Num sábado fui buscar remédio para uma vizinha muito doente. Morávamos num sítio em Engenheiro Camargo, Paraná (região de Maringá). O médico ficava em Ourizona. Fui de bicicleta, mas na volta tive que deixar a bicicleta pois chovia muito - em terra roxa como a do Paraná, o barro gruda nos s...Continuar leitura
Num sábado fui buscar remédio para uma vizinha muito doente. Morávamos num sítio em Engenheiro Camargo, Paraná (região de Maringá). O médico ficava em Ourizona. Fui de bicicleta, mas na volta tive que deixar a bicicleta pois chovia muito - em terra roxa como a do Paraná, o barro gruda nos sapatos e nas rodas. Na saída do vilarejo tinha uma larga enxurrada para atravessar. Vi um vulto - estava muito escuro no estrada - que me perguntou: você está de sapatos? Respondí que sim. E disse: Então monte em minhas costas que eu lhe atravesso. Ponto pacífico, montei e o "vulto" me atravessou.
Andamos uns cinco quilômetros juntos, conversando, quando chegamos num lugar onde tinha um letreiro enorme com letras recortadas e dispostas num grande semi-círculo que dizia: Fazenda Sete-Quedas. Então ele disse: Moro aqui. Vá com Deus que nada lhe acontecerá. Ainda faltavam 13 quilômetros até a Fazenda Munhoz, no Chapecó. Quando você chegar em frente as cruzes - que são diversas - pare em frente, pense, ore e siga em frente.
Cheguei na casa do Sr. Ricardo, marido da senhora doente, umas 2 horas da manhã. Muita gente ainda estava lá. A Senhora tinha febre muito alta. Enquanto providenciaram os remédios fui contando o que tinha acontecido. As pessoas diziam: Você é louco montar num vulto? E se fosse o diabo? Levaria você direto ao inferno. Então me arrepiei, mas não de medo. Lembrei-me que o "vulto" sempre me chamou de filho e não falou nada sobre coisas ligadas ao cotidiano. Só falou sobre fazer o bem e o que isso representaria para e sobre nós. Demonstrou saber que em situações como esta, buscar remédios, atravessar rios, nadar em noite escura, com as roupas e sapatos presos à cabeça era sempre eu que era chamado
(Martinho de Oliveira deu o seu depoimento ao Museu da Pessoa no dia 27 de dezembro de 1998 através do nosso site da internet)Recolher