O ano era o de 1972 e como toda criança de minha idade, eu já começava a dar os primeiros passos da minha vida escolar.
Na verdade, meu irmão mais velho e meu tio, ambos quase da mesma idade, é que tinham obrigatoriamente que frequentar os anos iniciais da educação. Nós, minha irmã caçula...Continuar leitura
O ano era o de 1972 e como toda criança de minha idade, eu já começava a dar os primeiros passos da minha vida escolar.
Na verdade, meu irmão mais velho e meu tio, ambos quase da mesma idade, é que tinham obrigatoriamente que frequentar os anos iniciais da educação. Nós, minha irmã caçula à época e minhas tias, íamos apenas para brincar e assim nos mantermos em local seguro e de aprendizagem, dando à mamãe, tranquilidade para exercer seu trabalho no povoado em que lecionava.
A escola em que estudávamos, ficava em um sítio distante dois quilômetros, da roça em que morávamos.
Lá viviam as duas irmãs professoras e cada uma se utilizava de um cômodo da casa para lecionarem.
A casa era muito grande, vários quartos, uma sala ampla, uma cozinha de médio porte e uma extensa varanda em sua entrada, a qual fazia todo o contorno lateral do imóvel e contava ainda com um vasto terreiro de chão batido, tanto nos fundos quanto na frente.
As professoras tinham muitos irmãos, eram elas as mais velhas de todos eles.
Alguns dos moços mais jovens, eram ainda adolescentes. Enquanto tomávamos pé dos afazeres e obrigações escolares, nos ajeitando em nossas carteiras, a vida da família seguia sua rotina de trabalho diária.
Todos saiam para a lida.
Ficando na casa, apenas as educadoras e sua genitora, que cuidava dos afazeres domésticos, incluindo aí, a merenda da criançada.
Naquela época, professoras representavam membros de nossa família e a confiança e o respeito se faziam tão grande, que aos finais de semana, quase constantemente, almoçava-se em casa um do outro. As famílias sempre se reuniam em festejos tradicionais, especialmente durante o período de Rezas e também no dia-a-dia.
Eu gostava muito de aprender coisas novas, coisas de criança da minha idade, mas às vezes, eu não gostava de ir à escola.
Não era pela distância, isso não, era porquê no caminho de volta da escola, às margens do caminho, havia uma casa aqui, outra acolá e numa dessas casas, tinha uma família cujo filho de uns seis anos mais ou menos, adorava andar pelado. Não havia meio que o fizesse permanecer de cueca, shorts ou calça, roupa nenhuma.
O meu irmão e o meu tio, achavam divertido dar a ele uma moedinha, para que corresse atrás de minhas tias e eu. A questão não era a carreira e sim, o fato de estar pelado. Para nós, meninas, dava-se a maior de todas as afrontas e imoralidades que se possa ter notícia.
Os dois até sentavam no meio da estrada, para rirem do nosso medo horrível do menino nu.
O pior disso tudo, é que o garoto pegara gosto por tal atitude e quando estava disposto, até mesmo sem uma paga, divertia-se metendo carreira atrás da gente.
Não bastasse isso, de vez em quando, na escola, durante o intervalo, os meninos tratavam de nos assustar, se valendo de personagens folclóricos, como por exemplo o Curupira.
Primeiro nos metiam muito medo do dito cujo e depois nos faziam trancarmo-nos em um dos quartos, dizendo que a criatura estava vindo para a escola nos pegar.
Não me lembro bem aonde estavam os adultos nesse intervalo de tempo e se eram ou não coniventes com tais brincadeiras de mal gosto. Fato é que entravamos embaixo de uma enorme cama de casal e gritávamos loucamente aos prantos.
Seja lá quem fosse, batia violentamente na porta do quarto e possuía uma voz horrenda, que a todo tempo dizia:
-Vou pegar as criancinhas, ha ha ha ha ha!
Par finalizar, deixavam no caminho da porta de entrada até o quarto, várias pegadas feitas com barro, para nos assustar ainda mais.
Me pergunto até hoje, onde estavam as professoras que nunca viam e nem ouviam nada?
E, se viam, que brincadeira mais de mau gosto essa, de assustar pobres criancinhas.!
Dessa iniciação escolar, guardo ainda algumas recordações,
há noites em que sonho que algo quer me pegar embaixo da cama.
Não há ressentimentos, hoje sei que eram brincadeiras inocentes, que naquele tempo achavam divertido, não havia maldade e nem se discutia sobre as pessoas e seus traumas.Recolher