Plano Anual de Atividades 2013 Pronac 128976 - Whirlpool
Depoimento de Roselene dos Santos
Entrevistada por Eliete Pereira
Guarujá, SP, 11/04/2014
WHLP_HV006_Roselene de Santos
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Dona Rosa, boa tarde!
R – Boa tarde.
P/1 – Dona Rosa, qual o nome completo da senhora?
R – Roselene dos Santos.
P/1 – E o local onde a senhora nasceu.
R – Aqui no Guarujá.
P/1 – No Guarujá? Que dia que a senhora nasceu?
R – Doze de fevereiro de 66.
P/1 – E o nome dos pais da senhora?
R – João Francisco dos Santos e Benedicta dos Santos.
P/1 – Os seus pais eram daqui, do Guarujá?
R – O meu pai era de Sergipe, minha mãe, eu não sei dizer, porque o meu pai pegou a gente e foi embora, eu e minha irmã, quando a gente tinha… eu tinha um ano e minha irmã tinha dois. Eu não sei de onde ela é, acho que tem no registro, mas eu nunca me liguei, porque eu também não me apeguei muito a isso. Agora, a minha mãe que me criou de dois anos até… se chama Nice, era da Bahia.
P/1 – Ela era?
R – Ela é da Bahia, ela é viva ainda, da Bahia. A que me criou, que eu chamo, considero como mãe.
P/1 – Qual o nome dela?
R – Nice.
P/1 – Nice?
R – É.
P/1 – Ah! E a Nice, então, ela é esposa do seu pai?
R – Do meu pai. Segunda.
P/1 – E o seu pai conheceu a Nice aqui, no Guarujá?
R – Conheceu aqui no Guarujá.
P/1 – E seu pai tinha a senhora e tinha sua irmã?
R – É, uma irmã chamada Helena.
P/1 – E o seu pai teve outros filhos?
R – Teve, com a minha mãe. Teve, mais quatro filhos.
P/1 – Qual o nome deles?
R – Claudio, Eliane e Marcos e o outro era David, faleceu, que era o caçula.
P/1 – Dona Rosa, a gente tava falando dos seus irmãos, a senhora falou do Claudio…
R – Eliane e Marcos e o que faleceu que se chamava David, esse era o caçula.
P/1 – E como que era assim, primeiro, o pai da senhora, o quê que ele fazia, aqui no Guarujá?
R – O meu pai, ele trabalhava de… qual o nome? Pera ai! Fazer moveis em iate, é carpintaria? Eu acho que é isso…
P/1 – Ele era carpinteiro?
R – Isso, carpinteiro naval.
P/1 – E a madrasta da senhora, a mãe da senhora, a Nice.
R – A minha mãe era… ela era doméstica.
P/1 – Ela era doméstica e ela trabalhava o dia todo?
R – O dia todo.
P/1 – Então, quem ficava com as crianças?
R – Então, assim, ela trabalhou… começou a trabalhar a gente já tava maiorzinha, entendeu? Ai, ficava eu e a minha irmã mais velha tomava conta dos…
P/1 – Dos irmãos. E como que foi a infância da senhora?
R – A infância foi boa. Agora, depois, a parte de 15 assim, 16 foi mais difícil, que o pai pegava mais no pé (risos).
P/1 – Na infância o quê que a senhora fazia, brincava?
R – Não, eu comecei a trabalhar com a minha mãe eu já tinha 14 anos. Ela ia fazer faxina, às vezes, ela carregava a gente pra ajudar.
P/1 – E as crianças, então… quem via as crianças? Era a…
R – A outra, mais velha. Ela sempre levava uma, depois levava a outra, pra ensinar. Ai, uma vez ia eu, outra vez ia a minha irmã. Comecei a trabalhar sozinha mesmo de empregada doméstica com 17 anos.
P/1 – Então, a senhora aprendeu então com a sua mãe, e já pegava serviço sozinha?
R – Isso. As patroas dela que ela fazia faxina, depois fiquei trabalhando dia a dia, como doméstica. Uma maneira de sustento.
P/1 – A senhora frequentou a escola?
R – Só até a quinta serie.
P/1 – Aqui no Guarujá?
R – É.
P/1 – Por que a senhora parou de estudar?
R – É porque ou você trabalhava, às vezes, chegava um pouquinho tarde, não dava tempo de ir a escola. Depois também, eu fui morar com o meu marido já cedo.
P/1 – A senhora casou cedo?
R – Casei. Meu filho mais velho, sem ser esse que você viu a foto, ele não mora comigo, já tá casado, ele tem 26 anos. Então, eu casei, com um ano eu já engravidei.
P/1 – Com quantos anos a senhora casou?
R – Com 18 anos. Eu sai de casa e fui morar com o meu marido (risos), sai de casa escondido e fui morar com o meu marido.
P/1 – A senhora se apaixonou, foi o primeiro amor da senhora?
R – Foi, eu conheci ele indo trabalhar. Eu trabalhava numa lanchonete em Santos, eu atravessava toda vez pra Santos para trabalhar, a gente se conheceu, fui falar com o pai, o pai não permitiu, ai ficou aquele negócio escondido, depois eu cismei que queria morar com ele. Peguei as minhas coisas e fui, papai só foi descobrir de noite. Ainda tentou me buscar, mas eu falei que eu não ia. Ai depois, ele aceitou, a gente quase casou, mas não cheguei a casar. Pela parte do meu pai tava tudo certo, cartório marcado, tudo, mas a mãe do rapaz não aceitava, porque achava ele muito novo. Mas ai, a gente viveu dois anos.
P/1 – Quantos anos ele tinha na época?
R – Ele? Dezoito… eu acho que ele era mais novo que eu um ano, ainda. Ele tinha 17, era mais novo um ano.
P/1 – E vocês se casaram e foram morar onde? Na casa dele?
R – Na casa da tia dele. Numa meada que tinha atrás, a gente morou lá.
P/1 – E nisso, a senhora trabalhava?
R – Não trabalhava, só trabalhava ele. Ai, eu parei de trabalhar. Eu parei de trabalhar, porque ele achou que eu tinha que ficar em casa, cuidando da casa, parei de trabalhar. Ai, engravidei, quando meu filho tava com três anos, a gente se separou.
P/1 – Qual o nome do primeiro filho da senhora?
R – William.
P/1 – William?
R – É, hoje ele tá casado, já tem filho.
P/1 – Já tem a família dele?
R – Já.
P/1 – A senhora se separou e voltou para casa dos pais?
R – Assim que eu me separei, meu pai não aceitou que a gente voltasse… eu voltasse… meu pai era assim: “Você arrumou pra cabeça, quis casar, tem que ficar, depois não volta pra casa”, aqueles pai. Meu pai, antigamente, tinha até palmatoria, pra você ver como…
P/1 – E seu pai te batia?
R – Nossa, ele tinha palmatoria! Deixava a mão da gente… então, quando eu separei, ele não aceitou que a gente voltasse pra casa. Nesse meio tempo que eu separei, ele já tinha separado da minha outra mãe e estava com outra mulher.
P/1 – Tinha se separado da Nice, então?
R – Já. Tava com outra mulher. Então, ele não aceitava e não aceitou. Ai, eu fui morar com a minha avó, que era mãe do meu pai.
P/1 – Sempre aqui no Guarujá?
R – Sempre no Guarujá, que a família do meu pai toda morava aqui, vieram todos pra cá. Ai, eu fui morar com a minha avó, depois, eu conheci o pai desses meus filhos. Ai, vim morar com ele, foi nessa casinha que você viu nas fotos.
P/1 – Onde que era a casa de vocês?
R – Numa favela, é aqui mesmo, só que é mais pra frente, na Avenida Atlântica também, atrás era o Rio Acaraú.
P/1 – Tinha um nome esse lugar, onde vocês moravam? Essa favela tinha um nome?
R – Favela Atlântica.
P/1 – E vocês foram morar lá, como que vocês conseguiram o barraco de vocês?
R – Então, a mãe do meu marido morava lá, então, ele tinha um quartinho bem pequenininho na frente. Ai, eu fui morar com ele nesse quartinho. Ai depois que a gente ampliou um pouco mais que ela deu mais um pedacinho pra gente. Ela faleceu, a gente ficou com…
P/1 – Com o barraco todo?
R – Com o barraco todo. Ai depois, minha cunhada voltou a morar lá, e a gente dividiu um pedaço pra ele, foi quando saiu as casas. Eu ganhei aqui, ela ganhou do outro lado. Ai, tem quantos anos, meu pai? Meu marido faleceu atropelado. Primeiro, faleceu a mãe dele, a mãe dele foi estuprada. Depois de três anos que a mãe dele faleceu, mês de abril também… ele também morreu no mês de abril, ai faleceu ele. Ele vinha do trabalho, do Guarujá pra cá, que ele trabalhava de ambulante e morreu atropelado ai na Piaçaguera. Tem nove anos.
P/1 – Nove anos que ele faleceu?
R – Nove anos que ele faleceu.
P/1 – O que aconteceu com a senhora depois que ele faleceu?
R – Quando ele faleceu, eu estava grávida.
P/1 – A senhora tava grávida. De quem? Qual filho?
R – Da menina, da Rafaela. Ela tá com nove anos.
P/1 – Então, a senhora já tinha quantos filhos, então?
R – Dele?
P/1 – Isso, dele.
R – Quatro.
P/1 – Quatro. Ai, a senhora tinha o William e quais outros filhos?
R – Não, o William não era dele…
P/1 – É, mas a senhora tava cuidando do Willian?
R – Não, nesse meio tempo, ele já não estava mais comigo. Nesse meio tempo, que eu vim morar com ele, o William quis ficar com a vó, ele não aceitava (risos).
P/1 – Avó por parte de pai?
R – É que nem o meu filho. Hoje em dia, o meu filho Kelvin. Ele tá com 20 anos. Ele não aceita o meu marido, até hoje. Os meus filhos são muito ciumentos, sabe? Então, o William, no começo, não aceitou o meu marido, que é o pai desses meus quatro filhos e hoje em dia, o outro não aceita esse que eu tô hoje, também. Até hoje, três anos e mesmo assim… entendeu?
P/1 – Então, a senhora foi morar com o marido da senhora que era o…?
R – O Adalberto.
P/1 – Ai, com o Adalberto, a senhora teve quantos filhos? Quatro.
R – Quatro filhos.
P/1 – Qual o nome deles?
R – Rodrigo, Richard, Kelvin e o Allan.
P/1 – E quando o seu Adalberto faleceu, a senhora tava esperando a Rafaela?
R – A Rafaela.
P/1 – Uma menina.
R – Ainda não sabíamos que era menina, quando ele faleceu. Ele dizia que tinha muita vontade de ter uma filha mulher, mas até quando ele morreu, ele não sabia o quê que era.
P/1 – E a senhora tava trabalhando na época?
R – Não, não trabalhava, tomava conta só deles.
P/1 – A senhora cuidava só das crianças, então?
R – É, porque o Richard nasceu com hidrocefalia, então, até… ele dava muito trabalho, era médico direto, ele tinha muita… como é que se fala? Dava muita crise nele, entendeu, ai eu não tinha como trabalhar e deixar ele. Ele tinha convulsões direto, direto, direto. Foi parando agora, depois que ele foi crescendo, mas não tinha como trabalhar e deixar ele, entendeu? Ai, trabalhava só o pai e eu tomava conta deles.
P/1 – Ai, as crianças iam pra escola?
R – Isso. Estudaram. Estudam até hoje. O Richard, passei muito tempo em hospital com ele também. Praticamente morava no hospital, quando tinha as crises dele, quase que ele chegou a operar, colocar válvulas, mas não precisou.
P/1 – E a senhora ia pro hospital aqui do Guarujá?
R – Olha, aqui no Guarujá, duas vezes, eu fiquei com ele em São Paulo.
P/1 – Em São Paulo. Qual hospital?
R – Fiquei internada junto com ele, porque não conhecia ninguém lá, tinha que ficar lá direto.
P/1 – Qual hospital que a senhora ia?
R – Não me lembro. Faz muito tempo. Não lembro o nome do hospital.
P/1 – E as crianças, com quem ficavam quando a senhora ia levar o Richard?
R – Na época, minha sogra era viva, ela tomava conta. O pai tomava conta, ele trabalha de dia, mais cedo, sempre… minha cunhada também. Tem a madrinha da minha filha também que desde pequena, ela ajudou a olhar meus filhos, hoje em dia, é a segunda mãe para a minha filha (risos)
P/1 – Ela morava perto de casa?
R – Morava e ainda mora. Ela era… morava duas casas antes da minha e hoje, ela mora porta com porta comigo (risos). Ai, a minha filha fala que tem duas casas (risos), a casa da madrinha e a minha, que a minha porta é aqui e a dela é de frente.
P/1 – E como que era a vida lá onde a senhora morava, na Favela Atlântica? Como era o cotidiano?
R – Lá, era muito triste lugar de morar lá, sabe? Porque a gente tinha que conviver com as enchentes, tinha que conviver com os bichos, rato, cobra…
P/1 – Tinha cobra também?
R – Jacaré (risos), não sei se ouviu falar, mas jacaré tinha no rio que a gente morava. Ainda tem, até hoje. Outro dia, eu fui na casa de uma amiga minha, ela é cabelereira, fui mexer no meu cabelo, ela mexeu logo pra mostrar que tinha a mãe e tinha uma filha, bem tomando sol assim, até hoje tem, é uma coisa… eles pegam, a gente chama, eles vêm, tiram, mas depois vai aparecendo.
P/1 – Mas tinha peixe então?
R – Peixe, peixe, só aqueles peixinhos de… antigamente, tinha que o rio era mais limpo. Hoje em dia, o rio é mais sujo, rato. Acho que o jacaré vinha mais por causa das comida. Rato, resto de comida que o povo jogava também fora, muito resto de comida, rato. A gente dormia, os ratos andavam pela parede. Ratão. Eu dormia com medo, eu não gostava nem de dormir com a luz apagada. Umas vezes, a gente acordou com o rato em cima da cama.
P/1 – E o quê vocês fizeram?
R – Ai, eu até hoje, eu tenho pavor. Meu marido que corria atrás, mas não tem jeito, eles são ligeiro! Mas graças a Deus, agora, a gente tá livre de tudo isso. Enchente, a casa enchia pela metade, a gente perdia tudo, perdia moveis, perdia tudo direto.
P/1 – E era sempre? Cada ano que tinha enchente, vocês perdiam?
R – Perdia. Perdeu tudo! Tudo, tudo, tudo! Era… tinha enchente, era sair de madrugada com as crianças até aqui, pra casa dos vizinhos, mais pra frente, até passar a noite todinha, até esvaziar, ai ia pra casa, limpava aquela sujeira toda que ficava, bichos… aqueles bicho no chão, entendeu? Ai, limpava, voltava. Às vezes, de um dia pro outro, enchia de novo, que a maré enche. A gente dormia, às vezes, quando acordava, acordava no meio da noite com a água pela cintura. Quando a gente via que tava enchendo, só dava tempo de levantar. E quando era de madrugada e tava dormindo? A água tava na cintura, quando eu levantei, só peguei o bebê e sai pra fora, as coisa tudo, as coisa do bebê, tudo…
P/1 – Perderam tudo?
R – Tudo, tudo! Minha mãe ajudava, meu pai também quando tava vivo, que o meu pai tem dois anos só que faleceu. Meu pai me ajudava e muito! Até o ano passado, quando ele faleceu, então, tá me fazendo bastante falta, mas fazer o quê? A mamãe ainda é viva, as duas. Uma mora aqui pra perto, a outra mora um pouquinho mais distante, que é a Conceiçãozinha, que é a minha mãe mesmo.
P/1 – Então, quando a senhora contou que o pai da senhora saiu de Sergipe, a senhora lembra da cidade?
R – Não lembro.
P/1 – A mãe biologica da senhora veio pro Guarujá também?
R – Eu creio que eles se conheceram aqui também. Foi aqui também que eles se conheceram, porque o meu pai veio pra cá novo pra trabalhar, que ele já se conheceram aqui, tanto que a mãe da minha mãe mora aqui ainda, a minha avó ainda é viva, mora aqui ainda.
P/1 – Ela teve outros filhos?
R – Tem, bastante!
P/1 – Quantos filhos?
R – Olha, acho que ela tem uns… dez por ai, viu?
P/1 – Ela se casou novamente?
R – Ela teve filhos, mas casar mesmo, acho que ela não ficou com nenhum homem, ela criou tudo sozinha. Eu e a minha irmã fomos criadas por essa, tem dois meses que eu descobri um irmão. Por parte dela, que nasceu e ela deu para uma ex-patroa. A minha irmã, entrando num site, ela descobriu esse rapaz e ele contou a historia dele no site pra ela, contou o nome da mãe, contou tudo, ai a gente juntou tudo. Ai, descobriu que era irmão da gente e ai, estamos pra marcar um almoço pra se encontrar (risos). Eu só vi ele por foto, não… então, dez mais esse, então, acho que são 11.
P/1 – E você tem contato com os seus outros irmãos por parte de mãe?
R – Não tem muito não, tem com os meus irmãos por parte de pai. Da minha madrasta.
P/1 – Da Nice?
R – Isso. Ai, tenho bastante contato com eles. Com os outros, eu não tenho contato não. conheço, vejo, olho: “Oi, tudo bem?”, mas não tenho contato… aquele contato de irmão mesmo, não. Só com a Eliane, Marcos e Claudio, só, que eu considero os meus irmãos.
P/1 – Porque vocês foram criados juntos.
R – Até a minha mãe também. Às vezes, eu… eu sei, eu me sinto mal, eu me sinto mal de não chamar a outra de mãe, mas eu não consigo chamar ela… pelo nome Benedicta, a minha mãe que eu chamo de mãe. Às vezes, eu tava conversando com ela e falo: “A minha mãe não sei o que…”, depois daqueles cinco minutos… não posso fazer nada. Dá aquela coisa, mas… é da gente, sai sem querer. Às vezes, pode até magoar a pessoa, mas ela tem que entender também, que quem me criou foi ela, então com quem tive, até hoje, mais convivência foi ela, então… é isso (risos).
P/1 – Dona Rosa, a senhora ficou o tempo todo cuidando do Richard. E a senhora chegou a fazer algum trabalho em casa pra vender, pra ajudar na renda da família?
R – Eu, até hoje, eu ainda aço crochê, tapete de crochê…
P/1 – E a senhora vendia para quem?
R – As vizinhas, pra fora, às vezes, uma pessoa passa pra outra.
P/1 – A senhora fazia o quê?
R – Faço jogo de cozinha, jogo de banheiro, tapete…
P/1 – E a senhora aprendeu com quem fazer crochê?
R – Eu sou curiosa. Eu vejo a pessoa fazendo e fico olhando, entendeu? Não fui para a escola, nem nada. Compro a revista, eu vou lá e tiro o modelo da revista. Se eu vejo a vizinha com algum tapete diferente: “Me empresta pra mim tirar o modelo?”. Ai eu vou lá e tiro (risos). Até a minha mãe, minha mãe. Às vezes, ia em algum lugar… trouxe capa de celular de crochê: “Ó, trouxe isso aqui, vê se consegue fazer?”, dai eu fazia. Ela levava e até vendia para as colegas dela. Tudo que ela vê assim, de diferente, ela traz pra eu copiar, ai eu copio.
Faço tapete de cordão, faço jogo de banheiro, trabalho com as linhas mais finas, que são aquelas brilhosas, pra fazer jogo de cozinha, também.
P/1 – E dona Rosa, quando o marido da senhora morreu, o seu Adalberto, a senhora não trabalhava, então?
R – Não.
P/1 – Como que a senhora fez pra manter a família?
R – Eu não trabalhava e ele também não trabalhava, fichado. Ele era ambulante e não deixou nada pra gente. Como eu te falei, quem me ajudou muito foi o meu pai e o Richard, que tem um salario por causa do problema dele, do INSS, é um auxílio-doença era o que me ajudava.
P/1 – E as crianças, na época, estavam com quantos anos?
R – Era tudo pequeno, ainda.
P/1 – Eles eram todos pequenos?
R – Eram. Não tinha nenhum pra trabalhar.
P/1 – Eles iam pra escola?
R – Escola, só escola. Não tinha nenhum ainda que tivesse idade ainda pra trabalhar, pra ajudar. Ajudava assim, em casa, mas…
P/1 – E a sogra da senhora já tinha falecido, também?
R – Já tinha falecido.
P/1 – Então, a senhora ficou sozinha?
R – Só eu e os meus filhos.
P/1 – Lá na Favela Atlântica?
R – Só eu e os meus filhos.
P/1 – E a senhora ficou quanto tempo sozinha? A senhora depois, teve outro matrimônio, outro companheiro?
R – Seis anos!
P/1 – A senhora ficou seis anos sozinha?
R – Criei os meus filhos sozinha (risos).
P/1 – E o quê que a senhora fez pra senhora conseguir ter uma renda, além do dinheiro do INSS do Richard e da ajuda do pai da senhora?
R – Sempre igual eu falei pra tu, sempre trabalhei com essas coisas. Crochê, lavava roupa assim, também, para algumas pessoas, as vezes, aparecia alguém que pedia para eu lavar, eu lavava, essas coisas assim, só. Porque trabalhar fora, com o Richard, não tinha como mesmo, não tinha como. Escola, ele ia pra escola, daqui a pouco me chamava na escola: “Teu filho tá tendo crise”, saía daqui correndo, ia lá pra escola dele. Eu lembro que ninguém sabia lidar com aquilo, saía daqui pra ir pra lá, então não tinha mesmo como trabalhar, entendeu? Era só essas coisas mesmo, ajuda do Richard, os bicos que eu fazia… eu também trabalhei de… uma amiga minha que quando também, ela saía de ferias, eu cobria o lugar dela, entendeu. Aí pedia pra essa menina que eu tô falando pra você ir pra olhar eles, ela olhava, eu pagava pra ela olhar, às vezes, ela nem cobrava. Aparecia biquinho, eu ia lá trabalhar.
Meu pai ajudando também, graças a Deus, fome, fome, a gente nunca passou, não tinha um bolo melhor, não podia dizer que eles tinha roupa boa, roupa nova, roupa… porque ou tu comia ou tu comprava roupa, então, melhor alimentar. Então, alimentava, mas graças a Deus, em seis anos que eu fiquei com eles, passar fome, eles nunca passaram não, graças a Deus!
P/1 – E eu vi uma foto da senhora que a senhora tá ali, junto da vizinha da senhora, e uma voluntária trabalhando na construção que é hoje a moradia da senhora. Então, conta essa história de como que a senhora saiu da Favela Atlântica.
Quando passaram fazendo o cadastro na favela, a prioridade era idosos, pessoas com deficiência e gestantes. Então, como eu tinha o meu filho com deficiência, eu entrei nesse meio aí. Eles fizeram esse cadastro, fizeram dois cadastros, onde eu morava, dois cadastros, porque tinha a minha cunhada e tinha eu. Só que a minha cunhada saiu bem depois, que foi meses atrás, porque na época, ela ainda era solteira e eu, como eu tinha os meus filhos e tinha esse com problema, então, eu fui selecionada, pra vim pra cá primeiro.
P/1 – A senhora ajudou na construção também?
R – Desde o chão até o teto (risos).
P/1 – E como que aconteceu isso? A senhora conseguiu o terreno junto com as outras famílias e daí vocês tinham que trabalhar na construção?
R – Não, é assim, foi uma ONG que veio…
P/1 – Qual é o nome da ONG, a senhora lembra?
R – É a Habitat.
P/1 – Habitat?
R – É. Então, a Habitat veio, ajudou a gente, o material foi todo doado por eles, só que assim: “A gente vai doar, vai doar tudo, mas tem como vir uma pessoa da família estar ajudando a levantar?”, porque tinham as pessoas que eles contrataram, mas era pouco, não dava conta e como a gente queria sair logo do local onde a gente tava, eles falaram: “Se vocês quiserem que saia logo, se vocês quiserem ajudar, podem vir”. Aí vinha eu, vinha o meu filho mais velho, entendeu? Tinham finais de semana que vinha uma turma pra ajudar, que nem veio o pessoal dos Estados Unidos. Nossa, veio bastante gente dos Estados Unidos, um pessoal muito bacana que vinha, ajudava, doava… às vezes, doavam as coisas pra gente. Tinham umas meninas novas muito bacanas que adoraram meus filhos, quando vinham elas, era presente, era tudo. Então, eles vinham, ai faziam aquele mutirão no final de semana, eles ficavam dois, três dias, se reunia com o pessoal, e a gente ajudava a construir, a levantar.
P/1 – Em quanto tempo vocês levantaram?
R – Nossa, e agora? (risos) Um ano? É, vamos pôr aí, mais ou menos, mas acho que deu menos, vamos pôr…
P/1 – Um ano?
R – Porque vinha família, vinha bastante gente, junto com o pessoal dos Estados Unidos e os rapazes que trabalhava já, foi até rápido!
P/1 – E quantos cômodos tem a casa da senhora?
R – São dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço.
P/1 – É um apartamento, então?
R – É um apartamento, porque em cima mora uma família e embaixo, mora outra, entendeu? São duas casas sobrepostas. Não é uns cômodos grandes, mas em vista do que a gente morava, é um castelo (risos).
P/1 – Qual foi a sensação quando a senhora pôs os pés na nova casa?
R – Ah, não tem explicação, foi uma coisa tão… ai, foi muito bom (risos). Muito bom! Hoje, a gente pode dormir sossegada, dormir tranquila, não tem medo de rato, não tem medo de enchente. Os moveis não precisa ter medo, apesar que ainda tem coisas de lá ainda. (risos) Mas…
P/1 – A senhora ainda tem o barraco da senhora lá?
R – Não, foi demolido!
P/1 – Foi demolido?
R – Tem alguns barracos lá ainda, que ainda tem gente morando lá, que não conseguiu ainda vim pra cá. Tem uns… acho que tem uns seis barracos ainda, lá que moram lá ainda.
P/1 – Eram vizinhos da senhora?
R – Eram.
P/1 – Eram? A senhora ainda vai lá visita-los?
R – Vou (risos). É, porque pessoal ali que a gente conhece há muito tempo, as vezes, eu vou lá ver o pessoal.
P/1 – E vocês se ajudavam assim, tinha uma amizade de sei lá, tá faltando um açúcar, ou um arroz, a senhora buscava lá?
R – Ah sim!
P/1 – E eles emprestavam?
R – Bastante, bastante! E uma vizinha minha mesmo do lado, ela mora ali, aquela ali é… vamos dizer quase como se fosse uma irmã. Ajudava bastante, ainda mais depois que o meu marido faleceu, era cerca: “Rosa, tá precisando de alguma coisa?” “Não, preciso”, ela passava pela cerca, a gente não passava pelo portão porque sempre tem pessoa que fala, aí passava pela cerca. Às vezes, também tinha alguma coisa, ela pedia, entendeu? Mas os vizinhos são muito bons. Tem uns, que a maioria…
P/1 – Eram bons?
R – Eram.
P/1 – E quanto tempo que a senhora tá morando agora na nova casa da senhora?
R – Tem três anos, já, vai fazer quatro anos.
P/1 – Três anos?
R – Vai fazer quatro anos.
P/1 – E como que a vida da senhora mudou desde então?
R – Mudou bastante. Mudou muito, 100%! Mudou pra bem melhor, que tem a moradia nova, tem aqui onde eu trabalho é do lado de casa. Eu tô trabalhando.
P/1 –Certo. E como que a senhora conseguiu trabalhar aqui? Como que a senhora conheceu esse grupo?
R – Então, esse grupo veio por intermédio também da obra das casas.
P/1 – Da ONG Habitat?
R – Da ONG Habitat. Ai, teve o Consulado da Mulher, que tava junto também. eles começaram a conversar com a gente sobre o quê que… fizeram tipo uma pesquisa sobre o quê que a gente gostaria de trabalhar, tal… aí, falaram sobre uma… se fosse construir aquilo que a gente acharia que dava pra se fazer, ai foi-se falado em cozinha, foi-se falado um monte de coisa, pra fazer coisa pra festa, tal… até que a gente chegou na lavanderia, porque eles acharam que a lavanderia dá dinheiro porque a gente não tem nenhuma lavanderia aqui por perto. Só tem lavanderia no Guarujá, então, as pessoas aqui tinham que mandar a roupa pro Guarujá. Então, esse negocio de estar levando... aí gente resolveu abrir a lavanderia e em cima, a cozinha, que ainda não está funcionando.
P/1 – Que seria esse espaço aqui?
R – Esse espaço aqui é pra estender roupa. A cozinha é aquela parte pra lá, que ainda a gente tá vendo, porque a cozinha, a gente tá fazendo… tem curso agora, que a gente vai aprender a fazer panificação, a gente vai fazer o curso pra gente ver o que vai trabalhar na cozinha. Lavanderia também, a gente teve bastante curso. Fomos para muito lugar fazer curso: Sesc, SENAI veio aqui dar aula pra gente, ensinar a passar, ensinar como lavar, como tirar mancha, isso tudo a gente aprendeu com o curso. Não chegamo de cara, entramos e fomos trabalhar não, filha, foi muito curso (risos).
P/1 – Quanto tempo que a senhora conhece o grupo?
R – O Consulado? O Consulado da Mulher?
P/1 – O Consulado da Mulher.
R – O Consulado da Mulher, três anos.
P/1 – Três anos? Até então, a senhora já tinha ouvido falar assim, do Consulado? A senhora conhecia a marca Consul?
R – A marca eu conhecia.
P/1 – A marca a senhora conhecia. A senhora já teve algum tipo de…
R – Quando eu voltei… quando a gente veio morar aqui, a gente ganhou a geladeira e o fogão da marca. Foi por intermédio dessas que a gente conheceu, eles doaram para todos os moradores um fogão e uma geladeira. Foi por intermédio dai que a gente foi conhecendo eles, o Cristiano, a Kelly, a Juliana…
P/1 – Quando eles estavam ali fazendo a pesquisa sobre que negócio fazer, a senhora foi aquela do grupo que: “A lavanderia vai ser um bom negócio”?
R – Foi, a gente teve tipo uma votação, teve uma votação e na votação, se achou… venceu a maioria, na votação. Tinha mais gente que…
P/1 – Quantas mulheres tinham?
R – Tinha o que tem hoje, só saiu… não, era mais. Tinha… eram duas, nós estamos em seis, eram oito mulheres e dois homens.
P/1 – Tinham dois homens então?
R – É. Ai, saiu duas e um homem.
P/1 – Eram todos daqui?
R – Tem esse casal que era do outro condomínio ali, do Triplex, que não morava aqui, moravam do outro lado, só os dois. Eles casaram tem uma ano, ai eles resolveram sair, que achou que não tava dando o lucro que eles achavam que ia dar. Que eu acho assim, que é tudo começo. Começo, tu não vai nadar no dinheiro, tudo tem aos pouquinhos, entendeu? Aos pouquinhos tá indo, graças a Deus, tá dando pra gente ir. Agora estamos em sete pessoas.
P/1 – E a senhora tá conseguindo ter uma renda agora?
R – Tá dando pra tirar, não muito, mas acho assim, nem a renda, o que vale é a satisfação de você trabalhar com pessoas que você se dá bem. O local que você trabalha, você se dá bem também, mas tá dando pra… assim, se fosse só a renda daqui, não daria (risos), que nós estamos começando agora, praticamente. Mas tem outras rendas, tem o meu filho que tá trabalhando já o de 24, ele ajuda, a gente tá no começo, então a gente sai pra panfletar pra freguesia, e no momento, a gente tá pegando pessoas mais… perdemos dois hotel..
P/1 – Vocês perderam? Por quê?
R – Por falta de maquinário.
P/1 – Vocês não tinham qual maquinário?
R – É porque a pessoa do hotel que veio conhecer aqui falou que a gente não tinha maquinário suficiente para atender a demanda deles, porque nossas máquinas são pequenas, tem que ter máquina industrial, a gente não tem, então a gente perdeu dois, três hotéis, porque a gente tava com um em Santos, só que a demanda era muito grande, eles mandavam assim, de um dia pro outro assim, então era muito coisa porque máquina industrial você põe aquele tanto de lençol pra lavar, põe aquele tanto pra secar, você passou, tá entregando e essas máquinas normal, pra fazer o processo todo, pra você ver, a hora que você chegou tinha roupa batendo, você pode ir lá que tá acabando de bater agora. Então leva muito tempo o processo todo. Então, não dá tempo, não dá. A gente tá perdendo muita freguesia de hotel ai grande, por causa desse…
P/1 – E a senhora tem alguma função especifica ou faz um pouquinho de tudo?
R – Um pouquinho de tudo.
P/1 – Quando a senhora conheceu o Consulado da Mulher, a senhora falou que acabou fazendo alguns cursos.
R – Muitos.
P/1 – O que mais que a senhora fez do que a senhora não sabia fazer?
R – O que eu não sabia fazer?
P/1 – É.
R – Aprendi tanta coisa… como que se pode dizer? Fizemos curso pra… que nem hoje em dia, além de eu ser… lavar, passar, limpar, eu também cuido de… a conta é no meu nome. Eu sou responsável por ir lá, retirar, a menina vai, faz acompanhamento, como que se diz o que eu sou? Não sei.
P/1 – A senhora faz um pouco a contabilidade?
R – Isso, é…
P/1 – A senhora é responsável.
R – Eu pego a conta no meu nome, eu vou lá, deposito, depois no dia de pagamento, eu vou lá e retiro, pago as meninas. Ajudo as meninas, também, a fazer… na hora do dinheiro…
P/1 – A conta, a senhora fala o quê? A conta dos gastos de água e luz, aqui? Ou não?
R – Também. O que entra a gente deposita.
P/1 – Ah tá!
R – Todo dinheiro que entra a gente deposita, a gente não deixa dinheiro aqui.
P/1 – Vocês têm uma conta no banco, então?
R – Uma conta no banco. E pra pagar as contas, também, eu pego as contas, vou no banco, pago…
P/1 – Quais são as contas que vocês pagam?
R – Água, luz…
P/1 – Água, luz…?
R – Telefone.
P/1 – E telefone? O prédio, é um prédio o quê? Foi cedido?
R – Pela prefeitura, nós não paga.
P/1 – Vocês não pagam?
R – Não. A prefeitura cedeu.
P/1 – Por tempo indeterminado?
R – Seis, cinco anos… seis anos, uma coisa assim. Ela cedeu, pra depois fazer uma nova…
P/1 – Uma renovação?
R – Uma renovação.
P/1 – E dona Rosa, a senhora tava falando desses clientes, que vocês perderam que são hotéis. Vocês chegaram a planejar, assim, como obter essas máquinas?
R – Planejar, a gente planejou, a gente tem… já foi atrás, fiz… a gente foi ver os preços, calculou tudo direitinho.
P/1 – Vocês fizeram uma pesquisa?
R – Fizemos uma pesquisa, fizemos alguns pedidos, inclusive, quinta-feira… semana passada, teve um pessoal dos Estados Unidos ai, vieram ver como tava tudo, conheceram a lavanderia toda, falamos dessa dificuldade, eles ficaram de ver. Não deram certeza de nada, só perguntaram pra gente: “No momento, vocês estão precisando do quê?”, Aí, a gente foi no ponto.
P/1 – Você lembra do nome da instituição desses estrangeiros?
R – Não me lembro, porque quem conversou mais com eles foi a menina que veio junto da…
P/1 – Do Consulado?
R – Do Consulado, então, como a gente não entende muito a língua deles, então a gente ficou meio sem… a menina deve ter lá embaixo o nome da instituição. Então, ele perguntou, a gente falou, ele viu a… você acabou de falar o nome.
P/1 – A planilha… o planejamento de vocês.
R – É, que a gente foi ver os preços…
P/1 – Ah, a pesquisa de vocês.
R – A pesquisa de preços que a gente fez, ele viu, ele anotou tudo direitinho, mas agora estamos aguardando. A ideia que a menina que tava junto deu pra ele foi a seguinte: a gente tentar pelo site estar pedindo doações, pra tentar chegar a obter o dinheiro ou ver se alguém, cede pra gente.
P/1 – E dona Rosa, quando que foi inaugurado esse espaço, a lavanderia?
R – Quando?
P/1 – Quando.
R – Ai, menina, minha cabeça tá meia…
P/1 – Foi no ano passado?
R – Foi esse ano. Não, foi no ano passado mesmo…
P/1 – Dona Rosa, no pouco tempo que vocês estão funcionando como a senhora analisa o negocio de vocês?
R – Analiso que a gente tem muito a crescer ainda porque a gente no final do ano, a gente trabalhou bastante, a gente ganhou bem, final de ano… por isso que eu digo, a inauguração foi no ano passado, final de ano a gente ganhou bem. Ai, começou agora, fevereiro deu uma caída. Só que a gente começou a panfletar, então, com panfleto, tá vindo mais clientela daqui da região, tá vindo bastante gente, entendeu? Então, o que a gente tá usando no momento pra ganhar freguesia é isso, é panfletar. A gente vai para as barcas, fica lá distribuindo papel e dá certo, viu, que o povo vem aqui e fala: “Peguei papel no Correio” “Peguei papel na barca” “Meu vizinho me deu esse papel, eu vim aqui, como é que funciona?”, né, a gente explica, tudo. Ai, a gente tá ganhando bastante freguesia aqui, mas a vontade da gente mesmo é hotel, porque é o que dá mais dinheiro, porque tá dando? Tá, mas pra alcançar o sonho da gente é os hotéis, chega a Copa, os turistas, então é a época que a gente quer ganhar dinheiro, mas pra isso, a gente precisa de ajuda (risos).
P/1 – Agora, dona Rosa, a senhora trabalha quantas horas por dia na lavanderia?
R – O meu horário de trabalho é da uma às seis.
P/1 – Da uma às seis? E o filho da senhora, o Richard, quem, é que fica com ele?
R – Então, o Richard, ele estuda na parte da manhã. Ele estuda de manhã, ai quando ele chega, eu dou almoço, ai, tem essa menina que eu falo pra você que me ajuda desde lá, que é porta com porta. Então, ela cuida da menina que estuda de manhã também, que é afilhada dela e fica de olho no Richard (risos), porta com porta, a porta fica aberta, eu já deixo aberta, que é pra ficar de olho. E tá indo, graças a Deus=, não teve mais nada.
P/1 – Não teve mais crise?
R – Não teve mais crise.
P/1 – Ele tá com quantos anos?
R – Quinze anos. Tem uns oito anos já que ele não tem crise, graças a Deus. Tem umas… uns atrasinhos, assim, umas coisinhas assim, que… mas, graças a Deus, aquele cuidado que eu tinha que ter quando ele era mais novo não preciso ter mais, tem que ficar de olho, mas graças a Deus, tá indo mais… e tem o de 19. Ele trabalha também, mas geralmente, duas horas da tarde ele já tá em casa. Ai também, ele já dá uma olhada. O de seis tá na escola, sai às seis horas, a hora que eu saio, então tá bem… as meninas também sabem. “Rosa, quer ir lá dar uma olhada? Vai lá”, ai eu vou lá, dou uma olhada, volto. Não tem trabalho, vai lá, ai eu vou, olho e volto pra cá, entendeu?
P/1 – E o filho da senhora que trabalha, de 19 anos, ele trabalha em quê?
R – Ele trabalha com a prefeitura, que se chama frente de trabalho. Ele ganha um salario mínimo.
P/1 – E o quê que ele faz?
R – Ajudante geral.
P/1 – Ajudante de obra?
R – É.
P/1 – Tem alguma obra especifica que ele tá trabalhando agora, que a senhora saiba?
R – Ele tá trabalhando na fábrica de bloco da prefeitura. Ele trabalha assim, faz escolas, sabe assim? Escola, creche, essas coisas assim. Mas no momento, esses dias, ele tá lá dentro da fábrica de bloco mesmo, trabalhando lá dentro, com massa, bloco, essas coisas.
P/1 – Agora, dona Rosa, o quê que na vida da senhora mudou com essa… com a senhora trabalhando aqui, na Lav Paty?
R – Ai, é tanta coisa, que eu também aprendi tanta coisa. Mudou muito, muita coisa eu aprendi, muita, muita, muita coisa. Ano passado, a gente trabalhou na quermesse. A prefeitura deu um espaço pra gente trabalhar, a gente ganhou um dinheirinho também bom, nesse ano vai ter de novo, graças a Deus.
P/1 – E como que vocês trabalharam na quermesse?
R – Foi cedida uma barraca pra gente, só que no ano passado, a gente trabalhou com outra instituição, que é um grupo de pesca. Não deu muito certo, não, mas… a gente teve algumas intrigas, porque as meninas começaram… foi assim, o arranjo: “Vocês vão vender tal coisa, a gente vai vender tal coisa”, as meninas que estavam com a gente começaram a vender bastante, elas começaram a fazer a mesma coisa que a gente (risos), então deu uma confusão. Agora, esse ano, a gente vai vender a barraca da gente sozinha. Ai, a gente…
P/1 – Ah, então, vocês vão começar a trabalhar com a culinária, então com comida?
R – Com comida. Comida, bebida, a noite só, festejo junino, eu já tô com as duas semanas, sexta, sábado e domingo, mas dá pra gente ganhar também um dinheirinho, trabalhando. Ai, a gente faz as coisas pra levar aqui, porque é lá no Guarujá. Ai, leva pra lá. alguém vai mais cedo, arruma tudo, ajeita tudo, umas ficam na cozinha, umas vão pra lá arrumar.
P/1 – E vocês estão pensando em fazer o que, pra vender?
R – Olha, ano passado a gente vendeu bastante vinho quente.
P/1 – Vinho quente…
R – Quentão, bolo, maçã-do-amor, que essa menina que tava lá embaixo, é uma boleira de mão cheia (risos).
P/1 – A Erika?
R – É uma boleira de mão cheia, os bolos dela saem bastante. Bolo, pastel, salgados.
P/1 – A senhora faz também? Salgados?
R – Ai, a gente vendia. Bolo, salgados, maçã-do-amor, morando… espetinho de morango, cerveja, refrigerante, essas coisas.
P/1 – A senhora gosta de fazer esse trabalho?
R – Eu gosto (risos).
P/1 – O quê que a senhora prefere, mexer com a alimentação ou mexer com a lavanderia?
R – Alimentação.
P/1 – Alimentação?
R – Eu gosto. Gosto de trabalhar com o povo (risos).
P/1 – E dona Rosa, a senhora tem sonhos?
R – Ah, meu sonho mesmo… sonho, sonho, sonho… ah, meu sonho mesmo é ver meus filhos crescerem, terem a vida deles, e eu ainda sonho em arrumar a minha casa melhor (risos). Porque assim, moveis novos, eu comecei a reformar, mas não terminei. Terminar de reformar…
P/1 – O quê que a senhora tava reformando na casa?
R – Eu já… falta eu reformar a área de serviço, falta terminar o banheiro e eu queria fazer o quarto para a minha filha, mas não sei como (risos), porque é única menina, no momento assim, que os meus filhos estão grandes, ela dorme com a madrinha, que é porta com porta. Mas eu queria que ela dormisse comigo, na minha casa (risos). Então, o meu sonho é arrumar um quarto pra ela. Comecei, dei uma ajeitada daqui… só que ela falou assim: “Mãe, eu vou morar com a senhora, mas a senhora tem que fazer o meu quarto do jeito que eu quero, eu quero um guarda-roupa rosa, uma cama rosa, quero uma prateleira pra mim pôr minhas coisas…” “Tá bom, filha, um dia eu compro”, ai eu jogo os meninos pra sala (risos), que não tem espaço. O ultimo falou assim: “Mãe, pega a área de serviço, faz um quarto e coloca um beliche”, eu falei: “Também dá”, ai a gente fica sonhando assim, mas… o meu marido tem um irmão, um terreno bem… o irmão mora atrás, e a frente tem… era um bar em cima, não tem nada, tá pra construir em cima, é um local que dá uma casa grande e bonita. Só que…
P/1 – É aqui perto?
R – É. Só que eu penso no amanhã. Eu penso: ‘hoje, eu tô com ele, amanhã, eu não sei. Eu vendo a minha casa, vou morar lá onde ele mora… vou construir…’, meus filhos falaram: ‘Mãe, eu ajudo a senhora construir”, vou construir, vai, construo um sobrado, quarto pra minha filha, quarto pra eles, quarto pra mim, é da família dele, amanha ou depois, acontece alguma coisa, como que eu fico? Eu sonho em ter uma casa grande, que os meus filhos tudo tenham os quartos deles e tudo, só que dessa forma, não (risos).
P/1 – E a senhora como conheceu o companheiro da senhora, agora?
R – A historia é… (risos) aniversario de um filho meu…
P/1 – De qual filho?
R – Até então, não conhecia ele. Do Kauã, que é o mais novo, o Kauã ia fazer dois… é… dois anos, três anos, que tem três anos que eu tô com ele. Tinha feito um bolinho, meu compadre ajudou a fazer um bolinho pra ele, uma festinha pra ele, nisso, convidei um, convidei outro, tal. Um amigo dele levou ele.
P/1 – A senhora fez lá na casa da senhora?
R – Na minha casa. Até então, nem com ele eu falei. Ai, a minha amiga: “Aquele rapaz quer falar com você”, eu falei: “Eu não quero falar com ninguém”, até então, eu tava fechada assim, sabe, o meu marido… já tinha seis anos, mas mesmo assim, eu não tinha tido mais ninguém
P/1 – A senhora não tinha tido… a senhora não namorou ninguém?
R – Porque eu não saía. Eu não saía de casa, era só para os filhos, acho que foi isso que ele usou pra ficar muito apegado, sabe? Então, não tive ninguém, ninguém, ninguém. E essa minha colega muito da… descarada, vamos falar assim, falou pra ele: “Fulana tá viúva há seis anos”, ele: “Opa” (risos). Ai, ele mandou ela ir falar comigo. “Eu não quero”, ela: “Puxa, vai falar…” “Eu não quero”, ela se juntou com mais duas amigas minhas: “Poxa, vai lá, poxa, seis anos, você não quer conhecer ninguém”, eu falei: “Eu não quero, eu tô bem com os meus filhos sozinha, até agora, não quero”. Ai, ele saiu, voltou, ela falou assim: “Vem aqui, quero falar contigo”, ai eu fui. Ela me encostou na parede: “Você vai falar com ele agora”, ai chamou, ai ele foi, conversou, conversa vai, conversa vem, ai tá “Poxa, não quer me conhecer…”, ai eu falei: “Passei um puta apuro, não quero saber de homem, meu marido era um homem muito bom,, mas era um mulherengo. Então, não quero passar pelo o que eu passei de novo. Eu tô sozinha ate agora, deixa eu sozinha”, ele: “Poxa, mas você me chamou atenção, eu queria conversar contigo. Vamos na minha casa?”, falei: “Vou nada” “Vamos?”, falei: “Não vou”, tá, ai voltei pra trás. Dali a pouco, ele saiu, minha colega falou assim: “Vem cá, vamos conversar”, eu falei: “Não adianta, não quero”, ai ela saiu. Dali a pouco, voltou de novo, ai me pôs frente com ele. Falei: “Tá bom, só pra tu parar de me perturbar, vou lá conversar contigo”, ai eu fui. Conversei com ele e tal, ai marcamos pra outro dia, ai eu fui. Fui e fiquei (risos). Ai, eu fui e fiquei. Ai, fiquei com ele no dia, no outro dia, fui pra casa, ai a gente foi ficando, ficando, ficando, ai meus filhos pegando no meu pé que não queria, não queria…
P/1 – Não queriam?
R – Não.
P/1 – Por que eles não queriam?
R – Eles são ciumentos, eles não queriam que eu ficasse com ninguém. Não queriam não porque era ele, não queriam com ninguém. Era pra eles, era pra eles. Ai…
P/1 – E ele tinha já… tinha filho, ou não?
R – Ele não tem filhos, até hoje. Ele não tem nenhum filho.
P/1 – Não tem nenhum filho?
R – Minha filha e o meu filho menor que chamam ele de pai, até acostumaram a chamar ele de pai, mas ele não tem filho nenhum. Ai, a gente foi ficando, ficando e estamos ai até hoje. três anos já. Ele não pode ter filhos.
P/1 – E as crianças gostam dele, então?
R – Gostam… os pequenos, até o Richard ainda… mas o… o de 19, até então, sabe, é meio na balança, mas nada contra.
P/1 – Mas ele resolveu morar com a senhora, então?
R – Meus filhos moram tudo comigo.
P/1 – Não, mas o… o companheiro da senhora?
R – Ele veio morar… eu morei com ele um tempo, levei os dois menores, que os outros já estavam maior, eu ficava lá e ficava cá, assim. Minha casa e a casa dele. Ai, depois, ele veio morar comigo, ai a gente ficou morando juntos, só que o de 20 anos, até hoje, não tem quem passa, eles não se dão nem… os outros todos se dão bem, mas o de 19, era muito apegado ao pai. Ele nem mora aqui…
P/1 – Ele mora onde, então?
R – No momento, onde ele tá morando é meio complicado (risos), que ele foi pro lado errado, depois que o pai faleceu e… sabe? Tá guardado.
P/1 – Ah, tá guardado.
R – Tá guardado. Até hoje, não se conforma. Se ele sair pra vim pra cá, ele não vem, pra vim pra cá, eu tenho que me separar do meu marido. Dele eu não separo, eu já tô com ele três anos, meus filhos já estão acostumados com ele, enquanto der, vou segurar. Dezenove anos não é nem uma criança. É meu filho, gosto, adoro, amo, mas também não vou parar a minha vida por causa dele. Ainda se fosse um filho como os outros que merecesse. O de 24 mora comigo até hoje, nenhum é casado. “Vem cá, vocês não vão casar não?” “Não, a gente não vai largar do pé da senhora” “Tá na hora de vocês casar, arrumar a casa de vocês, a mulher de vocês, filhos, preciso de netos” (risos) “Vocês não vão me dar netos?” ‘Não, mãe, muita dor de cabeça” “Então fica ai”, e se dão com eles, só esse que… ele dá muito trabalho.
P/1 – Dá?
R – Dá muito trabalho. é o único. Os outros, graças a Deus…
P/1 – Ele terminou os estudos?
R – Terminou nada! Depois que o pai dele faleceu, virou outra pessoa. Nossa, em 15 dias que o pai faleceu, ele pegou muita raiva, muito rancor no coração. Então, ele não… nada pra ele tá bom.
P/1 – Qual que o nome dele?
R – Kelvin. Nem pode ver que nem quase tem foto dele, até tem lá na casa… mas acho que já separou, que não deu pra ver, é a foto dele, mas… de 15, não, 16 anos pra cá, só trabalho!
P/1 – Só trabalho?
R – Só vive lá! Só. Então, é o único que me dá trabalho, os outros, graças a Deus.
P/1 – Mas a senhora vai visitá-lo?
R – Vou. Não deixo não, é filho! Por mais… eu acho assim, é filho da gente, a gente não pode passar a mão, que nem, eu não vou toda vez, fico um mês, quinze dias, entendeu? No começo, eu toda semana tava lá, só que eu vi que isso não ajuda, acho que ainda prejudica mais, você tá ali toda semana. Tem tudo o que quer. Agora, dei uma paradinha pra ver se ele pensa melhor. Diz ele que tá pensando, entendeu? É isso, graças a Deus, tá tudo bem.
P/1 – Tá certo. Agora, dona Rosa, se a senhora não tivesse trabalhando aqui na lavanderia, não tivesse conhecido, o pessoal da ONG Habitat, não tivesse conhecido o Consulado da Mulher, a senhora estaria fazendo o quê? A senhora consegue imaginar?
R – Ah, estaria com os meus crochês, ainda, que eu vendo bem. Porque o pessoal pede tapete, trabalho, aqueles tapetes que você viu lá na frente de crochê, pra você fazer a mão? Cem reais, 150 reais. Então, se eu ficasse nisso, ainda… hoje em dia, ganharia até mais do que eu ganho aqui. Porque a gente ainda tá no começo. Mas…
P/1 – A senhora trabalha com o crochê em qual horário, a noite? Quando que a senhora fica trabalhando com o crochê?
R – Agora dei uma parada por causa da lavanderia, mas eu comecei agora, tem o quê? Uma semana a fazer um… eu trago pra cá, ai quando a roupa tá batendo, não tem nada pra fazer, eu vou fazendo, porque em casa, chega em casa, vai fazer janta… então, não tem aquele tempo. Então, sobra um tempinho, eu vou lá… e ai, eu começo a fazer, entendeu? É o tempo que eu tenho. Põe a roupa na maquina… a gente faz na mão, depois põe na maquina. Ai, quer dizer, o tempo da maquina, eu tô fazendo, se não tiver nada pra fazer, porque se tiver alguma coisa pra fazer, eu vou fazer. Entendeu?
P/1 – Dona Rosa, o quê que é importante pra senhora, hoje?
R – Importante? É ver os meus filhos felizes, com a vida boa agora. Em vista do que a gente tinha, a nossa vida melhorou 100%, então, ver a felicidade deles eu acho que é o mais importante. Melhorou muito, bastante. Melhorou 100% (risos), é porque os menores não vão passar o que os outros passaram, atrás. E os que passaram, agora, estão com uma vida melhor também.
P/1 – Dona Rosa, eu gostaria de saber o que a senhora sentiu aqui de estar conversando com a gente, de estar contando a historia da senhora?
R – Um pouco nervosa (risos), mas gostei de conversar, gostei da falar. É bom, de vez em quando, até a gente abrir um pouco (risos).
P/1 – A senhora costuma falar da historia da senhora para as pessoas?
R – Não.
P/1 – Não? A senhora conta pros filhos da senhora?
R – Ah, pros filhos eu conto. Alguns… o mais novo, mais ou menos, eu falo, o que passou assim pra trás. Mas eu conto o que já passou, entendeu, que os que já passaram, eu falo pra eles que hoje, eles estão no céu (risos), porque o que os outros passaram, ele não passaram. Até que tá tudo bem (risos).
P/1 – Tá certo. Bom, dona Rosa, em nome do Museu da Pessoa, a gente agradece o depoimento da senhora.
R – Eu é que agradeço. Obrigada.
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