IDENTIFICAÇÃO Klever Kolberg, nasci em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no dia 13 de maio de 1962. FAMÍLIA Por parte paterna, o nome do meu avô é Paulo Kolberg e, da minha avó, Albertina Kolberg. Por parte materna é Ernesto Irineu da Silva e Vitória da Silva. O Kolberg tem...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Klever Kolberg, nasci em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no dia 13 de maio de 1962.
FAMÍLIA Por parte paterna, o nome do meu avô é Paulo Kolberg e, da minha avó, Albertina Kolberg. Por parte materna é Ernesto Irineu da Silva e Vitória da Silva. O Kolberg tem origem alemã, mas vem de antes dos meus avós – meu avô já nasceu aqui no Brasil. Meu avô, esse Kolberg, montou uma oficina aqui no Brasil, ele era da região de Montenegro. A oficina, naquela época, cuidava dos navios que viviam ali em Montenegro, cuidava principalmente dos motores de navios e foi se expandindo, foi se tornando uma oficina grande, até que depois virou uma indústria de equipamentos para frigorífico, uma indústria pequena. Minha avó era dona de casa – meu avô teve cinco filhos. Na parte materna, meu avô trabalhou muitos anos – é aposentado – na empresa de energia do Rio Grande do Sul. Não estou lembrando o nome dela agora, me escapou o nome, mas, enfim, era a empresa que cuida da parte de energia no Rio Grande do Sul. Meu pai é Ary Kolberg. Ele atualmente é aposentado, mas ele é advogado. E minha mãe é Sauli Sonia Kolberg, ela era professora de inglês, já é falecida. Eu tenho duas irmãs. Uma por parte de mãe, a Selena Kolberg, que é engenheira de produção também. E eu tenho uma outra irmã, por parte de madrasta, a Helena Kolberg, que atualmente mora nos Estados Unidos. Mas eu não acompanho a profissão dela.
INFÂNCIA A minha mãe morreu muito cedo. Eu tinha dois anos quando a minha mãe faleceu, foi um derrame cerebral. Morei com meu pai. Acho que quando eu tinha – eu não sei direito – mais ou menos uns três anos, quatro anos, ele saiu de Porto Alegre e veio para São Paulo. Então, eu tive sempre uma espécie de governanta – porque existia muito isso no Rio Grande do Sul, no passado –, uma empregada que cuidava de tudo e cuidava durante o dia da gente, morava lá, passava 24 horas lá. Quando eu tinha 14 anos, passando para 15 anos, quando eu entrei no primeiro colegial, eu morei um ano com meus avós no Rio Grande do Sul. Depois voltei para São Paulo para morar com o meu pai, que já tinha se casado novamente. Morava com meu pai, a madrasta e aí teve essa nova irmã. Quando eu fui para São Paulo, desde que eu me dou conta, eu morei na Vila Pompéia, muito perto de onde eu moro hoje, aliás. É que hoje eu moro na divisa de um bairro com o outro, mas são dois quarteirões de onde eu estou atualmente até o local onde eu morava. Vivi ali na Vila Pompéia dos três até os 14 anos, um bairro muito próximo do clube do Palmeiras. Por acaso, o Palmeiras também tem o estádio de futebol dentro do clube. Então, eu freqüentava muito o clube porque o meu pai sempre incentivou muito o esporte, sempre fiz esporte ali, comecei praticando judô, pratiquei natação, basquete, tênis e, casualmente, quando eu tinha 14 anos, eu comecei a praticar vôlei.
BRINCADEIRAS DE INFÂNCIA Nesse bairro da Pompéia, a rua onde eu morava, Rua Tucuna, era uma ladeira, uma rua inclinada. Mas mesmo assim, naquela época se jogava futebol na rua, a rua ainda não era tão movimentada e o quarteirão seguinte era sem saída. Então se jogava futebol na rua, andava-se muito de carrinho de rolimã na rua, andava-se muito de bicicleta, não tinha preocupação. Hoje em dia é uma paranóia, hoje em dia isso é totalmente impossível. Imagina alguém andando de carrinho de rolimã naquela rua e com a idade, sei lá, de cinco anos Não vejo ninguém solto na rua assim.
Por acaso eu tinha um vizinho que morava numa casa muito grande, também da minha idade, ele tinha irmãs mais velhas. Então a casa dele era muito grande e, anexado à casa, tinha um terreno grande, onde alguém fez uma construção. Tinha um pátio enorme, era quase como se fosse uma quadra de futebol de salão, digamos, mas não tinha quadra, era cimento bruto.
BRINCADEIRAS E ESTUDO A gente brincava muito ali, jogava futebol, andava de bicicleta e as irmãs mais velhas dele mantinham, numa área da casa, num porão enorme que tinha lá, um curso de admissão e aulas particulares. Então, como a gente era mais jovem – tanto ele, quanto eu e minha irmã por parte de mãe, a Selena, que é um ano mais nova do que eu – nós fazíamos essa aula particular. Todo dia a gente ia lá fazer lição e estudar.
Então, misturava um pouco de brincadeira com o estudo “vigiado”, digamos. Orientado e vigiado ao mesmo tempo, já que não tinha mãe. A governanta era uma pessoa muito legal, muito bondosa, mas não tinha a cultura para acompanhar isso tudo. Então tinha essa parte ali e muitas vezes a brincadeira começava no final da tarde e ia até a noite.
Sempre também estudei em boas escolas, meu pai sempre me proporcionou bom estudo. Estudei em várias escolas, nem sempre muito perto do bairro. Em São Paulo se utiliza muito o esquema de “perua”, que vem, pega e leva para a escola. Mas eu estudei mais anos, que eu me lembre, no Colégio Rio Branco, um colégio tradicional, forte em São Paulo, e com 14 anos eu fui para Porto Alegre.
Na época também não se tinha tanta televisão como hoje em dia, não tinha computador. Então se dormia muito mais cedo – acredito – do que meus filhos, por exemplo, dormem hoje em dia. E era um bairro de classe média. Antigamente acho que só tinha três classes: A, B ou C. Era um bairro de classe média, misturado um pouco, e era isso, a vida era estudo, estudo, brincadeira e esporte no clube.
CARRINHO DE ROLIMÃ O carrinho de rolimã, para quem não conhece, é preciso pelo menos entender o que é um rolamento. Um rolamento é uma peça que existe em várias máquinas, nos veículos tem diversos rolamentos. Mas antigamente você conseguia num ferro velho, numa oficina, rolamentos velhos, rolamentos usados, que eram trocados. Então, você pegava três ou quatro rolamentos – é uma roda de metal, bem pequenininha – e fazia um carro com esses rolamentos.
O carrinho de rolimã também tinha essa característica: normalmente você também tinha que construir. Hoje em dia até existem alguns carrinhos de rolimã, mas eles já usam roda de patins, de skate e se compra, já é uma coisa mais industrial. Não é tão fácil de achar, mas se compra, às vezes até nesses postos grandes de estrada. Comprei um para o meu filho num posto, numa estrada. Mas você tinha que construir e dar manutenção. Então, além de ser gostoso de brincar com ele, tinha a diversão, o envolvimento da construção, da manutenção, de tentar fazer melhor, diferente. Isso quando eu tinha cinco, seis, sete anos. Quando eu tinha lá meus 12, 13 anos, em São Paulo, virou uma moda carrinho de rolimã, uma moda quase profissional. Então, tinha points com ladeiras imensas, onde muitas pessoas iam andar. A ladeira se fechava à noite, era uma coisa até perigosa, de alta velocidade. Na época, por exemplo, tinha os carros de fórmula 1 da Tyrrell com seis rodas, então apareceram os carrinhos de rolimã com quatro rodas na frente. Então era bastante divertido.
FUTEBOL E CORRIDAS Na época, meu pai gostava muito de corridas, e ele sempre me levava para assistir às corridas em Interlagos – não que ele me incentivasse a ser um corredor – assim como ele me levava para assistir jogo de futebol. Normalmente todo mundo levava os filhos para jogo de futebol. Ele me levava no jogo de futebol e me levava também para assistir corrida. Por exemplo, ele não me levava para assistir a um jogo de basquete ou um jogo de vôlei, mas futebol e corrida.
Eu sempre gostei muito de carros, desde criança. Eu lembro que, na escola, no pré-primário, quando tinha aquelas tarefas básicas, tipo: faça um círculo, sei lá, nas maçãs, eu fazia um carrinho em vez de fazer um círculo, eu gostava muito. Não sei por quê, não sei se por ir ver corridas com meu pai, mas eu gostava muito. Mesmo depois, sempre gostei de desenhar. Se tivesse que desenhar alguma coisa, eu desenhava um carro, meu negócio era desenhar carros.
BICICLETA Ali na rua, carrinho de rolimã todo mundo teve, mas bicicleta eu fui um dos primeiros a ter. Primeiro porque o meu pai sempre teve bicicleta, desde a infância, então, houve essa facilidade. Bicicleta na época não era artigo para qualquer um, poucos tinham. Eu tive bicicleta desde muito cedo, sempre tive bicicleta. Na época era até a bicicleta dobrável, para onde eu viajava, dava para levar a bicicleta. Eu sempre estava andando de bicicleta. Então, sempre pedalei muito, sempre tive essa mobilidade. Eu diria assim: enquanto os amigos estavam sonhando com a bicicleta, eu já tinha. Quando o cara ganhava uma bicicleta e andava no quarteirão, eu já sumia, saía de manhã e voltava à noite, ia de bicicleta na escola, que não era perto da minha casa. Muitas vezes ia de bicicleta, porque aí economizava o dinheiro do ônibus, tinha dinheiro para uma merenda, para alguma coisa.
KART Quando eu tinha oito anos meu pai comprou um kart, que não era um kart de corrida. Era igual a um kart de corrida, só que com um motor de 4HP, um motor de quatro tempos, um motor estacionário. Talvez aí tenha havido um pouco de estímulo, mas eu não corria. Não existiam corridas paras esses karts. Então ele levava a gente em lugares onde dava para andar, não eram nem pistas, porque nas pistas andavam os karts de corrida, de alto desempenho e correr de kart sempre foi muito caro e ele não tinha como bancar isso. Eu lembro, por exemplo, de que tinha um estacionamento praticamente abandonado, no Ibirapuera. Hoje ele é cheio, mas na época, no Ibirapuera, não tinha ninguém lá. Nós começamos a andar lá, até que de repente começaram a aparecer outros garotos que tinham esses buggies, essas coisas assim, para andar junto.
Não era absolutamente uma área competitiva, era uma área que virou de lazer. Tinha algumas praças em São Paulo, onde se podia andar no meio da praça, era uma outra época. Tinha um lugar na Marginal que estava sendo pavimentado, mas não era usado. Então meu pai fez um canudo de cal e desenhou uma pista no chão para a gente brincar. E íamos andar, eu, minha irmã, sempre levávamos um ou dois amigos e acabava trazendo mais gente. Eu lembro que nesse lugar na Marginal, até depois, começou a aparecer um monte de gente lá, para andar já com kart de corrida e tudo. Depois, fechou o lugar e a gente foi crescendo, o kart foi ficando pequeno, aquilo não deu continuidade. Mas teve esse início assim.
AUTORAMA Desde pequeno eu gostava muito de carrinho, brinquei muito de autorama. Mas autorama daí já é mais profissional. Em São Paulo tinha algumas pistas profissionais, pistas enormes, não era só autorama em casa, era autorama profissional, competitivo. E nesse autorama competitivo também tinha isso, você tinha que preparar e dar manutenção no seu carro. Então, tinha que escolher o motor, tinha vários motores, você tinha que ir atrás de dinheiro, tinha que vender jornal, arrumar dinheiro, porque a mesada não bancava, era uma coisa caríssima
para o nosso poder aquisitivo, uma coisa bem avançada. O motor era profissional, o chassi era profissional, o pneu era profissional, tinha as bolhas aí tinha que fazer a pintura do carro.
Então, era uma coisa em que eu me envolvia, eu gostava bastante de mexer nisso, tanto de brincar, de andar, como de fazer o carro, de preparar. Estive bastante envolvido com isso na minha infância, até os 14 anos.
Quando eu fui para Porto Alegre, o kart já era muito pequeno, muito velho, eu já não andava mais com esse kart. De bicicleta eu andava muito em Porto Alegre e o autorama, em Porto Alegre, diminuiu. Porque em Porto Alegre, casualmente, só tinha uma pista que funcionava só uma vez por semana e para mim não tinha mais graça andar em autorama em casa, não se tratava mais disso. Em São Paulo eu já tinha experiência em corrida de autorama.
MOTO Aos 14 anos, tinha aquela campanha, que foi muito famosa no Brasil, da Caloi: “Papai, eu quero a minha Caloi”. Eu e minha irmã fizemos a nossa campanha: “Papai, eu quero a minha moto.” Então, com 14 anos, nós ganhamos a primeira moto do meu pai, era uma “cinqüentinha”, com embreagem e tudo, só que a gente só podia andar na rua, na frente de casa e de capacete. Já dava até para pensar em fugir de casa com motocicleta. Mas a gente obedecia Meu pai era rigoroso e tinha que usar capacete, o que era horrível para a gente. Horrível não era o capacete, horrível era que o capacete te escondia e as menininhas não viam que era você que estava ali na moto, esse poder de sedução era minimizado.
JUVENTUDE / PAQUERAS Na época, quando se descobriu as paqueras, era onde dava para paquerar – paquerava na escola, paquerava na rua, paquerava no clube, só pensava em paquerar, vivia para paquerar. O esporte, por exemplo o autorama, era uma coisa que não tinha mulher, era zero Não é que tivesse poucas, era zero. Então, ali era uma coisa mais pelo esporte, pela competição, ela distraía um pouco a paquera. O estudo era obrigado.
A paquera era divertida com os amigos da rua, da escola. Porque tinha os bailinhos. Na época se dançava junto nos bailinhos, se pedia para dançar: “Você quer dançar?” Nossa, como era difícil Mas tinha isso. Hoje em dia não sei mais como é. Eu tenho filhos, mas ainda são muito pequenos, ainda não estão nessa fase, não sei como está hoje.
ESPORTES Fiquei um ano em Porto Alegre morando com meus avós. Quando fui para Porto Alegre eu tinha começado a jogar vôlei aqui em São Paulo e lá o vôlei se intensificou. Lá eu fiz o primeiro colegial, na época, estudava inglês e jogava vôlei. Só que daí, já era de uma maneira mais competitiva, mais intensiva, treinando todo dia duas, três horas por dia e tinha jogos no final de semana. Então lá, a parte de esporte ficou mais focada no voleibol. Morei um ano lá. Meu pai não me deixou levar a moto, nem deixou meu avô me dar uma moto lá, o que foi uma grande briga. Daí eu fiquei louco com meu pai, depois de conseguir convencer meu avô a aceitar essa idéia, que eu nem acreditei na época. No final dessa fase de São Paulo, antes de ir para o Sul, surgiu o skate, que era uma coisa que ninguém tinha. Eu lembro que na Pompéia, eu fui um dos primeiros a ter skate. Aí, para o Sul eu levei o skate, e eu praticava um pouco, mas o skate era como um brinquedo, assim como a bicicleta era brinquedo, mas sempre que dava eu estava andando. E skate você podia andar sozinho, na ladeira, no quintal de casa, então, era um brinquedo.
Em Porto Alegre tinha muita bicicleta, skate. O vôlei não, já era uma coisa mais orientada, com técnico, com horários, com campeonato, era uma coisa diferente. Mas praticava também skate e comecei nessa época no Sul o surf, comecei a praticar surf também, mas como hobby. Eu não morava numa praia, então não era uma coisa que praticava sempre. Ainda mais no Rio Grande do Sul, o litoral gaúcho é muito frio. Era uma coisa meio de verão inclusive.
ENSINO FUNDAMENTAL No ano seguinte eu voltei para São Paulo. Não voltei para o colégio Rio Branco. O Rio Branco tinha colegial, mas eu achava muito rígido. Voltei para um ensino totalmente diferente. Lá no Sul, quando eu fiz o primeiro colegial, eu fiz numa escola do Estado, mas uma escola que era dita muito boa. Por acaso, era a escola onde, inclusive, minha mãe havia sido professora e minha madrinha era diretora dessa escola.
Então, era uma escola do Estado, mas dita exemplar. Não sei como é hoje – fora as pessoas, porque, logicamente, por ser uma escola do Estado, em comparação com o Colégio Rio Branco, o poder aquisitivo muda um pouco o tipo de pessoa – mas era uma escola que tinha esporte, que tinha artes, foi até a minha época mais ligada a artes. Tinha artes mesmo, você escolhia e ia fazer uma aula. Por exemplo, no Rio Branco tinha educação artística, mas eu achava muito mais efetiva a arte, quando eu metia a mão na massa mesmo etc. Na Rio Branco não tinha isso. Quando eu voltei eu fui para o Objetivo. Hoje em dia o Objetivo é uma indústria do ensino, não sei quantas escolas tem, é um negócio monstruoso, com faculdade e tudo. Mas foi interessante sair dessas escolas rígidas e chegar no Objetivo, onde a coisa era mais solta, na sala de aula era tudo mais liberal. Mas, enfim, de qualquer maneira tinha qualidade de ensino, tinha possibilidade de aprender bastante. Eu fiz o segundo e o terceiro colegial no Objetivo, com 17 anos prestei vestibular e com 17 anos entrei na faculdade.
ESTUDOS, NOTAS E MESADA Eu ganhava mesada de acordo com as notas. Só que a minha irmã era a primeira aluna da classe. Ela era um ano antes do meu, mas ela sempre foi a primeira aluna da classe. Então, você olhava a minha caderneta e a da minha irmã, aí eu ficava parecendo um cara que não gostava muito de estudar, vamos dizer assim. O meu negócio era passar na média e conseguir mais do que a média. Meu pai impunha “acima de oito você ganhava um valor”. Então eu lutava pelo oito, eu não me preocupava com o dez, eu não gostava. Eu era um pouco rebelde mesmo e essa coisa do rigor que tinha no Rio Branco e tal não me incentivava muito.
Eu estudava para passar de ano e para evitar aquela ameaça errada, que às vezes eu comento. Hoje, eu faço palestras e uma coisa que eu acho errado – eu vivi assim e acho erradíssimo – é falar: “Se você não passar de ano, você vai trabalhar.” Então, trabalhar era um castigo e o estudo se tornava um outro castigo: “Escolha o castigo, qual é o menor?” Isso é uma coisa meio errada, apesar de que não se pode dar muita liberdade. Acho que até foi bom, mas poderia ter sido de maneira diferente. Eu era um aluno bom, passava nas médias, nunca repeti de ano, incentivado pela mesada. Como eu queria fazer autorama, eu precisava daquela mesada, era de onde eu tinha que tirar a grana. Quando eu comecei a jogar vôlei, lá no Sul, o vôlei começou a me dar uma ajuda de custo, então eu comecei a ganhar um pouco de dinheiro. Eu paguei a faculdade jogando vôlei, eu fiz faculdade particular. Meu pai também me pagava, era da onde eu tinha um recurso. Meu pai pagava, o vôlei pagava, então era de onde eu tinha o meu salário, digamos assim.
No Objetivo, eu era um baita “cdf”. Eu achava gozado isso: Como é que eu, que não era o “dez”, no Objetivo tinha virado um cara “cdf”, excelente aluno para o padrão de lá – no Objetivo eu nunca fui de sentar na primeira carteira, mas eu tinha essa coisa da mesada e já tinha essa cultura. Era gozado. Eu sentia nisso um certo absurdo, mas acontecia.
Dentro da educação que eu tive lá dentro, que no Objetivo era uma coisa extremamente liberal – enquanto no Rio Branco eu era mais ou menos indisciplinado, tinha algumas anotações na carteira – por pouco eu não era exemplo no Objetivo. Porque, como eu jogava vôlei, às vezes eu tinha sono, mas eu tinha facilidade para aprender, então eu prestava muita atenção na aula. Não estudava muito em casa, não tinha essa vocação, eu tinha essa facilidade de aprender.
VÔLEI
Quando eu vim para São Paulo, nesses dois anos de colegial, comecei a treinar muito. Eu não treinava mais dois, três horas por dia, eu treinava seis, treinava à tarde e à noite, já pensando em ir numa Olimpíada. Na época, eu sonhava em ir numa Olimpíada, treinava muito mesmo e aí tive uma ascensão no esporte. Não era o esporte profissional como é hoje, mas, como na época o meu pensamento era um pouco, vamos dizer, adolescente, ficava aquela coisa de querer levar uma boa vida, o esporte paga, dá para sobreviver. Na época, mal daria para sobreviver se tivesse que pagar uma casa, essa coisa toda, mas me dedicava bastante e sonhava em ir numa Olimpíada.
VESTIBULAR Com 17 anos veio o vestibular e era uma baita pressão – pelo menos para mim foi, tinha que passar porque senão ia ter que trabalhar, sei lá, eu ficava naquela de que eu tinha que passar no vestibular, senão eu estava morto, era um pavor não passar. Como eu gostava de carro, eu queria fazer engenharia; como eu gostava de esporte, eu queria fazer educação física. E eu tinha que fazer uma opção: “Vou fazer vestibular para engenharia ou para educação física?” Na época, esporte não dava camisa para ninguém, então eu optei pela engenharia que era onde eu teria futuro. Teve influência indireta do meu pai sobre isso. Não é que meu pai falasse: “Como você vai fazer educação física?” Mas teve influência indireta. E para passar no vestibular eu tive que estudar um pouco mais, tive que diminuir a carga de treinos no vôlei e consegui passar na faculdade. Só que quando eu entrei na faculdade, aquele ano foi um ano de tremenda pressão, um ano terrível, aquele peso nas costas.
DISPENSA DO VÔLEI Eu entrei logo aos 17 anos para engenharia de produção. E eu me lembro de que quando eu entrei – na época fiz vestibular em dezembro, no final do ano, sei lá –, em janeiro, no meu primeiro dia de férias, já tive que voltar das férias para fazer inscrição na faculdade. Uma semana depois, houve uma convocação para uma seleção paulista de vôlei juvenil, que era importante para a minha carreira de vôlei. Foram convocados 40 atletas e iam ficar 12. Então eu fui lá e pedi dispensa, porque eu não agüentava mais seleção na minha vida – não a seleção do vôlei, mas o processo de seleção que eu não queria, eu precisava descansar e resolvi isso em dois meses. E, de uma certa maneira, acho que agi certo.
Foi o primeiro passo para ir diminuindo a carga do vôlei e estudar. Quando voltei, continuei ainda jogando vôlei vários anos, pagou toda a faculdade, mas não consegui mais. O sonho de ir para a Olimpíada diminuiu um pouco. Ao mesmo tempo – eu lembro –, no vôlei naquela época criou-se o primeiro time profissional, que foi o Bradesco. Em seguida surgiu a Pirelli, quase ao mesmo tempo, e o vôlei começou a ser tratado como algo um pouco mais valorizado. Quer dizer, na época, o esportista não era tratado como uma pessoa séria, incrivelmente seria dado como vagabundo o cara que faz esporte. É um absurdo, é um erro da cultura, mas, enfim. Esse ano pesou muito, o esporte é muito competitivo. A engrenagem andou e você precisava de muita motivação para treinar seis horas por dia. Você não está mais fazendo o que você quer, então você precisa ter uma garra. Se você não está num envolvimento, não dá. Eu fiquei semi-envolvido, não fiquei mais focado como eu era naquele negócio.
FACULDADE DE ENGENHARIA O curso de engenharia foi um curso com aulas legais e aulas extremamente chatas. Teve coisas que eu não gostei, que me desestimularam, teve coisas que eu gostei e que me envolveram. Então era aquela fase de fazer o curso, tentar ir bem e depois, no meio do curso, já começava aquela pressão por estágio: “Onde é que você vai trabalhar?” “Hoje em dia não tem vaga.” Aquela onda toda. E eu tratei de ir logo fazer um estágio. Acho que já no segundo ano do curso eu estava fazendo estágio. Enquanto ninguém estava, eu fui fazer estágio nas férias para tentar me adiantar, me envolver.
PRIMEIRA EMPRESA No terceiro ano surgiu a possibilidade, “pintou” uma idéia de montar uma empresa para equipamentos de micro-filmagem e produtos para indústria gráfica. E pela total ignorância do que é ser um empreendedor, eu me enfiei de cabeça nesse negócio. Então eu estudava e tinha a empresa ao mesmo tempo. Aí eu parei o vôlei, porque aí não dava nem para jogar duas horas por dia, eu tive que interromper o vôlei durante uns dois anos. Foi o primeiro trabalho que tive. Tive alguns trabalhos temporários, pequenos, mais ligados à engenharia. Tive outros bicos para arrumar um dinheiro para comprar isso ou aquilo, mas esse foi um trabalho mais ligado à carreira.
AMIZADES / INFLUÊNCIAS Essas atividades extraclasse exerceram influência na minha formação. Acho que foi 50% e 50%. Ou talvez, sei lá, eu dividiria aí em 25% cada coisa. Porque eu acho que 25% vem de casa. Talvez o mais importante de tudo seja os amigos. Vamos pôr 25% nos amigos. Alguns amigos eram envolvidos com esportes, porque no esporte você forma grupo de amigos. Aí tem o grupo de amigos da rua e o grupo de amigos do esporte. No caso eu tinha o grupo de amigos do vôlei, o grupo de amigos da escola, o grupo de amigos do skate e o grupo de amigos do surf. Eventualmente, tinha alguém que era do bairro ou era da escola e do skate, ou era disso e daquilo, era de dois grupos. Mas eu acho que as influências vieram desses quatro lados: família, amigos, escola e essas outras atividades esportivas.
JUDÔ A minha primeira competição foi muito cedo, foi no judô, porque meu pai sempre incentivou o esporte e eu com seis anos lutava judô e disputava campeonato paulista. O judô é extremamente competitivo, o treino de judô é muito forte, era uma coisa de três, quatro vezes por semana. Na época, o Palmeiras tinha uma equipe de judô bastante forte, ele tinha essa infra-estrutura, era perto de casa, ficava a quatro quarteirões de onde eu morava e era uma outra época, porque eu ia sozinho à noite para o treino. Hoje, o cara pode ser preso se deixar o filho com seis anos andar quatro quarteirões à noite. Pode ser preso por não cuidar dos filhos. Mas era uma outra época, tinha essas facilidades, mas, enfim, era um esporte, mas era um esporte com disciplina. Judô, Nossa Senhora Judô é extremamente disciplinado.
COMPETIÇÕES Então o meu pai foi me levando para as competições desde cedo: rolimã, bicicleta, kart.
Eu comecei a querer competir quando ganhei o kart do meu pai, aí eu queria virar corredor. Inicialmente, queria que o meu pai virasse corredor, porque eu tinha oito anos, nove anos. O meu sonho era que meu pai fosse um corredor. E eu ficava insistindo para ele sair correndo, eu queria ver ele correr e meu pai gostava de corridas e tudo. Às vezes andava comigo no carro, correndo bastante, e eu gostava daquilo, achava que ele dirigia muito bem. Eu tinha um amigo na própria rua, que o primo dele, ou tio – mas era um tio jovem, que tinha 18 anos assim – corria e tinha tipo uma carreteira. Às vezes ele aparecia com aquele negócio lá. Aí a gente queria montar uma equipe entre o tio dele – ou primo – e o meu pai.
Era uma coisa meio de sonho, mas como eu gostava de corrida. De cara dava para ver que precisava de muito dinheiro e não tinha dinheiro, era uma coisa assim. Não tinha a menor condição do meu pai me bancar correndo. Naquela época nem se falava em patrocínio. Mesmo hoje ninguém começa no kart com patrocínio, é “paitrocínio” mesmo. Então não tinha como correr, era como dissesse assim: “Ah, um dia eu quero ir na lua.” É um sonho muito distante Só faltava a Nasa vir aqui e falar: “Olha, você foi escolhido.”
Não era uma coisa como se eu estivesse indo em busca desse sonho. Então, sempre foi nessa onda. Tinha moto, gostava de fazer loucura na rua, acelerar, mas não tinha dinheiro. Eu ia na corrida e conversava com o pessoal: “Como é que dá e tal?” Chegava no final: “Ah, compra, compra...” Para começar a correr a conta era enorme Estava totalmente fora do que dava para se fazer, então eu ficava só na vontade e não ia muito atrás.
MOTOS E ENDUROS Quando eu estava na faculdade – montei a minha empresa ainda na faculdade, eu fazia faculdade e trabalhava na empresa –, eu tinha uma moto e sofri um acidente com essa moto. Com o seguro do acidente, eu peguei o dinheiro e coloquei na empresa. Era uma Honda CB400. Eu investi esse dinheiro. Quando eu tive um pouco de retorno – eu fiquei a pé um ano e pouco –, eu tratei de comprar uma moto de novo, para pelo menos ter um veículo em São Paulo.
A moto que eu vendi era uma moto de asfalto, de rua. Na época a Honda tinha lançado a XL250 e a Yamaha tinha a DT180, que eram motos excelentes. Era o lançamento, era da moda e a DT dava para eu comprar. Financiei e comprei a DT180, que é uma moto de asfalto, mas que dava para brincar na terra. E estava na moda fazer enduro, enduro de regularidade. E perto de onde eu tinha a empresa, a umas três quadras – a empresa, por uma coincidência, ficava na Zona Norte de São Paulo, que é muito próxima da Serra da Cantareira – ficava a Serra da Cantareira. Vinte anos atrás, mesmo hoje – mas hoje menos, por causa da ecologia –, era o reduto do “off-road”, no Brasil. Eu estava ali, mas não sabia. Tinha uma loja de motos especializada em trilha, até se chamava “Trilha”, e eu passava ali em frente por caminho, indo em algum lugar, e via aquelas motos de competição, que eram as DT´s preparadas para corrida. Um dia parei lá, fui falar com o dono, e ele: “A equipe é minha, mas eu tenho várias pessoas que competem e Enduro de Regularidade é barato.” Eu: “Barato como?” Porque isso já estava tão distante, eu já estava tão focado na empresa, estava terminando a faculdade, ou já tinha saído da faculdade, concluído o curso. Aí ele me passou os custos. Ele falou: ”Você vem aqui e a gente dá um jeito de levar tua moto.” Porque eu não tinha carreta, não tinha carro, não tinha pick-up para pôr a moto e levar até o lugar da competição. E ele: “Você vem aqui e a gente ajuda.” Quer dizer, o Enduro era um monte de amador aficionado, que tinha um tremendo de um espírito de cooperação, um ajudava o outro na boa mesmo. “Vem aqui e você vai competir. Mas primeiro por que você não vai fazer uma trilha lá? Dá para fazer com a moto assim, você tira os piscas.” “Não, mas e os pneus?” “Não, vai assim mesmo.” E o cara me incentivou e eu fui fazer uma trilha em Alphaville. Na época, dava para fazer trilha em Alphaville. Hoje em dia, se você quer ser assaltado, vai fazer trilha em Alphaville. Fora que muitas trilhas viraram condomínio. Mas, enfim, fui lá para Alphaville e tinha um ponto lá, onde todo mundo se encontrava, apareceram uns caras. Eu falei: “Posso ir com vocês? Porque eu nunca fiz trilha.” Os caras: “A gente também não anda muito bem, vem aí.” E como eu andava de moto há muitos anos, eu fiz a primeira trilha e meio que acompanhei os caras e adorei. Achei o negócio que eu queria fazer. E comecei fazer trilha naquele ano. Mas aí, como eu já andava de moto e de bicicleta, eu tinha a ciclística, tinha a natureza. Em três meses, por exemplo, aqueles caras com quem eu tinha andado na primeira vez já não conseguiam mais andar comigo. Eu estava andando muito bem. Talvez, porque eu também sempre fiz esporte. Então, eu não tinha como ir fazer trilha dia de semana, mas chegava lá no sábado às sete horas da manhã e saía às sete da noite. No domingo, às sete da manhã de novo. Eu sem querer estava treinando, me dedicando. Eu tinha essa mania de quando entrava num negócio fazer de cabeça mesmo, então, tive uma evolução.
PRIMEIRO COMPEONATO DE ENDURO No final do ano, eu resolvi participar de umas competições. O cara falou: “Você tem que competir.” Todo mundo falava: “Você tem que competir.” Eu entrei no final do campeonato e fui tão bem que, na categoria novato, fui campeão fazendo 1/3 só do campeonato. Era o Campeonato Paulista de Enduro, de 1986, fui campeão na categoria lá de novatos.
NOVATO, MAS NEM TANTO Aí entra uma história interessante. O enduro, naquela época, tinha três categorias: novato, sênior e graduado. Sempre os graduados largavam na frente. Às vezes, quando pegava trechos muito ruins que, por exemplo, só dá para passar uma moto – o enduro é um rali de moto –, às vezes o lugar é tão difícil de andar, que começa a afunilar. Então, os novatos largam atrás, para quê? Para não atrapalhar, porque muitas vezes dá engarrafamento nesses pontos críticos. Sei lá, tem que subir uma montanha e tem um trecho ali muito difícil.
Mas, não sei por quê, o organizador teve a idéia de fazer a última prova do ano de um jeito diferente. Os novatos largavam atrás dos graduados e dos seniores, mas eles não fariam um percurso da prova, um trecho muito difícil, de tal modo que eles estariam na frente dessa turma. Só que daí vinha o trecho realmente mais difícil, que era uma descida de uma montanha muito difícil mesmo e choveu. E, naquele ano, muita gente se incomodou com o meu desempenho na categoria novato, porque, chegava nesses lugares, eu passava fácil.
E na última prova do final do ano, chegou nesse lugar e tinha uma tremenda fila de novatos e eu não quis passar, forçar passagem, então eu falei: “não, já sou campeão, não vou arrumar briga hoje, nessa última prova. Nessa última prova eu vou sair como bonzinho.” Porque era só passar e todo mundo começava a criticar, mas era um absurdo Os caras não queriam deixar você passar. Naquele dia eu me segurei, falei: “Hoje eu vou ficar na minha.” Quando eu cheguei na fila, já teve gente quase descendo da moto e dizendo: “Se você passar hoje...” E eu: “Não, não, e tal.”
Daqui a pouco vêm os graduados e os graduados vieram, literalmente, passando por cima de todo mundo, mas nem pediram para sair, já vinham empurrando a moto e tal, e os caras não falaram nada Eu fiquei louco da vida: “Ah, quer dizer que os graduados podem e eu não posso?” Até que o primeiro graduado chegou na minha moto e se jogou. Mas ele não tinha onde, era um morro, era um lugar muito difícil de passar, mas o cara já chegou e já jogou a moto. Ele vinha no morro e, para achar um ponto de parar, ele jogou a moto e caiu em cima do meu pé. Mas naquele dia eu estava excepcionalmente calmo, o cara ia rolar lá para baixo, porque era um morro mesmo Não era uma descida, era um morro E o cara virou para mim e falou: “Deixa eu passar.” Eu falei: “Não, mas está todo mundo aqui na fila, por que você quer passar?” Ele falou: “Você não está passando porque você tem medo.”
Nossa Ele mexeu na minha ferida. E eu fiquei louco. “Mas como? Eu estou aqui respeitando e o cara fala isso.” Eu quase estive a ponto de brigar com o cara ali, naquele momento. Normalmente, eu digo que eu brigaria, mas naquele dia, eu estava conseguindo manter o controle e eu falei: “Então passa.” Puxei a moto. Quando ele passou, eu grudei nele e fui atrás. Aí ninguém brigou comigo, porque achavam até que eu era graduado. Quando percebiam, eu já estava passando. E o cara estava andando muito forte e eu fui acompanhando e foi uma loucura acompanhar – para você, novato, acompanhar era como se você, exagerando bastante, fosse correr uma corrida de Fórmula 1 e daqui a pouco grudasse no Schumacher e o Schumacher não conseguisse abrir de você. E eu terminei aquela prova radiante pelo que tinha acontecido.
ENCONTRO COM ANDRÉ AZEVEDO No ano seguinte, no começo do ano, aquele cara da loja que tinha uma equipe falou: “Você não quer vir fazer parte da minha equipe?” Porque ele viu que eu tinha ido muito bem e que eu passaria para sênior e ele queria ter um cara bom na categoria. E ele falou: “Contratei um cara fera para o graduado também. Vou ser campeão de graduado e de sênior esse ano.” Eu falei: “Quem é?” “Ah, contratei o André Azevedo.” “Ah, o André Azevedo, legal” “Vou te apresentar ao André.” Quando chegou lá no outro dia, com o André Azevedo, eu olhei e falei: “Mas vem cá, você não jogou a moto em cima do meu pé?” “Ah, era você?” Era o André Azevedo que tinha jogado a moto no meu pé. O André é meu sócio hoje, na Dakar Quer dizer, o incrível foi que, no nosso primeiro encontro, a gente quase foi às vias de fato. Incrível como é o destino. E ele ainda veio a ser meu sócio.
PARCERIA COM ANDRÉ AZEVEDO Foi assim que eu conheci o André, que hoje é meu sócio, participa no Dakar, estamos aí há 18 Paris-Dakar juntos. Mas a pergunta era como eu cheguei no Dakar. Eu e o André, no primeiro encontro, quase nos esmurramos. Mas no segundo encontro – porque, lógico, ali a cabeça está fria – demos até risada, não teve nada de discussão. Até hoje ele conta a versão dele, ele conta uma outra versão dos fatos, que é mentira, se algum dia vocês forem gravar, é mentira. A minha versão é a verdadeira, honesta.
Enfim, a gente não ficou preocupado com quem tinha razão, isso passou batido e fomos fazer parte da mesma equipe. Como a equipe já tinha outros competidores, não que se formasse uma panelinha dos antigos, mas nós éramos os “estranhos no ninho”. O André tinha pick-up, eu ainda não tinha, então, quando ia para uma competição, o André que levava minha moto, então eu ia com o André. O André não era casado, eu também não era, então começamos a sair também. “Vamos lá, vamos competir não sei aonde, vamos ver as ‘minas’.” Então se formou uma amizade. Na época a gente estava competindo na mesma equipe, mas em categorias diferentes. Ele era do graduado, eu era do sênior no mesmo campeonato, na mesma equipe.
MUDANÇA DE CATEGORIA Como eu fui campeão, eu passei para uma categoria mais avançada, a sênior, que seria a intermediária. Na verdade, eles até criaram naquele ano uma outra intermediária, mas como eu tinha ido muito bem, a Federação não quis que eu ficasse nessa, porque não ia ter nem graça o campeonato. Então fui para essa sênior, que já era bem forte e o André estava nessa graduada.
AMADORISMO Então, a gente ia competir. Só para o pessoal entender como o negócio era amador, havia dois eventos grandes por ano – fora as provas do campeonato, que eram de um dia – tinha o Enduro das Montanhas, que era uma prova que normalmente durava três dias: saía de São Paulo, ia para Ilha Bela ou São Sebastião; de São Sebastião ia a Campos do Jordão e voltava a São Paulo, um percurso mais ou menos ali. E tinha o Enduro da Independência, que também era um Enduro de três dias: às vezes saía de São Paulo, às vezes saía do Rio, e chegava lá em Belo Horizonte. Para a gente fazer essas provas, a gente tinha que se reunir, fazer uma cooperativa e “fulano de tal” tinha casa lá em São Sebastião, ou um tio tinha, aí: “Poxa, legal Então não precisa pagar hotel, leva uns colchões, a gente dorme lá.” Era uma coisa assim.
FALTA DE PATROCÍNIO Os patrocínios eram muito fracos. Tinha a equipe da Honda, mas eram dois pilotos. O Enduro até começou a entrar numa certa decadência naquela época, mas tinha muito participante. O Enduro da Independência tinha 700 participantes. Era uma coisa grande, apesar de ter poucos patrocinadores para equipes. Começou a ter patrocinador para o evento, a própria Petrobras patrocinou várias vezes o Independência. Mas a gente viabilizava assim, era aquela coisa: “volta de ônibus”, “arruma uma carona”, porque não tinha grana mesmo para investir no negócio.
ENDURO DAS MONTANHAS No primeiro dia do Enduro das Montanhas, naquele ano, e eu fui muito bem e o André foi muito bem também. O enduro no Brasil tinha uma tradição mineira, começou em Minas. Minas, realmente, é onde tem mais desportistas dessa área. Então os mineiros sempre ganhavam e tinha uma história de que os mineiros tinham roubado sempre do André. E essa prova era uma prova paulista, era mais difícil dos mineiros roubarem. Se roubavam ou não roubavam, eu também não posso agora dizer, é a história, é o que se ouvia. Lógico que eu estou sempre com o André, tenho uma tendência a achar que realmente roubavam, mas não vamos entrar nesse mérito agora.
Então os graduados, os grandes feras, os mineiros ficaram atrás do André nesse primeiro dia e os grandes feras da sênior ficaram atrás de mim. E na casa desse amigo em São Sebastião, no final do primeiro dia do Enduro das Montanhas, todo mundo foi dormir e eu fiquei conversando com o André. A gente perdeu o sono e, papo vai, papo vem, o André falou: “Você viu que o mineiro, que está lá atrás de mim, está falando que quer correr o Paris-Dakar?” E eu: “Pô, esse negócio de Paris-Dakar é uma loucura, eu vi umas fotos.”
RALLY PARIS-DAKAR Eu nem conhecia direito o que era o Paris-Dakar e o André começou a falar da opinião dele, do que era o Paris-Dakar, ele tinha mais experiência. O André já corria de moto há 12 anos – era o meu segundo ano correndo –,ele já tinha participado de várias outras categorias, outras modalidades, tinha mais experiência e começou a falar. Eu falei: “Mas André, você acha que dá para correr no Paris-Dakar?” “Eu acho que dá porque eu fiz tal prova de XL etc.” Ele falou umas histórias – que pena que não está gravado, porque era uma inconseqüência o que a gente estava conversando ali, não imaginávamos o que estávamos falando e achando que dava, pela ignorância da realidade dos fatos. Aí ele falou: “O problema é o dinheiro, porque não tem patrocínio, você vê aqui.” Eu falei: “Mas é que esses caras que procuram patrocínio não sabem procurar. Eu tenho uma idéia” Então, o André tinha, em teoria, a solução para a parte técnica e eu, em teoria, tinha a solução para a parte comercial. E eu falei para ele: “Olha, se a gente ganhar esse Enduro, quando terminar a gente divulga que vai para o Paris-Dakar. Então vamos ganhar.” Inclusive, naquele ano, a TV Bandeirantes estava filmando e estava o maior agito.
E não é que a gente ganhou Quando foram nos entregar o troféu, lá na frente de todo mundo, na cara de pau, falamos: “Estamos indo para o Paris-Dakar.” E não tínhamos nada, nada nas mãos Mas divulgamos e foi assim que a gente entrou no Paris-Dakar.
CRIAÇÃO DE UM PROJETO Nós anunciamos que iríamos para o Paris-Dakar sem o mínimo respaldo. Então, de volta desse momento da vitória lá do Rali das Montanhas, naquele ano a prova tinha tido uma divulgação excepcional. Daí, nas outras, fomos dar algumas entrevistas em TV, em rádio e começamos a divulgar que íamos para o Paris-Dakar e fomos estudar. Como o André também é engenheiro, eu também sou, nós fomos então montar um projeto – talvez a engenharia entrou um pouco nesse negócio, porque em vez da gente ficar só falando, nós fomos escrever, fomos fazer, fomos tornar o negócio realidade e montamos um projeto – para ver o custo, qual investimento seria necessário.
Porque a gente já sabia que seria enorme, já tinhamos uma idéia. Aí chegamos a um valor mais real, vendo o que era cada custo etc e tal. Fomos atrás. A gente também deu sorte nessa época, porque uma revista que tinha um jornalista francês, que era editor dessa revista, ele já tinha participado do Paris-Dakar, então ele também serviu como uma importante fonte de dados para a gente. Porque era difícil descobrir qualquer coisa. Hoje em dia você pode se inscrever no Paris-Dakar pela internet, saber de tudo. Na época não tinha internet, então era complicado. A gente foi garimpar informação, fomos nas bancas, nas livrarias, tentar achar informações sobre o Paris-Dakar. Isso foi em 1987, quando nós ganhamos o Enduro das Montanhas. Mas nós estávamos convictos de que a idéia era boa, ou seja, que o Paris-Dakar era uma coisa que iria atrair a atenção das pessoas. Por que o Paris-Dakar, até então, saía pouquíssimo na mídia? Porque ninguém sabia nada do Paris-Dakar e os jornalistas, não sei por quê, não sabiam nada.
BUSCA POR PATROCÍNIO Então, qual foi a nossa idéia? A gente tinha um grande problema: conseguir o recurso. Para conseguir o patrocínio a nossa lógica era o seguinte: você precisava ser uma pessoa famosa, porque dá retorno, porque vai conquistar os patrocinadores. E nós não éramos nem um pouco conhecidos, nós éramos ilustres desconhecidos. Como fazer? Então eu falei: “Vamos tornar o problema uma solução. Vamos” A gente nem sabia o que era assessoria de imprensa, mas sem querer, pensamos: “Vamos na imprensa e vamos fornecer o material para eles sobre o Paris-Dakar. Como o material é fascinante, a imprensa vai divulgar, vai acabar entrevistando a gente e nós vamos sair na imprensa, os patrocinadores vão nos conhecer e nós vamos achar uma solução.”
A estratégia era simples e se mostrou efetiva. Funcionou, só que depois de alguns meses de trabalho, visitamos mais de 500 empresas. Daí, nós nos dedicamos ao negócio, a vender, viramos vendedores mesmo dessa idéia e a gente tinha conseguido pouquíssimos recursos, mal e mal dava para um ir. Então a gente começou até a ter um plano, digamos, estratégico. Agora o plano estratégico era: alguém vai pegar hepatite a poucos dias da largada e vai um só, porque tinha pouquíssimo dinheiro, o cara iria numa “barroca” sozinho. Mas nós não desistimos e aí tem mil histórias. Mas conseguimos, em cima da hora, um patrocínio de mais uma empresa grande. Conseguimos através de provocações envolver outras empresas, enfim, demos um jeito. Vendemos um carro nosso, fizemos nossas contas: se vender, na volta vai ficar no zero a zero. Fomos lá e conseguimos viabilizar a primeira participação brasileira no Paris-Dakar. Por todas as dificuldades e principalmente pela falta de informação, pela dificuldade à informação, eu sempre brinco que foi quase como Cabral descobriu o Brasil: chegou lá sem saber o que vinha pela frente.
CHEGANDO AO SONHO Dar largada no Paris-Dakar era a realização de um sonho tão grande para a gente, era uma coisa tão grande, tanta gente tinha já sonhado com isso – e todo mundo dizia que era impossível – que só de você conseguir sair do zero que a gente saiu... E nós saímos do zero para os 60 mil dólares. Hoje, quem for atrás de patrocínio sabe que arrumar 60 mil dólares não é fácil, ainda mais saindo totalmente do zero.
PRIMEIRAS DIFICULDADES Quando chegamos lá, a gente estava achando até que ia ganhar o rali. De repente, se alguém desse um vacilo a gente beliscava. E nós chegamos lá com toda dificuldade, era dificuldade de preparar a moto – hoje em dia você compra uma moto preparada, na época você tinha que descobrir quem fazia o tanque grande, porque a moto precisa de um tanque enorme, não é o tanque normal que é vendido com a moto, precisa de tal amortecedor precisa – enfim, tinha que ir atrás de coisa por coisa, foi uma loucura.
A gente não tinha dinheiro para o hotel: eu fui para a casa de uma amiga de uma amiga minha. Quando eu cheguei na França, essa amiga tinha ido morar com o namorado e eu falei: “Não tem importância, eu vou lá.” Fui lá, bati na porta, falei: “Ué, a amiga falou que eu podia vir, e eu tenho que ficar aqui.” Não conhecia ela, imagina Fiquei na sala do namorado dela, olha a “cara-de-pau”. É que às vezes você fica tão empenhado, tão comprometido, que o “semancol” estava zero. Não tinha mais “semancol” no negócio, a ponto de a gente achar que podia se dar bem na prova, mesmo com uma estrutura, uma “barroca” total.
A gente só foi conhecer a moto na véspera da largada, porque não existia moto aqui no Brasil para o Paris-Dakar. Quando chegamos lá, tivemos que comprar em cima da hora e já levar para preparar a moto. A moto ficou preparada e às três da tarde tinha que estar lá no Paris-Dakar. Dali a duas horas pega a moto. E foi a primeira fez que eu andei. Saí da oficina e fui lá para a parte burocrática do Paris-Dakar.
FALTA DE EXPERIÊNCIA Então, não conhecia a moto, não tinha treinado, não tinha nenhuma equipe de apoio, a equipe de apoio era o que a gente carregava nas costas e tinha aquela tal coisa: às vezes é difícil ouvir conselhos. Então, o que devemos levar na moto? Você está indo para o Paris-Dakar, o que você vai levar? Pode-se fazer essa pergunta: o que você levaria na moto? E, você, o que você levaria? E o saco de dormir? Onde que você vai pôr? Porque é deserto, faz frio para caramba. E o mantimento? Será que tem que levar? E a água, onde é que você vai levar? E o livrinho? E o mapa? Quantos mapas são? Você pensa que é um mapinha só? Quando a gente pôs as coisas que a gente achava que ia levar, a gente encheu uma sala dessa aqui. Na moto, absolutamente, não dá para levar essa sala “Ah, temos duas motos” Então começamos a dividir, a pôr as prioridades. E era como se tivesse uma garupa na moto, virou uma mala imensa. Cortando, fazendo a prioridade da prioridade, virou uma mala imensa, você percebe? Aquilo acabou atrapalhando o nosso desempenho, porque a própria mala caía, a mala era um peso, aquilo foi um inferno, aquilo nos atrapalhou demais.
NO DESERTO, CADÊ O ANDRÉ? Quando chegamos no deserto, de cara eu e o André nos perdemos um do outro. A gente pensou que ia ser fácil andar sempre junto e nos perdemos. De brasileiros, só tinha nós dois. Eram os primeiros brasileiros, sem mecânico, sem nada, e tinha equipes lá de 60, 70 pessoas. Aí, numa certa situação, eu estou arrumando a bagagem na moto – porque tudo aquilo estava arrebentando e caindo, estava só atrapalhando, era um lugar de dunas muito difícil –, um carro vem e passa por cima da moto para não atolar.
Eu estou resumindo a história aqui, se não a gente vai ficar muito tempo nessa história. Tive que arrumar a moto para sair dali, perdi muito tempo. E como é o Paris-Dakar? Você tem que estar na hora da largada da etapa seguinte, o único horário do Paris-Dakar é o horário de largada. Se você não estiver no horário da largada, você está desclassificado, não importa. Não é porque você sofreu um acidente que você está desclassificado, você só é desclassificado no dia seguinte – vamos supor assim – porque você não apareceu na largada no horário. Então, não importa. Tem gente que chega às três horas da tarde, faz manutenção, a equipe dorme e tem gente que chega e tem que voltar da largada, andar em marcha-ré, digamos, para abastecer, sem dormir. E a gente estava nessa situação. Bom, eu não consegui completar aquela etapa, não sabia onde estava o André, só fui encontrar o André no Brasil. Vários dias depois que eu fui saber da história dele, porque no deserto você fica incomunicável. Hoje, já tem telefone via satélite. Hoje em dia o celular pega em vários lugares, mas na época não tinha tudo isso, e não tinha como avisar meu pai que eu estava bem.
Quando eu fui desclassificado – a mídia distorce as informações –, em vez da mídia dizer que eu estava desclassificado e não tinha completado a etapa, a mídia no Brasil divulgou: “Klever está perdido no deserto.” Meu pai teve um surto e começou a procurar uma maneira de tentar me achar no deserto. Eu levei sete dias para chegar num lugar onde tinha um telefone. Aí que eu consegui falar com ele por causa de uma notícia distorcida pela mídia, coisa que a mídia faz até hoje em dia. Quando pode, distorce, aumenta para vender, para chamar atenção. Isso é um absurdo, mas acontece direto.
DESEMPENHO DO PARCEIRO O André continuou o rali mais três, quatro etapas. Numa dessas, ele chegou mais um dia já na hora da largada. Aí ele viu que já não tinha mais condições físicas e ia acabar se acidentando. Resolveu sair do rali e, como no Deserto às vezes o acampamento é em pontos onde não tem infra-estrutura, ele ainda teve que andar mais um, dois dias, até chegar numa cidade que tinha, uma vez por semana, um avião, para sair do deserto. Então, ele andou um pouco no rali, nos bastidores.
O VÍRUS DO DESERTO Eu cheguei no Brasil falando: “Que besteira Perdi meu tempo, onde eu estava com a cabeça? Pus o dinheiro do carro, pus tempo, trabalho, larguei, esqueci dos amigos, esqueci da vida, parei de viver por causa do Paris-Dakar e é essa loucura. Não volto nunca mais.” O André não sabia, mas chegou também praguejando, falando praticamente o mesmo discurso: “não volto nem que me paguem nesse negócio.”
Mas, passado uma semana, começou a me acontecer uma coisa. Quando eu abandonei o rali, tinha outros pilotos que estavam abandonando, mas eles já tinham outras experiências. E acabou se reunindo um grupo de umas 50 pessoas e eu estava lá entre essas 50. Naquele dia, umas 300 pessoas abandonaram. Mas tinha aquele grupo de umas 50 e, delas, eu era, com certeza, disparadamente, o mais frustrado, o mais desanimado de todos. Era um poço de lamentação e os caras estavam ali curtindo a aventura e aproveitando. O que se vai fazer? Abandonou o rali, abandonou. Mas eu estava cavando um buraco, querendo me esconder. Estava um avestruz.
E um cara falou assim: “Você vai chegar no Brasil, vai contar a sua história e vai querer voltar para cá.” Mas me falou como se tivesse uma bola de cristal, como se o cara pudesse ver o futuro e eu falei: “Você está louco De onde você está tirando essa idéia? Eu não volto aqui de jeito nenhum” Ele falou: “É o vírus do deserto.” Eu falei: “Mas que vírus do deserto?” Ele falou: “É o vírus, você vem aqui e pega o vírus do deserto, depois você quer voltar.”
DE VOLTA PARA O DESERTO Depois de uma semana no Brasil, o “vírus do deserto” se manifestou em mim e no André também, coincidentemente. Na época eu até fazia terapia. Continuei a terapia por mais um ano. Não descobri o por quê, mas a gente quis voltar.
A lamentação passou em uma semana e a gente começou a ver o lado positivo daquela primeira participação, que era o conhecimento que a gente tinha adquirido, a experiência, apesar dela não ter sido bem sucedida. Era uma experiência.
Agora a gente tinha informações de como era o deserto, informação de como eram os concorrentes, de como era o equipamento, informações de que a gente tinha aprendido muito como divulgar e tinha os contatos. A gente tinha adquirido uma tremenda bagagem. Isso ajudaria na segunda participação. E também a gente tinha pesquisado antes: a gente tinha quase certeza de que a Yamaha ia lançar moto do Paris-Dakar no Brasil. E ela efetivamente lançou. Então, além do mais, a gente teria a moto no Brasil para treinar.
O SEGUNDO PARIS-DAKAR Um grande buraco básico no nosso projeto ia ser eliminado, que era a falta de treino com o equipamento. Numa pilotagem nesse nível você precisa ter felling da moto, precisa ouvir o barulho da moto. É como se fosse o teu filho: ele chora, você sabe se ele está fazendo manha, ou se está doendo alguma coisa, ou se está doente. Mas quem é de fora não sabe. Então você tem que ter esse felling todo. Então isso passaria e fomos à luta. Mais um ano de muita batalha e não conseguimos melhorar a parte de arrecadar recursos. Ficamos no mesmo patamar e fomos para lá de novo, só que aí, mais capacitados já no ano seguinte. Nessa segunda participação, então nós conseguimos preparar um pouco melhor a moto, mas a bagagem estava toda ali e falamos: “não, não dá para levar essa bagagem toda, atrapalha.” Aí, da casa que virou duas malas, viraram duas mochilas. Era só o essencial e a nossa tática era conseguir fazer um número de etapas, porque, segundo o André – que tinha acompanhado ali e visto isso –, como o rali eliminava muita gente no início, nas etapas seguintes [os concorrentes] começavam a ter uma espécie de reconhecimento, as pessoas começavam a ajudar: “já que você conseguiu chegar até aqui, você merece, toma aqui um copo de água, te dou copo.” Copo d’água mesmo, “toma meu pneu velho”, enfim.
NOVAS DIFICULDADES Então montamos nossa estratégia em cima disso, porque a gente ia precisar de peças, não bastava competência. A gente precisava de equipe de suporte, a gente não tinha dinheiro para o suporte. Então, fomos e começamos o rali muito bem, com desempenho muito bom, daqui a pouco os pneus acabaram. Mas era uma etapa muito longa, nós tivemos que andar quase 300 quilômetros sem pneu, só no aro. Chegamos com os aros destruídos no acampamento. Quer dizer, fugiu do controle, a idéia era pedir pneus usados, mas a gente já estava precisando do aro, da câmara e todo mundo estava chegando muito tarde. Naquela época foi uma etapa muito ruim e não conseguimos nada, tivemos que abandonar a prova. Aí, foi muito ruim para a gente ver que não tínhamos conquistado a credibilidade no Brasil, porque todo mundo, talvez, é um pouco São Tomé e as pessoas achavam que a gente não tinha capacidade. E como não tinha ninguém filmando, ninguém documentando, era a mesma coisa que eu chegar e dizer: “não, eu tenho capacidade” Lógico que você vai falar, você quer fazer negócio e vai falar que você tem capacidade. Então, voltamos super chateados, mas saímos de lá já pensando em voltar mesmo assim.
MUDANÇA DE ESTRATÉGIA Falei: “como nós vamos fazer? Porque a gente precisa arrumar esse patrocínio. Sem isso não vai dar” E veio mais um ano de luta, de dedicação, e faltando uns dois meses para a prova, estávamos na mesma, no mesmo patamar. Aí falamos: “então nós vamos usar de novo aquele plano B.” A gente tinha dinheiro para duas motos, vamos sacrificar uma moto e essa moto faz apoio para outro. Mas eu falei: “bom, antes de dar essa última cartada, vamos usar o plano C.” Falei para ele: “eu tenho um outro plano. Vamos fazer como a Máfia, vamos fazer uma emboscada. Porque eu tenho certeza de que não estão nos patrocinando porque as pessoas não nos ouvem. A gente chega nas empresas, conversamos com uma pessoa que não decide e não perguntamos à pessoa que realmente decide. Por isso que a gente não consegue. A gente precisa conversar com a pessoa que decide.”
E aí procuramos. Tinha uma rádio em São Paulo que dava um apoio muito grande para a gente, era a Rádio Eldorado, que faz parte do grupo Estado. Procuramos lá a Rádio Eldorado, porque ela cobria e falamos: “olha, nós precisamos que você convide o presidente de uma empresa. Nós vamos dizer o presidente de uma empresa e você trás aqui para uma entrevista, junto com a gente. E o cara vai ver a gente dando entrevista e o cara vai fazer pergunta depois.” Era uma emboscada, você entendeu? Uma emboscada para enfiar uma faca literalmente no cara.
E eles trouxeram lá o presidente da Staroup na época, o André Ranschburg. E começou a entrevista, terminou a entrevista, ele falou assim: “poxa, legal esse negócio de Paris-Dakar, quanto custa?” E ele bancou o que faltava e a gente conseguiu ter uma mínima equipe de apoio com esse recurso. A gente tinha conseguido colocar algumas caixas e algumas rodas num caminhão e levar uma pessoa.
Aí, como a gente pensava muito mais como ser humano do que como empresa – uma empresa pegaria um mecânico – falamos: “não, a rádio ajudou agora [vamos retribuir]” Aí convidamos o dono da rádio. O dono da rádio não entendia nada de mecânica, ele foi lá para ser jornalista. Mas, enfim, ele ajudou, fez o que pôde e a gente terminou o rali, e o André foi segundo na categoria. Aí, a gente chegou com o diploma que a gente queria no Brasil, provando a nossa capacidade.
COBERTURA JORNALÍSTICA O jornalista documentou. Ele era o filho do dono do Estado de São Paulo. Aí, no Estado de São Paulo saíram as matérias dele e ele, vendo o que a gente estava fazendo lá, fez uma cobertura fantástica. E ele era um cara de credibilidade, você entendeu? Então naquele ano houve cobertura, era um patrocínio ainda pequeno, mas houve o patrocínio, houve o resultado, então foi uma maravilha.
NOVOS PATROCINADORES No ano seguinte foi a primeira vez em que, aí sim, sentamos junto com a Staroup e falamos: “olha, agora a gente quer montar uma equipe direito. Nós fomos para lá, foi esse ‘X’ porque aquilo foi uma facada que nós demos em você, mas nós não podemos continuar assim.” E ele gostou do retorno. Então o patrocínio multiplicou por dez na época. Daí, a Yamaha, vendo que o patrocínio ia entrar também, resolveu entrar mais oficialmente. A Pirelli já estava conosco e, vendo que o outro ia entrar também, falou: ”ah, então está bom” É aquela coisa do ovo e da galinha, não importa quem veio primeiro, apareceu um e começou a formar a granja. E nós fomos para o Paris-Dakar, fizemos outras provas naquele ano, foi tudo diferente.
DAKAR PROMOÇÕES E PUBLICIDADE A coisa começou a ser mais profissional, aí nasceu a Dakar – a nossa empresa, minha e do André – porque aí precisava até da nota fiscal. Isso foi em 1991. Porque até então, o Paris-Dakar vivia dentro da minha empresa e da casa do André nas horas vagas. Quer dizer, aos poucos eu fui cada vez tendo menos tempo para me dedicar à minha empresa e numa hora tive que abdicar. O André era engenheiro civil. Numa hora teve que pedir demissão, porque não era mais confortável o envolvimento. Com os patrocinadores você tinha que participar de eventos, você precisava de mais data e outras coisas.
CRESCIMENTO DOS RALIS NO BRASIL Na época, não tinha Rali dos Sertões no Brasil, não tinha nada de rali no Brasil. Não fomos nós que criamos o Rali dos Sertões, mas fomos nós que, digamos, excitamos alguém que depois quis criar o Rali dos Sertões. E hoje em dia tem pelo menos – a gente fez uns cálculos – umas 250 mil pessoas envolvidas com rali aqui no Brasil. Hoje em dia, tem fábrica de carro, de moto, de equipamento, de peças, jornalistas, fotógrafos. Hoje virou um negócio, virou um pequeno segmento.
QUARTO PARIS-DAKAR Mas, enfim, fomos para o nosso quarto Rally Paris-Dakar com essa melhor estrutura e conseguimos a primeira vitória de um piloto não europeu numa categoria do Paris-Dakar. Foi a primeira vez, só para as pessoas entenderem, que a Yamaha ganhou a categoria para motos de série, que era uma categoria importantíssima.
Porque tinha os protótipos e as motos de série. Os protótipos custavam milhões, a gente não tinha chance de chegar lá. E a moto de série era aquela moto que você ia na loja e comprava. Imagina o que foi para a Yamaha no mundo A moto que ganhou o Paris-Dakar de série era a moto da Yamaha, pela primeira vez Poxa, isso aí virou uma notícia no mundo para a Yamaha. Só que – para quem quiser ler os livros – isso foi em janeiro de 1991, final de 1991 e começo de 92. Eu não lembro de época pior na economia brasileira. Foi trágico.
NO ESQUEMA KLEVER E ANDRÉ Não é que as coisas andaram para baixo, as coisas pareciam aquele elevador do Play Center, “8G” para baixo. Nós chegamos aqui querendo comemorar, saímos daqui com o patrocínio da Staroup. Mas quando chegamos aqui para comemorar, tirar foto lá com o Ranschburg, ele veio dizer: “Estou em concordata, vou demitir amanhã 1800 pessoas.” A Yamaha nunca vendeu tão pouca moto na vida dela, só não quebrou porque era a Yamaha. A coisa deu uma desandada. E a gente, mesmo vindo da vitória, ficou com os patrocínios diminuídos. Nós falamos: “Caramba Nós vamos andar para trás, não tem jeito. E, andando para trás, nós não vamos poder vencer, nós vamos nos queimar e tudo que a gente conseguiu.” E a gente falou: “Nós vamos tentar.” Não desistimos e fomos de novo no esquema só Klever e André.
SUPERAÇÃO DAS DIFICULDADES A organização do rali, naquele ano, resolveu dar um apoio para os motociclistas, ela resolveu transportar uma caixa de peças e duas rodas. Era uma novidade no Paris-Dakar. E a outra grande novidade é que poderia usar GPS. O que era o GPS? Um aparelho que fazia navegação por satélite, ninguém nem sabia o que era isso na época.
Então a gente não tinha mais dinheiro, ia ter que levar mochila. E a gente já estava pronto com as nossas mochilas, quando ficamos sabendo: “puxa Vamos ter cada um uma caixa de peças e duas rodas, pelo menos” Porque a gente já estava vendo que não ia conseguir mais nem completar a prova, porque a gente ia querer andar rápido e não ia dar. Mas aí, com a experiência, com esse oportunismo etc e tal, nós fomos lá para o Paris-Dakar e, nesse pior ano da economia, nós conseguimos nosso melhor resultado.
Aí eu ganhei Em 1991, quem ganhou foi o André. Em 1992 nós conseguimos sobreviver. Em 1993 eu ganhei, fiz o melhor resultado até hoje de um amador no Paris-Dakar. Eu ganhei a maratona e fui quinto entre todas as motos. O André foi terceiro na maratona. A gente fez pódio na categoria. E aí houve uma divulgação muito grande, a imprensa, a vitória, o pódio.
Isso nos ajudou a reverter a situação. Na época a gente manteve a parceria com a Yamaha e a Yamaha tinha uma parceria de longos anos com a Shell. A Shell naquele ano foi nossa patrocinadora, mas uma patrocinadora muito mais pela Yamaha do que pelo Klever e o André. Em 1994 houve milhares de “mutretas” no Paris-Dakar, nós fomos meio prejudicados por isso. Mas voltamos com um resultado bom, ainda não de vitória.
CONTATO COM A PETROBRAS Quando nós chegamos do rali, nós entramos naquela velha negociação de leilão com os patrocinadores. E quem fazia muito leilão com a gente era a própria Shell na época. Foi quando a Petrobras estava com um projeto novo e nos procurou, mais ou menos em maio de 94. Na época era a BR Distribuidora, a Petrobras Distribuidora. Falou: “nós queremos começar a patrocinar.” E nós ficamos meio com medo, porque a gente tinha patrocínio da Yamaha, da Shell, que era uma empresa que tradicionalmente investia no esporte, ela patrocinava a MacLaren, o Ayrton Senna e várias modalidades no Brasil. Pensamos: “Poxa, a Petrobras não patrocina ninguém, não patrocina nem carrinho de rolimã, vai patrocinar Paris-Dakar? De repente ela entra com a gente num período de um ano e depois desiste, porque não tem tradição.”
Mas o cara ficou nos explicando – na época, era o Luiz Fernando Neri –, foi lá no Rio com a moça da DPZ: “a gente quer que vocês conheçam a fábrica e tal.” Aí nós fomos. Primeiro trouxeram a gente para conhecer a fábrica de lubrificantes, então a gente foi conhecendo. Porque a Petrobrás, para a gente, até então, tinha aquela imagem que muito brasileiro tem. Uma imagem errada, de que aquilo lá era como se fosse um cabide de emprego. E aí a gente chegou lá, viu que o negócio não era bem assim, e nós fomos falar com o chefe do Luiz Fernando Neri na época. Ele se aposentou, esqueci o primeiro nome dele, Lagrotta.
Ele nos recebeu lá na sala dele e era um cara muito bem humorado, contou umas piadas. O cara sabia envolver as pessoas e no final ele falou: “Olha aqui, eu sei qual é o medo de vocês. Mas a Petrobras está entrando e tem mais: eu vou confessar um negócio e vocês não podem divulgar, é que a Petrobras quer entrar na Fórmula 1.” Nós quase deitamos e rolamos no chão de dar risada na hora, pensando: “Poxa o cara está contando mais uma piada. Petrobras na Fórmula 1? Não patrocina nem rolimã e quer entrar na Fórmula 1. Mas esses caras estão totalmente por fora.” E ele disse: “Vocês vão ser os primeiros de um projeto Esporte Motor.” E aí mostrou o projeto Esporte Motor.
FECHANDO O CONTRATO Aí eu falei: “Opa, espera aí, o negócio não é uma piada, o negócio já tem até um estudo.” E eles falaram: “Vocês foram escolhidos porque, por coincidência, nós estamos querendo reverter a imagem do nosso lubrificante para moto. A gente pode fazer campanha, investir na TV ou investir em credibilidade. Como em negócio de moto no Brasil vocês são uns dos que mais têm credibilidade, a gente quer que vocês usem, testem e certifiquem nosso produto.” Quer dizer: os caras aqui conversando com a gente e do outro lado o cara só fazendo leilão. Aí nós falamos: “aqui eles estão conversando com a gente, no outro lado o cara só falta não atender o telefone qualquer dia.” Falamos: “Ok” Fechamos o contrato e aí que a gente entrou.
PATROCÍNIO E PARCERIA A nossa primeira competição em parceria com a Petrobras foi no Paris-Dakar de 1995. Fizemos várias outras atividades, outras coisas. Encontramos na Petrobras um parceiro, mais do que um patrocinador. Antes, por exemplo, nós não estávamos envolvidos com essa área de desenvolvimento tecnológico, o que era péssimo. A gente achava que, com isso, não era bem explorado. E era uma área que a gente podia explorar. Por outro lado, a gente não tinha tecnologia – porque a gente queria ter produtos de alta tecnologia para melhorar o nosso desempenho. Um patrocinador lá só falava em Ayrton Senna, em MacLaren.
Aqui não, a gente estava lá com os engenheiros da fábrica, com o produto e eles estavam nos ouvindo. Então, teve certas horas que a gente chegou com uma nova idéia: “Vamos crescer.” Eles falavam: “Não, não tem recursos, mas de repente no ano que vem.” Então, a Petrobras foi um parceiro que, além do mais, ouviu a gente também. E cresceu junto com a gente, foi entendendo, foi acompanhando, não foi uma coisa: “Tem esse projetinho lá e tal.” E ao mesmo tempo, todo projeto Esporte Motor foi acontecendo e hoje em dia nós estamos indo para o 12o ano consecutivo de parceria com a Petrobras.
PERIGOS NO RALI O Paris-Dakar é uma prova extremamente perigosa, não há dúvida. Mas você não imagina os perigos. Não queira calcular o perigo sem conhecer o que é o rali, os equipamentos e sem conhecer a preparação que nós fazemos. É uma prova que envolve velocidade, o caminho é desconhecido, quer dizer, ganha o mais rápido. Então, não tem treino, você tem que achar o caminho, você pode se perder e é cheio de armadilhas porque, como o caminho é desconhecido e você anda muito rápido, o que não é perigoso acaba se tornando perigoso.
E o maior perigo de todos é que você não está, como na Fórmula 1, por exemplo, num circuito cercado por médicos, bombeiros e ambulâncias. Então, se acontecer um acidente, o resgate pode demorar. Tem todo um esquema para chamar o socorro, mas não é como na Fórmula 1, que o médico está ali quase dentro do carro. É hiper bem estruturada essa parte, mas, mesmo assim, é como se você sofresse um acidente na cidade. Se você está aqui na cidade, numa cidade grande como o Rio de Janeiro e sofre um acidente ali na Avenida Getúlio Vargas, quanto tempo leva o socorro? Menos de 15 minutos. No Paris-Dakar eles conseguem te atender em 15, 20 minutos, o que é bastante rápido se você entender tudo que envolve. Então, a concentração tem que ser total. Primeiro porque você quer ganhar, segundo porque você não quer se enfiar num buraco.
O PERCURSO Da paisagem, você absolutamente não vê. Às vezes tem trechos no rali que são estradas abertas ou que cortam cidades. Nesses trechos eles põem o deslocamento. Aí não é contra o relógio que você luta. Para ir daqui até ali, você tem tantos minutos e são minutos mais do que suficientes. Mas mesmo assim não dá para parar e fazer um piquenique. Mas não precisa ir voando, dá para andar tranqüilamente. Então, nesses lugares você observa um pouco mais, mas muitas vezes quando se chega a esse lugar já é noite. Mas quando é de dia, aí sim. Mas quando você está ali pilotando oito, 10, 15 horas por dia, você não vê nada.
Às vezes eu pego depois o filme do rali e falo: “nossa, não reconheço um lugar, nada” Está o filme ali, aparece até eu passando e eu falo: “não, não lembro desse lugar aqui que eu passei.” Até porque o percurso muda todo ano, não é repetido e é secreto para ninguém fazer reconhecimento, para ninguém fazer teste, para ninguém fazer treinamento. E é uma volta só, uma volta de 10 mil quilômetros. É muito difícil de decorar, mas mesmo que desse para decorar, você é quase um cavalo, digamos assim, olhando para a frente.
TEMPESTADE DE AREIA Experiências marcantes eu tenho milhares. Eu tenho as que marcaram fisicamente com acidente, tenho as que marcaram na cabeça por ser divertido, ou por ser de perigo. Qual que você prefere? A história perigosa é a do acidente. Isso aqui foi em 91, no ano até que o André conseguiu nossa primeira vitória. Aquele ano foi o primeiro em que a gente estava com uma estrutura melhor. Até então, de 88 a 90, nós andamos juntos. No primeiro a gente se perdeu, no segundo a gente já não se perdeu – a gente comete erros, mas consegue não repetir. E aí, para ganhar, a gente teria que andar mais rápido. Então, como já tínhamos experiência, a gente passou a andar separado no deserto. Isso não quer dizer que um não ajudasse o outro. A técnica era a seguinte: a gente ia estabelecer até um ponto no rali onde quem estivesse na frente passava só a ajudar esse.
Porque num rali, apesar de nós estarmos lá os dois de moto, nós éramos concorrentes um do outro. E, naquele ano, a gente estava andando separado. Eu estava na frente e pegamos uma etapa de tempestade de areia, 800 quilômetros. Na época, não tinha ainda o GPS, você já se perdia sem tempestade de areia, com tempestade de areia era uma insanidade atravessar o deserto naquela velocidade. E a sensação de estar perdido era constante – mesmo quando não tem tempestade de areia, você não tem certeza se você está indo no caminho correto. Mas, às vezes, a planilha diz que vai ter uma montanha. Ao longe você vê a montanha ou vê uma evidência e pensa: “Até aqui eu estou certo.” Mas quando tem a tempestade de areia, você não vê a montanha. É um estresse fenomenal.
NÃO DESMAIA E durante todo aquele dia eu fiquei pensando: “Será que estou no caminho certo? Tenho que estar, vai acabar a gasolina.” Aí eu avistei a cidade-chegada, que era Agades. Eu avistei primeiro os aviões – porque tem muito avião que vai na organização –, avistei a cauda, aquela parte de trás ali dos aviões, deu para ver de longe, a uns dois quilômetros. Então só faltou comemorar em cima da moto. Eu não sabia se eu estava bem ou mal, comemorei de chegar. Saí, cheguei, sobrevivi. E tem o ponto de chegada, então, para não perder tempo, eu comecei a procurar o ponto de chegada e me distraí. Em vez de olhar aqui, comecei olhar a paisagem. Não que eu estivesse ali para ver a paisagem, eu queria ver onde estava o PC de chegada. Aí passei numa erosão enorme e a moto capotou.
Eu já tinha ouvido histórias no Paris-Dakar de que as pessoas lá faziam coisas sobrenaturais. E eu achava que tudo era lorota. Mas eu caí da moto. Rapidamente, achei que não tinha acontecido nada, levantei, levantei a moto, desentortei um pouco o guidom e senti muita dor no braço direito. Na época, a Tenereé já tinha partida elétrica. Fui apertar o botão da partida elétrica, senti uma dor, liguei a moto com a mão esquerda assim, engatei a primeira e saí andando. Senti tanta dor no braço que tudo escureceu e eu comecei a desmaiar. Consegui parar a moto, pôr os pés no chão e falei: “não desmaia, porque se você cai no chão – eu estava num lugar rápido – pode vir um carro, não te ver e passar por cima.” Fiquei conversando comigo, mas sem enxergar nada, tudo preto.
ONDE VOU ARRUMAR GELO NO DESERTO? Na hora que a dor diminuiu e eu consegui recuperar a visão, andei mais 100 metros com dor muito forte, mas já avistei daí já o PC da chegada. E aquela dor, aí eu parei faltando uns 500 metros. Eu falei: “Nossa, preciso pôr gelo hoje à noite, porque está muito dolorido. Mas onde eu vou arrumar gelo aqui no deserto?” Não tem gelo, não tem eletricidade. Andei mais 100 metros e parei de novo com a dor. Falei:” Não está dando para agüentar, a dor está muito grande.” E Agades é uma cidade grande, era o dia de descanso no rali – entre os 20 dias, no décimo dia sempre tem um dia que a gente fica parado num lugar e ia ser ali. Então tinha mais pessoas ali, sempre tem um médico na chegada e essas pessoas vieram: “o que foi? Vamos te ajudar.” E você precisa cruzar a linha de chegada andando, então eles falaram: “nós vamos tirar o acelerador e colocar na esquerda para você cruzar.” E eu: “Poxa, não sei.”
E os caras começaram a mexer. Nem podia, mas é que esse rali é tão difícil, que chega uma hora que eles não se importam. Não podia ter ajuda externa, mas o médico também veio. Eles nem mexeram na moto, porque o médico mexeu no meu braço e falou para mim que era uma fratura exposta e o rali estava acabado para mim ali. Por sorte eu já estava tendo atendimento médico, porque o maior problema da fratura exposta não é a fratura, é a infecção, então isso tudo ajudou a eu ter logo um atendimento.
PARAFUSOS E VITÓRIA Eu tenho aqui então uma história bem marcante. Porque daí eu tive que operar, eu tenho 16 parafusos no braço e duas placas até hoje daquela participação. E o André, que vinha em segundo, assumiu então a liderança e ganhou o rali. Então, para a gente foi ótimo. Muitas pessoas, quando eu cheguei ao Brasil – porque eu operei o braço na França – acharam que eu ia estar desanimado. Mas eu estava animadíssimo, porque eu tinha ido com uma boa equipe, eu estava andando bem, aconteceu o acidente que fazia parte. Isso pode acontecer, não era, digamos, uma surpresa para nós. Foi bem mais doloroso dois anos antes, quando, por não ter 300 dólares, não consegui ter dinheiro para levar um pneu e continuar na prova.
HISTÓRIAS DO DESERTO Tem várias coisas que acontecem lá no rali que são tão fora do que você pode prever, que a realidade às vezes é mais improvável do que a ficção. As etapas do rali são gigantescas, são enormes, então você chega com uma expectativa, como se falasse assim: “Hoje você vai andar 800 quilômetros.” Você imagina que vai ter um terreno de chão duro de terra, para andar rápido, mas é uma buraqueira e em vários lugares você está andando a 20, 30 por hora, durante 200, 300 quilômetros, falando: ”Nunca vou completar esses 800 quilômetros, isso aqui está impossível.” E o terreno começa a ser tão impossível que você começa a duvidar de que você está no caminho certo.
Dali a pouco, eu estava andando numa situação, sem ver ninguém há horas, mas vendo rastros na minha frente. Então eu vejo um habitante lá do deserto, atrás de uma duneta baixa, e eu parei: “Vou perguntar para esse cara se é por aqui, se os outros passaram pelo menos.” Porque eu não estava acreditando que podia ser por ali, então falei: “Mas como que eu vou falar com eles?” Esse pessoal não fala dialeto, então eu comecei a tentar mímica, fui sinalizar, ia ter que ser na base da mímica. Comecei a gesticular assim para ele. Ele levantou e levantou um outro cara atrás dele, que eu só tinha visto a carinha.
Quando eles levantaram, eles estavam vestindo trapos, pareciam quase o Fred Flinstone. Eu vi aquilo e foi aí que eu me dei conta: “Mas o que esses caras estão fazendo aqui?” Eu não via ninguém fazia uns 400 quilômetros, faltavam ainda mais 400 para chegar aonde eu precisava, não tinha uma vegetação, não tinha nada. O que aqueles caras estavam fazendo ali, eram duas crianças. E eles vieram correndo na minha direção e levantaram um machadinho de pedra. Quando eu vi aquilo, na hora eu nem reagi. Só faltou pensar: “Deixa eu me beliscar, será que é uma miragem? Eu estou delirando.” E começaram a gritar alguma coisa. Aí eu não pude ficar para entender a situação e eu saí dali. “Nossa, o que foi aquilo?” Porque parecia um túnel do tempo aonde eu entrei e vi aquilo.
À noite, no acampamento, eu soube que outras motos passaram, mas por um outro cantinho que eu não passei e eles estavam derrubando os caras para assaltar, na base do cipó, tinha uma corda, e com as machadinhas de pedra. Mas era um roubo de ameaça besta, um desespero, não era os roubos que hoje em dia acontecem – até a organização sabe lidar com isso – de guerrilheiro que vem com arma pesada e ataca o rali. Era uma coisa meio que querendo água, comida, era quase um: “Me ajude, por favor, se não eu te mato.” Mas não bateram, não feriram ninguém, acabaram pegando água e comida. Teve gente que deu dinheiro para os caras e eu falei: “mas o que eles fazem? São colecionadores de dinheiro?” O que os caras vão fazer com dinheiro naquele lugar?
PATROCÍNIO E SENTIMENTO Então, o contato com a Petrobras começou durante o ano de 1994 e a primeira prova que nós fizemos com a Petrobras era com as marcas Lubrax Moto 2 e Lubrax Moto 4, porque o patrocínio era justamente em cima daquilo que a gente conversou, de que eles queriam reforçar a imagem. Eles fizeram o lançamento desses dois novos lubrificantes, tinha sido montada uma nova linha de lubrificantes ali em Duque de Caxias. Para nós, foi muito importante, primeiro porque a gente passou a conversar com patrocinador importante. Porque a gente tinha um outro patrocinador importante, mas com quem a gente não conversava.
A nossa equipe é uma equipe pequena, então a parte sentimental é muito importante. E a Petrobras tinha esse espaço para a parte sentimental, além da parte racional, dos números, dos resultados. Isso também tinha, mas era importante para a gente ter esse contato com o ser humano e começar a vislumbrar que as coisas poderiam crescer e poderiam ir adiante e que tinha alguém – uma empresa – que acreditava na gente. Eu não sei de que maneira dizer também – porque é meio esquisito, difícil de descrever – mas a Petrobras é uma empresa brasileira e, lógico, quando você está no Paris-Dakar, não é o Klever ou o André ou o Jean, são os brasileiros em primeiro plano. Então, por ser uma empresa brasileira, isso mexia um pouco com o nosso orgulho, além de ter as cores do Brasil. Então, tinha uma satisfação um pouco difícil de explicar, vinha do lado sentimental também, do orgulho, não era uma coisa só racional. Isso foi muito importante: ser um patrocínio que não ficava só do lado racional, que encontrava espaço para esse lado sentimental.
POLÍTICA DE PATROCÍNIO A parte básica do patrocínio era que nós precisávamos de um montante em recursos para viabilizar nossa participação e, em troca desses recursos, a Petrobras teria espaço em parte do nosso uniforme. Por exemplo, hoje em dia, essa parte aqui é da Petrobras e nos veículos também tem a parte dela. Para as outras partes [do uniforme] a gente tinha que achar outros patrocinadores. Em troca, a Petrobras tinha isso, tinha a utilização da nossa imagem, ela podia utilizar os nossos depoimentos, a credibilidade, a gente iria trabalhar com ela em diversos eventos. Por exemplo: no salão de moto ela estaria com stands e a gente ia disponibilizar os nossos equipamentos, a nossa presença, além de outros eventos. Haveria parte de desenvolvimento de produto, de teste para a gente realmente dar um feedback, ia testar a qualidade, ia utilizar os produtos dela.
Com certeza, o maior custo no Paris-Dakar não é o custo de lubrificantes. Só para se ter uma idéia, a inscrição por pessoa – não importa se é piloto, se é co-piloto, se é mecânico, se é jornalista – custa 15 mil dólares. Então, não adiantaria a Petrobras dizer: “Nós vamos pagar a conta do combustível, ou dar o combustível e dar os lubrificantes.” Ok, mas a conta é muito maior do que isso. Então, tinha esses recursos que, além de viabilizar a nossa participação, viabilizava os nossos treinos no Brasil. A gente também tinha a nossa estrutura de assessoria de imprensa, então essa verba que vem da Petrobras também ajudava a manter a estrutura de assessoria de imprensa. Então, era um pacote que foi ficando cada vez maior. Nós fomos daí conhecendo a Petrobras e a Petrobras foi nos conhecendo. Hoje em dia, a gente faz uma série de outras contra-partidas para a Petrobrás e o patrocínio é muito maior também do que tinha na época. Por exemplo, hoje em dia a gente se especializou em palestras para treinamento, motivação. Hoje em dia a gente faz em média 20 palestras por ano para a Petrobras, para as quais ela poderia estar contratando profissionais. O pessoal até nem sabe, porque a Petrobras é muito grande. Então o cara lá de Natal liga para contratar a nossa palestra, porque a gente vende para outras empresas. Não tem isso: “Eu quero contratar, quanto é?” Eu falo: “Para a Petrobras não custa nada, basta só você solicitar pela gerência de marketing para ela ficar sabendo.” Então foi sendo encontrada uma série de outras contra-partidas que a gente hoje em dia dá para a Petrobras em troca do patrocínio.
EQUIPE PETROBRAS-LUBRAX A Equipe Petrobras-Lubrax é um produto de uma empresa. Na verdade existia a Dakar Promoções, que é uma empresa que foi criada para viabilizar e coordenar a nossa participação no Paris-Dakar. Não se chamava equipe Petrobras-Lubrax antes, isso inclusive é uma das contra-partidas que nós damos para a Petrobrás: nós damos o benefício do nome para fortificar ainda mais essa aliança, divulgar mais. Então, essa empresa é uma empresa como outra qualquer, ela tem funcionários, ela tem contabilidade, tem equipe de vendas e casualmente ela tem a Equipe Petrobras-Lubrax.
Essa empresa cuida de tudo, ela cuida de vender os patrocínios, de fazer os projetos, cuida das roupas, da camiseta, dos bonés, ela cuida dos veículos, cuida da preparação. Nós temos estrutura hoje em dia para as provas no Brasil, nós temos estrutura para provas de fora, estrutura para exposição. Porque, por exemplo, às vezes as pessoas falam: “Ah, vai patrocinar, então dá para usar o carro numa exposição.” Aí, você chega lá e o patrocinador: ”Olha, me empresta o carro, porque eu vou participar do salão.” “Não, não dá porque eu vou correr”. Então, tem uma outra estrutura para exposição e esse carro tem que estar no lugar certo, na hora certa, bonitinho, arrumadinho. Às vezes, quando a gente vê a coisa montada, parece que é fácil, mas não é tão fácil. Até para vir nessa entrevista, alguém ligou no escritório, falou com a secretária, marcou a passagem, ela viu o horário, agendou. Então, tem todo o trabalho de uma empresa.
A equipe em si tem os pilotos. Hoje nós somos a única equipe que corre nas três categorias do rally cross country, aqui no Brasil e no Paris-Dakar. Então, atualmente o Jean Azevedo é o piloto da moto. Eventualmente nós temos um segundo piloto de moto, isso depende muito dos interesses, das expectativas dos patrocinadores e dos recursos que eles vão dispor para chegar lá. No carro, eu sou o piloto e eu tenho um navegador e eventualmente pode ter mais algum carro, também dependendo do interesse dos patrocinadores. E nós temos o caminhão. O piloto atual do caminhão é o André. No Brasil, o caminhão só corre com piloto e navegador, no Paris-Dakar o caminhão corre com piloto, navegador e mecânico. Fora isso, existe a equipe de apoio, que é a equipe de mecânico etc. Por exemplo, no Paris-Dakar, você leva tantas peças, que tem até um cara que é o almoxarife do caminhão, porque são milhares de itens. Ele tem que saber onde está cada coisa, cada ferramenta, cada instrumento, cada peça. Então, tem o piloto do caminhão de apoio, tem o mecânico do caminhão de apoio, então, tem todo uma estrutura.
E em função da maneira como nós trabalhamos, a gente também trabalha com vários terceiros. Então, por exemplo, tem tarefas que a gente não tem volume de serviço, mas nós precisamos de um fotógrafo, então a gente contrata um fotógrafo terceirizado e que inclusive trabalha para os nossos concorrentes. Mas isso não tem o menor problema, é um paradoxo, mas a gente se une aos concorrentes para viabilizar um serviço bom, profissional.
Tem também quem desenhe, porque a gente a tem idéia, mas eu não tenho habilidade no computador, não conheço programa. Então eu vou lá, digo o que eu quero, e contrato um cara que vem e faz os desenhos. Mesmo com o mecânico, a gente trabalha assim. Nós não temos uma oficina nossa, então, nós temos uma oficina no Brasil, que cuida do caminhão; uma oficina na Europa que cuida do caminhão que corre lá; uma oficina cuida da moto aqui, outra que cuida lá. Nós temos carro de apoio, outra oficina e nós temos uma estrutura um pouco nossa para cuidar dos veículos.
Então, tem parte da equipe que é terceirizada e tem parte que é exclusiva. A gente diz que é uma equipe pequena, porque é uma equipe conhecida, mas são poucas pessoas que estão ali trabalhando. Por exemplo, no Paris-Dakar nós vamos lá com 11 pessoas brasileiras e temos cerca de 70 terceirizados trabalhando para nós. Mas eles não são exclusivos nossos, eles estão trabalhando para uma série de outras pessoas também. Então, comparando, se você falar de 11 pessoas, é uma equipe bem pequena.
PATROCÍNIO PETROBRAS Eu acho que o produto fim da Petrobras está muito ligado ao esporte-motor. Por exemplo, se fosse um fabricante de cigarro, o que ele iria ajudar no meu desempenho? Só com a grana mesmo, porque ele não tem como, tecnologicamente, resolver nada. Pode talvez até piorar. Para não falar de cigarro, vamos supor que fosse um perfume. Quer dizer, só teria a imagem ligada ao negócio, não teria nada efetivamente tecnológico.
Então, da maneira como a Petrobras faz os patrocínios – onde os produtos têm que estar ligados e sendo utilizados pelo patrocinado – ela desenvolve o produto, ela certifica e aprende com certeza com isso. Esse aprendizado, às vezes no primeiro momento, não está disponível para o público, mas acaba ficando disponível e a Empresa conquista credibilidade com isso. Eu lembro que quando nós começamos a usar os lubrificantes da Petrobras, mesmo aqui no Brasil, ninguém em competição utilizava e hoje em dia é largamente utilizado. Em relação ao combustível, antigamente todo mundo comprava qualquer um. Hoje, em competição, por exemplo, só para dar uma idéia, todo mundo quer utilizar a gasolina podium, porque foi utilizada no aprendizado da Fórmula 1, então ela conquistou essa credibilidade.
Brasileiro tem uma tendência de valorizar o estrangeiro. E isso é até interessante, é muito bom. Lá fora a gente não vê isso. Aqui a gente estica o tapete vermelho para os estrangeiros, lá fora não oferecem um cafezinho. Eu não acho ruim o brasileiro fazer isso, mas o brasileiro precisava valorizar, olhar mais para si, ter mais orgulho de si mesmo e a Petrobras consegue resgatar esse orgulho do brasileiro nele mesmo. Não quero fazer campanha política aqui para ninguém, não sou partidário de ninguém, mas é quase como aquela campanha que tem do atual governo, que diz que o melhor do Brasil é o brasileiro.
LAZER / FILHOS Quando você é sócio de um negócio – as pessoas confundem dono do negócio, eu sou muito mais partidário do termo “escravo do negócio” – você é o que mais trabalha. Eu acho que, em quase 90% dos casos, você é o que mais trabalha, o que mais está envolvido. E você tem que até encontrar um equilíbrio para isso, porque também só trabalhar não dá certo. Então, essa parte do lazer é importante. Como tenho filhos pequenos, eu substituí um pouco o meu lazer pela atenção aos filhos. Inclusive, eu tive que substituir um pouco de treino pela atenção, para me dedicar um pouco mais aos filhos e aproveitar esse momento porque é um momento que não volta atrás. Eu tenho o Matheus, que tem oito anos, e a Carolina, que tem três anos. Eu procuro curtir bastante com eles e mesmo as horas de lazer acabam ficando também ligadas ao treinamento.
TREINOS Hoje em dia, como a gente tem muito trabalho, muito compromisso, a gente também tem que treinar. E, tecnicamente, treinar para o que a gente faz é um treino caríssimo e cada vez mais difícil.
Quando eu comecei aqui – a gente até falou sobre isso –, eu saía de São Paulo, ia na Serra da Cantareira, em Alphaville, que era perto. Hoje em dia não dá. Alphaville virou loteamento e está cheio de favelas, ficou perigosíssimo andar por lá. Então, hoje em dia, para treinar – e como agora eu estou de carro, que também é mais complicado do que treinar de moto – eu tenho que andar duas, três horas para chegar num lugar onde eu possa treinar, mais duas, três horas para voltar, fora o treino. Às vezes falam: “Ah, está com patrocínio, está mais fácil.” Não é assim, a matemática não é um mais um dá dois nesse caso. Então, às vezes, eu tenho também que transformar o meu lazer em treino, o que está envolvido com trabalho, tem que dar um jeito de me distrair.
VITÓRIAS E DESAFIOS A vitória, naquele momento em que ela acontece, te marca, é muito alegre. Mas o que me marca, o que eu penso é no futuro. A vitória é o passado, a experiência vai me ajudar. Mas o que me marca sempre é o próximo desafio, eu estou muito mais ligado no próximo desafio, na próxima meta, do que vivendo em cima do passado.
PROJETO MEMÓRIA PETROBRAS É uma grande honra, para mim, estar aqui em nome da Equipe Petrobras-Lubrax, participando desse Projeto Memória Petrobras. Eu acho excelente. Como eu disse aqui, a Petrobras tem esse lado: ela encontra esse espaço para o sentimento das pessoas, o que é muito importante. Muita gente pensa que a empresa é feita de máquinas, de equipamentos, mas uma empresa é feita de pessoas. E eu acho que podem roubar tudo de uma pessoa – podem roubar o dinheiro dela, a vida, afinal todo mundo tem, entre aspas, sua hora marcada para ir – mas o conhecimento dela não é roubado. Mas se ele não for guardado num projeto como esse, ele pode, de repente se perder.
Então, acho excelente, fico muito contente de ter participado e muito curioso para depois conhecer de fato a Petrobras. Eu já tive oportunidade – principalmente fazendo essas palestras que eu já fiz pela Petrobras – de conhecer um pouco dessa equipe, das pessoas, dos lugares no Brasil. Mas é uma empresa tão grande, que eu quero conhecer mais, tenho muita curiosidade, muito interesse em conhecer isso tudo.Recolher