P - Eu gostaria que você se identificasse. Falasse seu nome, data e local de nascimento. R - Eu sou José Araripe Júnior, José Araripe Cavalcante Júnior, eu nasci em Ilhéus, em 7 de julho de 1959. P - Qual é a sua atividade? R - Eu sou artista plástico de formação acadêmica, mas o que eu faço mesmo é direção de filmes, eu escrevo e dirijo filmes. P - Diz algum que você fez. R - Eu fiz alguns curtas, inclusive alguns conhecidos e premiados como Mr. Abracadabra, que é um curta que ganhou muitos prêmios nos festivais de que participou. Radio Gogó, que é outro curta, o Pai do Roca, que é um média que faz parte de um longa metragem chamado Três Histórias da Bahia, e estou terminando um longa metragem que deve ser lançado agora este semestre chamado Esses Moços. É um filme passado na cidade de Salvador, na cidade baixa, é uma historia que tem muita a ver com a memória e desmemoria, que eu fui buscar algumas coisas do meu avô. A minha família tem um problema de longevidade e de Mal de Alzheimer. Todos vivem muito tempo, mas uma boa parte do resto da vida de uns 70 até uns 100... No caso, meu avô taria fazendo hoje 110 anos, ele morreu com 100 anos João Alencar Araripe. Meu avô, quando ele começou a desenvolver o Mal de Alzheimer, ele às vezes saia e se perdia, a gente passava um ou dois dias procurando ele, tinha que pôr na rádio. Esse filme de alguma forma eu fui buscar um pouquinho desta memória que eu tinha do meu avô, desta memória da desmemoria, e criei um personagem que é um músico na estrada de ferro que tem um surto e fica sem memória, e duas crianças de rua encontram ele e vão tentar levar ele para casa. Durante 48 horas acontece uma série de envolvimentos entre eles, pequenos conflitos e pequenas relações de afetividade que vão mudar a vida dos três nesta jornada de 48 horas. P - É quase García Márquez, uma vida muito longa e uma parte dela sem memória. R - Minha mãe, esta sim,...
Continuar leituraP - Eu gostaria que você se identificasse. Falasse seu nome, data e local de nascimento. R - Eu sou José Araripe Júnior, José Araripe Cavalcante Júnior, eu nasci em Ilhéus, em 7 de julho de 1959. P - Qual é a sua atividade? R - Eu sou artista plástico de formação acadêmica, mas o que eu faço mesmo é direção de filmes, eu escrevo e dirijo filmes. P - Diz algum que você fez. R - Eu fiz alguns curtas, inclusive alguns conhecidos e premiados como Mr. Abracadabra, que é um curta que ganhou muitos prêmios nos festivais de que participou. Radio Gogó, que é outro curta, o Pai do Roca, que é um média que faz parte de um longa metragem chamado Três Histórias da Bahia, e estou terminando um longa metragem que deve ser lançado agora este semestre chamado Esses Moços. É um filme passado na cidade de Salvador, na cidade baixa, é uma historia que tem muita a ver com a memória e desmemoria, que eu fui buscar algumas coisas do meu avô. A minha família tem um problema de longevidade e de Mal de Alzheimer. Todos vivem muito tempo, mas uma boa parte do resto da vida de uns 70 até uns 100... No caso, meu avô taria fazendo hoje 110 anos, ele morreu com 100 anos João Alencar Araripe. Meu avô, quando ele começou a desenvolver o Mal de Alzheimer, ele às vezes saia e se perdia, a gente passava um ou dois dias procurando ele, tinha que pôr na rádio. Esse filme de alguma forma eu fui buscar um pouquinho desta memória que eu tinha do meu avô, desta memória da desmemoria, e criei um personagem que é um músico na estrada de ferro que tem um surto e fica sem memória, e duas crianças de rua encontram ele e vão tentar levar ele para casa. Durante 48 horas acontece uma série de envolvimentos entre eles, pequenos conflitos e pequenas relações de afetividade que vão mudar a vida dos três nesta jornada de 48 horas. P - É quase García Márquez, uma vida muito longa e uma parte dela sem memória. R - Minha mãe, esta sim, ela tem 84 e já tem pelo menos uns seis ou sete anos que ela está totalmente criança, com bom humor e fisicamente legal, mas ela já quase não me reconhece. P - Esta é uma temática que você... R - De alguma forma eu acho que concientemente eu trouxe isso para o meu filme, eu sempre trabalho muito com esse... O Mr. Abracadabra também é um filme que fala do menor e do maior abandonado, talvez inconscientemente é um tema recorrente na minha vida. O meu avô foi o meu pai praticamente, meu pai morreu quando eu tinha oito anos, então o meu avô João Alencar Araripe, ele veio do Ceará para Ilhéus, primeiro ele veio para Nazaré das Farinhas, Salvador, aí conheceu minha avó em Amargosa, diz que é uma cidade ali do recôncavo, aí casou com minha avó e foi morar em Ilhéus. Ele era um grande anfitrião, era ligado... Ensinava humanista, era da maçonaria, era lions e era um homem acostumado a criar os filhos dos outros, então a casa dele vivia cheia de sobrinhos, que chegavam de várias partes do país. O meu pai era sobrinho dele e foi para Ilhéus, e ele casou com a minha mãe, com a filha dele, prima. Primo com prima, que é muito comum na minha família, outros primos também vieram para Ilhéus e também casaram com outras primas. P - Isso deve ser uma coisa que acompanha a família? R - Acompanha. P - As pessoas vão viver muito, mas vão perder a memória. Existe algum mecanismo para vocês tentarem preservar essa memória familiar? R - Existe, a minha família é uma família muito conhecida no nordeste, porque Alencar Araripe é uma família de revolucionários que data de 1700 e alguma coisa. A família Alencar é a família de Bárbara de Alencar, a heroína de Ceará que foi uma das comandantes da Confederação do Equador, um movimento revolucionário anti monarquista que aconteceu na região do Ceará entre 1717 e 1700 e 30 e poucos, que foi importantíssimo, inclusive houve um desdobramento disso, porque ela chegou a ser presa e foi para cadeia em Recife, passou dois anos. Foi presa também em Salvador, passou um ano, e junto com ela um ou dois filhos dela, e todos os filhos entraram na clandestinidade, muito parecida historia com os anos de chumbo da ditadura militar. Ela era uma mulher independente, chamava a atenção pela sua preocupação social anti escravista e acabou dando resultado, porque ela foi presa, o movimento foi dissolvido, mas depois eles reconstruíram o movimento e chegaram a formar o exército, e este exército lutou no Ceará e no Piauí, um exército de 7 mil homens. Acabou gerando frutos, porque os filhos tanto Tristão de Alencar como o Martiniano acabaram sendo grandes autoridades no Ceará, um acabou sendo presidente da Província do Ceará e o outro também. Então quer dizer, é uma história de um movimento revolucionário parecido com muitos outros que aconteceram no mundo, inspirado pela Revolução Francesa, mas que deu resultado, quer dizer, grande mulher, Bárbara de Alencar. P - Tem registro sobre a história dela? R - Tem. A nossa família, você perguntou sobre a memória, agora no dia 17 a nossa família esta se reunindo para o grande encontro dos Alencar Araripe no Echu, que onde nasce a família; o Echu fica do outro lado da Chapada do Araripe, que é um paredão, é Pernambuco, a terra de Luís Gonzaga, ele tem uma musica falando forró do Araripe. P - O que te trouxe para o fórum? O que você veio buscar nesta sua atividade? R - Eu acho que este grande movimento que está tendo no mundo de valorização da cultura, a cultura pode ser talvez uma forma do terceiro mundo, deste mundo que não esta incluído nesta coisa da economia, se posicionar, a cultura é uma arma importante para o bem, para o desenvolvimento e para a questão da identidade, da diversidade, das singularidades de cada povo. Então eu acho que é como se fosse um canal subjetivo, freqüências subjetivas que podem se contrapor a esta grande globalização perversa. Quase como se fosse uma nova forma de pensar o mundo, pensando a partir da importância da cultura, valorizar a cultura, até tirando a cultura desta definição muito fechada que tem. Que cultura é arte, mas cultura não é arte, arte também é cultura, mas cultura é quase tudo, cultura é aquilo que a gente faz. Não tem nenhum povo sem cultura, nenhuma pessoa sem cultura, as pessoas usam o termo cultura como se fosse um sinônimo de formação, de informação; todo mundo é cultura, mesmo a pessoa que viva no deserto numa cabine ela tem cultura, a cultura dela é aquela do isolamento. Todas as culturas são importantes, elas se desenvolvem de acordo com a sua natureza, como a química, você tem o que é cultura na química, na bioquímica, você prepara um terreno e tudo que você colocar naquele terreno vai florescer ou não de acordo com a cultura. Isso é importante para vencer preconceitos, porque a elite ela sempre coloca diquatomiz ___________ a cultura como se a cultura a alta cultura e a cultura popular. Isso é uma forma de manipulação que interessa a poder, dizer não nós temos a cultura, nós é que definimos o que vai para o museu, aí você encontra lá os grilhões, as correntes, não é isso que tem que ter num museu africano, num museu africano da escravatura tem que ter a produção, não a produção do opressor, tem que ter a produção dos próprios objetos. P - Voce está otimista neste momento? R - Eu estou, eu sou muito otimista, o que me move é o otimismo, eu sou idealista, eu gosto de associação, eu gosto de movimentar, eu acredito na luta organizada. Eu faço isso todos os dias, para fazer cinema é muito importante, você se organizar, porque o cinema é uma arte coletiva, então você tem que saber se organizar, você tem que saber valorizar todas as pessoas numa equipe para que aquilo aconteça e é muito difícil fazer cinema. Agora, voltando ao Araripe, o Araripe é um nome de guerra, hoje, se você for na região do Ceará e de Pernambuco, você vai encontrar muitos Araripes, uma família só, assim como Cavalcante é uma família só; mas como surge o nome Araripe? Quando os filhos de dona Bárbara são obrigados a entrar na clandestinidade, que é aquilo que eu falei, que é muito parecido com os anos de chumbo, cada um pega um nome, um nome fantasia, vamos dizer assim, um codnome, e um dos filhos pega o nome Araripe porque era um cacique que tinha na região com que eles se davam bem, porque quando eles colonizaram aquela região eles conseguiram fazer uma relação boa com este cacique; daí surgiu Araripe, que é um nome que quer dizer arara pequena ou rio dos papagaios - tem esta duas versões para o nome Araripe. P - Aí a família perpetuou. R - Perpetuou. Eu, por exemplo, não pus Cavalcante no nome da minha filha, é o ultimo nome, mas eu abandonei o Cavalcante e pus o Araripe. Eu fiquei sabendo que Cavalcante é a maior família que tem no Brasil e é uma família só. P - Mas mais encontrada no nordeste? R - Hoje está disseminada pelo Brasil inteiro. Por exemplo, a minha família tem uma característica interessante, porque ela migrou do Ceará, onde ela originou para a Bahia e pro Rio Grande do Sul; na minha família tem muito gaúcho e muito baiano, Araripes, é interessante isso, porque são pólos totalmente Ceará e Bahia. P - Você consegue, neste momento, você falou desta luta, deste idealismo trabalhando com cinema no Brasil, esta luta deve ser... Como é que é a sua luta? R - Eu acho que, como a maioria do cineastas - porque se você tem no mundo uma arte que atrai muitas pessoas é o cinema, mas se você imaginar que nós temos um planeta com 6 bilhões de habitantes, você fica imaginando quantos malucos vão querer ser cineastas, aí você vai fechando, fechando e vai chegar num mundo pequeno. No Brasil, quantas pessoas querem fazer cinema ? Vamos dizer que 1 milhão de pessoas queiram fazer cinema. Mas quantas vão fazer o funil? Vai fechar a vai acabar 5 mil, 10 mil pessoas talvez vão conseguir alguma coisa. É realmente uma missão pó, o que eu estou fazendo no meio desta maluquice é uma coisa muito forte, que toma conta da vida da gente e a gente não quer parar de fazer mais. A gente sabe que demora 4 anos para fazer um filme, cinco anos, a dificuldade para conseguir financiamento, dificuldade para o filme ficar pronto, mas a gente vai adiante mesmo sabendo que ... O que a gente quer? Não quer ganhar Oscar, se acontecer de você crescer e virar um cineasta deste sistema isso pode até ser uma coisa ruim, pode não ser uma coisa boa, mas o cinema que eu quero fazer é o que tem a ver com este encontro que a gente está, o cinema periférico, o cinema que você vai assistir não no Multiplex, você vai provavelmente assistir no circuito de arte, um cinema mais independente, mais humanista. Eu costumo dizer que tem dois tipos de cinema no mundo: um cinema que cuida dos super heróis, daqueles homens que são capazes de destruir e quebrar tudo e vencer as guerras. E outro cinema que trata de pessoas comuns. Por isso que o Museu da Pessoa é uma coisa que eu super fiquei a fim desde o primeiro dia em que eu ouvi falar e onde eu vou eu falo. Porque eu acho que é o entendimento de que cada indivíduo é depositário de uma memória, de uma história, e que esta história tem tanto valor quanto a história de Jesus Cristo, por exemplo. P - Que é de uma riqueza enorme. Mas alguma coisa que você gostaria de deixar registrado aqui, nesse caldeirão de cultura que você esta vendo? R - A coisa que o Brasil tem que descobrir está em São Paulo. Em São Paulo você tem uma grande colônia de nordestinos, de gente do Brasil inteiro, de gente do mundo inteiro. O que eu espero é que esta tolerância entre os povos se amplie a partir deste encontro e do dia a dia mesmo, para que a gente não viva tantos preconceitos; aparentemente é um país extremamente miscigenado, mas é um país ainda com muitos preconceitos. Por exemplo, os negros sofrem muito preconceito no Brasil, os pobres mais ainda que os negros, as pessoas que são desenformadas mais ainda que os pobres, e os índios estão na escala absolutamente subterrânea, eles não estão merecendo nem o valor que se dá aos mortos visitando as sepulturas. Então é um país que precisa discutir muito a cultura, exercitar muito a cultura, porque junto com a cultura tem a questão de diversidade, e junto com a diversidade tem a questão de você compreender o outro, respeitar o outro, valorizar o outro pelo que ele é e o que ele pode te mostrar. P - A gente gostaria só de agradecer pelo seu depoimento dizer que as portas estão abertas e continuam sempre aí.(FIM)
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