R – Palavras que não eram usadas né? Aí vim vindo, dar uma olhada no Aurélio, dei uma olhada, pô estudos dos africanos, dos negros, caramba, é minha origem, viro a minha origem, eu que sou negro, que sou preto. Sou de família preta. E fui sambista né? Eu fui sambista, fiz parte de composi...Continuar leitura
R – Palavras que não eram usadas né? Aí vim vindo, dar uma olhada no Aurélio, dei uma olhada, pô estudos dos africanos, dos negros, caramba, é minha origem, viro a minha origem, eu que sou negro, que sou preto. Sou de família preta. E fui sambista né? Eu fui sambista, fiz parte de composições do Rio de Janeiro. Conheço um bocado de samba sobre os negros, então eu pensei: “Poxa, isso deve ter um bocado de coisas abertas e eu tô com tempo de acompanhar isso”. Entendeu? Aí eu conheci o Charles Mello, ele foi profissional no América também. Aí o Charles de Mello falou pra mim que a irmã dele, eu fiquei maluco quando ele falou isso, fiquei andando atrás dele igual criança. Ele falou assim: “Pô, a minha irmã mandou uma carta pra Brasília, me parece que eles vão mandar um projeto do Griô”, e ele não conhecia, mas eu já conhecia. Eu disse: “Pô, eu não acredito!”, aí ele disse que era verdade, então eu falei: “Eu quero conversar com a tua irmã” não conhecia ela, conhecia ele, a irmã dele eu não conhecia e fui lá conhecer ela no programa de rádio, porque ela tem um programa de rádio... Ela tem um programa de rádio. Até hoje, não! Não é hoje não, amanhã que ela vai falar da gente, nós estamos aqui, tal... A caravana tá aqui, tá acontecendo uns eventos, amanhã que ela vai falar na rádio Solimões de Nova Iguaçu. Ela vai divulgar a gente amanhã. Aí eu fiquei doido quando ele falou que a irmã dele tinha mandado e tava quase conseguindo o projeto. Cheguei perto dela e me ajoelhei e disse: “Ô, Meire, não me deixa de fora não, pelo amor de Deus”, foi quando chegou o Griô pela primeira vez na minha vida. Aí eu tive a primeira reunião no Ministério da Cultura, quando eu conheci a Lílian Pacheco. Naquele dia, eu fui ali na reunião dos Griôs do Ministério da Cultura, naquele dia a gente tava ali na roda conversando, eu achei que a Lílian Pacheco transmite muita força de bons pensamento, de energia pra gente. Só na apresentação ali, eu sou um cara que aguenta muito sentimento, mas tem hora que você não aguenta e não aguenta. Naquele dia ali eu tinha chorado conversando com eles na mesa, eu não sei o que foi que ela falou que eu me emocionei muito, dei uma choradinha e ela disse que era assim mesmo, as coisas boas que ainda não conseguimos passar na vida e que tá surgindo agora, não é não? Aí ela marcou mais uma reunião no América, foi um museu, se instalou no América, um museu cultural, aí teve uma festa enorme. Eu falei: “Pô, ela vai estar aqui”, mas ela não foi. Mas nesse dia, no Ministério da Cultura lá embaixo, né, que eu fui pra uma reunião pra saber como é que era, aí eu tive a maior surpresa da minha vida. Era realmente o pessoal do Velô que eu estava falando, era o pessoal do Velô que estava sentado na mesa. Quando terminou a primeira parte, o primeiro bloco da reunião, aí me dá um livro do Griô com um CD, aí eu fiquei louco pra ir embora. Eu fui embora lendo aquele livro todo, li o livro todo pela primeira vez. Deu porque, por mais que você tente entender, se você não ler ele todo, reler, você não vai entender. Foi até o que eu falei para o meu garoto: “Pra tu entender o que é isso aí, você tem que tá com tempo, a tua cabeça tem que tá aqui nesse livro, não pode tá lá querendo ir na feira comprar tomate, comprar... tem que tá aqui. Tua cabeça tem que tá aqui. E depois tu vê o CD”. Eu li o livro, li o livro, porque eu li vindo de lá pra cá, eu achei que não li legal, não interpretei. Porque tem palavras que tu tem que interpretar ela, li palavras que você tem que consultar. Eu li o livro, li novamente o livro, dei outra lida no livro. Eu tenho um colega que quando eu não entendo as coisas, eu passo pra ele pra ele entender pra mim. Eu falei: “Rapaz, eu tô com um livro lá lendo e tem um negócio lá que eu não entendi não”. Ele falou: “Poxa, cadê o livro?”, mas ele tem lá uma mania de pegar as coisas e não me devolver. Eu falei: “Não, mas tá em casa e o livro não é nem meu, e depois tu não vai me devolver, vamos lá em casa pra tu ler”. Aí tinha um pedaço lá, ele foi, leu, que ele também é educador né, aí ele me passou alguma coisa e: “Pô, fechou, completei! Agora vou ver o CD, o DVD”. Eu li o DVD, primeira vez, botei novamente, segunda vez. Na segunda vez eu chorei. No momento que o pessoal faz o círculo, todo mundo se apresenta, esse pedaço foi em Lençóis. Esse pedaço foi lá em Lençóis, todo
mundo vinha chorando, o povo vindo de família pobre. Aquilo ali me transmitiu como se fosse a minha família, eu tava vendo um CD, tô sabendo que tô de frente a uma televisão, tô vendo um CD, mas eu tô vendo umas imagens. Então aquilo ali me transmitiu muito, então eu chorei. A minha companheira comentou: “Mas, pô, tá chorando?”. Eu falei: “É, porque você não tá vendo o que eu tô vendo, se você conseguir ver direito, isso aqui não é leitura não”. Porque minha mulher não tem paciência pra leitura não, mas se tu ver isso aqui, legal mesmo e eu explicando a você, tudo bem. “Então uma hora que não tiver ninguém aqui, as garotas não tiverem aqui e tiverem fazendo um rolê, a gente vai ver!” “Tá bom, a hora que tu poder ver, você vai ver comigo.” Aí botei agora essa semana mesmo, não teve um feriado? As meninas saíram, ela tem duas meninas que não são minhas, eu crio. Vanessa e Camila são duas gêmeas. Ai eu falei: “Pô, vamo bota o CD pra tu ver”. Aí botei e fui explicando, explicando, explicando, explicando, explicando... Quando chegou num pedaço, eu olhei pra nega e a nega também tava chorando, nega tava emotiva também, aí ela chegou pra mim e falou assim... No final, quase no final do livro do CD, ela chegou pra mim e falou: “Poxa, tu me dá pra mim? Me dá pra mim esse CD? Tu me dá pra mim?”, eu falei: “Poxa, mas num é meu? É teu!” Mas num é, se abri é meu, mas espero que num tenha porque eu tô tentando sossegar mesmo, tô tentando sossegar. (risos) Tô tentando ficar sossegado. Mas eu não aguento a solidão, entendeu? O meu problema é o seguinte: eu não aguento a solidão. Eu sou um cara assim, se não tá dando certo eu perto de você, eu fico longe. Eu não quero nada de ruim pra tu. Eu não fico perto de você, mas não quero nada de ruim, pelo contrário, eu desejo tudo de bom pra você. Tá entendendo? Eu sou assim. Então por isso que eu não sou um cara difícil mas o casamento, o primeiro casamento é muito bom. E você tem que tentar preservar o primeiro casamento porque isso é uma união de Deus e Deus não quer que ninguém se separe. Isso é bíblico, tá escrito. E a gente é cabeçudo, o homem é cabeçudo, o homem é um bicho ganancioso, bicho cabeçudo, não é a mulher não. Não é, a mulher não. Homem é um bicho danado. Não vou dizer: “Ah, eu sou santinho, não fiz nada com a minha mulher, que eu era bonzinho”, pelo contrário, eu era levado pra caramba. Eu fui, levava mulher pra dentro de casa, saía da portela, saía pra viajar e não voltava, entendeu? Pois é, fiz um casamento e não assumia a vida de casado. Tava com a vida de solteiro. Hoje eu vejo, não bota culpa nas mulher que eu mesmo boto a culpa em mim. Eu mesmo me culpo. O cara que quer sossego, ele tem que ter sossego, quer uma companhia, tem que ter a companheira dele não é verdade? Então a minha mulher me pediu esse CD, eu até achei engraçado sabe. Ela falou: “Pô, tu num dá pra mim” eu falei: “Pô, o CD num tá aqui? É meu, é teu. Tá aqui”. “Então tá bom, vou te dar. Pô, vou te dar”, aí eu peguei o livro, autografei: lembranças dos Griôs para Veridiana Salto Monteiro. Dei pra ela e está com ela, pegou e botou na vida dela. Aí, com isso, com isso, um dia eu chego lá do futebol, cansadão, e não tinha espaço pra passar na sala. Tinha umas quatro colegas dela tudo vendo o filme, lendo o CD. Ela transmitiu, ela fez o meu papel. Foi contando pras colegas, ó, tá uma febre isso lá. “Tu não empresta o CD? Tu não empresta o CD?”, vai acabar sumindo o CD... “Mas tu não me deu?” (risos) “Tu não me deu?” “Ah, pô, não é pra ficar pra lá e pra cá”. Porque, na verdade, na verdade, o meio cultural como é explicado ali, eu ainda não tinha visto. E eu trabalho em comunidade carente, eu trabalho dentro da maior comunidade carente que tem no Rio de Janeiro. Dentro do Rio de Janeiro eu trabalho dentro de uma favela que tem 460 mil famílias, chama-se a Favela da Maré. Eu trabalho lá dentro, sou professor lá dentro já há dez anos. Ao qual trabalho com esse rapaz aqui o Del, chamado Hildebrando Gonçalves Rodrigues, ele me pegou, me chamou e falou: “Tu é o cara certo pra ir trabalhar lá”. Que eu vim nato do esporte, porque o que acontece: muito dos professores que já trabalhavam com ele não tinha didática do esporte pra trabalhar com os garotos. Porque quando se trabalha social é diferente de quando se trabalha para o profissional. Porque o social é social e o profissional é profissional. E eu estou com ele até hoje, com ele que eu cheguei a honrar a minha família. Quando vocês quiserem pegar alguma informação, telefonando pra mim ou indo na minha seção, as portas estão abertas. (pausa) Pode perguntar alguma coisa.
P/1 – Não, a gente tem muita curiosidade, pode deixar... É... Desde quando você se tornou mestre? Como é que foi?
R – Quando eu pedi para entrar no projeto, a Meire me pediu pra fazer uma palestra. Ela me perguntou se eu sabia alguma coisa sobre os africanos. Eu falei pra ela: “Meire, eu tenho uma interpretação africana que eu posso te contar”. Aí ela: “Então vamos sentar num canto, aí e você conta pra mim o que você sabe sobre os negros, os africanos, até mais ou menos onde vai o seu conhecimento”. Aí eu tô explicando pra ela, que eu... Principalmente na minha época, nós fomos muito enganado com a cultura, com a educação de que o Brasil foi descoberto por quem? As professoras diziam pra gente: “Ah, foi Pedro Álvares Cabral que descobriu. Viajaram de Portugal, as caravelas, Santa Maria de _________, chegaram em Porto Seguro e de Porto Seguro descobriu o Brasil.” Na verdade, comecei com a Meire conversando com ela sobre isso. Eu disse: “Meire, eu tive um entendimento que não foi isso. O Brasil não foi descoberto porque já tinham os índios, nós não estamos numa situação melhor porque fomos mal colonizados”. Aí foi quando ela começou a sentir que eu tinha conhecimento sobre algumas coisas. Aí falei sobre os africanos, eu falei: “Meire, eu conheço a história dos…”, você conhece a história dos navios negreiros? Gosta? Conhece? Os navios negreiros (pausa), eu vou contar a história resumindo porque eu trouxe muito grandão... E aí não vai dar tempo do outro vim aqui contar a sua história.
P/1 – Não, eu acho que você podia contar a história inteira, a gente tá aqui para ouvir o que o senhor tem para falar.
R – Então eu vou contar, e ela começou assim: os portugueses e holandeses viajaram para a África e chegaram lá, e tal tal tal e prometeram aos africanos que trariam eles pra Bahia, que eles iam ter terras, muito emprego e muito dinheiro, né? O cara meio desconfiado, eles tinham um intérprete para falar com os africanos e os caras manusearam os caras, usaram de traição. “Não, então vamo!” Encheu o navio, encheu. Dentro de alto mar, eles ali começaram a impor a lei da tortura. “Isso aí foi tudo invenção do cara que tratou contigo, não é nada disso, vocês são escravos nossos!” E foi quando eles começaram a negociar os negros. Começaram a negociar os negros, começaram a vender, eu dava dez, ele dava 20, outro dava 30 e assim começaram a negociar os africanos trazidos e armazenados, porque além deles serem trazidos, eles não viajaram em conforto, eles foram armazenados num porão. Num porão e com argolas de ferro no pescoço e no pé e com o remo na mão para tocar o remo na mais cruel traição, né? Isso foi traição porque eles prometeram emprego, aliás essa história, isso acontece até hoje e já aconteceu comigo na minha casa. Você é paulista? Tu é paulista? E tu é paulista? Ele não é paulista.
P/2 – Sou...
R – É paulista também? Então preste bastante atenção. Eu conheço um empresário chamado Artur Oliveira. Ele me liga e fala assim: “Ô Santos, eu tô com um jogador no Rio de Janeiro e não tem pousada para ele. Eu tô com quatro jogadores, botei um no centro da cidade e tô levando um pra levar contigo aí”. Eu falei: “Não tem problema não, a casa dá pra ficar, num não tem problema, pode vir”, chegou um meia-noite e pouco. É a história que eu tô te dizendo da traição. Pô, pegou o rapaz, deixou o rapaz na minha casa, foi embora pra São Paulo e os outros ficaram no Rio de Janeiro, os garotos que vieram pra tentar. Um outro tá jogando no Santos, não, Santos não, tá jogando no São Caetano o Danilo, o Danilo ficou um mês na minha casa. E o que ficou comigo, o Roni, eu falei: “Ô, Roni, e os outros seus colegas?” “Ah os outros ele largou na cidade, mas eu não sei lá não, ele foi pra São Paulo”, aí eu perguntei: “Artur, você largou os moleque aonde?” “Não, os outros ficam no Rio eu deixei eles lá na Lapa”. Eu falei assim: “Esses moleques vão morrer aí” e fui embora pra Lapa e na Lapa descobri os moleques lá, tavam mesmo. Na semana que eu tirei eles, na outra, o hotel caiu, eles tavam numa penumbra naquelas obras antigas da Lapa. Então é o que eu tô te dizendo: o cara trouxe os caras e não arrumou clube, eu que arrumei. Eu que apanhei os cara aqui em casa um mês, e isso saiu até na manchete, essa matéria, a Sônia da Manchete fez essa manchete comigo na sala. Foi o que aconteceu com os negros, foram trazidos, armazenados, apanhavam pra remar, com pouca comida e chegaram aqui e foram vendidos como escravo na mais cruel traição e botaram os caras pra trabalhar direto. Como surgiu a libertação deles? Vamos ver como surgiu a libertação deles? A libertação deles surgiu como diz na história que a princesa Isabel se apaixonou por um negro. Ela escreveu a Lei Áurea, ela escreveu a Lei Áurea. Mais tarde, com 60 anos de idade, eles não seriam mais escravos no Brasil. Foi quando surgiu a Lei Áurea, entendeu? Esse foi o conhecimento dos africanos, aí tem a parte de que quando eles foram levados para a Bahia, eles cantavam, à noite juntavam os grupinhos e cantavam à noite para não chorar por causa da dor. Então eles achavam que cantando a dor se expandia. Eu contei isso pra ela e ela falou: “Então você vai ser o meu mestre griô”, mas eu falei: “Não, pode ser você, não?”, ela falou: “Não, porque eu tenho um programa de televisão e de rádio, talvez eu não possa estar sempre com vocês e tal tal tal então eu vou botar o seu nome.” E você, além de ser mais velho, tem mais conhecimento e tal. Eu falei: “O griô eu estou estudando ele e já tinha na minha pele, mas eu não sabia porque não era identificado como griô”.
P/1 – Seu Adenir, o senhor conviveu com a sua vó?
R – Convivi, eu fui criado por ela.
P/1 – E ela contava essas histórias para o senhor?
R – Contava essa história tudinho.
P/1 – O senhor lembra de alguma?
R – É, mas eu jamais, eu jamais… Hoje eu não gosto de falar o que eu falei pra ela, hoje eu falava outra coisa. Entendeu? Eu não gosto, mesmo. Digamos que eu fosse falar… O nome da minha vó é Cenita Fonseca, mas vovó para de falar nessas histórias que isso aconteceu, entendeu. Que ela contava pra gente, ela contava que realmente ela trabalhou em senzala e por ela ter trabalhado em senzala ela era mais absolvida porque ela trabalhava para os patrões. Ela era mais absolvida e viu tudo acontecer e nos contava. A minha vó morreu aos 117 anos, nó computamos porque ela diz que trabalhou na casa de um... Eu não consigo lembrar o nome do cara que ela trabalhou na casa dele. Ela trabalhou na casa de um grandão aqui, na época de, nas épocas áureas e ela falou que quando veio surgir a nossa independência, as coisas todas, que ela fazia estrada. Tá entendendo? Ai eu e minhas irmãs ficamos assim: “Poxa, será que a vovó tinha só 117 anos?” Porque ela com 117 anos não tinha nada. Chamava o médico, ela já estava bem cansada, o médico chegou pra gente numa ocasião e falou: “Você ainda está mais doente que a sua vó, sua vó não tem nada. A respiração dela não tem nada não, é assim mesmo”, a respiração dela, quer dizer, o coração dela foi ficando fraco, fraco aí ela foi fazendo a passagem dela, mas não tinha doença nenhuma. Não tinha aquela coisa de remédio aqui, remédio ali, tem que fazer isso, tem que fazer aquilo, então, e ela mais tarde ela se tornou legionária, ela gostava muito da LBV [Legião da Boa Vontade], programa paulista, ela gostava muito da LBV. Dar um radinho pra ela ficar escutando a LBV era a paixão dela, do qual ela depois fez a passagem. Mas ela contou muitas e muitas coisas pra mim e pra minhas duas irmãs mais velhas sabem muito mais ficaram muito mais tempo com ela, porque logo cedo eu parti, fiquei seis anos fora. Fui para França, depois fiquei em Portugal e depois também depois que eu vim fiquei bastante tempo na Bolívia, fui treinador na Bolívia. Fui treinador desse time que jogou no Maracanã contra o Flamengo. Aliás, fui treinador e um dos fundadores e ajudei a fundar e trabalhei de graça lá pra eles na fundação. Então as minhas irmãs ficaram muito mais com ela e sabem muito mais. Mas ela me contou muita coisa, ela me contou uma história da bananeira, ela tinha mania de dizer que pra pegar um casamento, os africanos pegavam teu nome e escreviam numa bananeira, entendeu? Se a bananeira gemesse, ia casar, se não gemesse... E eu não acreditava nessas coisas, tinha que dar um corte, botava teu nome, chegava e escrevia seu nome na bananeira e tinha que ser dia 13 de junho, famoso dia de Santo Antônio, já era antigo isso, mas tinha que dar um corte na bananeira. Se a bananeira fizesse assim, ó: irhhhhhh (risos) aí o cara tava frito, tava casado. Se a bananeira não sentisse nada (risos)... Era a história que ela contava, dona Cenita contava muita história pra gente, pois é. E era cada coisa engraçada, e ela também foi um pezinho de ouro considerada, minhas irmãs tem as fotos. Era três irmãs: uma era a Germana, a Germana, a outra era Antônia e a outra Areta. Elas eram consideradas os pezinhos de ouro da dança, do chorinho, tá entendendo? As dançarinas. O qual eu venho ver o porquê que eu gosto de samba, porque eu gosto tanto de macumba, dessas coisas todas que toco, eu tô correndo pra ver. Não sei nem o que é toco, eu tô correndo pra ver, entendeu? Então a roda já entro, não sei nem se é um samba, se é uma capoeira se é um troço, tá entendendo? E as minhas irmãs são foliões, minhas irmãs são folionas, não tem festa, mas nós arruma uma. Hoje não é dia de ninguém, hoje ninguém faz aniversário, tal, tal, tal, daqui a pouquinho elas dão uma ideia e tal, tal, o fulano traz um bolo tal, fiz um churrasquinho aqui, vem pra cá, aqui tem um almoço vizinho tal, tal, tal, a casa delas só é assim. Agora é dia das mães e eu não vejo a minhas irmãs há muito tempo. Minhas irmãs moram na casa que eu fiz lá em Mariocas, que eu fiz pra minha mãe e pras minhas irmãs. Peguei minha cachorrinha, eu tenho uma cachorrinha bonitinha, peguei ela e vamos pra lá. Quando eu cheguei, já tavam saindo já. “Mas, poxa, vamos pra casa da outra irmã que vai ser tudo lá hoje, lá na casa da outra irmã!” Eu falei: “Não, eu ia ficar com vocês aqui, hoje, se vocês ficassem em casa. Pra mim ver as fotos, vê minha mãe, e os retratos todos. Mas como vocês estão de saída, indo lá pra casa da outra irmã no Realengo, eu vou pintar uma coisa diferente, eu vou embora pra casa e eu vou trabalhar porque tô com serviço no Maracanã. Eu ia faltar pra ficar com vocês, mas do mesmo jeito que eu não vou ficar com vocês eu vou trabalhar.” Aí voltei pra trabalhar. Mas é por isso que eu tenho esse sangue, é nas origens que a gente fica sabendo. Como é que eu gosto tanto de carnaval? Eu faço máscaras, faço tambor. Eu faço tambor, arranja o material que eu faço um tambor pra gente bate. Quando surgiu a escola de samba em cima da hora, eu fazia parte de um bloco chamado Leléu, que esse bloco se transformou em escola de samba. Que hoje é... Ih, mas na época era grande atração a gente fazia tudo em cima da hora, como lá em São Paulo a torcida do Corinthians não fez a Gavião, uma escola considerada né? Ó em 60 e pouco eu sambava, sambava, fazia show na Portela. E o falecido Natal nos pagava pra fazer o carnaval em São Paulo, não tinha carnaval em São Paulo. São Paulo não tinha nada. Ó, Beija-flor de Heliópolis era só barro, ia assim e voltava tudo vermelho de barro. Ele dava uma ajuda de custo pra gente ir lá e fazer um carnaval lá. O falecido Natal da Portela. Então hoje eu tô bem mais sossegado, porque se eu começar novamente... Outro dia fui num baile da terceira idade e quase tomei uma frigideirada da patroa (risos). Eu tava aqui pertinho da associação, tava passando por lá e dei uma olhada, mas não tava dando uma olhada não, tinha dançado mesmo. Tinha dançado já com umas duas coroas já, tá entendendo? A gente tinha tomado um copo de cerveja (risos). Aí minha mulher chega pra mim: “Você me chega do treino seis, seis e meia e já era dez e pouco da noite”, mas aí a mentira tem a perna curta, né? Aí eu falei pra ela: “Não, sabe o que acontece? Eu dei uma paradinha no baile, os caras pediram pra eu dar uma rodada lá, tinha umas meninas lá que é da igreja e eu rodei com ela lá. Dei uma saidinha lá e vim embora”, “Mas olha a hora que você chegou! São dez horas!”, então eu num vou mais não. Porque é o grande motivo num é meu não, é o sangue deles que tá na gente. É o sangue deles! Ó, eu, minha irmã, as outras minhas irmãs, as colegas dela, os meus colegas, eu fazia, perto do carnaval, 30 máscaras pra gente sair de cabeção, que era o folclore. Eu que fazia e eu que costurava as roupas, eu ainda não tinha muita prática de corte, mas como era um macacão, só pra botar um macacão, aí eu mandava deitar, pegava um pano e falava: “Deita aí e abre os braços!”, aí eu metia um lápis, um giz, aí cortava, ia com a máquina, botava a cabeça, levava pra casa e tava pronto o macacão. Tingia de preto, botava coisa pra sair de macaco, aqueles bonecos grandão tipo Olinda, né? Só que Olinda é uma coisa que o cara carrega aqui, e aqui a gente fazia uma coisa que era de encaixar a cabeça grandão, coisa que nego nunca tinha visto aqui. Ganhei dois carnavais na Cinelândia.
P/1 – Por isso que se chama cabeção?
R – É por isso que chamava cabeção. Eu falava que era a batata do cabeção. Aí uma outra coisa também que nós inventamos… Até eu tinha um amigo que saía, chamava Rogério Pereira, Rogério Pereira Franco. Esse Rogério, ele... Esse Rogério, o melhor amigo que eu tive foi ele. Ele falava assim: “Vamos fazer bastante máscara porque a gente vende um, vende umas mascaras e com o dinheiro dessas máscaras que a gente vende, a gente arruma material e faz as nossas para o carnaval”. E dava certinho. A gente vendia até em loja na rua da Alfândega, fazia uma porção de máscaras e vendia antes do carnaval, o cara pagava muito. Uma máscara daquela não compensa nem fazer, fazia por arte, né? Porque tem as máscaras de plásticos, eu fui sair nesse carnaval, eu peguei, ia passar o final de carnaval lá, aí eu levei uma máscara de macaco, corri atrás de uns garotos na praia, de noite atrás do pessoal e tal. Aí me lembrou aquela época que a gente saía de 30, 40 pessoas fantasiadas. Também tem uma coisa, tem uma “restriçãozinha”: não se tinha a violência que se tem hoje, principalmente aqui no Rio de Janeiro, nós pagamos pra viver. A violência é muita e então nós paramos. Então às vezes eu falo: “Por que que a gente é assim cara?”, tanta coisa é festa, a gente não tem nem dinheiro, fica querendo arrumar, faz uma vaquinha daqui, faz uma vaquinha dali, daqui a pouquinho é uma festa... Mas rapidinho tem uma festa, tá fazendo o quê? Mas vem pra cá! Fulano tá aqui, batendo um papinho aqui e tal, tal, tal. Origem da minha vê. Minha vó era dançarina e foi africana, e foi mesmo.
P/1 – E o que ela dançava?
R – Ela dançava chorinho, jongo, esses troços assim não tinha não. Mas as músicas africanas… Ela cantava cada música africana, umas músicas bonitas! Nós não conseguíamos alcançar a língua. A língua dela nós não conseguimos alcançar. Então foi minha origem, minha origem sempre foi essa de ser folião. Eu sou folião, se sair um bloco aqui, eu saio agorinha nele. Saio, boto roupa de mulher, boto conga, compro um sapato bonito pra botar, pra botar de piranha. Eu levei minha mulher lá na loja, ela falou: “Não, não vai sair com isso não! É tanta roupa pra usar você, não vai sair com isso não”. Ainda ia sair eu e a Belinha. Ia sair eu e a Belinha, minha cachorrinha. Aí eu ia botar ela de coisa, aí ia sair de piranha dizendo que tinha ganhado uma neném, saindo da casinha que a gente lá na beira da praia. Mas minha mulher não deixou eu sair não (risos). O macaco eu ainda botei lá, saí atrás dos garotos. Também me meti num bloco, por isso que ela não deixa mesmo. Eu me meti num bloco que o bloco ia só até Mangaratiba, quando eu fui ver eu tava na Praia do Saco, poxa se demora mais um pouquinho eu tava em Conceição do Jacareí, quando eu notei já era cinco e pouco da manhã. Rapaz, era seis hora a mulher já tava no portão (risos). Lá em cima, perto de Angra dos Reis, eu fui embora, acompanhei os caras e nem conhecia os caras, fui me metendo pelos troço a fora. E depois, aonde eu tava, eu tô acostumado a ir para aquela área com o carro, e eu tinha ido num bloco. De Mangaratiba nós fomos andando, andando e quando fui ver, eu tava na Praia do Saco. Da Praia do Saco, nós fomos andando até parar na Praia de Itacurubitiba e aí acabou o bloco e eu não sabia nem mais onde eu tô. E o cara falou: “Meu irmão, o ônibus só às cinco horas da manhã”. Só cinco horas da manhã e eu já tava (risos), já tava... Tomado uns golezinhos e eu fiquei esperando o ônibus quando o cara falou: “Pô, tu não vai pegar o ônibus? Olha o ônibus aí, olha o ônibus de cinco horas, já é cinco horas!” Quando eu cheguei lá, tava com a cara igual de um elefante! “Poxa, tá vendo? Por isso que eu não gosto de deixar você andar sozinho, você se perde” e tal, tal, tal, amanhã eu não saio não, nem hoje, aí eu fiquei e não saí mais nenhum dos outros dias. Então eu sou folião, sou de família de foliões, minha irmã gosta muito de carnaval e a gente gosta muito de dançar, né. A gente faz as festas lá e dança, dança com uma, dança com a outra, dança gafieira. Eu sei dançar, sei dançar e até ai eu ensino a dançar, nesse dia que eu fui eu fui convidado a ensinar o pessoal a dançar. Porque agora tá uma dúvida danada porque o pessoal misturou tudo, dança de salão, misturaram com (fox?), com (merenga?), então tá tudo misturado. Então não se tem hoje um verdadeiro tom de uma dança fixa, é essa a dança e o cara tem que praticar ela. Até no programa do Faustão, o Fausto Silva, que tem o negócio do concurso de dança, pô aquilo ali é uma imagem que tá tudo errado, eu tô dizendo porque tá. (risos) Porque eles fazem uma dança pra eles mesmos, tu não vê ninguém que não é da Globo para ir dançar. Só quem era o bailarino da Globo, a professora da Globo, o cara nunca deu uma rodada, é da Globo. É igual a minha profissão, o cara nunca chutou uma chapinha e é técnico de futebol, nunca deu um pontapé, não sabe bater numa bola não sabe fazer nada e quer massagem, quer massagem. (risos) Não, tu nunca jogou como é que quer massagem? Tá entendendo como é que é o negócio? É o que estamos atravessando hoje no esporte, na educação. Você vê que a educação nossa tá abandonada, porque nós crescemos, não crescemos? A população paulista cresceu, a população do Rio de Janeiro cresceu. Os nossos comandados, porque nós somos comandados por eles, né? Os nossos presidentes se preparam para isso. Tá lá em São Paulo uma briga danada lá, aqui no Rio de Janeiro tem uma briga danada por causa desse tal do Programa Direto que eles não querem deixar ninguém mais repetir, vai passar direto. Como é que o pessoal vai passar se não tem competência pra passar? Eu tenho uma filha que eu crio, ela tem 17 anos, ela gastou dez folhas ofício e não conseguiu fazer um currículo. Ela tá na quinta série, tem 17 anos. Aí eu tô meio aborrecido com ela, aí a mãe chegou e falou: “A Carine não tá conseguindo e ela tem que entregar esse currículo amanhã”. Falei: “Pô, mas ela não fala comigo”, ela mora dentro da minha casa e não fala comigo, como é que eu vou conseguir fazer alguma coisa por ela? Mas eu não sou tão ruim assim, eu deixei passar, mas eu falei mais pra ela ouvir e poder corrigir a educação, aí eu fui lá e fiz a coisa por ela, pra ela não poder perder uma boa oportunidade de emprego.
P/1 – Bom vamos aproveitar para trocar a fita e beber uma água... Tá muito gostoso seu Adenir.Recolher