O mais engraçado da vida é o quanto ela é imprevisível. Por mais que tenha passado a vida toda sonhando com um longo período tedioso, controlado e seguro, o fato é que as coisas mais interessantes e mais importantes que aconteceram durante minha existência derivam fatos aleatórios, escolhas ...Continuar leitura
O mais engraçado da vida é o quanto ela é imprevisível. Por mais que tenha passado a vida toda sonhando com um longo período tedioso, controlado e seguro, o fato é que as coisas mais interessantes e mais importantes que aconteceram durante minha existência derivam fatos aleatórios, escolhas apressadas, acontecimentos imprevisíveis.
Nasci no dia 2 de abril de 1989. Apesar de fazer parte da chamada geração X, supostamente descolada, criativa e "no strings attached", a verdade é que sempre tive muito carinho pela previsibilidade. Desde os 8 anos, quando ainda acreditava que os animais em zoológicos eram bem tratados, decidi que seria funcionário público, me formaria em uma faculdade qualquer, viveria feliz com uma casinha, um carrinho, uma televisãozinha. Toda a minha vida estava planejada, e isso me dava conforto. Até que a realidade bateu na minha cara com a força de um caminhão carregado de melancias.
Após anos de estudos, realizei minha ambição de criança: fui aprovado em um concurso público. Festa, alegria e foguetes. Por pouquíssimo tempo. Em questão de minutos, percebi que aquilo não me satisfazia em absolutamente nenhum sentido. O salário era ótimo, mas cada minuto trancado naquela sala de repartição me fazia querer saltar de um trem em movimento. Sentia-me um fumante, morrendo aos poucos.
Mas meu apego por planos à longo prazo caiu por terra quando, em uma caminhada, uma abelha picou-me na nuca. Na nuca, a safada. Isso pra mim não teve influencia alguma, em minha saúde ou algo assim. Entretanto, isso me fez pensar. E se eu fosse alérgico? Poderia ter morrido, assim, do nada. Uma caminhada para o trabalho, em uma terça feira de um dia quente. Nenhum final épico, nenhuma música, nenhum sacrifício heroico: uma picada de abelha na ida para o trabalho.
Nesse momento, percebi como a vida é aleatória. Cada momento passado planejando a vida resulta no dobro de acontecimentos aleatórios, muito mais inspiradores e cheios de possibilidade. Resolvi mudar de emprego, de área de estudos, de vida. Abracei as mudanças.
Um dia, sem planos para o futuro, fui convidado por minha irmã para assistir algumas palestras de professores de História em um evento para professores em minha cidade. Inscrevi-me, e, uma semana depois, entrei em um programa de mestrado em História. Grande impacto.
Um dia, vagando por um shopping, avistei a garota mais bonita que já havia visto na vida. Nunca mais a encontrei. Anos depois, em um universo totalmente diferente, conheci, através de uma amiga, outra amiga. Era a garota mais bonita que já havia visto na vida, de novo. Quais as probabilidades?
Muitas vezes, essa aleatoriedade pode ser vista na vida de outros. Um dia, conheci uma garota no ônibus. Duas semanas depois, estávamos namorando. Através dela, conheci outra amiga. Dois dias depois, dei emprego para essa nova amiga. Sua vida mudou totalmente, por conta de um estranho que a conheceu há dois dias.
Após nove meses trabalhando em uma prefeitura, fugi do serviço público tão rápido quanto um corredor olímpico foge da linha de início da prova, e passei a trabalhar na área da minha formação, Design. Não surpreendente, realizei-me por completo. Hoje tenho um trabalho ótimo, em uma empresa fenomenal, ótimos colegas e, principalmente, consigo ter orgulho do que produzo. Orgulho é o que move um bom profissional.
Minha vida foi composta de mudanças profundas. Divórcio dos pais, diversas mudanças de cidade, três faculdades, diversos empregos; poucas dessas coisas poderiam ser controladas. Algumas delas aconteceram inclusive sem qualquer influência minha, mas tiveram um impacto colossal em tudo o que fui, sou e serei. Por isso, considero ânsia de controle e previsibilidade uma enorme e mal-cheirosa bobagem. Após tantas realizações, após conseguir trabalho por causa de um post no Facebook, após ganhar dinheiro com arte, nada mais me pega de calças curtas. A imprevisibilidade faz parte do jogo, e, por mais que pareça que não podemos suportar as mudanças, o ser humano sempre se adapta. E sempre sobrevive. Sempre vou sobreviver. Pelo menos até morrer.Recolher