P/1 – Inicialmente, gostaria de agradecer por você ter vindo a dar um pouco do seu tempo e contar um pouco sua história pro Museu da Pessoa, muito obrigado. Enfim, pra gente ter o registro, eu queria que você falasse seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome complet...Continuar leitura
P/1 – Inicialmente, gostaria de agradecer por você ter vindo a dar um pouco do seu tempo e contar um pouco sua história pro Museu da Pessoa, muito obrigado. Enfim, pra gente ter o registro, eu queria que você falasse seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome completo é Gilberto Galan, com “n” no final, eu nasci em Bauru, no Estado de São Paulo, no interior, em 20 de abril de 1950. Por coincidência, é a data, pelo menos o dia e o mês do nascimento do Hitler, é um mau começo (risos), que a gente conseguiu reverter depois, e realmente eu nasci em Bauru e meus pais, meu pai João Galan Rossi, era descendente de italiano, ele chegou até morar na Itália. E minha mãe era de Dois Córregos, que se chamavam Dous Córregos, naquela época. Então tinha uma infância típica de cidade de interior, brincando na rua, sem problema de trânsito, com muitos amigos, muitas crianças e tal, e eu fiquei em Bauru até 1900 e… eu não sei exatamente o ano, mas na década de 60, final da década 60, eu sai pra estudar fora, porque naquela época, havia poucas universidades em Bauru, então eu realmente eu sai pra vir pra São Paulo, pra morar numa pensão, aí como a gente fazia antigamente, e na realidade, só voltava depois ocasionalmente, então realmente passei a morar em São Paulo, virei paulistano.
P/1 – Só quando veio pra estudar?
R – Só pra estudar, mas daí na hora eu resolvi não voltar, entendeu? Mas as raízes são muito fortes, então acho que tem fatos marcantes naquela época de infância. A que eu destaco mais foi o seguinte: eu morava perto da escola primária, onde eu frequentei, até entrei com menos. Entrei com seis anos, não podia entrar, tinha que ser sete anos pra entrar no curso chamado primário naquela época, e eu ficava na esquina de casa, e lá estudava também o Pelé, o Pelé, ele era e é mais velho do que eu, mais é curioso que ele era já era bom de bola, menino, garoto ainda, mas ele era ruim de estudo (risos), então na realidade, nós estudamos na mesma classe, acabamos estudando na mesma classe, porque eu, quando entrei no primeiro ano, ele já estava no quarto ano, entendeu? Só que ele repetiu tantas vezes, que eu alcancei, eu estudei no quarto ano do primário com ele, foi interessante. Aí uma coisa que eu acho interessante no ponto de vista histórico e social, é que naquela época, todos de todas as classes sociais, estudavam no mesmo tipo de escola pública, hoje não, o pobre vai pra escola pública, e o mais abastado vai pra escola particular, naquela época não, então a gente tinha de tudo ali na classe, entendeu? O Pelé tinha uma origem mais humilde, não é a palavra correta. Mais tinha menos posses na família dele, embora o pai dele não fosse assim, pobre, como são muitos jogadores hoje, o pai dele, o Dondinho, era funcionário da Secretaria de Saúde do Estado, e eles moravam uns três, quatro quarteirões da minha casa, e o pai dele passava todo dia em frente da minha casa pra ir pro trabalho. O Dondinho foi jogador de futebol também no antigo BAC, Bauru Atlético Clube, e o Pelé depois, no Baquinho. Então voltando a questão a história da escola, a gente acabou estudando no quarto ano juntos, e daí a gente jogava bola ou nos campinhos da cidade, nos terrenos vazios, tinha um tal de Droga Farma, era o terreno de uma drogaria, um depósito de medicamentos, e a gente jogava lá, que era meio livre, mas também a gente jogava no grupo escolar, que chamava Grupo Escolar Ernesto Monte, na escola primária. Lá no fundo, tinha um terreno vazio, de terra batida, e a gente pulava o muro pra jogar bola, porque a diretora, Dona Laurinda, professora Dona Laurinda, lembro até hoje que o nome que ele menciona muito no livro dele, no primeiro livro dele fala Dona Laurinda, ela toda vestida de preto, guarda-chuva, ela ia domingo lá flagrar a gente pra não deixar jogar bola. É uma maldade, isso é uma maldade, autoritarismo muito característico da época dos professores. E a gente jogava lá no fundo, botava uns tijolos como travessa, e jogava lá. Até tem um fato até interessante, eu tenho uma cicatriz aqui, porque a escola, pra você ver como é que era, era um negócio autoritário, eles colocavam vidro no muro pras crianças não pularem, e a gente chegava lá com tijolo e quebrava o vidro, e batia a mão e pulava, eu, o Pelé e um monte de moleque, a gente era tudo magrinhos, e pulava, até que um dia eles fizeram a reposição dos vidros, pra gente não pular mesmo, porque a gente ia jogar bola todo fim de semana, daí eu bati a mão e tinha um vidro e cortou o meu dedo, e ficou pendurado, até meu pai costurou (risos). Mas a gente jogava bola, então foi interessante isso, mas o Pelé já tinha esse tipo de potencial, ele já era visto, então ele já era convidado pra jogar no Baquinho, daí os olheiros já começaram, na década de 50, os olheiros já começaram a ver, daí ele veio pra São Paulo...
P/1 – Você lembra-se de um causo dessa várzea com ele?
R – Como é que é?
P/1 – Você lembra-se de algum causo, desse, desses joguinhos, desses...
R – Olha, o que foi interessante aí, quando ele começou a ficar lá com seus 13, 14 anos, alguma coisa desse tipo, que ele foi pra Copa em 1958, com 17 anos, era um menino, então ele saiu de lá mais ou menos com 13, na realidade ele foi treinar no Palmeiras primeiro depois que ele foi treinar no Santos, e eu me lembro que se falava lá, que o pessoal conversava, que “Pô, que negócio, o cara vai jogar em time grande, então fazer teste, e tal”, mas não tinha chuteiras do tamanho dele, então ele foi muito prejudicado nesse treino no Palmeiras porque não tinha chuteiras do tamanho dele. E daí depois voltou pra lá e depois outro profissional que tinha sido jogador de futebol, que eu não me recordo no momento o nome dele, se eu recordar depois eu falo, levou ele pro Santos, daí realmente deram um apoio maior, daí que ele deslanchou, mas era adolescente.
P/1 – Mas Gilberto, vocês eram crianças, brincavam e nem pensavam nisso, tem algum causo que você se lembra de quando vocês eram crianças assim, Gilberto?
R – Tem, gozado, o Pelé, ele sempre foi, tinha certa malandragem, certa malícia, que depois ele usava jogando futebol, quando ele era famoso, ele tinha uns macetes. Mas desde pequeno ele era diferente, porque eu era bem mais ingênuo (risos), filho de doutor, mas ele não, ele era o moleque da rua dele lá, ele vendia, o que a gente chamava de gibi, revista de quadrinho usada na porta do cinema, vendia amendoim e tal, engraxava sapato, ele tinha esses lances de precisar ganhar uns cobres, que não era meu caso, e uma vez eu estava sentado com um amigo meu, na calçada, ali perto da farmácia, era uns dois quarteirões da casa dele, aí chega o Pelé, a gente era moleque mesmo, até que chegou assim: “Pôô” e ele com um pedaço de pau na mão, aí ele deu pro meu amigo, não pra mim, deu pro meu amigo e falou: “Olha, você segura esse pedaço de pau aqui, porque tem um moleque grandão lá querendo me pegar, e se eu começar a apanhar, eu venho aqui e você me dá o pedaço de pau e eu vou dar uma cacetada nele”, aí ele entregou o pedaço de pau pro meu amigo, e a hora que ele pegou, ele puxou e tinha posto cocô de galinha (risos). A hora que ele puxou, a mão dele ficou, então ele tinha esse negócio meio de malandragem, porque depois ele usou, ele cuspia no outro pro outro reagir e ser expulso, ou ele pegava nas partes íntimas do outro, pegava por baixo, tinha
esses lances assim, que ele já se manifestava desde pequeno, entendeu?
P/1 – Desde a várzea, pro lado Baquinho (risos).
R – Não era nem várzea, várzea era aqui em São Paulo que tinha os campos de várzea, lá não tinha campo, nem campo de várzea, tinha é terrenos vazios e a gente ocupava jogando futebol. Mas eu era perna de pau.
P/1 – Você? Era o que eu ia te perguntar, se você era no nível, quase foi pro Santos?
R – Não, eu era perna de pau, é gozado que a gente lembra alguns lances nesse outro campinho. Uma vez estava um jogo difícil lá com os adversários, era 20 pra cada lado, alguma coisa assim, daí teve uma lateral, e eu fui bater a lateral e dei pra ele, mas ele já tinha aquela visão assim de pegar a bola, bater no peito e devolver pra quem fez a lateral, daí dei a lateral e saí correndo, ele devolveu a bola, e saiu pra fora, o cara me xingou a beça (risos). Eu devia ter ficado lá pra esperar ele devolver a bola e sair jogando, então tinha esse negócio, ele tinha realmente um nível de conhecimento, assim, de nascença, nasceu pro futebol.
P/1 – Gilberto deixa eu voltar um pouco então, você estava falando dessa vida lá na infância lá em Bauru, e como a escola conseguia juntar, deixa eu entender um pouco a origem da sua família, me conta um pouco da sua história, você conheceu seus avós, as histórias?
R – Sim, meus avós italianos por parte de pai, e por parte de meu avô, minha avó por parte de mãe morreu quando eu era nenenzinho, não tive contato, só com meu avô por parte de minha mãe. Por parte, que é mais marcante, é parte de meu pai, porque eles vieram lá da região de Udine, da Itália, e migraram em uma época difícil lá na Itália e depois eles voltaram pra Itália, e meu pai já nascido aqui, ele foi pra Itália e depois voltou, e também era uma coisa interessante, porque em Bauru não tinha escola de Odontologia, ele fez Odontologia em Ribeirão Preto, então era uma família com poucos recursos e realmente foi admirável a trajetória bem heroica, não sei como ele se virou pra morar fora e estudar, aí depois ele voltou pra Bauru, pra clinicar, e realmente era um ótimo dentista, bastante respeitado, então lá em casa ia o prefeito, pra tratar os dentes lá em casa, os políticos.
P/1 – E o consultório era na própria casa?
R – É, na própria casa, é gozado que isso, em termos de história, é interessante, porque na frente da casa, tinha o consultório dele, e a gente morava no fundo, e parava meio dia e já almoçava, o almoço já estava pronto. Almoçava, daí ia puxar um ronco, assim, durante umas duas horas no sofá, depois voltava e ia continuar a trabalhar, até às seis. Ás seis o jantar estava servindo e realmente era uma rotina assim, bem estabelecida mesmo, estar com o provedor maior, minha mãe era típica dona de casa e tal, e eu brincava muito na rua. E eu fui atropelado uma vez por um ônibus, mas os ônibus andavam tão devagar que não aconteceu nada, na realidade eu trombei com o ônibus, eu bati no ônibus, da Viação, não é Cometa, Expresso de Prata, que é de Bauru, essa rede, e eu na realidade, eu bati, caí e meu sapato ficou debaixo da roda, e meu pai me colocou de castigo. Então a gente tinha terreno grande em casa, cheio de árvores frutíferas, tinha galinheiro, tinha galinhas, então eu subia nas mangueiras, é uma vida totalmente diferente das crianças hoje que fica aí com seus joguinhos, televisão, então a gente vivia mais no ar do que no chão, em cima de muros, em cima de telhados, aprendi a andar em cima de telhas sem quebrar, de construir casas em cima de mangueiras, daquelas mangueiras realmente muito antigas e tal. Uma vida assim, tipicamente de interior, realmente que não existe mais, ou então e também tinha uma coisa interessante, o meu pai gostava muito de pescar e caçar e ele acabou tendo um rancho de madeira na beira do Tietê, o Tietê antes de fazer a barragem, que acabou com o rio, tinha muito peixe, então a gente ia quase todo fim de semana pra lá, ficava lá, era um negócio bastante rústico e eu pescava lá, aprendi todas as coisas, acho que interessante, que até hoje é útil às vezes, porque a gente aprendia o canto dos pássaros, como chamar pássaro pra gente pegar, meu avô era que pegava os pássaros e guardava em gaiola, tempo do avinhado, do melro. Então aprendi a usar o apito pra chamar ou então assoviando mesmo pra atrair pássaro, então a coisa tinha que ser aprender a andar no mato pra cobra não picar você, pra você saber onde você está pisando ou pegar plantas no mato, que eu sou muito, hoje, adepto da natureza, eu tenho que reconstituir uma floresta toda no meu sítio, e então conheço muito planta, por causa disso, porque essa vem lá de família, principalmente da minha avó que gostava, e meu avó era parte de pássaros, e meu pai caçava, mas eu nunca tive coragem de caçar, eu acho que é melhorar um pouco a raça e a gente não matar e nem pescar, depois eu parei até de pescar. Mas depende da noite, de eu colocar isca, ver que tipo de, pegar minhoca, essas coisas que a gente vai perdendo muito esse tipo de coisa ao longo do tempo, quando você vem pra cidade, você tem outro tipo de experiência, e na realidade, eu acho que pra registro histórico, é interessante porque é um mundo que não existe mais.
P/1 – E você não teve oportunidade de passar pra filhos, e sei lá?
R – É, eu tentei, meu filho principalmente, gosta muito de cavalo, de mato e tal, mas depois é atraído pelas coisas eletrônicas, mas ele ainda é mais ligado a natureza realmente, mas eu sou meio quase que fanático, quase fanático nisso.
P/1 – Gilberto e sua mãe um pouco, conta um pouco pra gente, sua trajetória.
R – Então, minha mãe veio de uma família de Dois Córregos, e de muitos filhos, e que naquela época, pela, uma certa ignorância do pai dela, era a seguinte: a mulher fazia até o curso primário e depois ia casar e fim de papo, entendeu? Então é por esse lado, eu tenho pouca notícia sobre minha avó, tenho uma fotografia só, e também era de origem italiana mas eu não tenho o histórico não, e do pai dela, ele era, se eu não me engano, cearense, que veio pra cá e se aposentou logo, aquela vida meio boba de aposentado, o cara se aposentar com 40 anos, e botava o pijama e ia pro jardim (risos), indo na praça em frente de casa, e ficava lá, tomando sol, um negócio bem inútil. Tenho mais raízes com parte de meu pai, porque, pesquisei, lá da Itália, da época do norte da Itália, de onde eles vieram, e o curioso é que o sobrenome meu não é muito usual, Galan, mas na realidade originalmente era Galani, então o “i” se perdeu aí na imigração e na, que se fazia o registro.
P/1 – No cartório.
R – O cara escutava o negócio e escrevia de qualquer jeito.
P/1 – Ele se perdeu no cartório (risos).
R – Perdeu no cartório, falava assim o cara: “Escreve, não, não, tira o ‘i’ aí”, ficou um nome totalmente diferente, se bem que existe esse sobrenome na Espanha, existe na Itália também, mas com acento agudo.
P/1 – E como que era esse cotidiano da casa, seu pai, sua mãe, você tinha irmãos?
R – Então, eu tenho um irmão mais velho.
P/1 – E como era essa dinâmica da casa, o que era?
R – Então, na realidade, é um lucro familiar mais ou menos padrão pra época, dos anos 50, 60, que o pai é o grande provedor, trabalha fora ou dentro de casa, e a mãe dona de casa, e os meninos vão pra escola e depois debandam aí pra brincar na rua, ia no fundo do quintal, jogar futebol, essas coisas, então a vida bem típica de interior realmente que eu acho que não existe mais hoje. A gente viajava, a gente ia pra Santos, que meu pai gostava de sair e realmente a gente pegava os fordecos dele e a gente ia. Tem uma época que ainda tinha uma parte que era estrada de terra, pra São Paulo, até um pedaço, depois de Itu pra cá que era asfaltado depois tinha que pegar a Anhanguera que era asfaltada, mas tinha um pedaço lá que terra e tinha que passar balsa no rio Tietê, e que eu morria de medo quando a gente passava a noite lá, porque era um breu danado, você atravessar o rio a noite, sem luz, sem nada, entendeu?
P/1 – Na balsinha ali (risos).
R – Depois que fizeram uma ponte, fizeram a barragem, estragaram com o rio, então a gente vinha passar as férias em Santos. Geralmente em Santos a gente chegou a ter um apartamento lá, na Praia Grande, que era um deserto total, não tinha nada do que existe hoje, era um negócio deserto e a gente ia e era uma delícia Santos, porque ou ficava numa pensão em Santos, um hoteleco lá, ou então depois que ele comprou um apartamento lá na Praia Grande, a gente ia pra Praia Grande, e você andava de carro na praia, entendeu, era livre, então era uma delícia, até formei um grupo de amigos, de São Paulo, que iam passar também férias lá e por muito, muito tempo a gente fez isso.
P/1 – Você viu se transformando então,toda essa...
R – Sim, sim. É interessante você observar essa transformação das cidades, das coisas que era muito mais ergo, por exemplo, aquele litoral todo, então até nós chegamos a ir pra Caraguatatuba, nessa época, e não tinha nada, tinha nada, absolutamente nada, até quando falava em Bauru “Aonde você foi?”, “Eu fui para Caraguatatuba” e falavam “Pô, como é que é, aonde que é isso?”. O pessoal não tinha ideia do que fosse isso aí. Então realmente houve uma transformação muito grande, e a cidade também foi se transformando, voltei há alguns anos atrás e a cidade totalmente transformada. E outra coisa interessante nesse grupo escolar, todo ano sete de setembro, na cidade de interior tinha o desfile das fanfarras, das bandas das escolas, e tinha o chamado Tiro de Guerra também, mas era o acontecimento, o acontecimento porque você tinha um ciclo mais definido das coisas, então você tinha o Natal que você ganhava presente só no Natal, salvo no aniversário, ponto, acabou, não tem mais nada. Você tinha o Carnaval, que a gente ia num clube, lá no Bauru Tênis Clube, que tinha lá suas prévias carnavalescas e tinha o Carnaval, era um acontecimento, e depois disso você tinha algum, algumas datas lá, tinha a Semana Santa, que tinha procissão, o pessoal saía na rua.
P/1 – Vocês eram religiosos?
R – Sim, na época erámos mais religiosos, minha mãe principalmente, minha mãe foi Filha de Maria, então a procissão passava em frente de casa, também, eu morava em frente à cadeia, depois eu vou me lembrar pra falar sobre o negócio disso aí, que eu morava em frente a cadeia, tem uns lances interessantes. Então tinha todo uma época que tinha Festa Junina e tal, e então tinha, eu estava falando sobre o que mesmo?
P/1 – Acho que eram as coisas definidas e que tinha umas datas, e que tinha umas comemorações, e você participava e a fanfarra.
R – Da fanfarra. Então chegava 7 de setembro, então eu lembro que eu queria participar da fanfarra, eu já estava no ginásio, e por coincidência era o mesmo nome: Instituto de Educação Ernesto Monte; e o outro era Grupo Escolar Ernesto Monte, Ernesto Monte tinha sido o prefeito de Bauru, nos anos 40, alguma coisa desse tipo.
P/1 – (risos) Patrono.
R – É falta de imaginação, deu pra ver. E tinha outro, Getúlio Vargas. Mas olha, eu queria tocar e não tinha mais bumbo, não tinha nada, não tinha nenhum instrumento sobrando, então meu pai fez o que seria um lobby, entendeu? Que seria hoje, junto ao diretor da escola que era 100 metros de casa, onde estudava o Pelé também. E daí ele cedeu uns bumbos lá pra mim, e pros meus colegas, pra gente tocar na fanfarra e tocava a fanfarra, mas a grande consagração era você estar no pelotão das bicicletas, então a gente desfilava com a roupa branca e minha mãe costurava muito bem, fazia uma roupa branca, distintivo que ela bordava, que o distintivo estava, e a gente desfilava com a bicicleta, e isso era o máximo, depois quando consegui a vaga de tocar um bumbinho lá que eu consegui de favor, mas era um auê, você fazer parte da fanfarra, do Instituto que era o melhor colégio, colégio do estado. Era realmente, então pra entrar nesse colégio inclusive precisava ter um aspecto de um vestibular, entendeu? Então era extremamente disputado, então aí, ia a gente e toda classe. Não tinha esse negócio de rico pra cá, pelo contrário, os colégios, os particulares, eles eram piores em qualidade, tinha dois ou três colégios particulares que eram realmente piores, então o colégio, era o colégio do Estado, que eu participei.
P/1 – Colegas até hoje?
R – Ah sim, tem muita gente, mas espalhou, pessoas espalhou por aí, mas quem estudava lá, voltando ao Pelé, porque eu conheci a família toda dele, então tinha o pai dele, o Dondinho, a mãe dele a Dona Celeste, muito legais, aí tinha o Zoca, que era mais ou menos da minha idade, que depois ele tentou carreira de jogador também no Santos, mas não foi pra frente e tinha a Maria Lúcia que era a mais nova, que estudava também lá no mesmo colégio que eu, então depois que o Pelé começou a ficar famoso daí eu chamava ela “a Pelé, a Pelé, não sei o que e tal”, então eles jogavam vôlei, essas coisas, então quer dizer, as coisas andavam juntas, não tinha esse negócio de classe.
P/1 – Mas frequentava a casa, eles iam ao consultório?
R – Não, não, não, não, o Dondinho passava no campo que ele ia trabalhar, que eu te falei, e eu passava em frente a casa dele, cumprimentava, essas coisas, o Zoca tinha mais contato, mas não era assim de frequentar, mais era escola, você frequentava e toda a rua. Então moleque na rua de qualquer classe social.
P/1 – Todo mundo se conhecia?
R – Você não sabe se era filho de doutor, meu melhor amigo era filho do zelador de um prédio lá, o único prédio (risos), era um dos únicos. Então não tinha esse negócio de classe social, sabe? A gente andava descalço na rua, descalço mesmo, cortava o pé, esses tipos de coisas, a gente tinha época de festa Junina, a gente soltava rojão, buscapé, esse tipo de coisa assim, brincava na rua mesmo, não tinha nada de trânsito, essas coisas assim, meio ameaçadoras, entendeu?
P/1 – Mas você acompanhou a cidade crescendo também, ir mudando.
R – Ah sim, sim, foi crescendo, uma coisa curiosa, eu já tinha sempre a semente de morar em São Paulo, eu achava admirável os prédios, por exemplo, então eu via fotografia de prédio e em Bauru não tinha quase prédio, tinha um ou dois prédios baixos, de seis andares coisas desse tipo, então eu era assim, alucinado por negócio de arranha céu. Vi fotografias então do Empire State, em Nova York, falei: “Nossa, isso aí um dia quero conhecer esse negócio, tal”, me via pra São Paulo, sonho de vir estudar em São Paulo, de aventurar, de descobrir novos lugares, lugares maiores, sempre teve esse negócio, e eu lembro que em Bauru quando apareceu lá os sinais de trânsito, que é os semáforos, eram um auê, que foi um avanço, você ter o sinal, então era um, nossa, a gente falou: “Está ficando cidade importante!” Até começaram a construir alguns outros prédios, então acompanhei a abertura de avenidas, então aqui começou abrir, tinha um prefeito lá que era muito realizador, mas ele não tinha a fama assim, de honesto: Nicola Avallone Junior, Nicolinha, e depois ele foi cassado na época da revolução, mas era um cara assim, meio tipo Paulo Maluf, aqui em São Paulo, que abriu o Minhocão, essas coisas, avenidas, essas coisas. Os caras que fazem esses tipos e daí a cidade começa a mudar realmente, então é uma mudança de paradigma, de patamar realmente que começa a perder aquela inocência, aquela ingenuidade que tinha.
P/1 – A periferia começa a crescer.
R – Começa a crescer, não tinha assalto, ninguém fechava a porta, não acontecia nada. É curioso isso, porque eu morava na Praça Dom Pedro II, que é a Rua Bandeirantes e tinha praça em frente, bem em frente a minha casa, era a cadeira, depois virou
delegacia, a cadeia era um castelinho, a reprodução de um castelo, assim, bem cinza e tal, e os presos ficavam soltos lá. Meu irmão, por exemplo, era um grande desenhista e pintor, ele fez exposições, coisa e tal, e ele aprendeu a pintar com uma presa, que chama Maria Baiana, Maria Baiana ela tinha matado o marido a machadada, pra você ver o negócio, e ela tinha uma cela lá, e ela era pintora, ela pintava, então ela ensinou ele, então ele tomava lição de pintura dentro de cadeia. Olha que coisa (risos), e eu ia lá também ver, entrar nas celas e tal.
P/1 – Jogava um carteado com a turma (risos).
R – E na hora do almoço que dava aquele solzinho gostoso como está hoje, aí ele sentava, tinha uma escadaria, e todos os presos sentavam na escadaria tomando sol. Ficavam tomando sol, e a gente conversava com os caras, então eram umas coisas assim, realmente estranhas. E o que era divertido, era que no Carnaval, a única coisa que acontecia é que os caras ficavam bêbados demais, bebiam demais, os adultos e começavam aprontar, mais nada assim, e daí eles eram presos, o camburão pega e levava pra cadeia, e chegava na quarta-feira de Cinzas era uma tradição de soltar os presos. Então aí juntava gente em frente de casa e eu ficava de camarote na janela de casa, lá do consultório do meu pai que dava pra rua, e ficava olhando lá, a turma e formava um monte de gente, esperando a hora, que tinha uma hora certa de sair, não sei se eram duas da tarde na quarta-feira, ou ao meio dia, era certo, pra você ver como as coisas eram funcionava assim com certos rituais de datas bem definidas. Daí saia, começavam a soltar, e o pessoal lá gritava, e saía os caras fantasiados, fantasiava muito de bebê, ou de mulher, então chegava na quarta-feira de Cinza e saia pra rua com fantasia de baiana, de fralda.
P/1 – E sóbrio. (risos)
R – E sóbrio. Daí o pessoal vaiava, ou batia palma, então era um acontecimento, fazia parte do calendário, aquilo era um negócio e na minha porta, sabe? Realmente interessante.
P/1 – E me fala um pouco, sua adolescência, como foi essa fase, foi em Bauru, o seu Ensino Médio, o colegial?
R – Então, foi em Bauru e tal, aí era o ginásio, científico, fiz o ginásio, e o científico, curso científico, pra quem ia fazer Engenharia, que eu fiz Engenharia depois, e geralmente as meninas iam fazer o clássico, pra fazer Humanas, então eu fiz nesse mesmo colégio do Estado, Instituto de Educação Ernesto Monte, foi uma das fases muito boas assim, porque aí já deslocava-se a questão das brincadeiras da rua para as atividades em torno do colégio, já tinha os bailinhos, aquelas coisas, esportes. Então a gente ia toda tarde praticar algum esporte, basquete geralmente, as moças eram vôlei, onde jogava a irmã do Pelé, então era praticamente toda tarde, quer dizer, era uma coisa gostosa de você conviver com a escola porque realmente você tinha, era legal você fazer esporte lá, muito gostoso, então o convívio era muito legal.
P/1 – Tinha também grêmio, tinham projetos de pesquisas, tinham coisas desses tipos?
R – Não tinha nada disso não. Na realidade se pensar hoje bem, o nível de ensino era ruim, tanto que quando eu vim pra São Paulo pra fazer cursinho, e vestibular foi um problema sério, porque o desnível era muito grande, então os professores eram mais limitados, eram muito autoritários, ensinava-se latim, por exemplo, que eu acho hoje que é uma coisa importante, mas ensinava-se mal, física ensinava-se mal, química ensinava-se mal, era um sistema meio autoritário, ele era bem autoritário da relação de poder de professor.
P/1 – Mas você lembra-se de alguma situação assim, pessoal?
R – Olha, é gozado que tinha, a gente tinha uma caderneta, cada estudante tinha sua caderneta porque todo dia tinha um bedel lá que carimbava a presença, então você tinha que levar, aí se você não levasse a caderneta, era verde.
P/1 – Uniforme. Se não vê tudo aí (risos)
R – E daí tinha esse cara, era um recalcado, o apelido dele era Corujão, o Corujão era um bedel lá que tomava conta do pedaço, uma pequena autoridade, então a gente entregava a caderneta quando chegava e no fim da última, a gente só precisava ir de manhã, chegava lá pro meio dia e pouco, que você já estava morrendo de fome, os professores saíam, e vinha o Corujão na sala com aquele monte de caderneta pra entregar, chamava pelo nome e entregava, depois de carimbado, entendeu? Mas era um cara que ficava de olho pra ver se você fazia alguma coisa fora do script e também se tinha alguém que fazia alguma piada, ele botava lá e ficava lá e não distribuía as cadernetas, sabe esse tipo de autoridade, ou então se você saía fora do script você era mandado pra diretoria.
P/1 – O que era sair do script por exemplo?
R – Ah sei lá, você aprontou alguma coisa na aula, desrespeitou o professor, ou saiu sem avisar, ou pediu várias pra sair, ou começou a brigar com teu colega, ou colar em prova, essas coisas, ser pego em flagra, vai pra diretoria.
P/1 – E tudo com o Corujão (risos), e o Corujão só te olhando.
R – O cara vibrava com esse negócio, entendeu? Era um infeliz. Mas eu acho que havia um autoritarismo muito grande, tinha trabalhos manuais, uma cadeira, uma disciplina, então as meninas geralmente faziam, aprendia a bordar, a costurar, essas coisas que é útil acho, interessante, e os rapazes faziam trabalho com madeira, a gente levava serra na aula, e fazia trabalhos em madeira mesmo, você tinha que comprar madeira, aquelas coisas, era legal. Mas tinha um professor que também era autoritário, você tinha que sentar, ficar com as pernas no lugar, não podia botar a perna pra fora no corredor, sabe, e tinha vez que ele passava e, uma vez ele chegou perto de mim, ele me viu, e ele tinha um sapato razoável, com uma sola dessa grossura, e sabe o que ele fazia? Ele pisava no pé, e ficava, ficava lá, daí eu era muito tímido, (risos), como se eu dissesse assim: “Oh, você não está vendo que você tá pisando no meu pé?”. Não, mais era de propósito, “Não põe o pé pra fora do seu espaço!”. Era muito autoritário, isso aí hoje também virou o contrário hoje, mas era uma sociedade autoritária, negócio da Igreja, por exemplo, as meninas iam e a gente ia esperar, a gente não ia à missa, a gente ficava esperando as meninas saírem pra ver o desfile das meninas, pra ciscar e tal (risos), ou então se você tinha namorada, você ia lá esperar a namorada sair, era também um ritual na missa de domingo, mas os padres eram autoritários também. Tinha um padre Pedro Paulo Kopf, era um alemão, o cara era daquele bem disciplinador, então ele ficava olhando assim, se tinha menina com decote, ou estava com a cabeça descoberta, ou a saia um pouco mais curta, ele botava pra fora, falava assim “Você aí fulana que está na terceira fila, fora”, e era assim, era uma sociedade, autoritária, muito autoritária, eu acho que é uma coisa que evoluiu bastante, está no lado oposto agora, mas eu acho que é uma coisa que, é um registro interessante de uma época, eu não sei como que era em São Paulo nessa época, era mais liberal, era mais liberal um pouco, mais também tinha esse ranço ainda sim.
P/1 – Mais tirando essa parte autoritária, você também tem alguma lembrança desse período que foi ou educativo pedagógico, ou que foi na escola, que foi interessante, tipo criativo, de algum professor que você tenha gostado?
R – Não, eu acho que tinha professores interessantes sim, mas a maioria tinha limitações e tinha esse ranço autoritário, eu acho que o mais gostoso era o ambiente com os colegas, então a gente fazia farra, a gente colava, a gente desenvolveu técnicas de colar, nas provas, coisas assim, extremamente criativas, que era de ter que escrever na mão, que é o básico, de fazer uns quase que uns papiros, tudo enroladinhos, enfiava na manga ou então já de véspera deixava na carteira, porque antes tinha o lugar marcado, então você marcava lá ou escrevia na madeira da carteira, então desenvolvia algumas técnicas, porque era mais difícil você colar do lado, os meninos faziam, meninas não faziam isso de jeito nenhum. Então a gente desenvolvia técnicas.
P/1 – Só os vagabundos. (risos)
R – Mas eu não era, olha isso, é que eu era meio perfeccionista e eu queria realmente tirar boa nota e passar, mas nunca nenhum pai meu precisou falar assim: “Não, você precisa estudar e tal, está na hora da prova e você tem que estudar”, não, eu fazia, nunca precisei disso, acordava cedo, acordava seis horas da manhã, pra ir à escola, andava dez, 12 quarteirões, ia a pé. Cumpria bem meu dever, mas tinha hora que tinha dificuldade de algumas coisas, porque eram uns absurdos, porque
você tinha que decorar teorema, invés de você raciocinar, eles, o problema é que esses caras não ensinavam você a pensar e raciocinar, eles faziam você decorar o teorema de Pitágoras, não sei o que e tal, então você chegava lá e, então você tinha que apelar pra alguma coisa pra compensar esse tipo de dificuldade ou de ameaça de levar pau ou qualquer do gênero. Então a gente desenvolvia algumas técnicas (risos).
P/1 – Você disse que você era tímido?
R – Sim, bastante tímido.
P/1 – Mas teve namorada nesse período?
R – Tive, tive namorada.
P/1 – Vocês saiam?
Como que era esse...
R – E ela depois virou minha mulher atual, ela é lá de Bauru também, mas ela por coincidência veio também pra São Paulo, com a família dela, só que ela veio com a família e eu vim sozinho, então depois de uns anos ela veio cá pra vir estudar também
Psicologia, não tinha em Bauru, então ela veio desde que a gente começou a namorar para aqueles lados.
P/1 – Lá mesmo? E também era rígido, tinha regras, tinha controle?
R – É, era. Ah sim, era marcação cerrada, dos pais, entendeu, marcação cerrada, mas eu acho que até que pro padrão da época, eu acho que os pais dela eram mais flexíveis, mas tinha uma certa vigilância, em termos de comportamento, mas era coisa assim, nada absurdo não, as meninas saíam, iam no cinema, lá na cidade, moravam lá no chamado Alto da Cidade, andava dez, 12 quarteirões a pé, a noite, não acontecia nada, ninguém tinha medo de nada, não acontecia absolutamente nada de perigoso. E a gente também como rapazes, sabia os limites, até onde ir, tinha um ritual de pegar na mão, depois pegar na mão, depois que vai dar um beijinho aqui e tal, então existe uma escala progressiva, mas que demorava tempo pra você conseguir (risos).
P/1 – O ombro, pro beijinho foi (risos) a mais, tem que treinar muito.
R – Tem muito tempo de casa. Aí um dos points, um dos pontos, era o cinema. Eu sempre gostei muito de cinema, e eu ia até durante a semana, à noite eu ia no cinema, mas realmente o must, o negócio mesmo era sábado e domingo, principalmente sábado à noite, seja lá qual fosse o filme, realmente era, você tinha também um ritual, porque você ia comprar entradas duas horas da tarde, abria a bilheteria das duas às três, alguma coisa assim, então você ia lá e você já começava a ciscar por ali, sempre os mesmos. Daí a noite, quem tinha namorada sentava com sua namorada e na saída quem não tinha, ia ciscar lá na saída também do cinema, e também foi um avanço, porque durante uma época, as cadeiras do cinema eram de madeira, e daí abriu o tal do Cine São Paulo, que foi inspirado nos cinemas de São Paulo, foi um grande avanço, tinha cadeira estofada e carpete, então aquilo foi um auê, foi realmente um grande avanço. O Pelé ia vender as coisas dele lá no outro cinema, no Cine Bauru, que era o de madeira, a gente ia no matinê lá, tinha matinê, no Cine São Paulo tinha matinê, no Cine Bauru era mais popular vamos dizer assim, e tinha matinê e o chão era de madeira corrida. E tinha seriado antes de começar o filme, tinha um seriado de bandido e mocinho, ou de faroeste ou de qualquer coisa assim e a molecada torcia, socava o chão e aquilo faz um barulho infernal, porque a hora que o mocinho ia salvar a mocinha, realmente batia todos, era um barulho infernal, isso era o lugar onde o Pelé ia lá vender as coisas dele, o outro não, daí o outro virou um pouco mais elitista, mas são mudanças interessantes, não sei se é evolução, mas é uma mudança assim, em termos chamados progressos, então já começaram inventar telas maiores, essa questão do estofamento, carpete que não tinha no outro, o outro era um cinemão assim, bem vagabundo, mas era o popular, mas você batia o pé, socava o chão, comprava bala. Também o ritual de comprar bala antes de entrar, isso também era um grande fato, então você vinha com o dinheiro contado, mais daí falava: “Quantas balas dá pra comprar?”, então tinha aquelas balas, eu gostava particularmente da bala de anis, até hoje eu gosto de bala de anis, eu achava o máximo, tinha bala Pipper, que é de hortelã, tinha os clássicos. Tinha a sorveteria que era dos amigos meus, aquela sorveteria Maipu, da família Pilza, que é realmente uma sorveteria muito boa, artesanal e também a pessoa saía de casa, ia lá na sorveteria, pegava o sorvete e tal, tinha alguns rituais, eu acho que isso é interessante pra situar, porque vai se perdendo, na Igreja tinha o batismo, você tinha a Primeira Comunhão, tinha o casamento, tinha uma sequência de coisas e calendários que eram realmente bem definidos, que não existe hoje mais, não tem isso.
P/1 – Esses cinemas, por exemplo, eles perduraram assim, ou eles foram, sumiram uma hora e fechou, como que foi?
R – Não, eles continuaram, acho que o Cine Bauru depois fechou, tinha outro, tinham três cinemas, tinha o Cine Bandeirantes também. Acho que depois o Bandeirantes fechou e ficou só com o Cine São Paulo, que é esse mais sofisticado um pouco.
P/1 – Eu pergunto por que teve isso no interior, foi fechando os cinemas, e foi dando a TV e acabou.
R – Hoje eu não sei, foi fechando, veio a Igreja Evangélica, porque o espaço é grande, o terreno fica caro, essas coisas então vão mudando, não tinha essas coisas de especulação imobiliária, não tinha nada disso. Mas a cidade foi crescendo pro alto, pra um lado que nós chamamos de altos da cidade, que hoje são bairros sofisticados, caros, com casas, muitas casas e tal, e tinha o outro lado, tinha outra coisa também que era muito boa, é que tinha pontilhão, antes de ter o pontilhão da estrada de ferro, porque Bauru era a sede da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, famosa, que deu nome ao time Futebol Noroeste. Depois eu vou falar sobre o Noroeste também, e antes era uma aventura, porque meus avós moravam num bairro chamado Bela Vista, que era um bairro mais simples, mas era do outro lado da linha, então dividia mais ou menos assim, do lado da linha Vila Falcão, Vila Bela Vista, eram bairros mais pobres, e tinha a cidade, eu morava praticamente na cidade, e depois foi indo pros altos da cidade, e daquele lado lá, a gente quando ia visitar meus avós, que a gente fez com muita frequência, e a gente ia de carro, meu pai tinha uns carros lá, velhos, importados e vivia morrendo, a qualidade dos carros não eram lá essas coisas, afogavam, e a gente tinha que parar na estrada de ferro e esperar pra ver se vinha o trem, não tinha aviso, nada. Então você ficava lá esperando, às vezes, muitas vezes a gente ia à noite, então dava realmente um medo, daí atravessa e ia lá na casa dos meus avós nos altos da Bela Vista. Mas eu adorava ir na casa dos meus avós, porque tinha umas coisas que não tinham em casa, tinha umas ferramentas, tinha uma bigorna, tinha uns negócios,
tinha uma coleção de revistas antigas do Cruzeiro, então eu ficava lendo, tinha as ferramentas dos meus avós, tinha passarinhos, tinha jabuticabeira, aquelas coisas que pra mim eram misteriosas, eu gostava, gostava muito de ir pra lá. Então, mas falando da Estrada de Ferro Noroeste, Bauru era o chamado entroncamento ferroviário, que era o grande orgulho de Bauru era a Estrada de Ferro Noroeste, a grande fonte de empregos, muita gente ficava lá, trabalhando na Noroeste até morrer, e tinha uma estação muito bonita, só que está hoje deteriorada, se é que não fechou, porque as estradas de ferro estão todas sucateadas. Mas a gente pegava trem pra ir pra São Paulo, quando não ia de carro, ia de trem, tinha um trem da Paulista, Companhia Paulista de trens, que fazia Bauru – São Paulo seis horas e meia, e tinha um vagão Pullman, a gente não ia de Pullman, a gente ia na primeira classe, mas não era Pulman, os ricos iam na Pullman, a Pullman que tinha umas poltronas individuais como essa aqui, você girava, e tal, tinha serviço de garçom, essas coisas, a outra também era muito boa, tinha um vagão-restaurante, a gente ia comer lá, comia coisas que a gente não comia em casa, era diferente! Então a cidade girava muito em torno da estrada de ferro, da ferrovia, e o presidente da ferrovia era um figuraço lá, sabe? Um figuraço, ele era um engenheiro. E o Noroeste era um clube que se inspirou evidentemente no nome da ferrovia, era um time que quando eu era bem pequeno, ele estava na chamada segunda divisão, segunda divisão e a primeira divisão eram onde iam o Palmeiras, Corinthians e tal, e o várzea, que eram eleitos todo ano, e como existe hoje, só que era primeira e segunda divisão, segunda divisão era mais baixo mesmo, e daí disputava-se os times do interior, Noroeste, o Marília, o Paulista de Jundiaí, XV de Piracicaba, XV de Jaú, que eram times assim, o Botafogo de Ribeirão Preto, o Comercial, disputava-se segundona pra subir um todo ano e caia outro. Quer dizer, é mais ou menos parecido com hoje, mas eu lembro perfeitamente, eu não me lembro do ano, quando o Noroeste ganhou e foi campeão da segunda divisão e foi pra primeira divisão, e eu era fanático por futebol, por Noroeste, eu era Palmeirense aqui e Noroestino lá, mas pra mim é mais Noroeste, que eu tinha nascido lá, até quando Palmeiras ia jogar lá, eu torcia pro Noroeste. E tem uns fatos interessantes, é um estádio assim, bem modesto, mas parece um negócio da Fifa, vai ter a Copa do Mundo, e você tem que fazer um upgrade nos estádios, e lá também é o seguinte: “Ah, você agora é da primeira divisão? Teu estádio tem que aumentar a capacidade pra não sei quantos mil coisos”, só que tinha que fazer rapidamente, como aqui também, por causa de Copa, só que eles faziam um negócio mal agendado, eles faziam de madeira, então fazia uma estrutura de madeira, com ripa, parece circo que antigamente, era com a estrutura de madeira, e aquelas tábuas, e a gente sentava, e aumentou a capacidade e fazer uma vistoria, “Ah tá bom, dá pra caber aí, dez mil pessoas no total lá e está liberado”. E eu era sócio, eu tinha carteirinha tudo, e ia assistir jogo coletivo, assistia duas vezes por semana, coletivo, Noroeste, ia lá, andava uns 15 quarteirões, eu assistia o treino do Noroeste, era fanático mesmo, e no domingo eu estava lá com certeza, e uma vez, depois que ele tinha sido promovido, na primeira divisão, teve um jogo com o São Paulo, lembro perfeitamente, e era um jogo que o São Paulo precisava ganhar pra ou ir pra final, ou ser campeão, acho que pra final, e tinha a arquibancada antiga que era coberta, com umas arquibancadas assim, mais largas, mais confortáveis, pequenas, mas o anexo que fizeram do outro lado, era realmente maior, mais alto, então eu lembro que estava desse outro lado nessa arquibancada provisória, e embaixo, tinha uns eucaliptos e caia sempre folhas, pessoal jogava jornal, daí alguém jogou um toco de cigarro, e começou pegar fogo embaixo, e o jogo do Noroeste e São Paulo
lá, gozado o comportamento do povo, o jogo está tão emocionante, “Pô, o São Paulo em Bauru e jogando em Bauru”, era um acontecimento, era uma coisa fenomenal, um time de São Paulo ir jogar no interior, naquela época era o máximo. E começou esquentar embaixo, o pessoal em vez de fazer alguma coisa, começou a se afastar e formou uma clareira, assim, de gente e o pessoal começou a esquentar, até teve uma hora que começou a subir as labaredas e alguém começou a gritar, foi um esparramo geral, entendeu? Esparramo geral, e daí, olha só as coisas, negócio mal feito mesmo, não tinha como escapar, aquilo era realmente um negócio, um alçapão mesmo, não tinha como escapar, sair todo aquele povo, estádio lotado, então o pessoal começou a subir no alambrado e só que tanta gente puxou o alambrado, e ele deitou e ficou um monte de gente presa embaixo, e quem pode falar “Bom, o cara que está embaixo azar, eu vou me safar”, e pulou dentro do campo, e estava o jogador, então a gente pulou dentro do campo, às vezes prendia o pé no negócio do arame do alambrado, pulava dentro do campo e a polícia, os meganhas descendo o sarrafo na gente, achando que a gente estava invadindo o campo, a gente pulava e os caras descendo de pau, até que comecei a rir e “Oh, você dá conta que está pegando fogo cara? Vamos cair fora daqui”, e pegou fogo, destruiu o estádio, e uns caras ficaram feridos, mas ninguém morreu, daí fecharam, interditaram o estádio, evidentemente, daí não tinha capacidade, daí foram disputar esse mesmo jogo, acho que um mês depois, alguma coisa assim, adiou a final do campeonato, daí foi lá no estádio lá do BAC, do Baquinho, então, era o Bauru Atlético Clube, que era extremamente limitado, em termos de arquibancada, tinha uma capacidade pequena, encheu pra boa, e aí foi curioso porque na realidade o São Paulo comprou o jogo. Porque eles precisavam ganhar, eles compraram alguns jogadores do Noroeste, e claramente se percebia, inclusive o goleiro (risos), o goleiro e o centroavante.
P/1 – Escolheram o certo. (risos).
R – O goleiro, o centroavante e o zagueiro central, back, então tá bom, três caras.
P/1 – E quem vai fazer o pênalti? (risos)
R – E o centroavante do Noroeste, por azar ele chutou a bola e fez um gol, a hora que ele fez o gol, ele botou a mão na cabeça “Pô, tô ferrado”, não é pra ganhar, tem que perder, depois ele virou, e fizeram uma mutreta lá e São Paulo ganhou o jogo.
P/1 – Isso é lenda urbana do futebol, hein? Lendas urbanas do futebol.
R – Nossa Senhora, mas tem cada coisa, cada coisa, isso aí, nossa, mas vivia com um negócio desse, é curioso isso.
P/1 – Isso sua adolescência?
R – É, adolescência, assim, quase adolescente, era menino, não lembro a data não, mas era menino, tinha 12 anos, alguma coisa desse tipo, mas vivia em torno disso aí.
P/1 – E essa mudança, vamos adiantar, e essa mudança pra São Paulo, como foi? No sentido de prestar vestibular.
R – Então, foi dolorida, porque eu vim sozinho, eu estava lá com seus 17 anos e tal, e vim com uma mala enorme, e eu fui morar numa pensão, que meu irmão já tinha morado numa pensão aqui, que ele veio estudar antes, quatro, cinco anos, ele é da idade mais ou menos do Pelé, e ele tinha vindo estudar e ele ia depois pra outro lugar pra fazer cursinho em outro lugar e daí sobrou a vaga na pensão e eu fui. É na Consolação, passava bonde na Consolação, mas eu não tinha a mínima ideia de geograficamente o que era pra cima da Consolação, pra baixo da Consolação, e eu fazia cursinho na Poli, na Politécnica, no tempo que era lá na Luz, antes de ir pra USP. E tinha o cursinho da Poli, e eu fui fazer cursinho. Então, e de medo de pegar ônibus e errar, eu andava uns 25 quarteirões, mais ou menos, a pé, começava às sete horas da manhã a aula, então você imagina eu acordar, eu fiz essa rotina até achar uma pensão mais perto lá da Luz, lá perto da Rua das Noivas, na Rua São Caetano, uma travessa na São Caetano, então ficava mais perto, eram uns cinco quarteirões e eu fazia o cursinho lá. Então foi um período difícil, porque eu não tinha nenhum parente aqui, e meus colegas que também foram fazer cursinho também, um ou outro tinha parente e tal, até minha mulher, na época namorada, ela tinha parentes aqui, mas era um período assim, de solidão, de ficar no domingo assim, sábado e domingo “Pô, o que eu vou fazer?”. Então eu ia comer na rua, porque não tinha comida na pensão, então foi um período muito difícil, até fazer vestibular.
P/1 – Mas você não tinha aquele sonho, aquela expectativa de São Paulo, daí chegou aqui?
R – Tinha, tinha, ainda fiquei assombrado com aquele negócio: “Pô, a metrópole…”, esse negócio, eu acho que isso é um negócio assim, muito forte que não estragou não, mas foi difícil por causa de enfrentar, era muito tímido, mal preparado em termos de escola. Então era um cursinho puxado, era muito difícil entrar na faculdade, depois acabei entrando na FEI – Faculdade de Engenharia Industrial, na São Joaquim, que depois mudou-se para São Bernardo do Campo, depois quando eu entrei e mudou a faculdade pra lá, eu fui morar em São Bernardo do Campo, morei uns bons tempos lá até fazer a faculdade. Uma época eu ia e voltava, ia e voltava, mas o negócio ficou realmente, assim, muito...
P/1 – Também em pensão tal...
R – É, a gente já montou uma república, eu acho que república é uma experiência extraordinária, foi uma das maiores escola que eu já tive na minha vida foi morar em república, primeiro você tem que morar coletivamente, você tem que ter certa tolerância, segundo, a gente tinha uma prática de que cada mês um era o presidente da república, então ele era responsável por comprar as coisas pra cozinha, a gente contratava uma empregada que fazia cozinha e tal, mas tinha que fazer feira, essas coisas. Então eu aprendi muito, coisas que pra mim é útil hoje, porque eu conheço alimento, eu cozinho, eu costuro, eu faço tudo serviço de casa eu faço, supermercado sou eu que faço até hoje em casa. Uma escola de vida muito aditiva, eu acho que hoje os jovens já não têm essa experiência, então a gente tinha que se virar, e daí eu tinha que prestar conta, então tanto assim, fazia um esquema de contas, entrada, saída, contabilidade, então isso tudo é uma experiência interessante.
P/1 – Fora a farra, a festa, né? (risos).
R – Tinha, tinha essas coisas (risos).
P/1 – Só falamos da contabilidade (risos).
R – Tinha, a casa era bem frequentada (risos), então tinha essas coisas que eram interessantes, mas era uma vida interessante, eu acho bem interessante, mas a gente tinha obrigações, a gente aprendia muito a viver porque era difícil, então depois que minha namorada, depois noiva, veio pra cá, eu ia no fim de semana pra cá, mas vinha e voltava, então tinha que pegar o trem lá na Santos – Jundiaí, ia até Santo André, depois pegava dois ônibus, então era um negócio, hoje é meio difícil imaginar que eu faria coisas desse tipo, mas era muito sacrificado, felizmente meu pai pode me manter, até eu me formar e começar a carreira, arrumei uns empregos ruins.
P/1 – Imagino que tem que estudar bastante também, né?
R – Muito, nossa, muito puxado. Então eu acho que foi uma experiência interessante. Agora eu acho que outra coisa também, sempre tem umas épocas ruins de economia e tal, quando eu me formei, daí teve uma época meio ruim, eu fui procurar emprego, eu não queria depender de pai, então “Vou arrumar emprego”, mas estava difícil emprego pra engenheiro, nós erámos metalúrgicos, então eu pegava o ônibus, porque não tinha carro, eu pegava ônibus e ia parando nas fábricas, na via Anchieta e batendo lá no portão pra ver se tinha emprego, até que depois de um tempo uma lá falou: “Ah tem”, acabei tendo meu primeiro emprego numa de parafusos.
P/1 – Como foi essa, qual que era a fábrica, o que era?
R – Foi horrível, era uma fábrica que estava sendo comprado o controle acionário por uma empresa americana, maior empresa americana de parafuso, e estava um processo de transição, e estava muito ruim o ambiente lá, e era também aquele sistema bem autoritário, apesar de ser engenheiro, tinha que bater o ponto. Esse tipo de coisa, se você faltava, lembro quando meu pai morreu, quer dizer, tem um período lá, passou o período de luto, no dia seguinte eles descontavam, então era um negócio assim, foi um período difícil, aí minha mãe ficou viúva, eu tinha que dar assistência, ela estava em Bauru, depois ela mudou pra Santos, então foi um período difícil, mas eu acho que foi de grande valor porque tem que ir a luta mesmo, abrir espaço, pegar o emprego que tem, em condições difíceis, mas era muito tonto ainda, sabe?
P/1 – Que ano que é mais ou menos quando você se formou, que ano que foi?
R – Ah isso aí era final dos anos 60, começo de 70, mas nessa época, eu senti que, eu já tinha feito uns estágios em fundição na época de metalurgia e eu vi o que era o inferno o que era passar em fundição. Era um inferno, então quando eu fui trabalhar nessa fábrica aí, as condições eram horríveis, muito quente, horrível, as condições ruins, e daí eu consegui um emprego, daí eu fui fazer pós-graduação em Administração de Empresas que eu acho que tinha um horizonte inteligente fora de Engenharia, então porque eu acho que cabeça de engenheiro é muito focada, depois meus colegas lá eram… realmente… daí eu achei que tinha que fazer Administração porque eu achei interessante. Quando eu fui fazer na FGV, era extremamente disputado, muito disputado, tinha 15 vagas, uma coisa desse tipo, e eu consegui entrar, e daí um professor de lá me conseguiu um emprego numa construtora Zarvos, mas era pra fazer coisa diferente de Engenharia, começar entrar em marketing, planejamento de vendas, essas coisas, propaganda, talvez eu tenha sido o primeiro expert de marketing imobiliário do Brasil, você inventava umas técnicas de distribuir folhetos, esse negócio que existe hoje, mas era mais sofisticado, então eu contratava mocinhas bonitas, desenhava uniformes, fazia folhetos, fazia happenings no plantão e tal, foi uma inovação muito grande, então aprendi muito, trabalhei um tempo lá, depois fui pra uma outra imobiliária, mas essa imobiliária faliu, daí que foi meu grande sonho, eu sempre tive um grande sonho de trabalhar numa empresa americana, desde pequeno eu admirava os Estados Unidos, daí quando me chamaram pra trabalhar na Kodak, pra mim foi assim, o paraíso, eu nem acreditava.
P/1 – Como foi isso aí, como é que você...?
R – Ah, Nossa Senhora, eu fiquei assim...
P/1 – Como que você foi parar lá?
R – Então foi parar por um anúncio de jornal, tinha anúncio de jornal, eu respondia anúncios de jornal, mandei o currículo pelos Correios e me chamaram lá, fui entrevistado, fui falar com o meu futuro chefe, que era americano, todos americanos que eram os big bosses, e daí foi um negócio extraordinário, pra mim foi, e com três semanas, aí eu, o sonho dos sonhos, mandaram pros Estados Unidos, passar três semanas na sede da empresa em Rochester, no estado de Nova York, onde é a sede.
P/1 – Você nunca tinha saído, você não conhecia?
R – Nunca, nunca, não, aliás eu tinha ido só pra Argentina e Uruguai de carro, foi a primeira viagem internacional, e daí eu de repente cai num inverno lá do norte dos Estados Unidos, neve assim, e falando mal inglês ainda na época, e hoje eu sou fluente, mas daí foi difícil, é um negócio extraordinário, parece que é inacreditável, hoje é trivial, qualquer criancinha vai pra Disney, vai não sei pra onde e tal, mas não, era difícil a gente ir pra esses lugares, então realmente foi pra treinamento, ter uma Conferência Mundial lá, o pessoal da América Latina toda e o, precisava ter alguém do Brasil pra participar do negócio, fui, depois voltei, daí carreira lá, então aí.
P/1 – Você fez uma carreira numa Kodak?
R – Fiz, carreira, daí entrei como...
P/1 – Você entrou como o que?
R – Já entrei como gerente de pesquisa de mercado e saí como vice-presidente.
P/1 – Bom. Um bom caminho (risos)
R – É, vice-presidente, então foi experiências extraordinárias de um período muito grande.
P/1 – Conta pra mim um, por exemplo, um grande desafio que você enfrentou, assim profissionalmente.
R – Olha, eu fui levar gringo pra falar com o presidente da república, ao longo da minha carreira, tirando só a Kodak, porque eu tinha outras empresas que eu trabalhei, só empresas de primeira linha. Ah, foi arrumar audiência pra presidente mundial da empresa com o presidente da república, ao todo eu falei com seis presidentes da república, cinco aliás, só a Dilma que eu não falei, o resto eu falei.
P/1 – Ainda...
R –
Até o Lula eu arrumei reuniões e participei realmente, então acho que foi quando eu levei o primeiro realmente foi um fato assim, muito marcante.
P/1 – Como foi esse, o que foi?
R – Então, o primeiro foi o Sarney, sabe? Aliás, desculpa, foi o general Figueiredo, eu peguei ainda o final do período do...
P/1 – Da ditadura?
R – Do Regime Militar, eu acho que foi uma experiência interessante por que eu vivi esse pedaço aí da vida, e eu tinha que lidar com os militares, porque fazia não só a parte de comunicação corporativa como eu fazia a parte de relações com o Governo, que é minha especialidade ainda hoje, até hoje trabalho como professor e consultor nessa área de relações com o Governo, já tenho livro publicado e tudo, mas então eu tinha que lidar como militar, negócio complicado, aquela época era uma época de chumbo realmente e sabe, quem viveu ou quem leu só que sabe que é difícil, e eu tinha que lidar com eles.
P/1 – E como era esse diálogo?
R – Ah, então, eu acho que isso faz parte do aprendizado e educação de você pra vida, que você tem que, principalmente nessa minha profissão, você tem que fazer, não é que eu, mesmo que eu não goste da inclinação ideológica ou partidária, você tem que fazer seu trabalho profissional, tem que ser absolutamente isento, então eu realmente não gostava de militar, realmente. Então, as coisas que acontecia, mas tinha que lidar e tinha que manter um relacionamento e tinha gente boa, por incrível que pareça, tinha, não é por incrível que pareça, porque tinha gente boa. Eu lidava muito com a área de comunicação social, os caras eram legais, acho que, trocava informações e fazia visitas a fábricas, levava pessoal militar.
P/1 – Mas era de lidar de alguma coisa do tipo, dar uma carteirada, dava uma canetada, ou era?
R – O que era interessante, pro Regime Militar, você trabalhar numa empresa americana, era legal, porque há versões aí, de que o Governo dos Estados Unidos, inclusive o embaixador aqui, colaborou para o golpe de 1964, que derrubou o Jango. Então os americanos estariam por trás disso, não pode se afirmar, mas existem muitas histórias a respeito disso, até documentos existem. Então pelo fato de trabalhar numa empresa americana, eu não tinha problema nenhum, então era um trânsito bom, realmente eu tinha muito relacionamento com a embaixada americana, muito relacionamento mesmo. Eu tenho umas coisas marcantes nas outras empresas que eu trabalhei, com negócio de presidente da república, que parece uma sincronicidade, na Kodak ainda eu peguei a época no Collor, Fernando Collor de Melo, e eu, entre aspas, a empresa, porque eu fui junto, e eu que arrumei. A Kodak foi a primeira empresa a ser recebida pelo Collor depois que ele foi eleito, entendeu? E eu fui com o embaixador dos Estados Unidos, nós dois, e o presidente da Kodak, nós fomos recebidos pelo Collor, foi o primeiro beijo, o cara estava todo inflado, foi um negócio, até um episódio desagradável assim, porque ele estava tão inflado, falando das elites e não sei o que e tal, que o embaixador dos Estados Unidos estava com uma carta do presidente dos Estados Unidos, olha só cada coisa que eu me meto. Ele estava com a carta do Presidente Bush para o Collor, cumprimentando e desejando sucesso e tal, bá bá bá bá. É um protocolo que existe no mundo político, diplomático. E normalmente é uma praxe também tirar fotos lá no local. Tem o fotógrafo oficial da presidência e esse cara era meu amigo pessoal, o fotógrafo do Collor. É tanto que eu tenho foto com outros presidentes, com o Figueiredo, com o Sarney e lá com o Collor, e ele não deixou tirar fotografia, não deixou tirar fotografia, e se recusou de receber a carta do presidente dos Estados Unidos. Deu uma afronta assim que até eu fiquei com vergonha. E o embaixador, assim, a hora que saiu falou: “Olha, Galan, eu não consigo nem provar pro presidente da república dos Estados Unidos, que não é pouca coisa, que eu estive aqui”. O cara não recebeu a carta, não deixou tirar fotografia e com a cara de tacho.
P/1 – Mas a reunião era de negócios, assim, tipo, propor.
R – Na realidade eu tenho o costume, ao longo da minha carreira, de sempre levar, apresentar, quando é eleito um presidente, eu levo o presidente mundial dessa empresa, bastante empresas americanas, multinacionais, e levo para conhecer o presidente da república. E quanto mais cedo você fizer isso, mais sucesso você tem. Porque você se posiciona logo. No Collor foi o caso dele, foi a primeira empresa e ponto. Quando foi eleito o Lula, foi a mesma coisa. E eu já estava no Citibank, era vice presidente do Citibank. E eu também consegui que o presidente mundial do banco fosse atendido pelo Lula, antes dele tomar posse, entre a eleição e a posse, lá na Granja do Torto, entendeu? Então foi a primeira empresa também. É coincidência desses fatos interessantes.
P/1 – Tirou foto?
R – Tirei foto.
P/1 – Tirou foto, tudo bem.
R – Foi curioso que, são coisas curiosas, que a gente soube em primeira mão quem seria o Ministro da Fazenda antes da empresa, antes de qualquer pessoa. Ele falou ali na lata, o presidente ali do banco, o presidente mundial, quase caiu da cadeira, o cara falou “Pô, o cara é médico, pô, vai ser ministro da fazenda” (risos) o Palocci. E tem essas histórias interessantes de mundo corporativo, que conhecer fica muito próximo do poder. É curioso isso.
P/1 – De ver os bastidores, né?
R – Os bastidores, eu conheço muito.
P/1 – Gilberto, isso é tipo um lobby, o que é?
R – Não, faz parte lobby, mas isso são relações governamentais, mas o lobby é quando você quer pedir alguma coisa, você quer pedir alguma coisa. Geralmente com o presidente da república você não pede, mas você fala. Conheci todos os ministros, todos os grandes políticos do Brasil.
P/1 – É, pensando em business? Pensando em como, enfim.
R – É, sim, sim, pra beneficiar a empresa de alguma forma.
P/1 – Pra todo mundo. Tantos empregos até hoje, vamos...
R – Mas a gente nunca se meteu em nada de corrupção, nada, porque mesmo que as empresas não. É empresa de primeira linha, Kodak, Phillip Morris, dona da Marlboro (risos), a HP, líder mundial em computação, o Citibank e Embraer, fui diretor da Embraer pro mundo todo, também.
P/1 – E sempre nesse papel.
R – Nesse papel.
P/1 – Eu não consegui ver a transição da metalúrgica, das imobiliárias, que você entrou na Kodak como gerente de...
R – Pesquisa e mercado. Que não era um cargo muito, era um cargo de gerencia, mas não era...
P/1 – De repente (risos), aonde que deu essa virada para uma coisa mais diplomática.
R – É porque, sempre tive uma atitude que eu sempre comento pros meus alunos o seguinte: “Atue como uma esponja. Se tiver bola pingando na área, chute, entendeu? Ou se tiver alguma coisa sobrando, chupe, como expõe. Pega, não tenha medo de responsabilidade”. Então agregando coisas você consegue ter mais poder dentro da empresa e subir. Agora quem fica, fala: “Oh não, só faço isso” tudo bem, se aposenta lá e tudo bem. Agora se você quer crescer realmente você tem que não ter medo, essa parte de Governo eu peguei assim também numa fria. Porque tinha uma pessoa assim de uma certa idade que ficou doente e ficou morrendo, e o presidente, sempre foi americano, sempre me reportei a americano, a não ser na Embraer que é empresa brasileira, o resto tudo americano. O cara falou assim: “Olha, pega isso aí e você se vira”, e eu falei: “Pô, eu não sei fazer”, “Não, se vira, vai ter uma reunião no México, vai lá pro México, e resolve o problema, entendeu?” (risos)
P/1 – Passagem está aqui, valeu! (risos)
R – Eram reuniões para definir essas questões de Mercosul, acordos comerciais, coisas extremamente, assim, pesadas. Então, assusta, mas ao mesmo tempo se você consegue, você se fortalece e tem um crescimento e tive uma carreira assim bastante interessante. Empresa de primeira linha.
P/1 – E nessa trajetória, conta pra gente como que foi, ou uma reunião que foi mais áspera, ou um desafio que você, uma vitória, conta alguns marcos dessa trajetória.
R – Essa coisa do Collor, foi uma coisa. Do Lula foi interessante que foi realmente uma...
P/1 – Pegar algumas informações
R – Uma coisa, teve, é curioso as coisas. É, na realidade, como esses executivos eram tão poderosos, que vem lá dos Estados Unidos, de jatos, os caras são, assim, os caras, nariz empinado. Eu sempre entrei em todas as reuniões com o presidente da república, sempre entrava junto, até pra ajudar o cara, às vezes até pra traduzir, ou sei lá. Sempre ajudei. Mas daí, parece que não havia assim interesse que eu entrasse muito lá, na reunião, e eu fiquei na antessala lá, até com o Gilberto Carvalho, que ele não tinha nem função definida ainda, que falou, e xará, e tal, a gente começou a conversar, e tal, e de repente, esperando chegar o Lula recém-eleito, mas aí o Lula chegou e me viu, daí chamaram lá e vamos lá pra sala, fomos lá, e eu fiquei lá na sala de pé, falei, não vou ficar aqui na minha, preciso ir lá, acho que estão querendo mesmo que eu entre... (risos) daí passou o Lula, bateu no ombro “Ô companheiro, vamos entrando cara, vai entrando aí que eu vou dar uma mijadinha” (risos), falando assim, (risos), aí eu entrei. Aí eu entrei, participei da reunião. O cara falou: “Eu vou dar uma mijadinha”, aí eu falei: “Pô esse cara vai ser presidente da república, esse cara precisa aprender ainda o negócio da etiqueta” E vai ter um chão ainda pra etiqueta do cara, porque na reunião depois, ele fumou, ele fuma, não é charuto, é uma cigarrilha, cigarrilha. Então ele puxou lá, “Ô, Zé”, chegou pro José de Alencar que era o vice, “o Zé, me dá um do seu aí e tal”, fumou e nem perguntou pros caras lá, porque, se fuma aqui, americano é tudo cheio desse troço. Não sei o quê e tal, não pode fumar, “o Zé, me dá um cigarro, pegou lá, me dá um do seu aí”. Fumando, fumando, jogando fumaça e tal. E são coisas curiosas, no mínimo. Mas teve situações difíceis do tempo do plano cruzado do Sarney, que eu fui com o presidente, nós estávamos numa situação difícil, aliás, teve uma outra que também é curiosa, do tempo do Sarney do plano lá que eles congelaram os preços, e tal. E a gente estava numa situação difícil, a empresa estava pra fechar aqui, porque não podia importar e não podia aumentar preço também, sabe? E o ministro da fazenda era o Dilson Funaro, que ficou um herói que mandou caçar boi no pasto. Foram umas coisas assim meio folclóricas aí. Daí a gente conversou e tal, chegou no final lá, eu estava com o presidente da empresa, a Kodak, o americano que tem um jeito diferente de lidar com as coisas, daí a gente falou, olha, só mude de aumento de preço. O cara ficou furioso, sabe? Ele levantou da mesa, dedo em riste no presidente da empresa e que ele botou a gente pra fora. Pra fora. Cara extremamente agressivo e... Mas depois fracassou o plano (risos), os caras viraram...
P/1 – Teve que mudar.
R – Mudar. Assim como também o Collor, eu peguei essa primeira fase, é curioso isso, que ele estava todo inflado, e teve dois fatos interessantes. Daí ele fez aquele maldito plano dele que sequestrou as poupanças e tal. Foi um horror, a gente estava na empresa e não tinha nem dinheiro pra pagar os funcionários. E eu sempre pensando longe, porque, tinha o Paul McCartney, ele era casado com a Linda Eastman, Linda Eastman fazia parte da banda dele, também lá, era mulher dele, mas ela tocava. Mas ela era fotógrafa, uma boa fotógrafa, e o Eastman é da família do George Eastman que é o fundador da Kodak, lá no final do século 19. Então é um parente meio distante. Então ela gostava de fotografar então eu achei que dava uma liga, e o Paul McCartney veio pro Brasil, fazer, a primeira vez que ele veio ao Brasil, fazer um show no Rio. E eu falei: “Pô, tem uma oportunidade aí, fazer uma exposição da Linda Eastman, e levar o Paul McCartney pra abrir a exposição”, pô, super sacada. Mas isso antes do Collor congelar o dinheiro de todo mundo. E já estava tudo certo. Já tinha falado com o empresário dele, do McCartney, tinha falado com o empresário da Linda Eastman, já estava com as fotos, pronto pra embarcar, daí foi o maior vexame, eu tive que ligar e falar: “Ó, escuta, eu não tenho dinheiro pra alugar o espaço, nem dinheiro pra pegar o avião e ir pro Rio de Janeiro pra montar um negócio desses”. Foi o maior vexame, as coisas terríveis, porque tem gente que se suicidou na época lá que perdeu tudo. Foi um negócio. Então foi um vexame fenomenal, por causa de um cara que realmente com planos megalomaníacos e pouco fundamentados. Então tem histórias aí de profissão que coisas incríveis.
P/1 – E Gilberto, você chegou a morar fora? Chegou a ficar...
R – Não, eu fui sondado pra morar, mas, eu fui até procurar casa nos Estados Unidos, era pra passar a temporada, e depois ser presidente de alguma filial da Kodak em algum lugar do mundo. Mas aí tinha minha mulher, tinha a carreira dela, nesse meio tempo tinha um conflito, mas a gente já tinha vindo ver casa, tal. Mas daí teve uma outra crise econômica, e andaram cortando despesas nos Estados Unidos e eu falei: “Fica por aí mesmo”. Mas se tivesse isso teria mudado a minha carreira, porque eu teria sido expatriado porque você vai pro lugar e você não volta mais. Então, eu já tinha, mais ou menos eu ia ser presidente da Kodak Uruguaia...
P/1 – Aí você vai indo.
R – Depois do Peru, depois do México, depois voltar para o Brasil como presidente da empresa aqui, é uma carreira mais ou menos estabelecida, mas você não pode pular fora. Você falou, eu vou sair, vou sair. Então, eu não sei se foi bom ou mal, mas, foi interrompido isso aí. Mas eu visitei muito o mundo inteiro, o mundo inteiro.
P/1 – Pelo trabalho?
R – Pelo trabalho e sempre depois bastante também como estendia minhas de trabalho, eu gosto muito de vinho, então eu estudei todas as vinícolas mais famosas do mundo. E depois eu também me interessei por catedrais góticas, imagina só. Escrevi dois livros sobre catedrais góticas não publicados ainda, mas então, visitei as várias catedrais góticas, é uma coisa também que é a minha paixão.
P/1 – Chartres é a maior?
R – Não é a maior, mas é a mais significativa. Eu visitei três vezes ela. Três vezes, três vezes.
P/1 – Também, essa é muito bonita, essa vale, né?
R – Do labirinto, lá, tudo e tal. Conheci praticamente, as principais. De Cologne que eu conheço mais, porque tinha um evento a cada dois anos, que eu organizava na Alemanha, em Cologne. Então a catedral de Cologne é a que eu mais conhecia, eu fui lá umas 15 vezes pra lá.
P/1 – Tem alguma dessas viagens que você gostaria de compartilhar aqui, que foi.
R – Olha, tem, por exemplo, uma de Saint-Denis, que é nas proximidades de Paris, que foi a primeira catedral gótica. Tem o abade que construiu isso, e tem toda uma história de geometria sagrada. Então me impressionou muito, porque você tem no mesmo lugar todos os reis da França enterrados lá. Todos os reis estavam enterrados lá. Todos, sem exceção. E na outra catedral que eu fui que é Heinz, que é da terra da champanhe, que é magnifica também. Lá eles eram consagrados, então você tinha num lugar onde eles eram consagrados, coroados. E desde o rei Clóvis, ano 461, acho, se não me engano, foi o primeiro rei Franco, primeiro Ovídio que foi realmente convertido pro cristianismo, pro católico, os católicos, foi lá na outra onde eles estão enterrados. Então você vê os contrastes entre as coisas, isso é uma coisa muito interessante. E as catedrais góticas são...
P/1 – Mas essas viagens foram sozinho, com um grupo, família?
R – Não, a maioria sozinho. Às vezes quando mulher estava, ia também, mas a maioria era um trabalho...
P/1 – Como pesquisador.
R – Pesquisador mesmo, escrevi, nunca publiquei, devia ter publicado, talvez ainda publique, escrevi dois livros sobre isso. Estudei muito sobre isso, bastante mesmo, alquimia também estudei muito, então tem que ter coisa interessante, que eu acho que, que, mas eu sempre aproveitava, ia a trabalho, ficava uns dias e aprendia alguma coisa sobre a cultura. Então, nisso ai, eu já fiz umas 80 viagens no exterior (risos), mais ou menos. Então isso é uma experiência muito gratificante.
P/1 – Ásia? África? Também deu um giro?
R – Ásia, sim, Ásia, uma parte, China, Hong Kong, antes de separar, separar não, se juntar, porque foi separada, Cingapura, Tailândia também conheci.
P/1 – E sempre trabalha, aproveitava e ficava um pouco.
R – Eu trabalho e ficava um pouco lá, na Tailândia tem uns templos muito bonitos, tá?
P/1 – Merece outra pesquisa, hein?
R – Pesquisa, mas hoje eu estou escrevendo sobre mitologia.
P/1 – Você?
R – É, estou escrevendo sobre mitologia, estou estudando bastante sobre mitologia. Então é um negócio totalmente diferente de você usar outro lado do cérebro.Mas o tempo da Embraer foi muito interessante também, porque todos esses aviões da Embraer que estão fabricando, foi eu que lancei de alguma forma, porque eu era diretor de marketing também, mundial, então pra lançar na França, Cingapura, Estados Unidos, eu que coordenava todo esse trabalho, com uma equipe, uma época viajei 200 mil milhas em um ano só.
P/1 – A Embraer é uma empresa que deu um boom em determinado momento, que ganhou um prestígio, você participou dessa?
R – É, exato, eu participei ela já tinha sido privatizada e eu peguei um período que ela estava ainda meio mal, e meu trabalho foi fazer realmente, torna-la a queridinha do Brasil. Foi a favorita.
P/1 – Conseguiu, virou, né, ela teve esse...
R – Isso eu acho que com relação, ficou realmente um ícone nacional e essa foi a ideia mesmo, e participei de muitas coisas foras, entre lançados, conferências de coletivo de imprensa em Washington, em Paris, todo lugar, porque tinha um circuito aí dos shows aéreos, essas coisas, então foi uma experiência interessante trabalhar com uma empresa brasileira, interessante.
P/1 – Eu queria saber um pouco desses eventos, por exemplo, o da Jules Rimet, o que foi essa?
R – Então, o da Jules Rimet foi também uma coisa de que um colega nosso lá, ele teve a ideia e depois nós implantamos e já estava na minha área isso daí, e o presidente falou: “Oh, não, você toda isso aí e você vai ser a cara da Kodak nesse negócio”.
P/1 – E o que foi?
R – Daí a gente combinou, contratou os três capitães, o Bellini, Mauro, Carlos Alberto Torres, que o Brasil tinha conquistado a taça definitivamente, quando você faz três vezes, você fica com ela, então conquistou, mas teve o vexame de ser roubada da CBF, foi um vexame assim, um negócio abominável, e derreteram, derreteram, sumiram e nunca mais tiveram notícia. A gente achou que era uma oportunidade interessante, aí tinha a Kodak Alemanha, e a gente trabalhou com eles e descobrimos onde tinha sido feita primeira, na década de 30, da primeira Copa Mundial, os moldes originais, a mesma oficina de ourivesaria, mesmo casos de descendentes dos fundadores, e a gente fez um acordo com eles e tal, pesquisaram os materiais, inclusive a base é de lápis-lazúli, que é uma pedra cinza azulada, que só tem basicamente no Chile, a base é onde estão escritos os nomes dos vencedores, e o resto é de ouro, é muito bonito, é muito mais bonito que essa atual, e foi feita a réplica, e a gente fez uma série de eventos, fui com os três capitães, a gente foi pra Frankfurt, depois foi pra cidadezinha Hanau, que por coincidência é onde nasceram os Irmãos Grimm, da história das fábulas, das histórias de contos de fada e é o mesmo lugar, então o prefeito lá fez uma cerimônia, fez um discurso, e aquelas coisas toda, e a gente fez uma série de eventos, foi a televisão, um monte de coisa lá, depois a gente resolveu capitalizar e trazer pro Brasil, daí a gente fez um tour com o presidente da república, depois vários governadores, foi interessante porque eu conheci vários governadores que eu não conhecia, Brizola, Franco Montoro, o Covas era prefeito, tem várias coisas, e o presidente era o Figueiredo que ele estava no final do mandato dele, tinha mais um ano acho, e então foi interessante. O Figueiredo é uma figura não muito agradável, não sei por que razão ele não tocou na taça, porque todos esses outros pegaram a taça, até eu tenho uma foto lá com a taça, mas ele não quis pegar pra não ser explorado, e não sei o que, não sei por que, porque o Pelé tinha metido o pau na ditadura, qualquer coisa, e ele não queria explorar. Ele olhou, olhou, com interesse, mas não pegou, achei engraçado, e estava lá o presidente da CBF, estava o Ermírio Moraes, não sei por que também estava lá, estava o presidente da Kodak, os três capitães, que a gente ficou, eu convivi com os três capitães, foi um privilégio, uns dois meses mais ou menos com eles.
P/1 – Dois meses?
R – Ah sim, lá e aqui.
P/1 – E teve muita repercussão essa ideia de recuperar Jules Rimet?
R – Ah teve, na época teve muita coisa, teve muita repercussão. E aí a gente entregou isso finalmente num jogo da seleção do Brasil com a seleção da Inglaterra no Maracanã, a gente levou lá, no centro do estádio, eu fui junto também, lá no meio. A gente lá na Alemanha, em Stuttgart, num jogo a gente também entrou no jogo, no meio do campo (risos), e mostrou lá pro pessoal, estava cheio, teve muita repercussão, na época foi realmente uma grande jogada, bem criativa.
P/1 – Mas a ideia era explorar a marca, assim, a Kodak como, qual que era o slogan?
R – Isso, colabora com os grandes feitos do país e tal, não tinha nada a ver com fotografia, entendeu, mas de fotografia, foi eu que bolei um negócio interessante, a Rio 92, a primeira conferência de meio ambiente, no Rio, e eu fazia muito relacionamento com o Itamaraty e eu ofereci pra Kodak fazer a foto oficial dos chefes dos Estados, então foi uma operação, acho que foi uns seis meses mais ou menos, contratei o melhor fotógrafo do Brasil na época, que já morreu, o cara era sensacional, e a gente ficou vendo posição do sol, o lugar e tal, daí eu fiquei responsável por tudo, até fazer o que eles chamam de praticável, que é uma arquibancada, você imagina a responsabilidade, e eu fiz aquilo, contratei os caras pra bater um prego lá, com as plaquinhas onde cada um ia ficar e tal, pra 114 chefes do Estado, uma certa responsabilidade, de botar aquele troço e se aquele negócio vai abaixo?
P/1 – Não foi da turma lá do noroeste, né? (risos) Tem que ser um negócio...
R – Não, pra essa turma a arquibancada era mais ou menos assim, era o que eles chamavam praticável, mais estava previsto lá no Riocentro, numa parte assim, com as montanhas ao fundo, lugar belíssimo, a gente estudou, foi o fotógrafo, a gente foi várias vezes, vários dias pra ver o negócio do sol, mas chegou um pouco antes da véspera, eu pensei: “Pô, e se chover?”, mas o pessoal falava: “Pô, em junho, não chove no Rio de Janeiro”, mas com esse calor, “Cara e se chover? Eu tô ferrado, acabou o negócio, não tem foto oficial”, todos esses grandes da ONU, essas coisas, porque era um evento da ONU, daí eu rapidamente em dois dias, eu montei um backup, uma reserva, mas o pessoal ia ficar bem mais apertado, dentro do Riocentro mesmo, e daí já ficou difícil porque, a mesma coisa de Copa do Mundo, a partir de um certo ponto, o evento é da Fifa, e lá o evento não era do governo brasileiro, virou da ONU, então até que pra entrar, que eu entrava tinha feito um (risos), à vontade lá, porque tinha que armar o negócio.
P/1 – Quase dormindo ali, né? (risos)
R – É, mas o que foi interessante aí, deu certo, foi feito a foto, entreguei uma cópia pra cada chefe de Estado, estava lá na frente, até foi gozado isso porque você que dirigia a foto, então, você pega o George Bush que era grande, um metro e noventa o cara tinha, e tinha o Menem da Argentina que era um tachuela assim, de um metro e sessenta, um metro e cinquenta. Então você tinha que ficar lá assim: “O senhor pode subir um pouquinho pra cá”, então é uma coisa muito curiosa você interagir, o Fidel Castro estava lá fazendo piada, o cara não parava, o cara é o maior piadista, o cara ficava lá falando com todo mundo, eu falava: “Pô, o senhor pode parar um pouquinho pra gente tirar foto?” (risos), a gente fez foto, a gente fez um negócio, mas o que foi curioso que é histórico, além disso, isso é um fato histórico, eu tenho fotos lá em casa disso aí, acho que ninguém mais tem essa foto aí, que a gente tinha exclusividade. E aí foi a época que o Collor já estava em declínio, diferentemente daquela primeira vez que a gente foi, eu interagia muito lá por causa do fotógrafo que era meu amigo, então eu entrava muito lá no Palácio do Planalto, e uns dias antes da Rio 92 telefonaram lá pra minha casa, lá do gabinete do presidente, falando: “O presidente quer que você esteja amanhã aqui às dez horas da manhã, que eu sei que vocês tem um audiovisual sobre ecossistemas brasileiros”, nós tínhamos um audiovisual espetacular de um fotógrafo Haroldo Palo Júnior, que é um fotógrafo sensacional, de natureza, e ele montou pra gente, eu tinha mostrado pra uma série de pessoas do governo e tal, e o Collor ficou sabendo, ele precisava de um apoio, que ele estava em declínio, e estava eu e o Jacques Cousteau, o famoso Jacques Cousteau, e o Jacques Cousteau ia visita-lo dez horas da manhã lá no palácio e queria apresentar o audiovisual pro Jacques Cousteau. Era uma maneira de ter cobertura de imprensa, depois o cara está junto ali, e lá vou eu também (risos), consegui pegar a equipe de madrugada, a gente dez horas estava lá e fez apresentação lá no Palácio da Alvorada. Tem um auditório lá, então a gente fez a apresentação lá, com o Jacques Cousteau, tirei fotos lá com o Jacques Cousteau, interessante, e é curioso que o Collor fala francês fluentemente, ele tem todos os defeitos, mas ele fala inglês, francês, bem, e ele falava francês, daí o Jacques Cousteau começou a falar francês comigo, e eu entendo mal, e o Collor serviu de interprete, é curioso isso, mas ele precisava já, nessa época, de um certo apoio, tanto que logo depois ele caiu.
P/1 – Noventa e três, né?
R – É, ele caiu. Na realidade, foi em 92, ele caiu em 93 acho.
P/1 – É, 93.
R – Então tem histórias bem interessantes aí de passagens (risos) que são interessantes da vida, das várias fases do país.
P/1 – Vou pegar um pouquinho então, voltar um pouco pra sua vida pessoal. Casamento, você disse que foi uma namorada do interior, conta um pouco sobre ela, como foi esse casamento?
R – Ah, então, a gente se conheceu nessas paqueras de cinema, de fila de cinema, depois tinha um bailinho, tinha o Carnaval, então começou ciscar e a gente começou a namorar e teve só uma pequena separação durante um tempo, depois a gente casou já em São Paulo mesmo, e temos dois filhos que já são casados, adultos.
P/1 – Conta um pouco sobre eles
R – Um é arquiteto, e minha filha é psicóloga. Eu tenho dois netos, vem vindo um aí, até o final do ano, então é uma família bem interessante, bem legal, uma grande benção, realmente, família.
P/1 – Como foi ser avô.
R – Ah, foi interessante, eu acho que foi muito interessante, é uma experiência marcante, sabe, é diferente a relação com filho do que com neto, do nascimento, é difícil a gente expressar isso, mas é uma experiência bem interessante. Eu sempre falo pra eles que eu tenho uma visão dessa nova geração aí de netos, e que a esperança que eu tenho, eu acho que a gente tem que ter, de mudanças realmente, pra melhor da sociedade, eu acho que são eles que vão fazer, eu acho que nós já perdemos o bonde de certo modo das mudanças assim, realmente pra melhor, pra uma sociedade mais ética, menos corrupta, mais solidária, eu acho que essa, é essa turma, dos meus netos, é que realmente devem fazer alguma diferença realmente no sentido de mudar alguma coisa. Me preocupa como é que a sociedade está indo hoje, mas eu acho que essa geração aí, eu acho que é a que tem a possibilidade de mudar alguma coisa que já está se perdendo, questão de meio ambiente, questão de violência, de valores, do descartável, que não tem mais nada duradouro, me preocupa pra onde está indo isso aí, mas eu acho que essa turma que está chegando aí, é que tem a possibilidade de ter realmente uma mudança significativa, ter nova classe política, não eleger alguns políticos que estão aí.
P/1 – A formação da sua família, seus filhos, netos, está tudo aqui em São Paulo mesmo?
R – Tudo em São Paulo.
P/1 – Essa relação com Bauru?
R – Não, isso aí já foi, ficou na lembrança, realmente, tem alguns parentes lá, mas eu não tenho ligação mais. Foi importante essa formação de interior, eu acho que faz falta para meus filhos, por exemplo, e netos que só viveram em São Paulo, numa situação diferente, e perderam esse tipo de coisa, perderam não, não tiveram esse tipo de vivência, que eu acho que é importante, eu acho muito importante, esses rituais que eu falei pra você, eu acho que perdeu bastante disso, então eu acho que, não sei como é que dá pra recuperar isso porque, por exemplo...
P/1 – Você não tinha rituais com a sua família, com esse núcleo?
R – Eu tinha, tinha, por exemplo, de ir pro sítio, nós temos um sítio em Itatiba, então o contato com a natureza, de pescar no lago, ver passarinhos, ver natureza, enfim, acordar lá com o...
P/1 – Ajuda, ajuda...
R – Ajuda, mas eles vão mudando o eixo, eu acho que as atrações que a cidade grande tem, as baladas, os eletrônicos, essas coisas, rápido carro, ter carro, eu fui ter carro depois de formado, um fusca 62, então, era o carro. Eles já tiveram uma outra vivência, eu acho que isso, é bom porque não sofreu o que eu sofri, de pegar o busão e tal, mas eu acho que perde alguma coisa de valorizar as coisas que eram mais difíceis de você alcançar. Ao longo da carreira eu contei uma série de coisas, não é pra me gabar, ou nada disso, a questão é que realmente são realizações interessantes porque você tem alguma coisa que você vai atrás, sabe, e eu acho que eles têm um futuro brilhante, são todos muito inteligentes, eu acho que tem capacidade, e tem uma formação eu acho que boa, em termos de postura ética, mas eu acho que perderam uma coisa que, quer dizer, perdeu-se essa vida rural, essa vida de interior, essas coisas, isso aí acabou.
P/1 – Essas viagens internacionais você conseguiu levar a turma?
R – Levei, levei pra algumas viagens, com certeza.
P/1 – Conseguiu.
R – É, sempre uma experiência interessante conhecer outras culturas, sempre levei sim, e eu acho que está na mão deles, eu acho que a mensagem final, se é que tem, eu acho que está nessas gerações aí que estão vindo aí, e que tem que ser alguma coisa diferente, muito rápido, muito rápido porque não tem tempo mais.
P/1 – Gilberto, a gente vai caminhar agora um pouco pro fechamento, da nossa entrevista aqui. Hoje você está aposentado, o que você está, tá trabalhando? Consultorias?
R – Eu estou aposentado da vida executiva, quer dizer, eu parei minha vida executiva, minha última empresa foi o Citibank, e eu tenho uma empresa de consultoria nessas áreas que eu já falei, mas eu trabalho mais em casa, e tenho uma rotina diferente, sou professor universitário.
P/1 – Aonde?
R – Na ESPM, sou professor convidado na FGV, e umas associações e tal, dou treinamento pro pessoal, e hoje eu tenho me dedicado bastante a ajudar os novos profissionais gratuitamente, toda semana, essa semana eu tive dois cafés, ou almoço com profissionais ou que estão numa fase mais difícil de transição de carreira ou desempregado ou querendo mudar, então eles recorrem muito a mim, então isso eu faço gratuitamente, não tenho nenhum interesse, mas passar o conhecimento adianta, eu acho que mais do que ganhar dinheiro ou ter prestígio ou coisa assim, às vezes um conselho muda a sua vida, eu acho importante ser procurado por essas, um pouco mais jovens que eu, que tem alguns dilemas profissionais na vida, então é praticamente o que eu faço hoje, e estou procurando escrever mais.
P/1 – Tá tendo mais tempo pra estudar um pouco, mitologia, sobre as igrejas?
R – Ah sim, lê muito. Meu foco agora é a questão dos Deuses Gregos e ambiente de trabalho, porque como eu conheço muito ambiente de trabalho, eu...
P/1 – Você está fazendo uma analogia?
R – Um paralelo e como é que esses Deuses Gregos podem, procurei Hermes pro exemplo, Hercules, ou a Hera...
P/1 – Você começou com Hermes? (risos)
R – Comecei com Hermes, porque é o meu patrono, o de comunicação. Primeiro Hermes que é meu patrono da comunicação, de todos nós, jornalistas, comunicadores de alguma política, quem faz comunicação de alguma forma. Todo mundo faz comunicação.
P/1 – É que tem alguma coisa também de alvo. (risos)
R – É?
P/1 – Tem alguma coisa também de vamos lá, vamos lá.
R – Ele atropela também, ele tem um pouco o lado malandro, algumas coisas, então eu acho que é um trabalho assim, vai ser inédito nesse aspecto de ver como é que isso se encaixa no trabalho e na vida pessoal também, que é difícil você separar, mas eu acho que isso deu uma motivação bem interessante de estudar novamente, mas eu estou pegando cada um, esgotando ao máximo, e tentar ajudar. Minha ideia é ajudar passar, como até gratidão, porque eu acho que eu fui muito privilegiado, eu acho que a minha vida foi extremamente privilegiada, abriram-se muitas portas aí.
P/1 – Você tem algumas figuras assim, tipo tutores, que você lembra, professores?
R – Pois é, eu tive alguns bons chefes, péssimos também.
P/1 – (risos) Vamos falar de algum legal.
R – Tive acho que o primeiro, o primeiro e o segundo, na Kodak, antes disso não, por que é empresa americana, pra falar assim que “Tem gente que mete o pau”, não, por coincidência eram pessoas excelentes, sem vaidade, sem ego inflado, porque eu conheço cara de ego inflado aí, não é brincadeira não, o que eu conheci de ego inflado. Você tinha que construir uma série e outro lado pra caber o ego do cara.
P/1 – Você fez um PhD, você virou expert.
R – Então eu conheço essas figuras. Então essas pessoas, o americano, tirando os Big Shots e tal, ele é mais assim, comedido que o brasileiro como líder, então eu aprendi bastante com alguns, três chefes americanos, um brasileiro também, na Embraer, embora tenha umas coisas que eu discorde, mas eu acho que em termos profissionais, aprende. Você tem que ter humildade pra aprender, mas os americanos foram interessantes, eu aprendi muitas coisas com esses profissionais, porque eles eram pessoas assim, amigas mesmo, realmente humanas, sensíveis, um deles morreu há pouco tempo atrás, mas pessoas assim, mas fora isso não tinha nenhum mentor que me falasse: “Olha, você tem que fazer”, aprendi batendo a cabeça. É uma trajetória mais dolorida, mas eu acho que eu tive felicidade tanto na vida pessoal, familiar, o que eu tenho hoje e com relação a trabalho também, eu acho que é um currículo invejável, eu acho que eu de alguma forma pro país e algumas coisas que a gente fez aqui, trazer investimentos, sabe, manter um padrão de ética, então eu acho que é interessante, sempre tive bons, pelo menos uns três bons chefes que serviram, mas não era mentor assim que o cara te acompanha a carreira e tal, o pessoal sai também, se afasta, ou muda de empresa e tal, mas sempre teve boas inspirações, agora fora isso, no mundo até difícil você ter que admirar, quem te inspire, é muito difícil, eu acho muito difícil. Existe uma carência muito grande de líderes, presidentes de República, grandes políticos aqui, já tivemos alguns, eu conheci, tive oportunidade de conhecer alguns, o Ulysses Guimarães, Roberto Campos, eu conheci todo esse pessoal, são uns caras que assim decentes, Mário Covas é um cara decente também. Convivi com esse pessoal, e que pessoas que dá pra aprender alguma coisa, mas hoje a safra está ruim, por isso que eu estou falando, depende muito dessas novas gerações, o que eles realmente podem fazer pra colocar gente, gente boa tem.
P/1 – Não só no futebol, que seja de uma maneira geral, né? (risos)
R – É.
P/1 – Gilberto, deixa eu te falar, e hoje, quais são seus sonhos hoje, enfim, agora avô, tá escrevendo, qual é o seu sonho de hoje?
R – Olha, meu sonho é completar esse trabalho, esse livro e lançar, e que ele realmente inspire pessoas por aí, porque é uma fonte de reflexão, você lidar com esses Deuses Gregos, com mitologia, é uma fonte de reflexão, então eu acho que se puder espalhar um pouco isso daí, eu acho interessante. Meu sonho é continuar ajudando pessoas, ensinando, é uma fase que a gente tem a partir de uma meia idade, é ensinar, passar a frente, o conhecimento, a sabedoria, se é que a gente tem alguma, passar pra frente. E ver a família, filhos, netos, progredirem e fazerem diferença, eu acho que são esses três pilares que eu acho interessante, e ter uma velhice razoável.
P/1 – Saudável, tranquila.
R – Saudável, entendeu? Principalmente a cabeça, eu acho que a cabeça é importante, porque você vai acumulando essas camadas, que vai desde lá de Bauru, aquelas coisas, sempre você está aprendendo alguma coisa, batendo cabeça, tendo decepções, desilusões mais grandes e pequenos sucessos de alguma coisa e que te fortalece, eu acho que não tem sentindo você chegar num certo ponto, sem que você partilhe de alguma forma alguma coisa que pode ser bem comum, não pensando tanto em você, eu acho que não precisa, eu acho que é hora de mudar de canal, eu acho que mais que enriquecer, ter poder, ter prestígio, essas coisas, eu acho que isso vai ficando meio de lado, então eu acho que é partilhar o conhecimento eu acho que é a coisa, talvez o maior sonho. E continuar viajando, conhecendo lugares.
P/1 – Isso é importantíssimo, né?
R – Não vai dar pra conhecer todos os lugares que eu gostaria (risos).
P/1 – Mais um pouquinho deles, né?
R – Ah sim, voltar aos mesmos lugares que a gente gosta.
P/1 – Gilberto, tem algum, alguma, enfim, caso, alguma história que eu não perguntei, que a gente acabou pulando e que você gostaria de contar?
R – Não, eu acho que tem bastante coisa ai interessante.
P/1 – Numa tarde só, fica difícil.
R – Nossa Senhora, eu ficaria um tempão contando essas histórias aí de políticas, essas coisas ai realmente que tem coisas que a gente não pode entrar muito em detalhe, mais é uma experiência bastante rica.
P/1 – Mais você lembrou de alguma aí... Mas você lembrou de alguma aí específica (risos). Qual foi e sem nomes?
R – Não, tem uma coisa gozada, é curiosidade, que eu falei, eu costumava levar os presidentes de empresa pra conhecer os políticos de Brasília, os ministros, o Presidente da República e tal, tem uma curiosidade com o Ulysses Guimarães, que o sonho dele sempre foi ser presidente da república, infelizmente o coitado morreu de uma maneira até meio bobo aí num acidente de helicóptero com o Severo Gomes, um negócio bobo, e ele sempre teve o sonho de ser Presidente da República, e era um político digno, eu acho uma pessoa ética, eu acho que nunca teve nada de contra no currículo dele. E uma vez eu levei o presidente da empresa e ele tinha chegado no Brasil, e eu falei: “Oh, eu vou fazer um, pra você conhecer bem, eu vou fazer um tour em Brasília. Um tour em Brasília pra você conhecer como é que é o negócio aqui”, e eu comecei a levar, ali foi um gancho que eu tinha feito um livro sobre a Constituição Brasileira de 1988, foi uma jogada bem interessante, a gente contratou um fotógrafo e a gente fez a cobertura fotográfica, e fez uma exposição dentro do Congresso e tal, e fizemos um livro muito bonito, um livro, um histórico interessante, de todo o processo de formação da Constituinte, e o Ulysses era o presidente, então a gente começou por ele, daí peguei o livro, apresentei o presidente, a gente começou a conversar e tal, abrimos e falei: “Olha aqui, o senhor está nessa página aqui e tal, aqui é promulgação, teve um momento histórico e tal”, daí ele começou (risos), ele dormiu, mais dormiu profundamente, daí o gringo falava um pouco de espanhol, não falava português e falou assim: “¬¬¬¬Gilberto, este hombre estás durmiendo”. (risos), e eu falei: “Ele está dormindo sim, mas não está tão chata a conversa assim pro cara dormir”, depois eu fui falar com o assessor dele, e falei: “Será que o cara está passando mal, alguma coisa, não dormiu a noite”, “Não, é que ele toma aquela pílula de lítio”, lembro que ele tinha aquelas alternâncias, então ele estava em baixa, ele tinha tomado remédio e não resiste, o cara dorme. A gente conversando no meio, eu mostrando a foto, falei: “Não pode ser tão desinteressante assim”, pra um político mostrar a foto dele promulgando, a Constituição.
P/1 – Histórico.
R – E o cara dormiu, falei: “Pô, o cara morreu”. Cada história curiosa, e o gringo não entendia, “Pô, esse cara só me leva pra roubada”, porque uma outra na minha outra viagem, foi um negócio que fui levar ele pro Ministro da Fazenda, e a hora que chegou no aeroporto, primeira viagem do cara no Brasil, mandaram avisar "Olha, o cara não vai atender vocês”, porque foi chamado pelo presidente da república, é comum isso, a gente lida com isso, é assim, o cara está em uma crise política lá, ele vai atender a gente? Não, não vai, ele vai resolver o problema. Também chegou lá e o cara falou: “Pô, você tem cacife realmente pra fazer isso que você tá falando que você faz, disseram que você abre porta em qualquer lugar”. Mas a do Ulysses foi fenomenal.
P/1 – E na mesma ainda, o cara...
R – E conhecer essas figuras é uma riqueza.
P/1 – Levou num bom restaurante pra jantar pelo menos? Senão...
R – É, ia lá pro restaurante onde o Ulysses tomava o…
P/1 – Gilberto, o que você achou de contar um pouco da sua história?
R – Olha, foi uma terapia interessante, foi bom, foi bom lembrar, porque a gente vai até esquecendo e se você começa a falar, você começa a sistematizar o pensamento um pouco, acho que tem muita coisa interessante ai, privilégio de tantas coisas, de participar, de conhecer pessoas incríveis, sabe, o Pelé, presidente da república, o presidente dos Estados Unidos, Fidel Castro, cada coisa, Jacques Cousteau, pessoa admirável, cara admirável, são pessoas admiráveis realmente, então eu acho que é interessante, eu acho que foi um exercício bem interessante. E eu procurei botar num contexto, porque eu acho que do ponto de vista histórico, é interessante, mais do que da minha pessoa, que é o que menos conta, é uma parte da história do país que eu participei, tive o privilégio de participar de uma forma ou outra.
P/1 – Com certeza, a intenção é essa mesmo.
R – Conhecer figuras que fazem parte da história.
P/1 – Construiu junto, não só o presidente, né?
R – É, mas foi um prazer muito grande, espero que inspire algumas pessoas a fazer seus depoimentos, porque todo mundo tem história interessante pra contar, não precisa ser uma personalidade e tal, eu tive o privilégio de lidar com essa questão, mas não é esse o espírito da coisa, eu acho que o espírito é o que eu estou escrevendo agora, sobre Héracles, Hercules, é a trajetória heroica, de cada um, essa é uma trajetória heroica, de sair de um lugar, e ir pra outro, se aventurar e enfrentar os desafios e tal, e achar o seu tesouro no fim, e cada um por mais modesto, humilde no seu trabalho, assim, na simplicidade do seu trabalho, humilde não é uma palavra boa não, simplicidade do seu trabalho, ele tem uma jornada heroica que merece ser contada, você tem verdadeiros heróis ai no dia a dia que merecem ter a história registrada. Eu acho que vocês estão fazendo um painel interessante com vários tipos de perfis que acaba dando uma coisa interessante, é difícil ter uma média, mas são várias facetas.
P/1 – São várias facetas.
R – Várias facetas.
P/1 – Bom Gilberto, então em nome do projeto, em nome do Museu da Pessoa, eu gostaria de agradecer muito a sua participação e muito obrigado, gostei muito.
R – Eu que agradeço.
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