los, alguém tinha que ir buscá-los e era eu que fazia isso, meu marido não podia fazer isso. Então, eu pedi exoneração, eu era professora numa escola pública do Estado e fiquei cuidando da minha família. Só que eu achava assim: “Eu preciso fazer alguma coisa senão eu vou ficar muito nervsa” (risos), porque eu sempre fui muito ativa. E eu não podia ficar só com meus filhos, indo, vindo, buscando e levando, era colégio, era isso, era aula de reforço, aula de tênis, aula de natação. Eu vivia correndo, eu era motorista deles. E eu disse: “Eu preciso fazer alguma coisa”, e foi que a história do AFS veio, coincidiu com a idade do Guilherme. Quando
a Tania me convidou uma semana depois de nós termos falado eu disse: “Eu vou encarar isso e vou fazer isso porque eu não quero só pros meus filhos”. Porque eu achei tão maravilhoso e Chapecó não tinha ainda. Tinha uma escola de inglês que oferecia uma experiência de intercâmbio nos Estados Unidos como uma premiação pros seus estudantes, era um que era premiado pelo melhor desempenho. Eu disse: “Olha, dessa vez eu vou”. Quando a Tania me propôs eu disse: “Ah, eu vou fazer o enfrentamento disso e começar”. Então, eu fiz parcerias com escolas, a princípio com a escola onde meus filhos estudavam, depois eu fui ampliando. E fui conversando com as famílias e frequentando os lugares que eram possíveis e levando nosso filho intercambista junto, ia apresentando a ele para as pessoas e propondo para amigos e conhecidos a experiência de intercâmbio. E eu nunca mais parei. Eu trabalhei no comitê de Chapecó por 19 anos como presidente do comitê. E fui ampliando. Aí eu levei a proposta pra cidades próximas de Chapecó, pra Xaxim, pra Xanxerê, pra São Miguel D’Oeste, eu nunca parei. Eu estava correndo com a minha família mas também fazendo toda essa instalação do comitê de Chapecó e ampliando a atuação do comitê de Chapecó para as nossas cidades próximas. Foi uma loucura, mas uma loucura muito boa (risos).
P/2 – Conta pra gente do treinamento. Como é que foi começar e logo ter um encontro nacional e ver a dimensão do AFS?
R – Como eu comentei com vocês antes, a
Tania tinha me dito que a melhor maneira de entender a organização seria participar de uma convenção nacional, que foi a convenção de 93, em julho de 93, em Miguel Pereira. Essa foi uma convenção muito especial porque participou um número enorme de voluntários de todo Brasil e era um momento especial do AFS Brasil, que ele tinha conseguido ser partnership da organização. E as pessoas que participaram eram muito politizadas e muito engajadas. Foram seis dias de convenção em um hotel fazenda em Miguel Pereira onde eu conheci pessoas de muitos lugares de todo Brasil. E nós conversamos muito, as oficinas que foram feitas foram excelentes, foi onde se estabeleceu a missão do AFS Brasil, onde se discutiu a organização com muita franqueza, foi ma-ra-vi-lho-sa, eu tenho lembranças excelentes. Foi nessa convenção que eu entendi exatamente o que era o AFS, qual era a finalidade, qual era o trabalho, qual era o propósito. E tive uma sintonia muito grande com o AFS, era exatamente o que eu acreditava (risos) que era, eu só confirmei e disse: “Realmente, essa é uma proposta onde as pessoas estão envolvidas, as famílias, as escolas que recebem intercambista e é uma grande oportunidade para que todos aprendam a viver um pouco melhor. Porque as pessoas muitas vezes acham que são donas da verdade, acham que a sua verdade é que é real e verdadeira e não é bem assim, todo ser humano tem a sua verdade, ele está num contexto cultural, ele vive em uma família com princípios, com valores, cada um tem a sua crença. Só que nós podemos viver de uma forma pacífica e harmoniosa com as diferenças, diferenças de opiniões, diferentes posturas, diferentes atitudes, havendo respeito. Isso é possível, é plenamente possível, basta que as pessoas abram a sua mente e entendam e aceitem e não fiquem ofendidas, magoadas ou chateadas porque o outro não lhe entendeu a princípio bem ou não acatou a sua posição. Isso é um trabalho que o ser humano tem que fazer com urgência porque olha o nosso mundo como está, de uma intolerância atroz, de um fanatismo patético, não é? E vidas e vidas e vidas são perdidas todos os dias, gente, é uma coisa absurda que se vê. Então, a proposta do AFS é essa, conseguir viver de uma forma pacífica, com todas as diferenças que existem. E isso é muito bom. E é possível. E é através da experiência que você se dá conta disso. Quando você recebe um intercambista na sua casa, que ele é diferente e que ele está querendo aprender a viver como você vive. E a gente observa a dificuldade que eles têm. Então eles reaprendem a viver, sabe? Parecem até crianças, em determinado momento parece que você tem que pegar pela mão e levar, entende, pra que ele aprenda essa nova maneira de viver. Ele já nasceu na sua família natural, ele já aprendeu uma série de coisas, mas quando ele chega ele fica tão impactado que ele tem que aprender a viver novamente. Muitas vezes, alguém na família tem que ter muito essa percepção e ajudá-lo a fazer esse caminho. E nessa caminhada todos percebem, porque todos estão envolvidos, a família inteira está envolvida e ela percebe a dificuldade. Olha, eu
vou contar um fato que aconteceu com o Craig. Ele tinha chegado fazia pouco tempo em nossa casa e eles saíam, iam pro clube jogar tênis, fazia uns dois meses que o Craig estava na nossa casa. E quando eles voltaram no final da tarde o Jaime me disse: “Olha, tu dá uma olhada no Craig porque ele não está bem”. Eu disse: “Ué, o que houve?”, ele disse: “Ah, tá com dor de estômago”, não sei o quê, não sei o que lá mais. Aí eu disse: “Ah, pode deixar”. Ele tinha tomado banho, se vestiu, estava no quarto dele. A porta estava aberta e eu perguntei pra ele: “Craig, tu não está legal?”, ele disse: “Não sei o que eu tenho, estou com muita dor de estômago”. Aí eu disse pra ele: “Tu não queres que eu faça um chazinho pra ti? E eu tenho um remedinho também pra dor de estômago”. Ele disse: “Remédio eu não quero tomar, mas um chá eu quero”. Eu fiz o chá pra ele, levei o chá pra ele e de repente o Jaime: “E aí, tá melhor, filho?”, viu que ele estava tomando chá. Ele disse: “Não, ainda não estou melhor”. Eu disse pra ele: “Craig, fala, o que você está sentindo?”. Ele me olhou, sentado na cama dele, mas aí o Guilherme chegou, o Harold chegou, o Gustavo também e todos nós sentamos no chão e ele sentado na cama dele. Ele olhou pra mim e pra todos eles e disse: “Olha, vocês querem saber da verdade? Eu estou com saudades da minha mãe e saudades do meu pai e do meu gato, da minha casa, da minha cama, de tudo. Eu estou com saudades”. E aí ele começou a falar. Falou, falou, falou. Nós ficamos acho que umas duas horas, todos nós conversando, falando e apoiando ele, sabe? Aí as coisas andaram muito bem a partir dali, porque você tem que parar e ver esse momento em que eles ficam tão frágeis e ajudá-los a enfrentar isso.
P/1 – Nessa trajetória como voluntária as responsabilidades foram se ampliando? Conta pra gente um pouquinho das diferenças das funções que a senhora exerceu.
R – Olha, Chapecó, quando eu comecei a trabalhar com o AFS, eu também encontrei resistências. Eu tive que conversar muito, marcar, agendar com horinhas de conversa com os diretores das escolas e tudo o mais. No início, os jovens que faziam intercâmbio não ficavam em Chapecó, eles saíam de Chapecó pra Florianópolis, pra Porto Alegre, como o Guilherme, pra Curitiba, pra fazer suas faculdades, porque Chapecó tinha uma faculdade mas ainda ela não estava bem, o conceito ainda não era legal, não era bom, até problemas políticos em que a faculdade ficou muito voltada para si própria, ela não interagiu de uma forma boa com a comunidade, então se questionava a qualidade dos cursos. Durante muitos anos, eu trabalhei praticamente sozinha no comitê, a minha casa era onde a gente fazia as reuniões, fazia no clube mas fazia também em casa as reuniões. Eu nunca vi nada com grandes dificuldades, entende, porque era uma coisa que eu queria. À medida que os problemas vão surgindo, as dificuldades vão surgindo, você vai fazendo enfrentamento e vai encontrando soluções. Porque não adianta você detectar um problema, uma dificuldade e você ficar pensando: “E agora, o que eu faço?”, você tem que ir em busca das soluções, foi assim com bastante determinação que eu fui fazendo o que deveria ser feito.
P/1 – Tem alguma característica, alguma especificidade da região Sul em relação às demais?
R – Eu acho que os sulistas são... O Brasil é de uma diversidade imensa. Nós somos diferentes, todos nós, todas as regiões do Brasil. Então você veja, a região Sul tem uma predominância de imigrantes italianos, alemães e eles têm uma maneira um pouco diferente de ser, né? O sulista eu acho que ele é muito franco muitas vezes e isso é encarado como uma rudeza, mas não é. Ele é franco, ele diz o que ele pensa, ele se posiciona, muitas vezes de uma forma taxativa, mas é o temperamento do sulista. Não é fácil pra você chegar e conseguir as coisas que você quer, mas você vai em busca. E é óbvio que tem que ser claro: “Olha, a proposta de intercâmbio é essa”, você conversa, explica e você vai cativando as pessoas e vai fazendo elas entenderem também o que é. E foi dessa maneira que eu trabalhei.
P/1 – E dona Rosalia, o AFS dividiu, na verdade, a região Brasil Sul em duas, né, que é o Extremo Sul e o Sul. Se a senhora puder contar um pouquinho como se dá essa diferença.
R – Eu, na verdade, entrei no AFS e essa divisão já tinha acontecido. E o que alegaram pra mim foi que eram distâncias enormes porque a região Sul era Paraná, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, a princípio era isso. A região Sul do AFS correspondia à região Sul geográfica do Brasil, mas em função das distâncias eles acharam melhor ter a região Extremo Sul, que é do Estado do Rio Grande do Sul, e a região Sul, que é Paraná e Santa Catarina. Porque nós temos reuniões, duas reuniões regionais por ano e ficava muito caro o deslocamento de voluntários do Rio Grande do Sul, digamos, de Santa Maria pra ir a Curitiba, entende? Então acharam que era mais produtivo. Eu acho que isso foi anterior mim, eu não sei quem foi que tomou essa decisão, quando aconteceu, isso nada eu sei. Mas foi o que a Tania comentou comigo, ficava muito caro então eles decidiram criar a região Extremo Sul e o Paraná e Santa Catarina continuariam sendo a região Sul.
P/1 – E tem alguma atividade, alguma ação que a senhora tenha participado, realizado nessa região Sul, Paraná e Santa Catarina, que marque, que seja específico em relação aos outros comitês e regiões do AFS?
R – Eu acho que não. Porque, veja bem, durante todos esses anos, desde 93, nós temos sempre, é normal, faz parte do nosso calendário de atividades as reuniões, não as regionais. Tem as reuniões locais, regionais e a convenção nacional que acontece uma vez por ano em um determinado lugar e reúne todos os voluntários do Brasil. Mas nas regiões é regra acontecer essas reuniões regionais, duas por ano. E as locais, hoje, se quer que sejam mensais. Todos os comitês têm a obrigatoriedade de fazer uma reunião mensal na sua cidade, no seu comitê. Eu não tenho isso, pra mim tudo é especial, eu não posso escolher um momento. Das convenções nacionais, com toda certeza, eu escolho esse momento que foi 93, a convenção de Miguel Pereira, porque foi muito especial. Também era meu início, se compreende por isso. Das reuniões regionais, pra mim, todas elas são importantíssimas, tanto que eu procurei participar de todas que eu pude, foram poucas as que eu falei. E as locais, hoje, como desde 2011, eu assumi a direção regional, as locais de Chapecó eu já não participo de todas elas, eu vou às que eu posso ir. Até porque era minha intenção que o comitê existisse para sempre e eu não posso ficar toda minha vida trabalhando no comitê, não tem condições. Então, eu fui preparando o caminho pra que um dia nós tivéssemos voluntários que assumissem o comitê. Esperei duas garotas que eram ótimas, a Luana Sander e a Sabrina Marchi, elas fizeram intercâmbio no ano que meu filho Gustavo fez. E quando elas voltaram, eu disse: “Olha gurias, vocês vão assumir o comitê daqui a pouco”. Aí fizeram faculdade, pãrãrã pãrãrã, em 2011, a Luana assumiu o comitê. Eu disse: “Luana, tá mais do que na hora”, e ela disse: “Agora eu posso”. Ela é arquiteta, trabalha na imobiliária do pai dela, Exato, é uma guria muito querida. Depois dela, a Juliane, uma outra garota, assumiu. Agora no início desse ano assumiu a Sayonara, entende? Então realmente, um comitê tem que nascer, ser cultivado e encontrar pessoas pra que sucedam, que haja sucessão e que permaneça. Foi o que aconteceu em Chapecó e eu estou feliz da vida (risos), porque é uma ideia boa, bacana, legal e eu espero que continue por muitos e muitos anos.
P/1 – E agora eu queria que a senhora contasse pra gente como é que foi ser uma mãe de uma menina, né, ser a host mother de uma menina.
R – Ah sim! Porque recebemos
o Craig em 94, depois 97, 98, recebemos o Daniel Anthony Friniza, que é um americano, que também foi uma experiência bem bacana, bem legal. E 2005, nós recebemos uma garota alemã, a Kathryn. Eu já disse isso pra ela e eu posso dizer isso pra vocês, se eu tivesse tido uma filha mulher eu queria que fosse a Kathryn. Porque ela tem muito a ver comigo e eu tenho muito a ver com ela. Foi uma experiência... Ela estava com uma família e houve um desentendimento, ela saiu dessa família, foi pra minha casa e depois de uma semana que ela estava em minha casa eu a convidei pra ficar até o final da experiência em minha casa. Porque foi uma coisa maravilhosa, uma sintonia muito grande, uma maneira de ser muito parecida com a minha, com a nossa maneira de ser. Foi muito legal, foi maravilhoso e a Kathryn é minha filha do coração.
P/2 – E como foi assumir a diretoria regional? Agora você contou como é que foi ver o comitê de Chapecó andando sozinho, mas agora tem um outro olhar sobre o AFS, sobre o funcionamento do AFS, com mais responsabilidades também.
R – Bom, até 14 anos atrás, em torno disso, eu não sei se eu estou sendo precisa, não havia regra, no AFS, de não permitir acúmulo de funções ou cargos. Eu já tive uma experiência como diretora regional anos atrás, eu acho que foi em 2000, 2001, eu não lembro ao certo. Acho que por uma gestão ou duas eu fui diretora regional. Em 2011, a nossa região teve problemas com a voluntária que assumiu a direção regional porque ela teve uma oportunidade de emprego aqui em São Paulo e ela era uma guria de Blumenau (SC). Ela é paulista, morou em Blumenau e teve uma oportunidade aqui de trabalho, ela é engenheira, pra montar feiras, ela não podia perder essa chance e ela voltou pra São Paulo. Então, ela começou a ter dificuldades pra continuar com a função. Aí eu recebi uma ligação um dia, do diretor administrativo, rapaz de Curitiba, o Rodrigo, pra participar de uma reunião, porque nós também temos duas reuniões anuais dos diretores regionais, para eu vir ao Rio de Janeiro participar dessa reunião. Eu falei: “Olha Rodrigo, eu até posso ir” “Mas quem sabe depois você assume a região”. Eu falei: “Olha, com o aval da região eu assumo”, e foi o que aconteceu em 2011. Eu vim a essa reunião, foi feita a reunião nossa, a convenção regional, e aí eu tive o aval da região, completei aquele mandato dela e fui eleita para um mandato de dois anos como diretora regional. O que é ser diretor regional? O diretor regional precisa estar coordenando as atividades dos comitês, estar em contato com os comitês e auxiliá-los no que estiver ao seu alcance pra que eles consigam desenvolver as suas atividades. E também ele tem que estar sempre, digamos assim, em muita harmonia com a Secretaria Executiva porque ele vai trazer para os comitês as solicitações da Secretaria Executiva, que faze essas solicitações através das demandas que surgem dos próprios comitês. E também para um alinhamento legal e bacana da própria organização porque o Brasil precisa ter um proceder coerente, apesar das nossas diferenças, da nossa diversidade e tudo o mais, mas a organização precisa estar alinhada no seu proceder. É trabalho do diretor regional apoiar os comitês locais, apoiar os voluntários, os presidentes, os comitês, auxiliá-los e fazer esse alinhamento e também preocupar-se em fazer com que o AFS da sua região cresça, buscar novos locais para a abertura de um novo comitê, auxiliar os presidentes de comitês a buscar novos voluntários. Porque a organização não pode ficar estática, ela precisa crescer, porque nós temos uma situação muito específica no AFS. Nós temos voluntários que são returnees, que retornam de suas experiências de intercâmbio e que voltam super animados pra trabalhar nos seus comitês. Só que além do trabalho do comitê, eles têm a sua vida pessoal, que eles têm que encaminhar e organizar. Eles precisam terminar o Ensino Médio, fazer vestibular, fazer suas faculdades e começar a trabalhar, muitas vezes, o tempo que eles têm é muito pequeno pra isso. Ou a princípio eles dispõem de um tempo maior, mas depois começa a ficar mais escasso o tempo e eles acabam saindo. Então tem essa rotatividade muito grande de voluntários mais jovens porque eles estão resolvendo a sua vida pessoal. E nós precisamos estar conscientes disso e estar sempre buscando novos lugares, mais voluntários pra organização, fazer com que os voluntários permaneçam na organização, que eles trabalhem de acordo com o que a organização solicita. Porque ser um voluntário de uma organização seja ela qual for, não é você fazer o que você quer, é fazer o que a organização lhe solicita. Trabalho voluntário mudou muito, tem suas exigências. O voluntário que quer se filiar ao AFS tem que avaliar bem quais são suas condições pra trabalhar, qual é a sua disponibilidade de tempo porque você tem que atender ao que a organização te solicita.
P/1 – E agora eu queria que a senhora contasse um pouquinho pra gente nessa trajetória do AFS as pessoas que marcaram mais essa tua trajetória do AFS.
R – Voluntários?
P/1 – É, os amigos que foram feitos.
R – Eu fiz muitas amizades no AFS nesses anos todos. Mas engraçado que, voltando a 93, eu conheci duas pessoas: Diego Rivera, ele era um sociólogo, se eu não me engano ele já faleceu, e a dona Leda Dantas, que era de Brasília, também ela era uma socióloga. E eu tive uma oportunidade de conversar muito com eles nessa convenção, porque essa convenção de 93 foi de vários dias. Eu nunca esqueci essas duas pessoas porque eram pessoas que já tinham 60 e poucos anos, 70 anos, mas eram pessoas muito especiais e preocupadas com o ser humano, jamais esqueci eles, sabe? Adorei tê-los conhecido. Ao longo do tempo, eu conheci muita gente, nossa, muita, muita gente, não tenho como te dizer, do Norte, do Centro, do Sudeste, do Sul. Pessoas queridas, voluntários excelentes que gostam demais do AFS, pessoas muito especiais.
P/1 –E como é esse convívio mesmo que à distância, esse contato de gerações também?
R – Sim, com toda certeza.
P/1 – Como é essa relação? Os mais velhos com os mais novos.
R – Engraçado, nós estávamos falando sobre isso antes, né? E eu te disse que o AFS é uma organização para uma família e eu vejo que existe muitas vezes situações em que as gerações entram em conflito. Tem que administrar isso de uma forma positiva e boa pra que todos ganhem. Muitas vezes, você não é muito paciente, porque eu acho que todos são ótimos e todos têm com o que contribuir para o AFS, só que tem que haver aquele respeito para o espaço de todos, sabe? Porque uma sociedade não é composta de uma faixa etária, é de todas as faixas etárias. É um pouco contraditório você dizer que uma faixa etária é a melhor para ser voluntário nessa organização, no AFS. Eu acho que é bastante contraditório porque quando você propõe a convivência pacífica das diferenças está inclusa a diferença etária. Então seria uma coisa bem esquisita você ter uma proposta de convivência legal, boa, equilibrada, bacana, mas aí você discrimina: “Não, porque você tem mais de 40 anos você não pode estar aqui”, é esquisito isso na verdade. Porque tem pessoas que envelhecem muito mal, mas tem pessoas que envelhecem muito bem, não é verdade? Tem pessoas que com a maturidade têm uma sabedoria inestimável e tem pessoas jovens antenadíssimas, perceptivas demais que também podem contribuir muito. Havia equilíbrio. Eu acho que o segredo de viver bem é ter equilíbrio e a nossa organização precisa disso, de uma convivência boa, interna, de todos. Todos contribuindo com o que está ao seu alcance, com o que lhe é possível, havendo respeito, havendo diferenças, mas que todos saibam também ouvir uns aos outros, não é? O ser humano tem que aprender isso, aprender a ouvir muitas vezes, mas ouvir realmente, não fazer de conta que está ouvindo, ouvir realmente.
P/1 – Então agora conta pra gente um pouquinho, fora esse tempo dedicado ao voluntariado o que a senhora gosta de fazer nas horas vagas, por lazer?
R – Eu gosto muito de ler, sempre gostei, desde criança. Ultimamente, eu não tenho feito muito isso, mas eu estou com um monte de livros (risos) para ler, mas eu sempre gostei. Outra coisa que eu abandonei que eu pretendo voltar é pintar, eu gostava de pintura, uma época eu tentei fazer isso. E música também, porque eu estudei piano quando era menina e depois com meus filhos eu queria continuar a estudar piano mas tinha um de um lado e outro de outro (risos) me ajudando a tocar piano. E aí: “Mãe, vou tocar contigo” “Ah, tá bom, então vamos tocar piano”, mas não consegui mais. Meu piano está lá fechado, esquecidinho, quem sabe eu volto, não sei. E pintura realmente eu quero fazer, porque eu gosto. E comecei e parei, comecei e parei, fiz pintura em porcelana, comecei a fazer pintura em tela, desenhar. Como tu falaste antes, essa profissão de mãe te envolve muito, gente, te envolve muito, muito, muito, muito. E o problema é que eu acho que é a mais importante, sabe? Eu acho que é a mais importante da tua vida. Óbvio que agora com os três, Gustavo está em Porto Alegre, Guilherme está casado em Chapecó, o Harold já mora no seu apartamento, então só estamos nós dois em casa, eu e meu marido, Jaime. E nós também estamos rearranjando até mesmo o nosso casamento porque você passa anos e anos e anos da tua vida em família e chega um momento em que você fica morando só com seu marido, muitas vezes as pessoas se separam, moram sozinhas. E você tem que reorganizar a sua vida e eu estou nesse processo de reorganizar. Achei horrível quando nós ficamos sozinhos, eu achei muito difícil, mas ainda bem que o Harold almoça muito conosco, Guilherme de vez em quando, mais no final de semana. Gustavo agora com a residência ele veio pra Chapecó pro Natal. A minha norinha está grávida, está esperando o primeiro filhinho. Foi um momento bom e difícil, mas eu acho que é muito prazeroso você olhar pros seus filhos e ver que eles estão caminhando, seguindo a sua vida. E novos desafios aparecem pra ti porque são ciclos, são fases e você não viveu isso antes, então, você não sabe como é, você tem que aprender, tem que ter humildade suficiente pra dizer: “Bom, agora vou ter que organizar isso, viver essa nova fase e ver o que ela tem de bom e o que eu preciso organizar”.
P/1 – Quais são os sonhos?
R – Olha, eu adoro viajar. Adoro. Então, eu quero viajar muito, quero viajar muito, muito, muito, muito. É um projeto que nós temos de viajar. Meu marido também gosta, então o nosso futuro vai ser viajar (risos), sempre que possível vamos viajar, ir para um lugar diferente, um lugar novo. O ano passado, no início do ano nessa época, nós estávamos na Patagônia. Fomos a Ushuaia, fomos ao Calafate, Punta Arenas no Chile, foi uma viagem linda. Depois, em setembro do ano passado, nós fomos à Alemanha porque a minha região ganhou o prêmio de envio e aí eu fui convidada pra ser chaperone de uma turminha que ia pra Alemanha. Eu uni o útil ao agradável, aproveitei e disse: “Agora eu vou” (risos). Fomos eu e o Jaime, nós fomos nós dois com a turminha de brasileiros que foram pra Alemanha, daí aproveitamos e fizemos um pequeno passeio, fomos a Munique e depois fomos a Berlim. Fomos visitar a Kathryn, a família dela, mas como era um período que não era férias da família você não pode chegar e dizer: “Estou indo” e se instalar. “Dois diazinhos pra conhecer sua família, dar um alozinho, estar contigo e depois nós vamos fazer o nosso passeio”. Aí nós saímos de Badersfeld, que é uma cidade perto de Frankfurt, a cidadezinha, porque eles têm uma fazenda e moram na fazenda, fomos pra Munique e depois fomos a Berlim. Eu adorei, adorei demais. O que a gente vai fazer é isso, nós dois, e o Jaime. Não tenho sonhos, sei lá, estranhos, diferentes, não tenho, não. Não tenho porque a vida, ela é muito rápida. Quando eu ouvia isso (risos) anos atrás, que falavam a vida é muito rápida, e é verdade, ela é muito rápida. E tem muitas coisas maravilhosas e boas pra você aproveitar, então você não pode perder tempo, sabe? Você tem que estar fazendo o que te for possível, não perca oportunidades, não deixe de fazer, faça. E também se você tiver que parar, pare, sabe? Se o momento exigir que você pare um pouco com tudo, se recomponha e reorganize a tua vida, também faça isso, que é bom. É bom e depois vai ter uma continuidade, talvez até melhor do que estava. Mas a vida tem momentos em que é necessário parar, respirar, se reorganizar e ir adiante.
P/1 – Fazendo uma avaliação da sua trajetória, quais foram os maiores aprendizados da senhora?
R – Eu acho que eu me tornei uma pessoa mais tolerante. Foi o grande aprendizado do AFS. Mais tolerante com uma série de coisas. E também uma valorização maior à vida. Eu acho que as pessoas têm que ter consciência do valor inestimável da vida. É tão bonito você ver os jovens sendo tão corajosos e tendo essa atitude de deixar a sua vida ali organizadinha, confortável, boa e fazer o enfrentamento desse desafio, que é a experiência de intercâmbio. E aprender algumas coisas porque nós brasileiros somos muito protetores dos nossos filhos. Eu acho que nós não aprendemos ainda isso, sabe, de, sei lá, deixar que eles desde pequenos sejam mais responsáveis, que assumam mais os seus deveres, a gente acaba sempre ajudando. Eu não sei, eu acho que eu fiz assim com meus filhos, sabe? E eu acho que é bom que as pessoas aprendam desde muito cedo a ser mais responsáveis consigo próprias e com os outros. E aprendam a ser mais tolerantes, mais pacienciosos, porque a vida é muito boa (risos), a vida é muito boa, sim.
P/1 – Agora só pra gente encerrar, fala pra gente como é que foi pra senhora participar do projeto, vir até aqui contar tua história.
R – Olha, eu achei bem legal (risos). Quando eu recebi um e-mail da Ana Paula, eu estava com um monte de coisinhas pra fazer e eu disse: “Eu respondo amanhã, eu respondo amanhã, eu respondo amanhã”, e foi ficando. Aí um dia ela me telefonou e eu disse: “Bah”, até eu tinha dentista, não sei o quê, preparar Natal, um monte de coisas. E eu olhei e achei bacana: “Mas depois eu respondo pra ela, vou até me inteirar melhor disso”. Aí ela me telefonou, eu disse: “Bah, eu ia te responder”, até ela telefonou e eu estava no dentista, não pude atender o celular. Daí eu sei que eu retornei pro escritório e disse: “Alguém me ligou do escritório, não sei quem era, queria falar comigo” “É Fulana”, daí eu falei com ela. Eu achei muito interessante. Tem uma coisa que me incomoda, sabe, que é a falta do hábito, acho que nossa, de brasileiros, de conservamos a nossa memória. Dentro do AFS, nesses anos todos que eu trabalho, eu acho que não tem um registro de toda a história do AFS, porque seria muito interessante se tivesse o registro de todos os intercambistas brasileiros que fizeram intercâmbio pelo AFS, de todos os jovens estrangeiros intercambistas que vieram para o Brasil, sabe? E um registro das suas experiências, se não de todos, mas de muitos. E isso não existe. De algum tempo para cá, é que tem alguma coisa que eu sei que está registrada e guardada, mas eu acho que é de 2000 em diante. E nós precisamos ter registros, nós precisamos ter a nossa história registrada, nós precisamos ter memória, porque é o que nos dá o subsídio para ir em frente. É o registro de que foi algo positivo, de que foi algo bom, que foi super importante na vida daquela determinada pessoa. Veja só, no próprio comitê de Chapecó eu sei de histórias belíssimas, de jovens que fizeram intercâmbio, que ter feito intercâmbio foi determinante pra conseguir um excelente emprego. Um menino de Xaxim, que foi um dos primeiros intercambistas de Chapecó, ele fez depois em Blumenau Engenharia Elétrica, anos depois dele ter feito o intercâmbio e de já ter feito faculdade, estar com namorada e tudo o mais ele foi me visitar em Chapecó, foi me procurar e foi me contar que ele trabalha com a terceira maior companhia de energia elétrica do mundo, entende? Sei de meninas que casaram e foram embora (risos), foram embora, não moram mais no Brasil. De um garoto que foi procurar um emprego, foi fazer uma entrevista, a entrevista era em inglês e quando ele terminou a entrevista em inglês a pessoa dos Recursos Humanos que estava fazendo a entrevista com ele perguntou pra ele: “Mas como você tem um inglês tão bom?” “Ah, eu fiz intercâmbio pelo AFS” “Tá contratado”. São perfis diferentes de pessoas, quem faz essa experiência tem um aprendizado muito especial, é muito precioso isso. Isso você tem que conservar, você tem que guardar, você tem que saber e você tem que difundir. E ele tem que permanecer, ele tem que continuar a existir, porque é muito especial.
P/1 – Agora a gente encerra, muito obrigada pela tua participação.
R – (risos) Eu é que agradeço! Adorei, menina. Embora, na verdade eu pensei que não tinha nada gravado (risos), que era só um preenchimento de formulários. Sei lá. Agradeço muito a vocês, a atenção de vocês, achei que vocês duas foram muito queridas, me receberam muito bem, agradeço. E adorei a oportunidade de contar um pouquinho da minha história (risos).
P/1 – A gente agradece em nome do Museu da Pessoa e do AFS.Recolher