Chegamos a São Paulo num dia frio e de muita garoa no ano de 1968, não sei em que mês. Viemos de trem da cidade de Alvorada do Sul, Paraná. Lembro-me pouco da viagem. Tenho uma vaga lembrança do trem. Na verdade, não sei se são lembranças ou histórias que meus pais contaram depois. Dizem qu...Continuar leitura
Chegamos a São Paulo num dia frio e de muita garoa no ano de 1968, não sei em que mês. Viemos de trem da cidade de Alvorada do Sul, Paraná. Lembro-me pouco da viagem. Tenho uma vaga lembrança do trem. Na verdade, não sei se são lembranças ou histórias que meus pais contaram depois. Dizem que, durante a viagem, eu saí andando pelos vagões e teria me perdido. Meu irmão, João, é que me encontrou “vagando”.
Fomos morar no Jardim Japão, na rua Nigata. Acho que, na época, o povo chamava essa rua de Niagata. Ali passei minha infância e fiz meus primeiros amigos. Lembro-me do senhor Zacarias. Ele trabalhava em uma grande fábrica de pneus e me ensinou a torcer pelo Santos Futebol Clube. Esse senhor tinha três filhos e uma filha: Carlos, o mais velho, depois o Airton, o filho do meio, apelidado de Tito e o Rui, o mais novo dos meninos. A menina era a mais nova, chamava-se Sonia. Ela tinha a mania de chupar os dedos indicador e médio. De tanto chupá-los, ela ganhou duas verrugas neles. Ouvi essa história da matriarca dessa família, Dona Isolina. Achava-a bonita, no entanto, não lembro mais de seu rosto.
Eu era um "televizinho" deles, ou seja, um sujeito que não possuía televisão e ia à casa do vizinho para aproveitar um pouquinho daquela maravilha. Era uma TV da marca Telefunken.
Com mais ou menos a minha idade, havia uma garota chamada Marlene e um garoto chamado Cido. Brincávamos nas ruas e na enorme praça. Aliás o pai do Cido, “Seo” João, era vigilante e morreu, durante o serviço, no início dos anos 70, não lembro se foi de enfarte ou derrame. O então menino chorou muito. Coube à dona Maria Teixeira (lembrei do nome dela) conduzir a vida. Essa família era muito amiga da nossa.
Minha primeira escola foi a Escola Imperatriz Leopoldina, até hoje na rua Togo. Ali estudei até o quarto ano do primário. Dessa fase, guardo o nome de apenas duas professoras: Cecília, minha primeira mestra, e Sonia Agosto, a professora do segundo ano primário. Ah, havia também a toda poderosa diretora: Dona Ada.
Falando nisso, dia desses aconteceu algo muito estranho. Eu estava tomando uma cerveja com um amigo, hoje secretário de Esporte de Guarulhos, e falávamos do passado quando ele revelou que estudou nessa escola, na mesma época que eu, e era morador da rua Osaka, rua paralela à minha querida rua Nigata. Incrédula, pedi que ele dissesse o nome da diretora e confirmou: “Dona Ada”. Lembrou inclusive do “grande” porte físico que nos parecia ainda maior quando sua poderosa voz ecoava pelos corredores da escola.
A história parece-me ainda mais inverossímil quando esse meu amigo revela: “Morava ao lado da fábrica de balas”. Eu vivia por ali. Apenas para constar, todas as balas tinham o mesmo sabor: eram de açúcar puro, apenas açúcar. Mas havia papéis de várias cores e com desenho de diversas frutas. Um verdadeiro engodo. Mas eu olhava para o papel cheio de desenhos de abelhas e sentia o sabor de mel. Para complementar a renda familiar, era comum as pessoas pegarem essas balas para embalar em casa. Havia uma família na rua Osaka, com muitas crianças, que embalavam as balas e também ensacavam figurinhas.
Lembro-me do início das obras do Praça Oyeno, situada no centro do bairro e em frente à minha casa. Minha mãe chegou a fazer lanches e vender aos trabalhadores da obra, mas não deu muito certo. O parque ficou muito bonito. Muitas árvores foram plantadas e tinha até minas de água. Ele começava na avenida das Cerejeiras, seguia até próximo à rodovia Presidente Dutra. O lugar era bonito, pois as transportadoras ainda não tinham se instalado naquela região.
Morei também um tempo em uma casa da avenida das Cerejeiras. Foram tempos de muitas dificuldades. Meu pai lutava muito, éramos oito. Meu irmão João casou pouco depois de chegarmos a São Paulo e foi morar na Vila Maria Baixa, perto da avenida Guilherme Cotching. Apenas meu pai trabalhava. De vez em quando faltava alguma coisa, o feijão, a carne, o pão... Minhas irmãs, a Cida e a Cícera, começaram a trabalhar muito cedo para ajudar. Tenho um carinho e um respeito muito grande por elas. Se você acha que hoje existe exploração, nos anos setenta havia muito mais.
Em 1974, deixamos São Paulo e mudamos para a cidade de Guarulhos. Perdi o contato com meus amigos de infância e com os vizinhos. Tentei, ainda manter contato, mas meus amigos ficaram no passado. Estranhamente, o único vínculo que tenho daquela época é com um sujeito que morava do lado da minha casa, estudávamos na mesma escola, brincávamos nos mesmos espaços, mas fomos nos conhecer mais de trinta anos depois em outra cidade: Vadinho.
(História enviada em agosto de 2010)Recolher