Projeto CSP
Depoimento de Aldenor Miranda dos Santos
Entrevistado por Eliete Pereira
Pecém, São Gonçalo do Amarante, Ceará 01/06/2014
CSP_HV_013_ Aldenor Miranda dos Santos
Realização Museu da Pessoa
P/1 – Bom dia, seu Aldenor.
R – Bom dia.
P/1 – Seu Aldenor, pra gente começar, eu gostaria que o senhor dissesse o nome completo do senhor.
R – Meu nome é Aldenor Miranda dos Santos.
P/1 – Onde o senhor nasceu, seu Aldenor.
R – Eu nasci no Pecém mesmo, aqui no Pecém.
P/1 – Qual a data de nascimento do senhor?
R – Eu nasci no dia 15 do três, que é de março, de 1948.
P/1 – E o nome dos pais do senhor?
R – O nome do meu pai é Antônio Miranda dos Santos e da minha mãe é Maria Tabosa de Souza.
P/1 – Eles eram daqui, do Pecém?
R – É, o meu pai era do Pecém; minha mãe de Paracuru.
P/1 – Pertinho, então?
R – É, daqui dá uns 50 quilômetros, mais ou menos. É outra praia que nós temos aqui, a uns 50 quilômetros do Pecém.
P/1 – E os pais do senhor faziam o quê?
R – A minha mãe sempre foi aquela dona de casa, doméstica, só como doméstica. E o pai sempre pescador.
P/1 – Ele era pescador também?
R – Pescador.
P/1 – E a família? Vocês tiveram quantos irmãos?
R – É, nós tivemos oito irmãos, oito. Os cinco homens, todos eles eram pescadores e as mulheres só como domésticas mesmo.
P/1 – Ficavam em casa mesmo?
R – Ficavam em casa.
P/1 – E como que era a infância aqui, na região?
R – A infância na região nessa época era muito difícil. As coisas eram muito difícil. A gente tinha muita fartura, em termos de pesca a gente tinha muita fartura. Meu pai sempre ia pro mar e trazia muito peixe. Mas o que era difícil mesmo, difícil pra todos nós daqui, era dinheiro. É.. Dinheiro é que não tinha, a gente tinha muita dificuldade de pegar em dinheiro. A gente tinha que comprar muitas coisas em retalhos, porque o dinheiro era tão pouco que a gente tinha que comprar óleo, comprava no retalho.
P/1 – O quê que era um retalho?
R – Retalho era quando você vai numa mercearia e, aí, você compra três, quatro colher de óleo, entendeu? É, se você ia comprar farinha, hoje é no quilo, antes era no litro, um litro de farinha, meio litro de farinha, um quarto de farinha. Rapadura era o mesmo processo, comprava até um quarto de rapadura. Nós chegava a comprar até fosforo; o que é uma caixa de fósforo hoje? O valor de uma caixa de fósforo hoje? O valor de uma caixa de fósforo hoje você vê que é um preço tão mínimo, não é isso mesmo? E a gente comprava fósforo no retalho, como eu te falei antes, que é dez palito de fósforo.
P/1 – Mas se não tinha dinheiro, como que vocês compravam essas coisas?
R – É porque o pouco peixe que a gente vendia, entendeu, a gente vendia o peixe, era muito peixe, agora o valor do dinheiro é que era pouco. Quando era pra manter as necessidades da casa, aí não dava pra comprar de tudo, vamos supor, de um quilo, uma caixa disso, uma lata... Não dava pra comprar. Aí, então, a gente tinha que comprar tudo no retalho.
P/1 – E quais os peixes que vocês pescavam naquela época?
R – Era muita qualidade de peixe. Era muito cavala, muito serra, muito pargo, muito peixe pequeno que nós chama, várias qualidade, biquara, ariacó, guaiúba, era a variedade de peixes menores que a gente pegava e pegava bastante.
P/1 – O pai do senhor tinha um barco, uma jangada?
R – Não, ele sempre pescava de terceiro. Como é terceiro? Ele pescava de metade, quer dizer, o cara tinha uma embarcação e ele ia pro mar. A jangada que ele ia pro mar, o que ele produzisse, era metade dele e a metade pro dono da embarcação, sempre foi assim.
P/1 – E a jangada era sempre aquela jangada de piúba?
R – Era, jangada de piúba, que essa madeira vinha do Norte, que nós chama, vinha do Pará. Chama jangada de piúba.
P/1 – E o pai do senhor já chegou a fazer uma jangada, construir uma jangada ou não? Só pescava mesmo, ajudava ali?
R – Só pescava, meu pai só pescava.
P/1 – E tinha gente que fazia a jangada, aqui, no Pecém?
R – Tinha, aqui tinha. Aqui tinha uns feitores de jangada. Aqui tinha uns carpinteiros que fazia muita jangada. Quando essa madeira chegava, aí, eles já tinha os carpinteiros que faziam as jangadas de piúba.
P/1 – E, seu Aldenor, o pai do senhor saía todo dia pro mar ou não, tinha um período que ele ia?
R – Não, normalmente ele saía quase todo dia. Quase todo dia era aquela rotina, de ele ir pro mar, quase aquela rotina. Talvez na semana, o mais que ficava era um dia no seco e não ia, também, ao domingo. Pescava de segunda à quarta, ou à quinta. Aí, não ia na sexta e ia no sábado, sempre a rotina era essa.
P/1 – O senhor aprendeu a pescar com o seu pai do senhor?
R – Foi, eu comecei a pescar com o meu pai.
P/1 – Você lembra a primeira vez que você acompanhou o seu pai pra ali, ajudá-lo mesmo, como uma profissão?
R – Eu me lembro que eu tinha 15 anos na época. Porque eu comecei a trabalhar, só um pouco, eu comecei a trabalhar com oito anos.
P/1 – Em quê?
R – Eu trabalhava numa padaria. Eu trabalhava numa padaria e nesse tempo eu ganhava, eu já comecei a começar o meu salário, eu comecei a ganhar 15 mil réis por dia. Fechava uma conta de 90 mil réis por semana.
P/1 – E o quê que o senhor fazia na padaria?
R – Na padaria eu ajudava a fazer os pães pra assar. E quando era de manhã, eu botava a cesta de pão nas costas e saía despachando nas mercearias, os pães. O pão da manhã, e quando era de tarde era o pão da tarde, fazia esse trabalho todo dia, esse era todo dia.
P/1 – Como o senhor conseguiu esse emprego?
R – É porque aqui tinham dois rapazes, um senhor que tinha uma padaria aqui, aí ele foi embora do Pecém. Aí, outro senhor do Pecém comprou e, eu fui ajudar. Não como profissional, mas...
P/1 – O senhor já conhecia, então?
R – Já conhecia mais ou menos o movimento do trabalho. Aí, comecei a trabalhar. E nesse movimento dessa padaria eu trabalhei dois anos. Quando eu completei os dez anos, aí abriu aqui uma pesca de lagosta. Chegou uma pesca de lagosta e foi uma riqueza pra esse lugar, era muita lagosta, mas era muita. E, aí, precisava de tirar uma tripa que tinha, na calda da lagosta tem uma tripa e a gente tem que tirar. A gente era uns 12 meninos naquele tempo e a gente tirava a tripa da lagosta. Então, se a lagosta ia só a cauda, que a cabeça a gente jogava fora; dava pro pessoal daqui da periferia, para os moradores, vinha muita gente de fora pegar só cabeça de lagosta. Mas as cabeças eram tão grande que a gente só aguentava comer uma, ou até duas, que as cabeças, todas as lagostas eram enormes. E eu comecei a trabalhar com o meu tio e o meu primo, que eram tipo os gerentes da parte de gelar a lagosta, receber, gelar e levar. Ele também não era o proprietário; o proprietário era o senhor Luiz Ferreira de Souza, ele é que era o dono das embarcações e quem comprava toda essa produção. E eu trabalhava, ganhava cem mil réis por semana, quer dizer que o ganho aumentou mais um pouquinho.
P/1 – E o quê que o senhor fazia com esse dinheiro que o senhor recebia?
R – Ah, eu comprava minhas roupinhas, calçados. Já comecei a ajudar meu pai e minha mãe, exatamente por causa dessa dificuldade que eu tô falando. Eu já ajudava pra eles, dava pra mim me vestir, dava pra mim comprar meus calçados e ainda dava pra ajudar eles no que podia.
P/1 – E qual era a diversão aqui? O senhor já era adolescente...
R – Eu já adolescente, assim, a nossa diversão aqui sempre era brincadeira na rua. O que é brincadeira na rua? Hoje nós chama de que? Nós chama, o esconde-esconde. Nesse tempo nós chamava de manja. Aí, nós fazia aquela roda no meio da rua, noite de lua, os terreiros era tudo bem limpo, que tudo era na areia. Aí, a gente brincava de que? A gente brincava de lado direito. O que é o lado direito? O lado direito é você senta do meu lado, aí senta um homem e uma mulher, um homem e uma mulher. Aí, ficava um lado direito desocupado. Aí, eu dizia “o meu lado direito tá desocupado. Quem é que ocupa?”, eu chamava uma das meninas pra ocupar. Aí, d’aonde ela saía, aí o lado direito daquela pessoa já ficava desocupado, aí ficava, e nisso a gente brincava, vários tipos de brincadeira, exatamente era nossa diversão.
P/1 – E na infância o quê que vocês brincavam? Na infância também fazia essa brincadeira de lado direito?
R – Na infância é brincadeira de pião, de bila, aquelas bilinha de gude. Surfar no mar com uns pedacinho de tábua... É. Ver o meu pai, no tempo do meu pai, essa brincadeira de coco. Quando era nos domingos era diversão deles, eles se juntavam num canto e iam brincar coco, que é uma dança sapateada.
P/1 – Como que é o coco?
R – É uma dança sapateada. E ela tem mais ou menos, assim, uma história e é uma dança sapateada. Aí, fica dançando sempre de dois em dois. Eu danço, tiro você, aí você brinca, eu saio, você fica, já tira outro. Nisso, a gente entretinha o domingo e a gente até começou a brincar e a sapatear também, como eu ainda pretendo levar essa brincadeira por muito tempo, porque é uma brincadeira de tradição e a gente não quer deixar cair.
P/1 – E tem música? Tem uma letra?
R – É porque a letra é o improviso. A pessoa improvisa o verso na hora, entendeu? É que nem esses cantador que bate pandeiro na praça, é mais ou menos isso, é baseado nisso, é uma dança de improviso. Só que o cara da praça é com o pandeiro e nós aqui é com o ganzá, balançando.
P/1 – O quê que é o ganzá?
R – Um ganzá é assim de alumínio ou, então, de flandres mesmo. Aí, fecha, solda, enche de chumbo ou de milho pra fazer aquela zoadinha.
P/1 – Chocalho?
R – É, exatamente, é. E um caixão, que hoje ainda nós estamos usando um tambor, facilitou. Mas antes era um caixão, de madeira, pra gente bater, que era exatamente os dois instrumentos que acompanhavam a dança de coco. Era um batendo no caixão, o outro com o ganzá, improvisando, e a turma dançando, se divertindo.
P/1 – E, seu Aldenor, o senhor lembra de alguma improvisação que vocês fizeram do coco, que era comum?
R – É, a improvisação, eu vou só dizer aqui uma parte.
P/1 – Diga.
R – A gente sempre começa com uma brincadeira de Maneiro pau. (Cantando) “Maneiro pau, maneiro pau, eu vou me embora, eu vou me embora. Maneiro pau, maneiro pau – a resposta – maneiro pau, como eu disse eu sempre vou, maneiro pau, se eu não for na barca nova, maneiro pau, eu vou num rebocador, maneiro pau. Menina diz a teu pai, maneiro pau, que eu só como é de talher, maneiro pau, ele nasceu pra ser meu sogro, maneiro pau, maneiro pau e você minha mulher”. Então, é mais ou menos esse improviso que a gente improvisava na brincadeira do coco. Aí, vem várias.
P/1 – Tem mais outra?
R – É, vamos assim, ó (cantando) “No passar da barra eu encontrei, Maria foi ela quem me ensinou a namorar que eu não sabia – aí os outros respondem. No passado” aí, fica, é baseado nisso.
P/1 – Uhum. E seu Aldenor, o senhor tava falando dessa brincadeira que se fazia, do direito...
R – É, lado direito.
P/1 – Lado direito. E na época da adolescência do senhor, os namoros, como eram?
R – Ah, eu vim namorar eu já tinha mais ou menos 16 anos, mais ou menos. As minhas primeiras foram aos 16 anos, porque a gente... Eu conheci a minha esposa e nós ficamos namorando dez anos. É. Naquele tempo a coisa era muito sincera, era muito séria. Hoje é uma brincadeira, honra de mulher hoje não tem mais valor, nem a vida da gente não tem mais valor, nenhum, imagine hoje. Porque antes a honra de uma mulher, de uma moça, era uma coisa muito rigorosa. Era muito mais fácil você matar uma pessoa e ser menos perseguido do que você desonrar uma moça e não casasse com ela. Isso, você tinha que fugir do lugar, ir pra muito longe, para que a família nem soubesse. Porque pra família, aquela pessoa, aquela moça que tinha sido desonrada e o rapaz não casou, ficava como que fosse, assim, um... Ela ia ficar tão, assim... Tipo o valor que ela tinha era sua honra e, não ter, aí ficava tipo desmoralizada. Até no instrutor “o quê que tu quer ser?”, até o pai “a tua filha, cadê?” e tal. Então, isso era uma coisa muito pesada, era muito pesada, era uma coisa muito rigorosa. E, também tinha uma coisa, a inocência era tão grande, a gente tudo com dez anos, oito anos, a gente brincava e quando acabava ia todo mundo tomar banho nu num corrente que tinha ali, parecia que ali não tinha ninguém, todo mundo ali era igual, , tanto homem quanto mulher, os meninos e as meninas. Ninguém nem se olhava um pro outro. Porque eu me lembro que as minhas irmãs mais velhas, quando eu era mais pequeno, a mulher ia nascer os seios quando ela já tinha de 15, 16 anos, é que ia começar a aparecer os seios...
P/1 – A desenvolver...
R – A desenvolver. O quê que acontece? À vista de hoje, você vê uma criança com oito anos, nove anos, já aparece assim, quase, pelos seios, já parece uma mãe de família. E nesse tempo não tinha isso, a gente nem se olhava. A dificuldade, também, de roupa, de muda de roupa, que você também não tinha muita e todo mundo tomava banho nu pra poder vestir a mesma roupa, que se molhasse aquela...
P/1 – Ia ficar sem roupa.
R – Como é que ia chegar em casa? Pra vestir outra, que, às vezes, se tinha outra ali era remendadinha, parecia, assim, um dominó, vários quadrozinhos numa roupa só que, às vezes, você nem sabia qual foi o primeiro pano que ela foi feita. Eram essas as dificuldades que a gente enfrentava.
P/1 – O senhor falou do corrente. Corrente era um rio?
R – É, o corrente é um rio que nós tem até hoje. É um pequeno corrente d’água que é uma coisa permanente. Ela nasce debaixo dessa duna branca que tem aqui, o morro, que nós chama de Morro, aí, os olhos d’água é lá, assim, como que fosse uma panela fervendo. Então, são os olhos d’água que é tanta da água que vira corrente. Esse hoje ainda existe, do mesmo jeito.
P/1 – Seu Aldenor, água, vocês tinham água em casa?
R – É, tinha exatamente essas águas. A gente cavava no pé de um morro desse aí, a água era na flor da terra e a gente ia buscar com lata, naquele tempo ia buscar com umas cuias de pote. Aí, trazia, botava numa jarra em casa, numa jarra de barro e ali coava. Ali era a água que você tinha pra cozinhar e beber.
P/1 – E tomar banho tomava lá, então?
R – É, pra tomar banho, tomava no corrente. E lavar roupa e tudo.
P/1 – Seu Aldenor, a casa de vocês, a casa que do senhor... O senhor nasceu na casa que o senhor cresceu?
R – Sim, foi.
P/1 – E como que era a casa?
R – A casa do meu pai, a nossa casinha, era uma casa até grande, os compartimentos bem grandão, mas só que era coberta de palha, palha de coqueiro. Ela era toda coberta de palha de coqueiro. As paredes eram de barro, o piso também era de barro. Então, a nossa casinha era assim: era coberta de palha, parede de barro e o piso também de barro. Era tanto que quando a gente ia varrer de manhãzinha, que a minha mãe era muito zelosa, tinha que aguar o chão primeiro, com uma aguazinha pra não levantar muita poeira, pra poder varrer a casa.
P/1 – Aham. E vocês dormiam na rede?
R – Dormia todo mundo na rede.
P/1 – Cada qual com a sua rede?
R – Cada qual na sua rede. Sempre era uma redezinha que chamava redezinha de meio, dificilmente a gente comprava uma rede completa. Arrumava umas cabeceiras, que eram os punhos, e botava um fundo, podia ser até de saco de açúcar, ou de saco de farinha de trigo. É que botava o fundo das redes porque aquele fundo, às vezes, se estragava mas as cabeceiras ficava boa e você pegava outro saco, colocava e fazia as redezinhas.
P/1 – Essa cabeceira era o quê? De corda?
R – Não, era de pano mesmo.
P/1 – De pano mesmo?
R – É, os punhos.
P/1 – Ah, os punhos que seguram?
R – É, os punhos que seguram as redes, que a gente corta mais ou menos um palmo, assim, dos punhos pra baixo e aproveita um pedacinho de pano que nós chama as cabeceira, as cabeceiras da rede. Aí, botava um fundo de lona, às vezes, comprava uma lonazinha listrada que tinha, às vezes, era um saco de açúcar, um saco de farinha de trigo...
P/1 –E era sempre de lona ou tinha algodão também, o material?
R – Não, não, esse material era tudo de algodão mesmo.
P/1 – Tudo de algodão.
R – Tudo de algodão, era. Tudo de algodão.
P/1 – E, assim, o senhor ficou nessa casa morando com a família toda até o senhor se casar?
R – Não, eu fiquei nessa casa até os 15 anos. Aí, foi o tempo que eu fui embora para o Mucuripe, pra Fortaleza.
P/1 – Por que o senhor foi embora?
R – Exatamente à procura de uma coisa já bem melhor. Porque o Pecém era um lugar muito atrasado e eu sempre tive uma visão de procurar viver uma vida melhor, sempre eu gostei muito de trabalhar e eu tava vendo que o Pecém aqui não ia me dar muito futuro. Aí, então, eu tive de ir pra lá com 15 anos, mas de vez em quando, quase todo mês, eu vinha aqui visitar meus pais, semana, mês. Eu vinha visitar os meus pais porque...
P/1 – Mas o senhor foi sozinho pro Mucuripe?
R – Fui sozinho.
P/1 – Mas como surgiu essa ideia do senhor ir pra lá, pro Mucuripe?
R – Porque tinha um pessoal que era do Mucuripe que quando ele vinha pescar aqui no Pecém, ele sempre vinha pra minha casa, pra casa do meu pai, ele sempre vinha. E uma dessas vez que eu já tinha essa idade, ele me chamou pra mim: “Rapaz, tu quer ir pescar lá mais nós? Eu te levo”, eu só tinha um ano de pescaria. Aí, eu fui com eles e nessa ida fiquei lá 17 anos.
P/1 – E como que foi ir pra Mucuripe? Quais as lembranças que o senhor tem de Mucuripe?
R – Ah, o Mucuripe lá pra mim foi muito bom que eu tive de, como é que se diz, arrumei uns trabalhos melhor, a pescaria lá era bem melhor, o peixe lá tinha mais valor. Aí, foi que foi chegando o tempo de eu sair das jangadas e, exatamente, ir pra cima dos barcos, barco de pesca. Esses barcos que a gente passava 15, 18, 20, 22, 30, depende da viagem. Aí, foi melhorando, que nem eu lhe falei. Foi quando eu fui começar a trabalhar de carteira assinada, mas pelo dono de uma empresa de pesca.
P/1 – O senhor lembra do primeiro dia que o senhor entrou numa embarcação maior?
R – Eu lembro. Nesse tempo eu tinha mais ou menos 20 anos já, aí eu fui. Não sabia de nada, nunca tinha pisado com os meus pés num convés de uma embarcação maior, motorizada e, assim, pra longe. Mas, pelo trabalho do mar eu me garantia, que eu era um cara muito forte, tinha muita força, muita saúde e tal, aquele negócio. Pelo trabalho eu nem estranhei; eu estranhei pra levar o barco, governar, pegar aqui um timão, uma roda que nós chama roda de leme. Aí, tem uma bússola, pra você botar aqui, naquele rumo, “ó, o rumo é esse”, de zero a 160. Uma bússola formada: “Tá aqui, ó, você tem que levar pra esse rumo”. Daí, eu não sabia aprumar. É que nem uma pessoa quando vai começar a dirigir um carro. (risos) Eu não sabia aprumar e ficava: “Rapaz, tem paciência comigo aí, rapaz, porque eu vou aprender, eu quero aprender”.
P/1 – E quem ensinou o senhor?
R – Os outros próprios companheiros. O resto da tripulação, que nós era oito, a tripulação do barco, aí, eles começaram: “Rapaz, é assim”. Eu fui começando a aprender, fui começando a aprender... Quando eu já tava mais ou menos, vamos supor que era três horas pra dois, quando a viagem era pra longe, pro Acaraú, pro Cambuci. Aí, nós ia viajar a noite toda, aí era três horas pra dois. O que acontece? Eu tinha tanta vontade de aprender que, vamos supor, era nós dois que ia levar, nós chamava de quarto esse quarto de hora, três horas pra nós dois. Eu dizia: “Rapaz, pode ficar na tua que eu vou tirar a minha hora e vou tirar a tua também”, porque era dando uma de bonzinho, mas não era tanto isso, era a vontade que era grande de aprender, aprender a governar igual aos outros ou até melhor. Então, nesse decorrer eu me tornei um dos melhores que trabalhava na tripulação: “Rapaz, esse cara chegou”. É aquilo que eu falei, você tem tanta da vontade, força de vontade de fazer aquilo bem feito, que eu me tornei um dos melhores a governar um barco, aprumar, um barco daqueles, no alto mar, do que até os próprios outros que já tinha muito tempo na embarcação.
P/1 – E, seu Aldenor, tinha uma hierarquia dentro de um barco desses, grande? O senhor falou que tinham oito tripulantes.
R – Era.
P/1 – E o senhor já chegou lá e foi aprendendo a governar, aí?
R – É.
P/1 – E tinha uma hierarquia, aquele que, sei lá, era o capitão ou aquele que queria fazer outra coisa que não tivesse muita responsabilidade, ou iria só pescar?
R – No barco tinha o que nós chamava o mestre. O mestre era responsável por aquele barco e por aquela tripulação, do mesmo é jeito é como o motorista de um ônibus hoje, que ele é responsável por aquele ônibus, por aquele veículo, e pela vida de quem vai ali dentro. Você sabe que é ele quem vai pilotando, era como um mestre de barco, ele era responsável pelo barco e pelos tripulantes que estavam dentro dele. Então, o trabalho dele era, tipo assim, só aquele cargo, de mestre, de fazer o trabalho dele, lá no comando. Tinha um cozinheiro que ia só pra fazer a comida para os outros tripulantes, era o trabalho dele, era fazer a comida para os outros tripulantes. E, no meio dos outros que ficavam, dos outros seis que ficavam, tinha um que ia gelar toda a produção. Então, se essa que era a parte mais difícil, era você ser o responsável pra gelar toda aquela produção e tinha que ter muita responsabilidade porque era ali onde tava toda a produção. Quer dizer, você tinha que gelar muito bem gelado porque nós ia passar 18 dias, 20 dias, para que aquela produção não se estragasse.
P/1 – Vocês tinham máquina de gelo lá?
R – Tinha, não, levava o gelo daqui.
P/1 – Já levava o gelo, então?
R – Levava o gelo daqui, era.
P/1 – E como vocês conservavam o gelo? Dentro do isopor na época?
R – É porque dentro do barco tem o que nós chama frigorífico. Frigorífico, vamos supor que seja um compartimento desses, a gente faz vários, um dois, três. Vamos supor que o tamanho desse compartimento a gente faz aqui, vamos supor, um de um metro e meio, outro de um metro e meio, até chegar e juntar as duas paredes, assim, e faz vários. Então, se você vai colocando dentro daqueles lá, vai secando um de gelo e vai colocando a produção. Aí, vai tirando. E tem outra coisa, tem que tirar de um lado e tem que tirar do outro, que é um corredor com esse trabalho. Por quê? Pra não tirar só de um lado, porque aí o barco empinava. Então, você tinha que controlar o peso do barco, entendeu, para que ele sempre estivesse com o peso igual.
P/1 – Aprumado, então?
R – Aprumado, que era pra não ficar penso. Mais peso de um lado do que do outro. Até nisso, a pessoa que era o responsável pela produção tinha que fazer isso.
P/1 – Então, era um papel de muita responsabilidade?
R – Era, de muita responsabilidade.
P/1 – Quem tava ali cuidando do gelo e do...
R – E da produção.
P/1 – E da produção?
R – É. Já pensou tu pega – naquela época da lagosta – tu pega quatro mil lagosta na produção, que naquele tempo a gente pagava muito mesmo. Quatro mil lagostas, duas toneladas, que é dois mil quilos, uma tonelada e tal – naquele tempo tinha muita lagosta – e você, quando chegasse no seco, toda aquela produção tivesse estragada, vamos supor?
P/1 – Já aconteceu alguma vez?
R – Já aconteceu com alguns novatos que, às vezes, não gelou direito, eles não tinham a noção e, às vezes, até algumas explicações. Porque pra você começar a fazer esse trabalho, você vai ter que ser um ajudante já de um profissional. “Rapaz, quando tu for gelar eu vou te ajudar”, aí você via o que é que ele ia fazendo e aquilo já ficava com você.
P/1 – Ele ia colocando o gelo, vinha o peixe...
R – Era.
P/1 – Aí, ia peixe e gelo, peixe e gelo...
R – Outro gelo...
P/1 – Peixe e gelo?
R – Peixe e gelo, exatamente.
P/1 – Vocês faziam umas camadas, então?
R – No caso da lagosta: “Quantos dia nós vai passar?” “Quinze dias” aí, começou a pescar lagosta. Você deixava mais ou menos, o quê? Trinta centímetros de gelo no fundo, que nós chama de camada, uma camada de gelo bem grossa, que é 30 centímetros de gelo e você começava a botar a lagosta. Aí, fazia uma camada de lagosta e outra camada de gelo e ficava até encher. Quando enchia, você ia botar em outro canto. Como a gente ia passar, vamos supor, 20 dias, quando fosse com dez dias, toda aquela que nós chamava de urna, toda aquela urna que eu tinha gelado...
P/1 – Antes, no início?
R – No início. Eu tinha que tombar, o que é o tombar? Virar as de baixo pra cima e as de cima pra baixo. Tinha que fazer tudo aquilo porque aquela primeira camada de baixo, o gelo já tinha... Não dava pra 20 dias. Todo aquele trabalho era pra menos, dez dias, 12 dias, você tinha que fazer isso pra gelar e pra poder tirar o restante da viagem.
P/1 – Trabalho pesado, então?
R – Trabalho pesado. Era tanto que ele tinha até uma porcentagem mais do que os outros.
P/1 – E o senhor fazia o quê? O senhor trabalhava, então, na pesca? O senhor pescava, então?
R – É, eu pescava. Porque eles botavam umas gaiolas, que chama manzuá, e a gente tinha o trabalho de puxar, era um trabalho pesado e arriscado, sabe? A gente pescava e quando era tarde, terminava de pescar, a gente descabeçava e ia o trabalho de gelar. A gente trabalhava pescando, naquele movimento. Esse trabalho era como que fosse um trabalho extra. Todo mundo ia tomar banho, ia jantar, ia se deitar após o trabalho, e vamos supor, eu descia para o frigorífico e ia gelar toda aquela produção.
P/1 – O senhor trabalhou também na produção do gelo, ali?
R – É, eu cheguei a pescar até de mestre. Eu fui subindo de cargo, fui subindo, fui subindo, até chegar à posição que pesquei de mestre, vários anos.
P/1 – Seu Aldenor, vocês pescavam lagosta e que mais?
R – Lagosta e peixe.
P/1 – Que tipo de peixe?
R – Peixe mais era pargo, gaiúba, o serigado.
P/1 – Por que eles valiam mais?
R – É porque valia mais. Porque pro tamanho da despesa que você levava, só interessava os peixes maiores. Peixe pequeno você enchia o barco e, normalmente, não tirava a despesa que você levava. Então, você tinha que procurar peixe com mais valores.
P/1 – Ah. E, assim, como que era a rotina quando vocês saíam pra pescar os 20 dias, assim? Tinha um horário pra pescar lagosta, por exemplo?
R – Não, cinco horas da manhã já tava todo mundo...
P/1 – Vocês jogavam essas... Como que se chama?
R – As gaiolas. Os manzuá. Essas ficavam no fundo do mar, noite e dia.
P/1 – Noite e dia ficava lá?
R – É, mas todo dia você puxava, tirava a produção e arriava de novo.
P/1 – Mas tinha um ponto onde que vocês sabiam que lá era bom pra pescar lagosta?
R – É, porque nós caçava o cascalho. Pra lagosta, sempre a gente caçava a parte de cascalho, porque a parte do cascalho, você... Eu, até lá no SESC, o pessoal ficou duvidando como porque é que eu sabia que ali era cascalho, ou se era pedra no fundo do mar, ou se era areia, ou se era lama. A gente usa uma chumbada grande...
P/1 – O quê que é a chumbada?
R – Uma chumbada é um pedaço de chumbo, grande, dois quilos, mais ou menos. Aí, você faz um buraco no fundo aqui ó, da chumbada. Aí, você enche de sabão, molha aqui o sabão, enche de sabão aí, arria numa linha. Quando ela chega em baixo, no fundo do mar, aí você dá as batidas. O que for embaixo vem no fundo do sabão. Se for pedra, não vem a pedra, que normalmente não arranca a pedra, mas vem a marca no sabão. Se for cascalho, vem algum pedaço do cascalho; e se for areia, vem areia pregada no fundo do sabão, é como que fosse lama. O cara: “Ah, agora que eu tá sabendo mais ou menos o porquê que você sabe”. Eu digo “É”...
P/1 – E lagosta vocês encontravam quando tinha cascalho, então?
R – Cascalho, normalmente é no cascalho. Porque no mar, nem todo canto tem peixe. Porque na areia, onde é areia, no mar, que tem muitos cantos que tem, não mora peixe que preste pra gente comer. É, peixe morador, do fundo do mar. Porque o peixe que é bom mesm, onde dá mesmo é aonde tem pedra, sempre que ali é uma pescaria, onde tem pedra, muita rocha embaixo e, aí, o peixe mora ali. E ali é o local que você procura pra pescar.
P/1 – E quantos metros de profundidade, mais ou menos?
R – Por que varia muito. Porque o mar tem vários tipos, assim, de profundidade. Às vezes, nós estamos aqui numa posição, vamos supor, que aqui tem 20 metros. Aí, tu anda, anda, anda, entra de mar adentro, quando chega lá na frente tu encontra 15, 18. Quer dizer, ali era tipo um buraco que você passou e tinha essa profundidade. E, daí por diante, é assim, tem várias profundidades. Mas, aonde dá até condições de tu pescar de linha mesmo, a maior profundidade que dá, é aproximadamente 120 metros. O pargo, vamos supor, pargo. Pargo é o que nós chama “o último peixe”. Porque da onde o pargo mora pra dentro, aqui, difícil ter, não tem mais peixe, porque não dá mais condições de tu pescar, porque fica muito fundo. É como se fosse que nós chama beiço da parede, na nossa linguagem de pescador. Na nossa linguagem é o beiço da parede, porque tu tá aqui, até aqui tu tá pescando. A maré vai vazando e vai levando tudo pra dentro dessa barreira. Aí, aqui já não dá mais condições de tu pescar, você vai esperar que a maré comece a vazar, que nós chama aqui, maré enchendo e maré secando. Que a maré vá secando de novo pra te trazer daqui, pra te colocar aqui nessa mesma condição. Porque a âncora fica lá no canto, parada, mas a maré te faz isso contigo como que fosse assim, ó, faz isso a maré vazando; faz isso a maré parada, e faz isso a maré enchendo. Então, se o barco em cima acompanha o movimento da maré, o tombamento da maré...
P/1 – E, a partir da maré vocês veem onde que é bom pra pescar também?
R – É, exatamente, porque aqui eu encontrei peixe. Mas, como a gente chama assim, isso aqui é uma pescaria, eu peguei uma quantidade de peixe com essa maré. Aí a maré me tirou de cima, então, assim, o peixe era bom, tinha muito peixe, aí eu vou esperar que a maré me traga de novo praquele local. A âncora, sem a âncora poder sair de lá, porque se a âncora sair, nós já sai à deriva, que não dá mais pra pescar, porque nós saímos de cima. Mas se a âncora não sair é claro que a maré vai voltar e vai me botar no mesmo canto de onde eu peguei, deixa até completar a pescaria pra gente vir embora.
P/1 – E, seu Aldenor, naquela época como que vocês faziam pra encontrar esses lugares? Porque o senhor falou que tinha bússola.
R – É.
P/1 – Vocês utilizavam algum mapa, ou alguém sabia, assim, o tempo, sei lá, duas horas indo direto, tal ponto, a gente vai chegar num lugar bom pra pescar? Como que funcionava esse sentido de localização dentro do mar?
R – Era o seguinte, a bússola, a gente tirava somente pra fazer rumo, a bússola era mais pra fazer rumo e a localização, aquilo que eu lhe falei...
P/1 – Era só com a chumbada...
R – Era só com a chumbada, com esse sabão, utilizando pra saber o quê que era no fundo do mar, se era areia, pedra, cascalho.
P/1 – Mas a partir de qual momento vocês falavam: “Não, aqui a gente tem que testar pra ver se é bom pra pescar”? Era a partir de duas horas de navegação, três horas, quatro horas?
R – Não, no nosso caso é uma noite, é um dia. Eu arrio hoje, aí eu não puxo mais hoje, eu só vou puxar amanhã. De acordo com a produção que vier, entendeu, é que eu vou saber se eu fico naquele canto, se dá pra mim ficar, ou não. Se não der, eu já boto tudo em cima e vou procurar um outro lugar.
P/1 – Aí, tanto faz se era pra frente, mais alto-mar ou do lado?
R – Ou mais pra baixo. Sempre é assim, sempre é mudando de local, mais pra dentro, mais pra fora, mais pra cima, mais pra baixo... Sempre é isso.
P/1 – E, seu Aldenor, quando o senhor tava com esse barco ali, quando o senhor tava começando, já com a carteira assinada, vocês utilizavam a gaiola e também pescavam com...
R – De linha também pescava, é.
P/1 – De linha também?
R – É porque nós pescava de linha pra ficar com o peixe pra nós. Esse peixe que nós pescava de linha, nós pescava era pra nós. Não podia pegar era muito porque não podia gastar muito gelo, tinha que pegar só o suficiente pra trazer peixe...
P/1 – Pra família.
R – Pra família.
P/1 – Vocês chegavam a vender um pouquinho também?
R – Vendia também. A gente trazia até uma certa quantidade, porque, vamos supor, se chama alegria do pescador. Na minha época, não sei se os outros de hoje chamam assim. Alegria de pescador é quando você já tá com 18, 20, 25 dias no mar, no meu caso, que exatamente o rapaz que é o responsável pela produção, do gelar, que dizia: “Rapaz, nós vamos embora amanhã porque o gelo que tem só dá pra gelar a produção de amanhã” e, dependendo de onde você tá, o gelo pra viagem. Aí, naquele dia você sabia que já ia, ia embora amanhã, naquele dia era uma festa: “Ei rapaz, nós vamos embora amanhã”. Aí, nessa noite, se tivesse peixe, aí você pescava bastante, porque você vinha embora no outro dia, não ia gastar gelo, você botava só na frieza do frigorífico, entendeu?
P/1 – Que ali conservava.
R – E ali conservava. Você podia pegar bastante, era exatamente como você falou, dava pra trazer pra família e ainda dava pra vender um pouquinho.
P/1 – E, seu Aldenor, a rotina era pesada, então? Vocês dormiam pouco?
R – A gente dormia pouco, é. A gente dormia pouco.
P/1 – Descreve pra gente como era a rotina, assim, de um dia do senhor em alto mar.
R – Rapaz, a gente começava, tinha dia de você começar, como eu te falei, cinco horas da manhã, aí ficava naquela rotina. Normalmente a gente terminava, se fosse num canto que você fosse ficar naquele mesmo canto, você terminava três horas da tarde, quatro horas. Quando era pra mudar pra outro canto, aí a gente entrava até sete hora da noite, oito horas, que tinha que arriar tudo de novo. Tinha que botar em cima...
P/1 – Aham. Tirar o gelo?
R – É, mudar de lugar e arriar em outro canto.
P/1 – E, seu Aldenor, descrevendo a rotina, o senhor acorda às cinco horas e tomava café lá?
R – Tomava café.
P/1 – E tinha café?
R – Era.
P/1 – O quê que vocês comiam de manhã?
R – É, de manhã era bolacha, o que a gente levava muito era bolacha. Levava pão, aqueles pão empacotado, mas era pra poucos dias, com medo de que mofasse. Mais era bolacha, era... Como é que é? Essas bolachas cream cracker. Vinha tudo encaixotado.
P/1 – Mas naquela época já existia, quando o senhor tinha 20 anos?
R – Tinha.
P/1 – Já tinha?
R – Já, a fábrica Fortaleza é muito antiga. A gente comprava muito esse produto dele e levava pra lá e a gente ficava.
P/1 – Vocês tomavam café também?
R – Café.
P/1 – Café preto?
R – É, café preto, com leite. O problema da alimentação era bastante. A gente levava muito alimento pro mar e o problema de alimento não tinha problema, porque a gente levava bastante mesmo, que dava pra viagem toda e, às vezes, ainda sobrava.
P/1 – Ah. E depois, aí, vocês começavam a trabalhar. Trabalhavam e vocês almoçavam? Paravam pra almoçar?
R – Era, pra almoçar, pra merendar.
P/1 – Que horas que era mais ou menos?
R – Nove horas a gente tinha merenda. O cozinheiro fazia lá aquela merenda.
P/1 – E o quê que era a merenda que vocês comiam geralmente?
R – A merenda, às vezes, a gente fazia um mingau de leite. O leite que nós levava era tudo condensado, esse Leite Moça, era leite...
P/1 – Naquela época vocês já levavam Leite Moça?
R – Era, levava, era. Às vezes, era peixe frito, o cozinheiro fritava muito peixe e ia pra bora. Aí, fazia com suco, fazia um suco e comia com peixe frito.
P/1 – E esse suco era como? Aquele de pacotinho? Ou suco mesmo natural?
R – Não, suco de pacotinho mesmo. É, suco de pacote. Tirava gelo, fazia no gelo ali mesmo, gelado, já tomava. Às vezes era peixe... O almoço a gente sempre variava, porque a gente levava peixe, levava muita carne, tanto carne verde que nós chamava, que era a carne fresca, e aquela carne de charque...
P/1 – Carne salgada.
R – É, exatamente, carne de charque. A gente levava pra botar dentro do feijão, pra temperar o feijão, levava 20 quilos, um fardo, era 20 quilos, a gente levava bastante isso aí. Comida, a gente levava um saco de açúcar, um saco de arroz, um saco de farinha, levava meio saco de feijão, que a gente gastava menos, e era assim. Era o suficiente pra gente tirar uma viagem de 22 dias, 25 dias.
P/1 – E, depois, o jantar era?
R – O jantar variava. A gente não queria nem... Carne ninguém queria, que almoçou carne: “Rapaz, a gente vai querer peixe”. Peixe cozido ou peixe frito. Aí inventava assim: “Não, rapaz, faz aí só um mingau, umas bruaca, que nós chama... Você não sabe o que é bruaca não.
P/1 – Não. O que é bruaca?
R – Bruaca é a massa do trigo, a gente desmancha a massa do trigo e faz um mingau bem grosso e bota numa frigideira e deixa assando, que nem faz uma tapioca. É como que fosse uma tapioca, mas a gente chamava bruaca, era da massa do trigo, no óleo, aí botava um leitezinho condensado, uma açucarzinha e fazia tipo uns bolozinho, um tipo de bolo diferente, nós chamava bruaca.
P/1 – E farinha, vocês não comiam farinha? Ou farofa?
R – Não, comia farinha direto.
P/1 – Tapioca também faziam?
R – Não, tapioca, não.
P/1 – Não. Por quê?
R – Não, nós não levava goma.
P/1 – Vocês não levavam goma?
R – Levava não. Goma não, nós levava só os outros. Aí, levava muita verdura, coisa assim de... Muita verdura, a gente levava muita verdura e muito óleo, pra comer peixe frito. Naquele tempo ninguém se incomodava com colesterol, podia comer óleo à vontade, gordura à vontade, ninguém se preocupava com isso que ninguém nem sabia se existia.
P/1 – E, seu Aldenor e pra tomar banho? Vocês tomavam no mar mesmo ou tinha água doce?
R – É o seguinte, o banho era assim, no começo da viagem, a gente tomava banho no mar depois do trabalho, tomava banho no balde, aqui, tudo, pegava água...
P/1 – Ah, vocês pegavam a água...
R – A água do mar.
P/1 – Não é que vocês mergulhavam?
R – Não, às vezes, a gente mergulhava, mas era ali pertinho. Aí, tomava banho de balde e, aí, depois, a gente pegava uma leiterinha, assim, uns dois litros d’água, só pra botar na cabeça pra tirar aquele...
P/1 – Tirar o sal?
R – Tirar o sal, só isso. No começo, que a gente não sabia quantos dias ia passar. Aí, quando a gente já tava pros derradeiros dias, que a gente sabia que a água dava o suficiente, aí a gente ganhava até um baldezinho d’água desses de cinco litros, já dava pra gente tomar um banhozinho, já dava pra ensaboar com sabonetezinho, já dava pra fazer isso (risos).
P/1 – E, seu Aldenor, e banheiro como vocês faziam?
R – Não, o banheiro não tinha banheiro.
P/1 – Vocês faziam tudo no mar, então?
R – Tudo mar, era. Banheiro não tinha. Esses últimos barcos agora, que é mais modernos, esses já têm o banheiro mas esses de quando eu comecei não tinha banheiro.
P/1 – Mas, aí, como vocês faziam? Por exemplo, fazer xixi tudo bem. Mas pra fazer outra coisa, como vocês faziam? Tinha assento?
R – Tinha, a gente se sentava na borda do barco. Na borda do barco aqui você se sentava...
P/1 – E ali fazia?
R – E fazia, é. Era assim.
P/1 – E, seu Aldenor, o senhor ficou quanto tempo trabalhando nesse barco? Ou o senhor mudava de barco também?
R – Eu tive de mudar de vários barcos.
P/1 – E quando o senhor mudava de barco, mudava de patrão, também?
R – A gente recebia os direitos trabalhistas, como eu te falei, todos os direitos trabalhistas. Ia na Capitania dos Portos, dava baixa naquela carteira e já embarcava em outro barco. Porque a Capitania só desembarcava a gente quando dizia “tô desembarcando desse barco”, o patrão já levando os papéis que vinham do sindicato, com os direitos trabalhistas, as contas. Aí, tinha o FGTS, que a gente chamava Fundo de Garantia, a gente tinha esse Fundo de Garantia, a gente recebia o PIS.
P/1 – E, seu Aldenor, como que era o pagamento de vocês? Era por mês ou vocês tinham algum percentual dessa pesca que vocês faziam?
R – Nós tinha, que nem eu lhe falei, o salário, na carteira e tinha uma produção também, ganhava também uma porcentagem da produção. E quanto mais produzia mais o... Como é que se diz?
P/1 – Mais vocês ganhavam?
R – A taxa da produção era maior.
P/1 – E dava pra viver com o que o senhor ganhava?
R – Rapaz, dava. Não era a vida que a gente tem hoje que, Graças a Deus, a vida hoje mudou tudo pra melhor. Se a coisa mudou, mudou tudo pra melhor. Mas eu tive que comprar uma casinha, que eu não tinha casa. Antes de eu me casar, nós compramos a nossa casinha, compramos as nossas coisinhas pra botar dentro de casa. E, aí, começou e dava mais ou menos pra isso. Pescando de jangada não dava pra fazer isso.
P/1 – E, seu Aldenor, o senhor foi pro Mucuripe?
R – Aham.
P/1 – O senhor foi morar com quem?
R – Exatamente na casa daquele rapaz que eu te mostrei na foto. Só na casa dele eu morei oito anos.
P/1 – Daquele que casou, então?
R – Naquele que casou.
P/1 – E como que era? O senhor morava na casa da família dele ou ele morava sozinho?
R – Não, eu morava na casa da família dele, com o pai dele, com a mãe dele.
P/1 – Tinha os irmãos também?
R – Morava eu e um outro companheiro meu também, nós fomos juntos quando nós fomos. Nós morava nós dois na casa dele, passemos oito anos lá.
P/1 – E o senhor ajudava também lá?
R – Ajudava. Quando a gente chegava eu trazia peixe e ajudava sempre na despesa. Com quem lavava minha roupa, essas coisas assim, a gente sempre ajudava.
P/1 – E, seu Aldenor, já ouve algum momento, quando o senhor tava lá nesse período com a carteira assinada, com os barcos, de algum acidente? Vocês já pegaram algum tipo de tempestade, de problema em alto-mar?
R – Eu já peguei algum tipo de problema no mar, quando o vento tá muito forte. Porque o coração do mar é o vento: quando o vento tá calmo, você vê tudo calmo, tudo beleza. Ah, que vida boa, viagem boa, tudo boa. Mas quando o vento tá bem forte, temporal, o mar fica muito agitado. E é nesse momento onde tá o perigo, que uma embarcação pode virar, pode abrir uma água muito grande. Aí, quando era mais ou menos assim, o que a gente podia fazer era parar tudo e ancorar, pra deixar...
P/1 – Firme.
R – Pra deixar firme e deixar aquela tempestade passar, que era pra poder dar condições de trabalho, que, às vezes, não dava. Aí, você tinha que parar pra poder, como é que se diz, até como garantia da sua própria vida. Se você continuasse trabalhando com toda aquela loucura, com aquele vento muito forte, você podia ter um naufrágio, não é isso mesmo?
P/1 – Já aconteceu? O senhor já passou por isso?
R – Não, eu nunca passei por isso, não, mas já vi companheiros meus que já morreram no mar, exatamente por causa disso, por causa de vento muito forte e a embarcação uma vez não resistiu, afundava.
P/1 – O senhor tem alguma lembrança, assim, de um perigo que o senhor afundava e que o senhor falou: “Eita, agora...”?
R – Eu já passei um num mergulho que eu dei.
P/1 – Ah, é? Conta pra gente como é que foi.
R – Eu era muito danado, eu era meio que um peixe no mar. Eu era aquele cara muito disposto e nunca dei uma onda de fraqueza, nem de moleza, nunca fui aquela pessoa que me poupava em trabalho. Como até hoje, eu não me poupo em trabalho. Aí, a gente vinha puxando, exatamente, a fila, que era 20 manzuá, que é como se fosse umas gaiolas de pegar lagosta, e, às vezes, acontecia de uma corda vir falhada. E, às vezes, quando ia chegando aqui, que ia ficando tudo dependurado, tudo pesado, a corda rompia, quebrava.
P/1 – Aí perdia?
R – Aí o troço começava a descer aquele... Aí, eu pagava aqui um negócio que chama agaraté, era um gancho, um troço de três gancho assim, aí eu pulava com ele na mão, tirava só o chapéu aqui da cabeça, as luvas na mão...
P/1 – Já mergulhava.
R – Aí, eu mergulhava e saía. Chegava na ponta da corda, onde quebrava lá, aí enganchava, dava nó, pra depois, pra não ver ir embora. Aí, subia: “Pode puxar que tá amarrado”. E eu sempre continuava fazendo aquilo. Uma certa vez, eu vesti uma roupa muito grossa, era uma roupa de, eu não sei se era do Exército, ou se era da Polícia, que usava umas roupona de cáqui, uma roupona grossa que tinha, que tinha dois bolso aqui e tinha dois bolso aqui. Mas, esse soldado lá parece que era muito mais forte que eu, que ficou muito frouxona aquela roupa...
P/1 – E onde que o senhor arrumou essa roupa?
R – É que ele, o Galinho dava e eu usava. Porque na posição que eu trabalhava caía muitas coisas no meu braço, do fundo do mar, da gaiola, a isca que a gente botava e eu gostava sempre de usar manga comprida exatamente pra...
P/1 – Pra se proteger.
R – Se proteger. Aí, eu peguei uma corda e amarrei, assim, na cintura, que ficou muito frouxona. Aí, aconteceu aquilo, que a corda quebrou...
P/1 – E a gaiola tava descendo.
R – E a gaiola tava descendo. Aí, eu fui fazer o trabalho que eu tinha quase costume de fazer de rotina. Mas, nem nunca percebi que eu tava com outra roupa, uma roupa completamente diferente da que eu fazia isso. Aí, eu pulei, aí fui, tive dificuldade de amarrar, mas até consegui amarrar. Quando eu fui voltar, aí os bolso aqui encheu d’água, os bolso aqui encheu d’água e onde eu tinha botado a corda, aqui, na cintura, encheu tudo d’água. Rapaz, aí lá vem eu, lá vem eu com muita dificuldade e não queria parar pra tentar tirar a corda daqui que eu ia perder tempo. E o fôlego já tava faltando. Aí, eu comecei a pensar comigo mesmo embaixo da água. Eu digo: “Rapaz, como é que pode, eu, um cara tão novo, acostumado no mar, morrer por uma coisa que o meu patrão lá no seco nem sabe que eu tô fazendo isso pra não dar um prejuízo a ele, rapaz”, entendeu como é que é? “Que ele nem sabe, que é tipo uma coisa que acontece, se eu morrer, um cara tão novo, só por causa disso, rapaz?”. Aí, tinha um rapaz que pescava mais eu, ele sempre foi um cara muito ativo também. Aí, a outra ponta da corda que ficava, ele sempre ajuntava assim, na mão, e ficava esperando que eu chegasse em cima, e ele jogava a corda pra mim pegar. Que, às vezes, o barco, na velocidade que ele ia, ficava meio distante e ele jogava a corda, eu pegava e puxava. Aí, ele viu que eu tava com dificuldade. Você acredita que eu comecei a faltar, já, como fosse um motor, já queimando a reserva mesmo. Quando eu cheguei bem pertinho d’água eu digo: “Ô rapaz, eu vou morrer, não tem jeito, não. Como é que pode, rapaz, eu, um cara tão novo, morrer de graça? Eu tô morrendo aqui de graça”. Aí, foi quase perdendo já o sentido. Eu sei que quando eu cheguei em cima, é que nem eu digo, ó, aí eu quase me apaguei, fiquei meio até a reserva mesmo. Ainda botei os braços, assim, de fora. Rapaz, acho que foi, quando Deus não quer é assim, quem Deus não mata, não morre. Aí, o rapaz rebolou a corda e você acredita que foi mesmo em dentro dos meus braços? Aí, eu só fiz pegar e ele me puxou. Aí, eu fiquei, eu vinha morto mesmo, eles me puxaram até me ajudaram a subir no barco, nem ânimo de subir no barco eu não tinha mais. Fiquei assim pensando e disse “rapaz”, ele começou a reclamar comigo, o companheiro lá: “Como é que tu vai morrer de graça por causa de uma fila véia de manzuá dessa, macho? Isso aí não é meu e não é teu, o patrão não tá nem sabendo que tu tava fazendo isso, mano. Ainda mais com essa roupa aí. Ó como é que tá, tudo cheia d’água aí”. Aí, eu pensei muito, e nesse dia eu não comi, não quis comer nada. Não quis comer nada, muito pensativo, muito triste, continuei a fazer o trabalho, mas um trabalho muito triste. Eu muito triste mesmo. Aí, quando foi de tarde, que a gente terminou o trabalho, terminou tudo, eu sempre ficava separado sozinho, assim, aí chorei muito. Foi tipo, assim, um desabafo, chorei bastante porque era o que eu tava precisando naquele momento. Pensando como é que eu ia morrer daquele jeito, tão facilmente, entendeu? Aí, eu disse: “É, mas tá bom, tem nada, não. Eu vou pedir pra Deus pra que isso nunca mais no mundo acontece comigo. A partir de hoje, isso não acontece mais”. Aí, foi assim, o maior perigo que eu passei foi exatamente esse, eu ia morrendo nessa situação. Não era um acidente, uma coisa assim perigosa, não foi nada disso. Foi apenas isso, que uma coisa que eu tinha costume de fazer e, numa dessas vezes, por causa de uma roupa, eu ia me afogando.
P/1 – E, seu Aldenor, o senhor pulou outras vezes?
R – Pulei mais, não. Não pulei mais. A corda quebrava, “puf”, quebrava, aí eu pegava exatamente esse garatéia que tem esses ganchos, eu pegava e jogava, tentando enganchar. Se enganchasse, tudo bem. Mas, se não enganchasse, pular...
P/1 – Tchau.
R – Não pulei mais, de jeito nenhum (risos).
P/1 – Tá certo. E, seu Aldenor, quem eram os patrões?
R – Os patrões. O meu primeiro patrão chamava Mário Wilson Costa, ainda ele tinha o nome de Mário Bié, os irmãos que ele adotou, o chefe dos médicos de Fortaleza, o meu primeiro patrão. Depois, eu trabalhei numa firma chamada Norte Sul. Aí, eu não sei nem quem era os patrão, que trabalhava na firma. Depois, eu saí dessa firma e fui trabalhar numa firma chamada Amazônica, noutro emprego chamada Amazônica, outra empresa chamada Amazônica, o dono da empresa era o... Fugiu agora.
P/1 – Não tem problema não lembrar.
R – É, mas eu me lembro. O dono da Amazônica era Afonso Fontes, era o dono da empresa que eu trabalhava, a última empresa, de quem eu fiz o último embarque. Tava com dois meses de férias, no período do defeso da lagosta, era dois meses que a gente passava sem pescar.
P/1 – Quais são esses meses que não se pesca lagosta?
R – Era janeiro e fevereiro. Agora, tá levando janeiro, fevereiro, março e abril. Agora é quatro meses, cinco, que fica no período do defeso. E nesse tempo que eu tava, como é que se diz, parado esses dois meses, a minha família morava aqui, eu chamei a mulher pra nós vir pro Pecém. Eu trouxe uma redezinha, umas caçoeira que nós chama de galão, é em galho. Cheguei aqui e comecei a pescar, mas era tanto do peixe, era tanto do peixe e camarão, peixe e camarão. Que aí eu olhava para o dinheiro que eu fazia aqui, que na época, que já tava bem melhor de quando eu tinha saído, entendeu? Era bem melhor, tava bem melhor. Aí, eu ficava: “Puxa, rapaz, eu acho que o dinheiro que eu ganho em um mês lá, aqui eu tô tirando em uma semana”.
P/1 – E tirando como? O senhor vendia o peixe, então?
R – Vendia o peixe...
P/1 – Que o senhor pegava aqui, em Pecém?
R – No Pecém. Aí, já tinha mais vendas, o dinheiro tava mais fácil. Eu pegava muito camarão que tinha um valor maior.
P/1 – E o senhor vendia pra quem?
R – Pros consumidores mesmo.
P/1 – Diretamente pro consumidor.
R – Era. Os camarão, às vezes, eu juntava e ia vender no Mucuri, botava numa caixinha de isopor e ia vender no Mucuri. Aí, eu olhava e digo: “Rapaz, eu não vou voltar agora a pescar, não”. Aí foi o que eu fiz, combinei com a minha mulher, minha mulher não queria de jeito nenhum, rapaz, ela achou muito ruim. Aí, eu fiquei, fui na firma dizer que não ia mais. Ele disse: “Rapaz, mas você vai sair?”. Eu digo: “Vou, pra ficar no Pecém” “Mas do Pecém tu já veio” “Não, mas o Pecém agora tá diferente, tá bem diferente. Aí, não vou, não” “Você vai sair?” “Vou, só tô aqui, não tô aqui pra exigir nada, se os senhores quiser” – eu dizendo para o patrão, o seu Afonso – “se o senhor quiser me dar alguma coisa pelo tempo que eu tô aqui, eu recebo; se o senhor não quiser me dar, eu também to satisfeito. Eu só quero, assim, se eu não me der bem, eu gostaria de chegar na sua empresa de novo e gostaria que o senhor me desse um embarque nas suas embarcações”. Ele disse: “Não, rapaz, por isso não”. E pela minha sinceridade que eu tive para com o patrão, que eu nunca fui homem de greve, sou contra a greve de todo jeito, ele mandou que me dessem os meus direitos. Aí, eu fui.
P/1 – E o senhor tinha trabalhado quanto tempo lá?
R – Eu já tava com dois... De todo ano nós trabalhava, era um ano. A gente desembarcava pra passar esse período, do defeso e, depois, voltava de novo e nisso eu já tava no terceiro ano, já.
P/1 – E no período do defeso o senhor não trabalhava e não recebia?
R – Também não recebia.
P/1 – O que o senhor fazia?
R – A gente se virava...
P/1 – Vinha pra cá?
R – É, vinha pescar, não recebia. Aí, é que eu fui fazer isso. Depois de um ano achei que era mais vantagem e fiquei. Aí, pronto, fiquei por aqui e tô até hoje.
P/1 – E, seu Aldenor, a gente vai voltar um pouquinho pro senhor contar como o senhor conheceu a esposa do senhor.
R – Eu conheci aqui a minha esposa, eu trabalhava exatamente aqui no lagosta, como eu te falei, quando eu tinha dez anos, acho que mais novo ainda, quando eu tinha essa idade eu comecei a trabalhar aí. Ela veio pra cá junto com a irmã dela, que Deus já levou, e o marido da irmã dela, que Deus já levou também. E, aí, nós morava ali pertinho um do outro, nós morava vizinho, nessa mesma rua aqui, nós morava ali vizinho.
P/1 – Aqui, no Pecém?
R – Aqui no Pecém.
P/1 – Então foi antes do senhor ir pro Mucuripe?
R – Antes de eu ir pro Mucuripe. Aí, nós se conhecia aqui, brincava muito, a gente...
P/1 – Brincava de coco?
R – É.
P/1 – Ela brincava de coco também?
R – Não, não, não brincava, não. Aí, a gente foi convivendo, foi convivendo, a gente era muito amigo um do outro, ia até junto pras brincadeiras, pra algumas festas, eu não dançava ainda mais a gente já ia. Aí, a gente teve uma convivência tão bonita no início que a gente era como que fosse já um casal de namorados, entendeu? E a gente convivia e a nossa convivência sempre foi assim, muito chegada. Aí, foi o tempo, ela foi embora, eu fiquei por aqui e depois eu fui. E lá a gente encontrou novamente, que eu sabia aonde ela ia morar.
P/1 – Ela foi pra onde? Pra Fortaleza?
R – Pra Fortaleza, que a mãe dela morava em Fortaleza. Ela morava aqui só na casa da irmã dela. Aí, foi o tempo que a irmã dela faleceu aqui, na época, de parto, aí, ela foi embora. Foi o tempo que a gente se encontrou-se lá e ficamos convivendo do mesmo jeito e essa convivência aturou dez anos. Aturou dez anos, a gente sempre esteve juntos, sempre muito amigos e com muito respeito um com o outro, aí, a gente chegou a casar.
P/1 – O senhor lembra do dia que o senhor falou assim... Quem tomou a iniciativa do casamento? Foi o senhor?
R – É, mas eu disse: “Rapaz, nós vamos ter que casar”, mas antes de eu casar eu sempre tive aquele negócio, aquela pessoa que... Aí, quando eu comecei a trabalhar embarcado, como eu falei, aí ela quem já recebia o meu salário, eu digo: “Ó, você passa a receber pra comprar as coisas que nós vamos precisar”.
P/1 – Então, vocês chegaram a morar juntos, então?
R – Não, não, sempre moramos separados, mas ela recebia o dinheiro e ia comprando uma panelinha aqui, um prato acolá, um bancozinho acolá...
P/1 – Já ficava montando o enxoval, então, da casa?
R – Aí, já vai as coisas de casa. Quando nós compramos tudo isso, aí já tava com dois anos só se arrumando pra comprar isso: “Agora nós vamos juntar um dinheirinho pra nós comprar nossa casa”. Aí, foi o caso, ainda levou mais outro ano pra a gente comprar a casa. Quando nós compramos a casa: “Agora nós vamos casar”. Aí, foi que nós fomos ao cartório, em Fortaleza, aí foi que nós casamos. Quando nós saímos do cartório já fomos pra dentro da nossa casa, era uma casinha pequenininha, mas que era nossa, é.
P/1 – E como que foi esse dia (risos)?
R – Ah, aí foi toda a felicidade do mundo (risos). Pois é.
P/1 – E o senhor, assim, depois vocês chegaram a casar na igreja ou não?
R – Não, não, só mesmo no civil, só no cartório.
P/1 – E os filhos, seu Aldenor?
R – Os filhos nasceu dois filhos lá, meu filho mais velho, que morreu, aquele do retrato, e a minha filha mais velha, ela não tá aqui.
P/1 – Qual o nome dele?
R – O nome dele é Aldenildo.
P/1 – O Aldenildo?
R – O Aldenildo, é.
P/1 – Foi o primeiro filho. Depois?
R – Foi o primeiro filho. Depois, foi Aldenisa.
P/1 – Aldenisa. E depois?
R – Esses foi os dois que nasceram em Fortaleza. Quando eu vim pra cá, o Aldenildo tinha três anos e a Aldenisa tinha dois meses de nascida. Aí, essas outras já nasceram aqui.
P/1 –E quando o senhor voltou, que o senhor tava falando do período do intervalo da lagosta, que o senhor decidiu ficar aqui, no Pecém. Como que a esposa do senhor, a dona Rita?
R – É.
P/1 – Ela recebeu essa notícia?
R – Ela sofreu muito com isso. Ela sofreu bastante com isso, porque ela nunca pensou de vir pra cá pra ficar, sabe? Aí, eu tive essa iniciativa. No começo foi muito difícil, pra ela foi muito difícil.
P/1 – E como vocês fizeram? Vocês compraram uma casa aqui, então?
R – Não, isso aqui foi tipo um terreno apossado, a gente lutou muito por isso aqui. Porque naquele tempo ninguém era quase dono de nada aqui, entendeu? A gente pedia ao pessoal, que nem ao seu Luís Ferreira, que era dono de todas essas terras, a gente pedia um cantinho pra fazer uma casa e ele nos dava, cedia, aquele cantinho, ninguém num comprava.
P/1 – E era aqui, então, essa casa?
R – Aí, essa casa. Isso aqui, por incrível que pareça, isso aqui é a maré, entrava ali por trás, entrava aqui, ó. Isso aqui era uma lagoa só, o mar quando enchia, a maré grande. Entrava água aqui, ia até em cima, quando a maré secava, voltava de novo.
P/1 – Então, a maré chegava até aqui, antes?!
R – É, não assim, ela entrava pelo rio que tem ali...
P/1 – Ah, tá.
R – E o rio enchia, que chegava a alagar isso aqui tudo. Aí, eu fui aterrando, fui aterrando, fui aterrando, até que consegui fazer uma casinha pequena, a gente se socou de baixo, mas embrejava no inverno.
P/1 – Mas sempre aqui, nesse terreno?
R – Sempre nesse terreno. Embrejava no inverno, aí, quando eu tinha mais um aportezinho eu alteava o piso. Embrejava de novo, que aqui era muito úmido e salgado. Eu sei que – pra encurtar a conversa – até eu cheguei a derrubar a casa todinha e alteei, ela ficou tão baixa que a gente já tava andando assim de tanto levar aterro. Aí, a coisa foi melhorando mais um pouco, melhorando mais um pouco até que eu derrubei ela total e fiz já desse jeito aqui. Aí, foi o tempo que o meu filho também já começou a trabalhar, aí já começou a me ajudar nas coisas de casa, ganhar o dinheirinho dele.
P/1 – No quê que ele trabalhava, o filho do senhor?
R – Ele sempre quis seguir a área militar. Ele, quando tinha 15 anos, ele entrou na Marinha. Na Marinha ele entrou como aprendiz.
P/1 – Ele serviu, então?
R – É.
P/1 – Ele serviu e ficou?
R – É, ele tinha a sétima série, aí ele entrou na Marinha. Ele entrou como um aprendiz, como tipo um agregado. Aí, começou estudando lá, estudando. Quando foi com um ano, entra o Collor de Melo no poder do Brasil, você se lembra dessa data.
P/1 – Lembro.
R – Entrou o Collor de Melo como presidente do Brasil. Aí, ele tirou todos os agregados das escolas do Brasil.
P/1 – Ele perdeu, então? Ele saiu do Exército?
R – Aí, o comandante mandou me chamar, o comandante dele. Ele não tinha idade de fazer nenhuma prova, nem um curso lá dentro, porque ele não tinha idade. Aí, ele foi, comandante me chamou e disse: “Seu Aldenor, infelizmente, o Aldenildo aqui é uma pessoa muito boa, é dos mais antigos agregados”, tinha de 16 anos já, “infelizmente é uma lei nacional, seu filho vai ter que sair. E, pra poder entrar, ele tem que se inscrever e fazer aqui um curso pra poder já entrar como aprendiz dos marinheiros, porque como agregado não pode ficar” “Tudo bem”. Aí, ele se inscreveu, acostumado já lá e tudo. Resumindo a história, era 16 vagas e se inscreveu 150, pra essas 16 vagas. Aí, aquele que não passava na prova não fazia nem a outra, porque já não passou, ia eliminando, ia eliminando, em todas as provas ele ia ficando. Ele ia ficando, ia ficando e ia ficando. Tinha outros que não passava na prova, mas como era filho de um sargento, era filho de um oficial, filho de alguma pessoa lá de dentro mais graduada. Aí, dizia “não, esse daqui”... Era reprovado, mas o pai tinha poder lá dentro e pegava pela mão e botava dentro.
P/1 – Ia ficando.
R – Eu sei que, resumindo, na final da prova, da última prova, ficou 30, mas só tinha 16 vagas. Aí, o que foi que aconteceu? Eles escolheram aqueles aponta de dedo, que chama os peixes. Filho de Fulano, filho de Fulano. Ele foi dispensando, mesmo passando na prova.
P/1 – E o quê que ele fez?
R – Aí houve a inscrição dos Bombeiros, ele se inscreveu nos Bombeiros. Logo aqui tinha um curso também pra salva vidas, o pessoal que trabalha com salva vidas. Ele fez um curso também, aqui, pra salva vidas, tirou em primeiro lugar, ele e outro companheiro ali. Mas como a prefeitura na época não botou o trabalho em atividade, foi outra coisa que foi. Aí, ele se inscreveu nos Bombeiros, ficou. Aí, houve uma inscrição pra Polícia, pra Polícia Militar, ele também se inscreveu na Polícia. Quando foi fazer a prova dos Bombeiros na época, ele... Antes, pra poder entrar na Marinha, eu tive que ir no Cambeba buscar o certificado que ele fez aqui um supletivo pra poder recuperar o ano que ele perdeu lá, e a Secretaria aqui, de Educação, não ia dar só um certificado, ele já tinha 18 anos, não dava só um certificado, só se eu fosse com ele lá no Cambeba, lá na Secretaria, no Cambeba pra poder ver se o pessoal de lá dava o certificado pra ele poder se inscrever nessas outras corporações. Aí, eu fui, Graças a Deus, deu tudo certo, o pessoal me deram o certificado, ele levou, ele se inscreveu. Aí, quando foi a prova dos Bombeiros ele ficou só em observação dos Bombeiros, aí ele foi pra Polícia. Aí foi ficando na polícia, fazendo os testes lá e ficando, ficando, ficando. Foi ficando e, aí, a gente tinha um pessoal da família da minha esposa aqui que morava com uma pessoa, ele era uma pessoa muito influente e trabalhava com esses políticos fortes. Aí, e foi na época do primeiro, do Tasso Jereissati como governador do Ceará, do primeiro mandato do Tasso. Aí, esse, que é sobrinho da minha esposa, aqui, o marido dela foi e disse: “Vamos trabalhar na campanha do homem? Vamos trabalhar? Rapaz, vamos trabalhar”. Aí, ele pegou só o professor lá da Polícia, ele pegou só o número de inscrição e foi trabalhar. Quando era o dia da prova: “Vá fazer sua prova”, aí ele ia fazer a prova. Quando é outro dia, que ele olhava na prova dos aprovados, ele sempre tava aprovado. Eu sei que, pra encurtar a conversa, ele foi aprovado até a última prova que ele fez. Aí, ingressou na Polícia Militar, foi para o Baturité, passou oito meses no recrutamento, só como recruta, de Baturité, já servindo a corporação, mas como recruta, não como soldado pronto, ainda como recruta. Aí, quando ele tava lá os Bombeiros mandou chamar. Ele foi e disse: “Olha, pai, e agora? Quer saber de uma coisa? No que eu tentei, do que deu certo, foi na Polícia, eu vou ficar é aqui”. Então, ele tá aí até hoje...
P/1 – Tá até hoje na Polícia?
R – Graças a Deus. Tá. Hoje é cabo da Polícia, que o nosso governador aí parece que não é muito bom de, como é que se diz, de promoção. E ele tá aí até hoje, Graças a Deus.
P/1 – E ele tá aqui, na região?
R – Tá, mora aqui no Pecém.
P/1 – No Pecém?
R – É. Ele já tá com quase 20 anos de Polícia e nunca saiu de Caucaia. Ele sempre entrou na Caucaia, quando ele passou a soldado pronto, e até hoje ele ainda trabalha na Caucaia, nunca saiu.
P/1 – E, seu Aldenor, depois o senhor teve mais filhos, então?
R – Aí, tive mais essa daqui, a Nilce, tive a outra que é mais velha do que ela, aí, depois, veio ela e depois veio a minha filha a mais nova, a Aldenha.
P/1 – Tá. E todos, então, estudaram aqui também?
R – Todos estudaram aqui.
P/1 – Tá. Eu não perguntei pro senhor, mas o senhor tinha comentado antes pra mim, antes da gente começar a gravar, que o senhor não foi pra escola, então, o senhor só ficou trabalhando.
R – Só trabalhando.
P/1 – Mas existia escola aqui na região, seu Aldenor?
R – Existia escola. Naquele tempo era tão rigoroso as escolas, as pessoas tinham que aprender mesmo.
P/1 – E por que o senhor não estudou, então, seu Aldenor?
R – Eu toda vida eu não... Quer dizer, eu nunca pensava que a gente ia precisar tanto de estudo, como a gente precisa hoje. O meu forte mesmo era trabalhar, eu gostava de trabalhar pra ganhar um dinheirinho, nem que seja pouco, mas eu sempre trabalhei. Pegava uma cesta de pão, como eu lhe contei, botava nas costas, ia vender nas bodega; pegava um tabuleiro de tapioca e saía com ele na cabeça pra ganhar, saía vendendo quando menino, o meu negócio era trabalhar.
P/1 –Seu Aldenor, o senhor tava comentando da escola. Eu perguntei pro senhor e o senhor falou, comentou, que preferia trabalhar?
R – Trabalhar.
P/1 – Seu Aldenor, mas o senhor aprendeu a escrever o nome do senhor?
R – É, eu aprendi pra eu tirar a minha carteira de identidade, eu não queria levar o carimbo de analfabeto, até nisso eu tive a curiosidade. Eu ficava de noite, tipo assim, desenhando o meu nome, alguém fez o meu nome e eu tava só desenhando, desenhando, até que cheguei a botar na cabeça que o meu nome era aquele e comecei a fazer e já dava pra fazer lá. Mas, se mandasse eu fazer o nome de outra pessoa, eu não sabia fazer, só sabia fazer o meu nome. Porque eu tipo desenhei, por causa que uma pessoa fez o meu nome, eu comecei a desenhar, até que eu aprendi quando eu tirei a minha primeira carteira de identidade com 18 anos, aí eu já escrevia o meu nome. Muito ruim, mas eu escrevia (risos).
P/1 – Mas o senhor depois frequentou a escola? Depois de jovem?
R – Não, só depois, agora, já depois de bem adulto. Aí, teve aqui uma escola do Mobral na época, que era escola para os adultos à noite e eu ia. Eu ia, mas eu já ia sabendo de muita coisa. Eu pegava muito aquelas revistas, fotonovela, naquela época, tinha o nome e tinha a figura. Só que eu conhecia todas as letras, eu só não sabia era juntar, juntar as letras. Aí, eu comecei a dizer “um nome com duas sílabas”, vamos supor, duas sílabas. Eu comecei a dizer e via a figura, a figura que tinha naquelas revistas de fotonovela, tinha aqui a figura e os dois nomes “ah, esse nome aqui”. Aí, esse nome eu comecei a botar na cabeça, eu tinha a cabeça muito boa de aprender, aí, onde eu via, eu já sabia que o nome era aquele, aquele já tirava de cor. E eu gostava muito de música, como eu gosto até hoje, aí eu comprava os folhetos, aqueles folhetozinhos que tinha o nome das músicas, dos cantores, Fulano de Tal, tal. O quê que eu fazia? Aí, eu ia pros cantos, até tomar uma cervejinha, e mandava botar aquelas músicas. Aí, começa a botar, e botava na cabeça, rapaz, eu doido pra aprender.
P/1 – E que músicas eram que o senhor gostava?
R – Era música brega.
P/1 – Música brega?
R – É. Do Waldick Soriano, do Nelson Gonçalves, desses cantores mais antigos aí, pronto, eu comprava o folheto. Aí, eu começava a aprender lá e levava o folheto. Quando eu me esquecia, não tava sabendo, eu ia lá e “ah, é aqui”.
P/1 – Aí, o senhor acompanhava.
R – Nisso eu comecei, comecei, comecei e fui indo, fui começando a aprender. Escrevendo que era bom nada mas ler eu já tava começando a ler. Aí, toda vida eu morei perto de igreja evangélica e a minha mulher aqui e a família dela sempre gostou. Eu sempre acompanhava muito dessas coisas e passei a levar uma bíblia pro mar. Aí, nas minhas horas de folga eu já começava a ler, ixi, pra ler uma página era difícil demais, mas ia indo. Aí, hoje é uma das coisas que eu mais leio, com mais rapidez, com mais atenção, é bíblia. Você sabe que a bíblia me despertou uma maneira, não de ler muito, aquela pessoa que pega aqui um papel, pá, pá, pá, não. Mas pra mim mesmo, para o meu conhecimento, já dá pra ler bastante e até que isso, pra mim, me ajudou bastante. Aí, eu recebo um papel, um desse daqui, um papel desse que, às vezes, alguém manda pra mim, uma correspondência, uma coisa, aí eu mesmo já leio. E quem mais me desenvolveu a esse tipo de coisa foi uma bíblia, graças a Deus.
P/1 – Mas o senhor é católico?
R – Sou.
P/1 – Mas o senhor frequenta a Igreja Evangélica também?
R – Não, vou não, só quando é, assim, sou convidado, mas a minha esposa e meus filhos tudinho vão, somente eu. Mas, que às vezes eu tenho uma admiração muito grande por esse lado. Se você me perguntasse se eu vou pra Igreja Católica, eu também não vou. Eu não vou, eu sou uma pessoa, sou assim, eu tenho a mesma religião que era dos meus pais, pronto. Mas eu não vou desfazer de uma e nem vou desfazer de outra, sempre aquele pessoa que tô aqui. Se eu receber um convite da Igreja Evangélica eu vou, com todo gosto. E até o conhecimento evangélico que hoje eu já tenho, não muito, mas tenho um bom conhecimento evangélico, pra mim, pelo menos pra mim. Às vezes, até algumas instruções pros meus filhos que frequentam, porque interpretação da bíblia cada um interpreta de uma maneira que, mais ou menos, raciocina. Às vezes, eu raciocino de um jeito, outro raciocina de outro, porque é quem nem diz a própria palavra de Deus: a palavra de Deus, todo dia ela se renova, porque cada vez que você lê um trecho da bíblia, você interpreta ela diferente. É por isso que a palavra de Deus se renova todo dia.
P/1 – E, seu Aldenor, o senhor tinha comentado antes que vocês gostavam de brincar do coco.
R – Era.
P/1 – Mas tinha o forró também aqui?
R – Ah, os forrós daqui eram bom demais, nessa época nós chamava de Tertúlia. Começamos dançando uma Tertúlia, numa radiolinha pequenininha, com aqueles discos grandes de vinil, aqueles grandes, chamado LP. Tudo era a pilha: “Negada, vamos fazer um vaquinha agora pra comprar as pilhas”. Aí, comprava as pilhas, botava numa radiolazinha daquelas, e os forró era pegado mesmo, já era direto.
P/1 – E não vinha trio, não? Não vinham os forrozeiros mesmo pra tocar?
R – Não, tinha umas festazinhas aqui, na época das festividades, que ia fazer festa, vinha os, tinha aqui. O que era? Era um folezinho pequeno, um zabumba e um pandeiro. É que nem esses trios de hoje, que tocam hoje, que você não vê muita coisa, que nem essa bandas de forró. Naquele tempo era que nem o trio nordestino. Luiz Gonzaga. Qual era a banda do Luiz Gonzaga? Você via o quê que era uma banda do Luiz Gonzaga e, naquele tempo, era baseado mais ou menos como era o conjunto do Luiz Gonzaga, que hoje tudo é banda, é uma orquestra. Mas, no tempo do Luiz Gonzaga, era uma sanfona, um zabumba, um pandeiro, um triângulo e tava feita a festa, era que nem aqui. E era animada, rapaz, ô festa animada danada!
P/1 – E essas festas aconteciam o quê? Era festa de Igreja, festa de santo, de padroeiro?
R – É, às vezes era de santo. Pelo menos ontem, 31 de Maio, ontem, foi uma data que foi ontem, aqui era o seguinte, aqui era uma data de uma festividade tão grande, quando era noite, havia quatro, cinco festas grandes, como que fosse essas bandas de hoje. Naquele tempo era um conjuntozinho, mas era quatro festas em salões enormes e tudo era lotado de gente que vinha gente de toda essa redondeza pras festas.
P/1 – Mas por que tinha festa dia 31 de Maio?
R – É porque era o dia da Coroação, uma festa da Igreja. O mês todinho era de novena, de novena, de novena... Aí, quando era no último dia do mês, que era o 31 de Maio, era a Coroação, tipo o final da festa. Aí, tinha Coroação na Igreja, tinha uma procissão na rua, que a gente enfeitava a rua toda de bandeira, aquele negócio todo. Que nem o pessoal hoje enfeita as ruas pra Copa do Mundo, vamos supor. O pessoal enfeitava aqui, mas era pra uma festa religiosa, da Igreja. Aí, quando terminava o leilão – depois da coroação fazia um leilão – e, depois do leilão tá aí, a festa.
P/1 – E o São João?
R – O São João aqui era só quadrilha, brincadeira de quadrilha. Agora tem uma festa, agora isso aí acabou. Foi entrando padre, saindo padre, entrando padre, saindo padre, até que esse que nós estamos agora tirou mais. Ainda tem a Coroação, ainda tem. Mas não era que nem aquela coisa animada do povo. Depois que a apareceu a televisão, esse negócio de internet, aí o povo prefere mais as novelas do que ir pra uma igreja e fazer uma festa. Mas, nós temos uma festa agora esse mês.
P/1 – Quando?
R – A nossa festa é agora, aqui, em junho, dia 29 de junho, é um dia de domingo. Aqui nós temos uma festa dos pescadores, é como que fosse o dia dos pescadores aqui.
P/1 – É São Pedro e São Paulo?
R – São Pedro. Mas nós aqui comemora a festa de São Pedro, essa festa é uma festa de tradição. Essa o pescador não deixa a festa cair, continua a mesma festa, na praia.
P/1 – E o quê que tem na festa?
R – A nossa festa aqui é uma procissão que a gente faz. Todas essa jangadas que você vê na praia, quase todas, 90 por cento dessas embarcações, quando é duas da tarde elas entram dentro do mar. Aí, vão lá pra perto daquela ponte do porto. Aí, o andor, com a imagem de São Pedro, sai pela praia, vai até aí aonde tem essas jangadas. Quando chega lá, a gente pega o andor, numa das jangadas que vai apropriada já pra trazer o andor, aí, taca-se mar adentro de novo. Aí, a chegada é aqui, perto da colônia dos pescadores, que aqui agora já tem um palco, com uma banda tocando. Tem muitas barracas pra vender bebida comida, , esse calçadão fica cheio, agora ficou uma festa bem mais animada. Agora, festa dançante é que não tem muito, a festa mais é assim, só de o pessoal com barraca, ver as bandas tocando. E o que anima mais é exatamente essa procissão que nós chama, que vai por dentro do mar mesmo, que nós faz por dentro do mar. Essa os pescadores não deixam cair porque é uma festa de tradição dos pescadores.
P/1 – Aí, seria a tarde toda, então?
R – A tarde toda... É o dia todo.
P/1 – Aí, à noite tem a festa com banda?
R – À noite tem a festa com banda e fica aí o placo, três dias. Eles agora estão fazendo agora com que? Que chamou a Festa do Camarão, que vai terminar na festa de São Pedro. Eles fazem festa três dias, numa sexta feira começa sexta, sábado e o domingo, no caso desse ano vai ser sexta, sábado e domingo. Aí, vai ter regata, competição de jangada no mar, durante esses três dias, talvez seja no dia 28, ou até mesmo no dia 29, eu não sei. Aí, vai ter competição, regata de jangadas, aí é o dia todo, esses três dias é três dias de uma festa bem animada e termina com a procissão.
P/1 – Seu Aldenor, o senhor comentou que quando o senhor voltou aqui pro Pecém, o senhor tava pescando mas, antes, o senhor tinha comentado que o senhor começou a vender peixe também?
R – Foi.
P/1 – Como que foi isso? O senhor parou de pescar, então?
R – É, eu comecei a vender peixe aqui para um senhor, aí, fui ficando e vendendo peixe. Fui ficando, fui ficando, até que eu parei de pescar definitivo. Aí, parei de pescar e fiquei nessas vendas de peixe...
P/1 – Mas o senhor era... Eles pagavam salário pro senhor?
R – Não, era tipo um percentual, de acordo com...
P/1 – A venda.
R – Com o que eu vendia. Aí, eles me pagavam. Eu toda vida fui até mais jeitoso pra vender, o pessoal gostava do meu trabalho, como eu lhe falei. Aí, fiquei. Até que esse outro também desistiu, porque ele pegou uma doença e chegou até a falecer... Aí, eu passei pra uma outra pessoa, continuei do mesmo jeito. Aí, ele foi embora do Pecém pra Fortaleza e eu passei pra essa venda que eu tava agora. E eu entrei aí no dia primeiro de maio de 2000. Eu fiquei, essa eu tinha, eles me pagavam uma mixaria. Aí, eu já tava mais aperfeiçoado no trabalho, as pessoas que vinham comprar peixe já queriam o peixinho prontinho, pra quando chegar em casa não ter mais trabalho, aquele pessoal todo. Eu comecei a cortar peixe pros restaurantes, que era fazer filé de peixe, fazer posta de peixe, aí, escalar peixe pro cara, às vezes, até guardar, pra comer seco no sol. Eu fui ficando, fui ficando, fui ficando e nesse ficado aí eu tinha um salariozinho pequeno mas tinha.
P/1 – Chegava a ser um salário mínimo?
R – Era menos de um salário, era mais ou menos um meio salário, mais ou menos. A turma me pagava, me dava uma gorjeta, por esse trabalho. Não era obrigatório dar, eu tava ali pra fazer esse trabalho mas só que eu fazia aí, o povo me dava, me dava um real, outro me dava dois, outro me dava cinco, você tá entendendo? De acordo com o trabalho que eu fizesse, mas que eu não comprava de ninguém. E nem ninguém que comprasse peixe ali era obrigado a me dar aquela gorjeta, não era obrigado. Ele me dava porque fica satisfeito, porque o peixe saía do jeito que ele queria e, às vezes, sobrava ali um troco: “Quanto é?” “É trinta e oito reais”, vamos supor. “Os dois reais dê aí pro rapaz que tratou, ajeitou o peixe”. E nisso a gente levava, muitas amizades você arranja também, muitas amizades com o povo; é com advogado, é com médico, é com a própria polícia, e outras pessoas mais influentes, ou até quem não é, que nem eu, um simples pescador. Mas a gente vai na simpatia, o povo fica ali, uns abusa, outros não gosta, outro acha você antipático, mas outro acha você simpático e nesse a gente vai levando. É.
P/1 – E dava pra viver com esse salário e com essas gorjetas também que o senhor recebia?
R – Não, não dava, não, não dá pra viver. Aí, foi o tempo que eu completei a idade, completei 60 anos. É outra lei nacional que ampara o pescador com 60 anos, aí, eu já tinha 42 de profissão, mas não tinha a idade, até pelo tempo de serviço do mar eu já tinha, mas não tinha a idade. Quando eu completei 60 anos botei os papéis da aposentadoria e, graças a Deus, não tive dificuldade. Só que a minha esposa aqui se aposentou-se primeiro de que eu, porque o direito dá a 55. É como que fosse assim, eu sou o pescador e ela é como que fosse pescadora, mas o nome que a gente faz a carteira, os documentos, é como marisqueira. A palavra nos papéis chama marisqueira, essas marisqueira que pesca os mariscos, essas coisas de marisco. Cuida da comida daquele pescador, que é o marido, então, se tudo isso, o direito que a gente tem passa também...
P/1 – Pra esposa.
R – Pra esposa.
P/1 – E a esposa do senhor trabalhava em casa e ajudava o senhor também?
R – É, só ia cuidar das minhas coisas, entendeu, nisso daí já dá o direito, a lei já ampara também, porque ela trabalha com o pescador e facilitou a aposentadoria dela, que ela aposentou-se com 55 e eu aposentei com 60, no caso ela aposentou-se muito primeiro de que eu.
P/1 – E, seu Aldenor, existia uma associação dos pescadores aqui?
R – Ainda existe.
P/1 – Existe?
R – A colônia dos pescadores. Pra você ter esse direito que a lei lhe ampara a você se aposentar com 60 anos, é preciso que você pague uma taxa todo mês. Muitos pagam, outros não pagam, atrasam, mas não sabe eles o que estão perdendo.
P/1 – O senhor pagava, então?
R – Eu pagava.
P/1 – E quanto que era, mais ou menos, por mês?
R – Começou muito pequeno, era dois reais, é como que fosse dois reais, foi aumentando. Resumindo, hoje, parece que tá 12 reais pra você pagar, mas você tem direito, a família tem direito, se você se acidentar no trabalho você tem direito...
P/1 – Ao INSS?
R – Ao INSS. E você até fica recebendo de acordo, até uma doença mas você não tem idade, mas o médico faz a perícia: “Rapaz, você tá impossibilitado de trabalhar”. Aí, você arruma, como é que se diz, tipo uma benefício, você fica recebendo um benefício do Governo até quando você chega na idade mesmo de se aposentar. Mas de acordo com a perícia que faz de você, que você não tá conseguindo trabalhar, você mete os papéis e o Governo dá, a lei ampara você, aí fica recebendo um salário todo mês, como se você fosse aposentado, como qualquer outra pessoa que trabalha pelo INSS, aí mete os papéis e fica recebendo esse benefício. Hoje, graças a Deus, tem todos esses direitos, esses recursos e isso melhorou a vida de muito pescador. Muito pescador depois que se aposentou nem entrar no mar, não entrou mais. É um salário, não é muita coisa, mas isso ajuda muito, pra quem tem um certo controle, como você sabe, dá pra gente ir comendo um feijãozinho aqui e acolá.
P/1 – Seu Aldenor, o senhor não sentiu falta de pescar, ir pra alto-mar?
R – Não senti, não. Eu sempre digo pra muita gente que duas coisas boas que Deus fez na minha vida foi o casamento que eu fiz, uma família que eu tenho hoje, e ter parado de pescar novo ainda, mais ou menos com 40 e poucos anos, que eu vejo gente se matando, com 70 ainda tá entrando no mar. Então, isso foi uma coisa muito boa que Deus fez comigo, ter parado de pescar, ter arrumado esse trabalho de ficar tratando peixe e até o dia de eu me aposentar, que foi o que melhorou mais. Hoje, graças a Deus, pelo menos pra comer isso dá bastante. E até que chegou o dia de eu me afastar também do trabalho, não parei de trabalhar totalmente porque eu não quero parar de trabalhar, eu só não quero agora é ter compromisso com o trabalho, ter que dar plantão no trabalho, entrar de seis, sair de 12; entrar de uma, sair de cinco, isso eu não quero. Mas, fazer trabalho voluntário, eu tô é aqui pra fazer ainda.
P/1 – E quando o senhor tratava o peixe, como era a rotina do senhor? O senhor acordava cedo?
R – Acordava cedo, era.
P/1 – E ia que horário trabalhar?
R – Era seis horas.
P/1 – Já tava lá, na peixaria?
R – É, já tava em pé pra entrar no trabalho. E o horário de sair sempre era seis horas, sete horas, às vezes, saía cinco horas, não tinha muito horário, não, era de acordo com o movimento.
P/1 – E o senhor não almoçava em casa?
R – Às vezes, eu vinha almoçar e, às vezes, quando eu vinha almoçar, como eu lhe falei, às vezes era muito... Porque eu não queria deixar o freguês esperando, porque chegou o meu horário. Aí, fica todo mundo com vontade de levar um peixizinho tratado pra casa, mas tinha chegado a minha hora de almoçar e eu largava. Não, eu preferia não vir almoçar, mas não queria que o freguês ficasse esperando pra que não levasse o peixinho dele tratado pra casa.
P/1 – Seu Aldenor, conta pra gente o dia que o senhor decidiu não mais trabalhar?
R – É, os meus filhos sempre pedia: “Pai, acaba com esse trabalho”. A minha esposa sempre dizia “Aldenor, rapaz, sai disso, não dá pra gente morrer de fome, nem nada” “Não, quando for no dia, que vocês menos esperar, eu paro de trabalhar, eu vou parar, sair desse trabalho” “Ih, o senhor, às vezes, se aborrece e tal”. Que uma coisa que eu não gosto é me aborrecer, eu prefiro escutar e ficar comigo mesmo, o que não é bom mas eu não gosto de me aborrecer, tomar decisão de aborrecimento e tal. As minhas coisas são assim, eu... Aí, um dia eu decidi sair de casa, não avisei pra ninguém que ia sair do trabalho, não avisei nem pra minha esposa, pra nenhum dos meus filhos que eu ia sair do trabalho. Saí de casa pra trabalhar normalmente numa quinta feira, aí, quando foi de manhã, que eu ia dizer para o rapaz que eu trabalhava, que era tipo o meu patrão, que eu não ia mais trabalhar, eu não encontrei uma oportunidade pra dizer pra ele que eu tava fazendo isso, deixando o trabalho. Aí, deu de manhã, foi até meio-dia, eu vim pra casa almoçar, também não disse nada. Voltei, quando foi o negócio de duas horas da tarde, aí só tava eu e ele na venda do peixe, eu puxei uma cadeira, me sentei perto dele e dei a decisão, que a partir daquele dia eu não ia mais trabalhar, que ele arranjasse uma outra pessoa, que eu tava saindo do trabalho, tava me achando cansado, eu já tava numa certa idade, o trabalho tava ficando já pesado e a minha idade não tava mais, eu não era mais aquele garotão e o trabalho tava ficando muito pesado e eu já tava me sentindo muito cansado. Aí, disse pra ele, foi numa quinta feira, eu disse pra ele que ia trabalhar até o sábado, eu ia trabalhar na quinta, ia trabalhar na sexta, ia trabalhar no sábado era dando o espaço pra ele arranjar uma outra pessoa pra ficar no meu lugar. Entonce foi assim que eu fiz.
P/1 – E o quê que ele achou disso, dessa notícia?
R – Ele ficou, assim, meio triste, só fez dizer: “Não, tá certo. Não, tá tudo certo, tá certo, você tá dizendo tá tudo certo”, só fez dizer mesmo isso, acho que ele ficou até quase, até sem palavra, que ele não esperava aquele negócio e eu esperei esse momento e também não disse pra ninguém. Aí, eu fiquei aqui em casa, chegou o domingo, que é hoje, vamos supor, ninguém sabia e, aí, eu já não voltei mais pro trabalho, já fui ali pra bodega, que nem eu faço na minha rotina e comprar um pãozinho, comprar uma tapioca pra tomar café. Aí eu não voltei mais, já tinha uma outra pessoa. O pessoal: “Rapaz, cadê o Madrugada?”, que o apelido é Madrugada.
P/1 – Ah, o apelido é Madrugada?
R – É. “Cadê o Madrugada?” “Rapaz, o Madrugada não vem hoje, não... O Madrugada não vem hoje, não”, até o povo se acostumarem que eu não tava mais trabalhando, mas foram me perguntando: “Não vai trabalhar hoje, não?” “Rapaz, hoje eu não vou, não, eu tô dando aqui um tempo”. Pra não dizer diretamente: “Saí”, até nisso eu não quis dizer. Até hoje o pessoal ainda me procura, pensa que eu ainda tô trabalhando lá mas eu não tô mais, já estão sabendo. Eu, também, 14 anos de trabalho eu não tinha carteira assinada, mas não exigi nada, procurar direito nenhum, se ele me desse alguma coisa eu recebia, se não me desse eu também não ia botar ninguém em questão, em conflito. Não reclamava pelo salário que eu ganhava.
P/1 – Quanto que o senhor ganhava?
R – Eu ganhava... Quer dizer, eu ganhava 80 reais por semana. O quê que significa? Não dava 11 reais por dia. Você já pensou o que era gostar de trabalhar? Era obrigado? Eu passava por isso? Passava. Mas nem disso eu reclamava, porque se eu ganhasse 11 reais, vamos supor, por dia, eu ganharia 330 reais por mês. Mas, como eu só ganhava 80, quatro semanas no mês só dava 320 (risos). Aí, eu saí numa boa, hoje todo mundo é meu amigo, e lá, eu entro lá assim como se eu trabalhasse ainda lá. Não me isolei totalmente, mas foi uma liberdade e eu to feliz com isso.
P/1 – Tá certo. E, seu Aldenor, as obras do Pecém. Houve alguma mudança aqui?
R – Olha, houve uma mudança bem pra melhor.
P/1 – Que tipo de mudança que houve aqui?
R – A mudança que houve é o seguinte: que nem eu lhe falei no começo, todo mundo aqui vivia da pesca. Agora, chegou o porto, essas obras do porto, todo esse empreendimento. O que acontece? Aí começou os filhos dos pescadores, invés de serem pescadores, que nem eu fui, aí começou foi procurar emprego. Começou foi procurar emprego, começaram a sair de dentro do mar e ir pras empresas e ir pras empresas... Eu sei que hoje, tem cada filho de pescador que tem qualificação, uns é motorista de carreta; outros é operador de máquinas; outros trabalham como operador de guindastes; outros trabalham como estivador, na estiva, trabalham de estivador no porto; outro já passou a ser (pausa)
P/1 – Pode continuar, seu Aldenor.
R – Aí, outros na construção civil são mestres de obras; outros é encanador; outros é eletricistas. Eu quero é dizer que melhorou cem por cento da vida que a gente vivia antes.
P/1 – E, seu Aldenor, além do emprego, o que mais mudou aqui no Pecém? Houve também a vinda de outras pessoas pra cá?
R – É, tem muita gente no Pecém, mas muita gente, de tudo quanto é canto do mundo tem gente no Pecém.
P/1 – De quais lugares do mundo?
R – Rapaz, aqui tem muito coreano, aqui tem tipo uma colônia já de coreanos, porque todo esse empreendimento da siderúrgica mais é coreano. Tem muitos brasileiros trabalhando nessa obra, mas tem muito coreano. E como é que se diz? E de outros estados do Brasil, se você for ver de todos os estados do Brasil tem gente aqui.
P/1 – Ah, é? E o quê que o senhor acha dos coreanos?
R – É, o coreano, a diferença que ele encontrou aqui foi que o brasileiro é aquela pessoa que quer ganhar mais, mas quer trabalhar menos. A diferença que coreano achou foi exatamente isso, que lá na Coreia não tem domingo, não tem feriado, não tem sábado, eles trabalham direto. E aqui não, aqui tem isso, os sábados, domingos, feriados. Aos sábados trabalha só até meio-dia, às vezes nem aos sábados não vão. Entonce é isso, mas que eles estão se acostumando e as obras estão aí, a todo vapor.
P/1 – O senhor conheceu novas pessoas?
R – Conheci, várias novas pessoas. Porque tem, às vezes, passam de temporada. Eles ficam aqui um tempo, depois termina aquela parte, o que eles fizeram fazer, concluíram o trabalho, vão embora. Aí, vem chegando outros, vem chegando outros e a gente nisso vai se entrosando, vai conhecendo, mas que passa muita gente, muita gente, que você não sabe nem da onde é. Muita gente.
P/1 – Seu Aldenor, e quando o senhor vendia peixe o senhor vendia mais peixe também pra essas pessoas de fora ou não?
R – Não, não, pra esse povo vende mais pouco. Porque esse povo só come mais é nos refeitórios, nos restaurantes. Eles têm os locais já certos de comer, então eles compram muito pouco peixe. Mais é os restaurantes, a gente vende diretamente para os restaurantes e para o consumidor, os veraneio, que vêm e compra. E até pro povo mesmo nativo daqui, mas por causa do salariozinho que eles estão ganhando mais, aí já compra mais peixe, os próprios nativos.
P/1 – O senhor tinha comentado antes que a cidade acabou crescendo, que houve mudanças e que aqui melhorou. A vida do senhor hoje é melhor?
R – Hoje é, graças a Deus.
P/1 – Por que é melhor?
R – É melhor porque, que nem eu lhe falei. Hoje eu tenho meu filho, vamos supor, é empregado. As minhas filhas, os esposos dela tudo são empregados, quer dizer, pra mim é melhor. Eu me aposentei, a minha esposa se aposentou, e a gente tem uma casinha, casa própria. Entonce isso, pra mim já foi uma grande melhora. Eu acho que nem no tempo que eu era novo eu não tô tendo a vida que eu tô tendo hoje, entendeu? A gente, só de saber que chegou o mês e a gente vai ali, recebe um dinheirinho, ela recebe um dinheirinho e a gente não tem negócio de ser corrido de casa que a gente já mora numa casinha da gente mesmo, e os filhos também tudo agasalhado nas suas casinhas, os maridos com os empregos, entonce é isso.
P/1 – E, seu Aldenor, o senhor faz parte de um grupo, de coco?
R – É.
P/1 – Como que surgiu esse grupo de coco do Pecém?
R – Esse grupo de coco é que nem eu falei, o meu pai já brincava nesse grupo de coco, é muito antigo. Entonce, eu era menino, conhecendo o meu pai brincando o grupos de coco e eu gosto dessas coisas, sabe? Eu gosto muito aí, começou, eu frequentando, andando junto com eles, aí vem vindo, de geração em geração. Então, se hoje eu tenho uma parte dos meus primos, meus irmãos, meus netos, já brincam junto comigo, vão pros cantos. Passa até uma semana, passa uma semana aí fora, que nós vamos pro SESC, que ele aí sabe. Passa uma semana lá fazendo essas apresentações.
P/1 – E como é a apresentação, hoje, do coco?
R – Hoje a gente forma aquele grupo, como eu lhe falei...
P/1 – Mais ou menos quantas pessoas?
R – É 15, 18, às vezes 20. Porque, às vezes, a gente vai se deslocar daqui pra ir pra um canto e, às vezes, nem todos vão. Alguns têm um compromisso, algum que tá doente não pôde ir e tal. Nisso a gente vai e, como que se diz, e brinca, faz a apresentação.
P/1 – E como é a apresentação?
R – É, o povo faz aquela roda, a pessoa canta, outro bate no tambor, e a negada começa a sapatear, sapatear, sapatear e nisso é essa brincadeira que até hoje é a cultura que tem aqui no Pecém, é uma das culturas que tem aqui no Pecém, que a gente nunca quer deixar cair. Já tô ensinando outras crianças, mais novas, que era pra não deixar. Porque quando eu não poder mais deixar, porque quando eu não puder mais brincar, o povo mais velho não puder mais brincar, aí os novos não deixar cair, por isso a gente incentiva, a não deixar essas brincadeiras cair.
P/1 – E houve mudança do coco que era da época do pai do senhor pra o coco que se faz hoje?
R – Não, não houve muita mudança, não. Continua o mesmo ritmo, o mesmo ritmo. O que mudou mais foi agora os trajes. Porque tem várias localidades que os trajes é diferente. Nós começamos – desde a época do meu pai – começou não ter roupa do mar, que eles queriam era roupa do mar.
P/1 – Quem queria roupa do mar?
R – O povo, que a tradição é com que fosse a roupa do mar. Aquele chapéu na cabeça, as roupas que eram tipo marrom, que nós pescava no mar. A gente só mudou que hoje a gente vai com uma calcinha mesmo, uma calça azul comum e apelemos por esse desenho.
P/1 – Vocês têm uma camiseta, então?
R – É. Aí, tem por esse desenho. Essa camiseta pelo menos é nova, eu comecei a vestir ontem esse daqui. Porque nós temos aqui Os Coquitas do Pecém, a outra camisa. E eu agora, eu optei por a gente botar só assim Grupo de – aí tem o coco – Coco do Pecém.
P/1 – Foi o senhor que ajudou a criar esse desenho?
R – Foi eu que criei essa ideia. O coco na outra camisa já tinha, mas tinha só o nome Os Coquitas do Pecém. Aí, eu optei por tirar o nome dos coquitas, pedi pra botar o grupo de, aí, o coco já é o nome, já é o desenho, do Pecém. Agora, tem alguém que nos doa essas camisas, os patrocínios, é que bota os seus... Como é que se diz? O seu patrocínio, o seu apoio, da onde é que vem, de onde não vem. Tinha até uma... Ah, eu não posso sair daqui.
P/1 – É, depois a gente vê.
R – O pessoal que nos apoia.
P/1 – Seu Aldenor, a iniciativa foi do senhor pra manter essa tradição do coco? Ou foi da família do senhor, ou outras pessoas também?
R – Tem outras pessoas que brinca muito, até mais velho de que eu, esse pessoal mais velho que já vem do grupo do tempo do meu pai. No tempo do meu pai era bem uns 20 que saíam, eles tinham apoio, eles brincavam nos colégios, brincavam nos quartéis, que nem nós faz agora, nós sai pro SESC, eles também saíam, passavam dois, três dias fora. E desse grupo do tempo do meu pai, só restam três pessoas. Um é meu irmão, o meu irmão agora mais velho...
P/1 – Foi aquele que passou aqui antes?
R – Foi aquele que passou aqui, é. Ele ainda faz coco, nesse tempo ele era pequeno, mas fazia parte. E tem o homem que bate no tambor, que é o mais velho de todos, tem 84 anos parece. E tem o improvisador, que é o que balança o ganzá. Esse que é o improvisador também faz parte do grupo de coco mais antigo.
P/1 – Quando vocês, por exemplo, que o senhor falou do SESC, que vocês fazem apresentações, vão também eles?
R – Vão, eles vão.
P/1 – Vai todo o grupo, então?
R – Vai o grupo, a gente vai todo, vai todo o grupo.
P/1 – E vocês recebem pra fazer essas apresentações?
R – Fica tudo por conta deles, até a hospedagem. Eles dão um cachê, às vezes é 500 reais que eles dão, e toda a despesa de hospedagem e tudo, fico tudo por conta do SESC. O cachê eles pagam, dão 500 reais.
P/1 – Vocês chegaram a viajar muito, assim, fora do estado?
R – Ainda não, ainda não.
P/1 – É sempre aqui, dentro do estado?
R – Sempre dentro do estado, é.
P/1 – Quais cidades que o senhor conheceu através do coco?
R – Eu tinha uma viagem pra Juazeiro e não fui porque houve aqui um acidente, um negócio de uma morte de uma pessoa da família, aí nós adiamos uma viagem em cima do dia. Mas eu conheço aqui, agora fui pro Iguape. Mas é mais mesmo só aqui dentro do estado do Ceará, nas cidades aqui do Ceará mesmo, a brincadeira é assim, ali no Taíba ou para o São Gonçalo, vamos ali pros Matões, é um lugarzinho aqui perto. Aí, nós vamos, assim, como é que se diz? Tudo aqui, mas pra fora do estado ainda não fomos, nenhuma vez.
P/1 – Tá. E quando não tem essas apresentações pra vocês fazerem, vocês dançam o coco, assim, fora, em algum momento especial, uma festa de padroeiro?
R – É mais se as pessoas nos convidarem, a quem interessar (pausa) Aí, o... Como é que se diz? Aí, a pessoa mais interessada, vamos supor, por aquela festividade, que quer uma apresentação, ele fala pra gente, a gente vê o dia que ele quer, o horário. Se é aqui a gente vai, se é for ele nos dá o transporte pra levar e trazer e pronto. Aquele pode dar alguma coisa (pausa) a gente recebe; aquele que não pode dar, a gente também não faz questão. O problema é que a gente vá, realize, ajude aquela pessoa naquela festividade com essas apresentações e pronto, é o que a gente faz no dia a dia, indo por aí afora.
P/1 – E dura quanto tempo a apresentação?
R – Quando tem mais ou menos assim um horário: “Rapaz, vocês têm 20 minutos pra fazer a apresentação”. Tem canto que é meia hora e tem canto que a gente fica bem à vontade, não tem... Entendeu? Mas tem alguns cantos que a gente vai, porque tem outras apresentações além da dança do coco, então, sempre tem mais ou menos limitado o horário: “Vocês têm 20 minutos”, “Vocês têm 30 minutos” e é assim que a gente faz.
P/1 – E, seu Aldenor, além do coco, tem mais alguma dança que é tradicional aqui, que existe ainda?
R – Rapaz, uma coisa de tradição é o reisado.
P/1 – O quê que é o reisado?
R – O reisado é quando chega o mês de fevereiro, quando vai chegando dia cinco, dia seis de fevereiro, a gente sai. O nosso reisado o que é? É andar cantando nas portas, a gente fica cantando nas portas.
P/1 – Mas é num dia especial?
R – É, um dia. Como o Pecém cresceu muito, agora é uns três dias pra poder abranger o lugar, porque a gente só começa a tocar de noite, muito tarde da noite, dez hora da noite. Aí, vai até quatro hora da manhã, a gente cantando de porta em porta. O objetivo é que a gente chegue na porta da sua casa, cante, mesmo que você não tenha nada pra dar, porque é uma coisa que se arrecada, uma pratinha, uma moedinha, outros dão um quilo de feijão, outros dão um açúcar, o que você tiver. E, se você não tiver nada pra dar, o objetivo é que você abra a porta, mesmo que você não tenha nada pra dar. Mas, só de você abrir a porta: “Rapaz, não tenho nada pra dar a você”, não tem problema nenhum, é como se você tivesse dado, é a tradição. E nós faz isso uns três dias porque o lugar ficou grande e povo, às vezes: “Rapaz, cadê o reisado? Não vai ter, não?” “Rapaz, o reisado?”, porque eles querem ver o caboclo chegar com um violãozinho tocando e a gente cantando.
P/1 – O senhor toca?
R – Não, não, eu só faço acompanhar, às vezes, assim, tem os cantador e a gente responde, faz tipo a segunda voz.
P/1 – E o quê que vocês cantam?
R – Cantam alguns versos.
P/1 – O senhor pode cantar pra gente?
R – O verso, quando vai chegando na porta, aí, começa a tocar e começa a cantar. (Cantando): “Ô de casa, ô de fora, manjerona é quem está aqui. É o cravo e é a rosa, e é a flor do Bugari. Esta casa está bem feita por dentro, por fora não. Por dentro cravos e rosas, por fora manjericão”. A gente canta assim. Aí, a pessoa abre e vai até muito mais.
P/1 – Vocês entram dentro da casa da pessoa?
R – Não, fica só do lado de fora.
P/1 – Só na porta.
R – Só na porta, é. Quando a pessoa abre, que dá alguma coisa, aí a gente começa a dizer assim: (cantando) “Obrigado cidadão, eu vim aqui lhe incomodar. Mas adeus até para o ano, seu eu morar nesse lugar”. Aí, eu já tô agradecendo pelo o que você nos deu, ou mesmo por você ter abrido a porta.
P/1 – E sempre existiu o reisado aqui?
R – Sempre existiu, todo ano a gente faz. O meu irmão ali que é um dos encarregados que faz, o reisado.
P/1 – E tem uma farda do reisado?
R – Tem não, reisado não tem farda.
P/1 – Vocês vão com a roupa comum?
R – Comum mesmo, reisado não tem farda.
P/1 – Vocês vão no período de reis, então? Seria lá pra Janeiro?
R – Só em Janeiro. Só que, como que eu falei, o lugar cresceu, era pra tirar só do dia cinco para o dia seis, agora a gente tá começando a tirar mais ou menos no dia quatro, vai até o dia seis, porque mais ou menos o lugar cresceu. Não dá pra tirar tudo de uma noite e tem que entrar outras noites, porque não dá pra tirar só numa mais.
P/1 – E quantas pessoas mais ou menos que participam do reisado agora?
R – É mais ou menos umas oito pessoas, mais ou menos, é. Mas que acompanha muita gente às vezes, às vezes sai muita gente acompanhando pra ver, pra passar aquele tempo. Mas, assim, mesmo, é só umas oito pessoas, entre tocador e cantador.
P/1 – E quando vocês recebem, ganham ali, um trocadinho das pessoas, o quê que vocês fazem com esse dinheiro?
R – Ao terminar a festa do reisado, aquela brincadeira, a gente senta num canto e divide por partes iguais. Vamos supor, é oito pessoas, entonce o que receber, divide para os oito. Os alimentos que receber, divide também; se receber algum vinho, que às vezes dão muito negócio de garrafa de vinho, essas coisas, aí, tudo é dividido entre o grupo, todo mundo recebe por partes iguais.
P/1 – E, seu Aldenor, nesse ano como que foi o reisado? Foi bom?
R – Eu nem vou.
P/1 – Ah, o senhor não foi?
R – Eu fui só quando eles saíram, mas acompanhando, acompanhando eu não fui, não. Porque o meu irmão aí é quem tá à frente desse negócio...
P/1 – É ele quem participa, então?
R – E eu tô deixando isso aí pra ele, que é uma tradição dele, eu fico na parte do coco, o pessoal me procura mais na dança do coco, e eu já deixo a parte do reisado, como ele já vem desde muitos anos, aí fica como fosse essa área pra ele. Mas eu pretendo fazer uma filmagem da dança do reisado. Eu já fiz da dança do coco, agora, tô pretendendo fazer uma filmagem do reisado, que ele nunca se interessou muito de fazer. Mas como eu agora tô tendo mais tempo, eu tô querendo juntar o grupo do reisado pra gente fazer uma filmagem, não pra sair de porta em porta, apenas ficar numa porta, assim, tal, e vamos fazer assim uma filmagem, que é pra apresentar como é que a gente faz, essa palestra, assim como eu tô dando essa aqui pra você, pra ter mais ou menos uma origem, o quê é que significa...
P/1 – Um registro, então?
R – Um registro, exatamente. Porque hoje é tão perigoso a gente chegar numa porta e cantar um reisado. Muita gente não abre porque não sabe o que é, é uma coisa insegura…
P/1 – Seu Aldenor, o senhor tava falando que, às vezes, as pessoas não conhecem o reisado.
R – Não conhecem. Vamos supor, de repente você vem de São Paulo, do Rio de Janeiro, de qualquer outro estado do Brasil. Vamos supor que não tenha essa brincadeira de reisado, mas como vocês vieram pra cá, vamos supor, estão se instalando aqui, porque a frente de trabalho aqui tá muito grande, e até o seu esposo trabalha numa firma dessa. Você vem, aí, eu chego na sua porta pra cantar, aí você não quer nem abrir porque, às vezes, você não sabe o que é. Rapaz, aquele tipo de coisa, e você não abre por essa precaução de você não querer abrir é porque você não sabe. Mas se você ver que aquilo é uma tradição daquele lugar, é uma brincadeira, que não corre risco nenhum, você vai e abre. Nos dá, ou mesmo que não dê nada, mas você já fica mais ou menos. Mas tem outras pessoas que não abrem exatamente por esse motivo, não é tanto porque não queira dar nada, ou isso, aquilo outro, não. Às vezes, eu considero essa parte, porque, às vezes, as pessoas, nem todo mundo, sabe a origem daquilo.
P/1 – Seu Aldenor, o senhor falou também que as pessoas, às vezes, não sabem, não conhecem e não querem abrir porque têm medo. Houve um aumento da violência aqui?
R – Ah, houve muito, é. Porque o que aumentou muito aqui... A frente de trabalho aumentou muito, foi muito grande, graças a Deus, aumentou muito a frente de trabalho, melhorou a vida aqui de muita gente, até uma parte do comércio. Mas também trouxe muito aquela insegurança, que a gente hoje não tem mais segurança em canto nenhum, porque a violência sempre aumentou muito. Que eu sempre bato nessa tecla, hoje é tanta da gente de fora que você não sabe nem quem é. Se tem alguém aqui por trabalho, se tem alguém se escondendo de alguma coisa, que nem já aconteceu. Que, às vezes, o pessoal vem aqui se esconder porque muita gente vem arrumar trabalho, às vezes, muita vezes é até um foragido, é uma pessoa que é procurada pela Polícia, às vezes, tem algum mandato de prisão. E o problema você sabe, a droga hoje tomou conta do Brasil. Você sabe que isso gera muita violência, insegurança e tudo isso aumentou muito, mas aumentou muito mesmo.
P/1 – Que tipo de droga? O crack que chegou aqui?
R – É crack, maconha, cocaína, é tudo. Todo tipo de droga rola aqui.
P/1 – Seu Aldenor, e como que o senhor imagina os 20 anos aqui, o futuro do Pecém?
R – O futuro?
P/1 – Isso.
R – Eu espero que se as leis não forem cumpridas, assim como não estão sendo, eu acho que a tendência é piorar. Porque vai crescer muito mais, vai chegar muito mais gente e a tendência é piorar a violência. Eu acho que se não tomarem umas medidas mais rigorosas e fazer as leis funcionarem como deve ser feito, entendeu, aí eu acho que não tem melhora pra isso, não. Pelo menos o Estatuto do Menor e do Adolescente. Isso foi uma das coisas que, na minha concepção, que mais criou, que mais gerou violência, foi o estatuto do Menor e do Adolescente.
P/1 – Por quê?
R – Ó, só de você fazer que você vai fazer uma malfeitoria, muito grave, uma malfeitoria muito grave e a lei lhe ampara pra não lhe prender? Existe uma lei nacional,, que lhe ampara, o estatuto do Menor e do Adolescente. Aí você vai pra uma instituição do menor, passa ali 20 dias, 30 dias, ou até um mês, ou às vezes não é nem um dia. Aí, você tá ali, pra fazer o que bem quer. Às vezes, um adulto forma ali um grupo, faz até um crime, aí, de repente, tem um menor no grupo e o cara assume pra ele aquilo que ele nem fez, mas tá no meio daquele grupo, aí ele vai e assume. Por quê? Porquê ele sabe que pra ele não dá nada. Entonce é isso que eu acho, que a tendência é piorar, se não houver uma outra medida, ou se o Poder Judiciário não der uma mudada nesses aspectos, eu acho que isso não vai melhorar tão cedo na vida, porque isso aí, ó... Outra coisa, o de menor não poder trabalhar, porque “não, é exploração ao menor”, eu acho isso tão... Porque o trabalho é uma ocupação, eu me acho, que enquanto tá trabalhando, que nem você tá trabalhando aqui, agora, a sua mente tá numa coisa, no trabalho que você tá fazendo. Quer dizer, aí, de repente, tu tá num canto e tu não tem o direito de trabalhar em nada, porque não pode trabalhar, isso e aquilo outro. Aí, o seu pensamento é mil coisas, não no trabalho, porque o trabalho é quem dá... Como é que diz? Prosseguimento de um homem, de uma mulher, futuramente, mais tarde ser uma pessoa bem melhor na vida. Agora, de repente, eu não ocupo a minha mente em nada, nem em trabalho. Eu sou pago pra estudar e, às vezes, nem na escola eu não vou, entendeu? É isso que eu acho que se isso não, por acaso, melhorar, a tendência é piorar. Se não vai melhorar, a tendência é piorar. É isso é que eu acho.
P/1 – Seu Aldenor, qual é o maior sonho do senhor?
R – Ah, o meu sonho é sempre ter a minha família do meu lado, estar convivendo bem com a minha família, ter meus netos, meus filhos, meus genro aí, ser uma só família. Porque a família da gente, às vezes, se separa, isso, aquilo outro. Mas, o meu sonho é esse, ter sempre os meus filhos junto comigo e a gente nunca se separar, ser uma só família. Se algum tiver em dificuldade, que às vezes desemprega, a gente nunca deixar aquela pessoa passar por uma situação difícil em termos de alimentação daquelas crianças, a gente sempre ter um pouquinho pra ajudar. Eu sempre peço a Deus pra isso, que sempre na minha mesa bote o prato pra mais um (risos).
P/1 – Tá certo. E, seu Aldenor, o senhor saiu do trabalho recentemente e o quê que o senhor tá fazendo hoje?
R – Eu faço só os trabalhos de casa, até ajudando a minha mulher, às vezes, aqui a varrer uma casa, espanar uma casa, tirar uma goteira da casa, fazer uma comida. Aí, eu fico mexendo nas coisa de casa mesmo, vou pra bodega comprar as coisas, que eu trabalhando ela quem ia. Eu agora já posso ir na bodega comprar, ela nem precisa mais sair de casa. Essas coisas de casa mesmo e, às vezes, um trabalho, assim, por fora, me chamam e eu vou ali na praia. Tem um bocado de gente despescando as redes, que eu fiz aquilo muito, àss vezes vou lá, ajudo a tirarem aquele peixe da rede, que nem eu fui agora, o menino me encontrou lá fazendo isso. Aí, tudo aí, não vou parar totalmente, não fazer essas coisinhas. Tem uma casinha aqui que eu sempre tomo de conta, uma casinha aqui, o cara pediu pra só acender as luzes à noite e apagar, na casa não mora ninguém. Às vezes eu nem entro de casa, é só mesmo pra aceder as luzes e apagar. Mas ele tem um quintal grande, eu vou lá, cisco o quintal, junto as folhas, ensaco, capino, pego uma enxada, começo com um facão, corto aqueles matos maior, sempre estou nessas atividades. É que nem eu falei, o que eu gosto mesmo é de trabalhar, o que eu pedi a Deus pra me libertar foi desse compromisso com o trabalho. E eu só quero um trabalho se for assim, pra mim ter liberdade, que nem eu tô aqui com vocês à vontade, bem à vontade, sem estar pensando que ali tem uma pessoa esperando por mim. Não. Nada disso. O que eu quero é isso.
P/1 – E o quê que o senhor achou de ter contado a história do senhor?
R – Ah, eu achei bonito. Foi muito bacana ter encontrado vocês aqui, pra pegar aqui a minha história. A minha maneira de viver, a minha maneira como eu vivo até hoje, como eu comecei, toda aquela origem, o perigo que eu passei, entendeu como é que é, que foi muito... Que é um momento que eu não vou esquecer nunca. E tudo isso, só de vocês estarem aqui, também, me ouvindo, ouvindo a minha história, eu também fico feliz com isso.
P/1 – Tá certo. Seu Aldenor, a gente agradece pela história do senhor.
R – Pois é.
P/1 – Obrigada e parabéns.
R – (risos) Obrigado também digo eu. Quando precisarem para alguma coisa eu tô aqui. Eu sempre faço essas entrevistas mas não assim, como eu tô fazendo com vocês.
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