Projeto comemorativo dos 50 anos da Ponte Rio Niterói
Entrevista de Fernando Luiz Correia
Entrevistada por Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 01 de março de 2024
Entrevista PRN_HV007
Revisado por Nataniel Torres
P - Bom dia, Fernando, muito obrigada por estar participando conosco do projeto de memó...Continuar leitura
Projeto comemorativo dos 50 anos da Ponte Rio Niterói
Entrevista de Fernando Luiz Correia
Entrevistada por Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 01 de março de 2024
Entrevista PRN_HV007
Revisado por Nataniel Torres
P - Bom dia, Fernando, muito obrigada por estar participando conosco do projeto de memória comemorativo dos 50 anos da Ponte Rio-Niterói, obrigada pela sua participação.
R - Eu que agradeço aí, essa oportunidade de falar um pouco sobre o órgão e sobre essa obra, que foi na época uma obra monumental.
P - Bom, então vamos começar do começo, pedindo por favor, que você nos dê seu nome completo, local e data de nascimento, por favor.
R - Nasci no antigo estado da Guanabara, hoje estado do Rio de Janeiro, no dia 21 de abril de 1956. Meu nome completo é Fernando Luiz Correia.
P - E o nome dos pais, por favor? E profissão?
R - Meu pai é Antonio Correia, minha mãe Laurinda Estela Bogalhão, né? Os dois eram comerciantes, minha mãe do lar e comerciante, ajudava meu pai no comércio que ele tinha. E eu sou o terceiro filho de uma sequência de 4 filhos da minha mãe. E que, sou o filho assim, que tinha mais ligação com os meus pais. Minha mãe falava que eu era o sem vergonha da família. É uma fase muito difícil de falar.
P - Em relação aos avós? Você conhece um pouco a origem da sua família? Conheceu os avós paternos e maternos?
R - Conheci a avó materna. Minha vó Isaura, que ajudou meus pais a nos criar junto com uma tia, irmã do meu pai, que hoje está com 94 anos, é a única sobrevivente dessa geração. Inclusive está internada no hospital, a gente está muito preocupado com ela, mas estamos lutando pela vida dela, porque aquela, aquele fio de ouro, ainda, que a gente tem de ligação. E os meus pais são de origem portuguesa, minha família toda é de origem portuguesa, e eu só conheci minha avó porque ela veio para cá, meu avô morreu na guerra, e aí ela veio para cá morar com os meus pais. E aí trouxe uma tia, uma outra tia que já faleceu também, irmã da minha mãe. Então, toda origem da minha família é portuguesa. Nós somos a primeira geração de brasileiros, eu e os meus irmãos, meus primos, somos a primeira geração de brasileiros nascidos aqui na terra, vindo de imigrantes portugueses.
P - Os irmãos? Você tem irmãos, e o nome deles, por favor?
R - Tenho meu irmão, minha irmã mais velha, Maria de Fátima, o segundo da hierarquia, o Antonio Carlos, eu, Fernando Luiz Correia, e minha irmã mais nova, tem aí, uma diferença de quase 12 anos para mim, a Glória de Lourdes. São os 4 irmãos, somos muito bem relacionados, nos damos muito bem, somos amigos demais. É uma formação familiar deixada pela minha mãe, pelo meu pai, muito forte. Tanto de fé, quanto de amizade. De partilhar, compartilhar todos os problemas, as vitórias, tudo isso. Todos formados, meu pai, mesmo tendo muita dificuldade financeira, porque era comerciante aqui no Rio, ele conseguiu formar os 4 filhos em nível superior. Minha irmã e meu irmão eram do Banco do Brasil. Minha irmã foi gerente administrativa do banco, meu irmão foi diretor do Banco do Brasil, hoje mora em Brasília, e a Glória foi gerente do Itaú. Então todos com formação superior, o meu pai se orgulhava muito disso, entendeu?
P - Você pode contar um pouquinho, não sei se isso era contado falado em casa, um pouquinho dessa imigração de Portugal para o Brasil, por que vieram? O ano? E onde eles se estabeleceram, em que bairro da cidade? Só para a gente conhecer um pouquinho da história da família Correia.
R - O ano da migração dos meus pais, eu estou com, eu sou de 56, meu irmão é de 54, minha irmã é de 52, então foi em 1952, 51, 52, minha mãe veio grávida da minha irmã. Eu falo assim: “Fatima, tu tens 70% de nacionalidade portuguesa". Então, ela veio grávida da minha irmã, e em 52, e se estabeleceram em uma região aqui que os portugueses na época eram muito assim, regionalizados. Na região de Madureira, onde a gente foi criado, ali na região de Madureira, meu pai veio para trabalhar com uma pessoa que ele tinha, não era bem parente, mas era uma amizade muito grande lá de Portugal, e ela veio antes, se estabeleceu no mercado de Madureira, e aí trouxe meu pai para trabalhar no antigo mercado de Madureira, não o mercadão hoje, que o antigo é hoje a quadra da escola de samba Império Serrano, eram os boxes dos portugueses que trabalhavam ali. Depois passaram para o mercadão, do outro lado de Madureira. E aí meu pai saiu do mercado e foi tentar a vida no comércio. E aí teve 3, 4 comércios aqui no Rio de Janeiro.
P - Em que ramo?
R - Primeiro foi uma quitanda. Era uma coisa assim, que a gente fala quitanda, aí o pessoal jovem fala “o que é isso?”. Então, era um comerciozinho pequeno de bairro, que vendia legumes, frutas e algumas coisas. Depois teve uma mercearia, que já era, hoje são os supermercados. Vamos considerar assim, vendia de tudo. Depois foi para posto de gasolina, e o meu pai, por mais que não tivesse um estudo completo, ele tinha o segundo ano primário, mas ele era um cara que conhecia muito de construção civil. Porque a base dele em Portugal, antes dele casar e vir para cá, ele era lapidador de pedra. Lapidador de pedra não é pedra preciosa não, é mármore, granito bruto, e conhecia muito de construção civil. Aí ele se juntou com um amigo dele, que já conhecia meu pai há muito tempo, e foram para a construção civil. O meu pai fez obras maravilhosas no Rio de Janeiro, uma delas é aquela… Complexos de lojas, no antigo Tok Stok, atrás do Itanhangá Golfe Clube, e aí nasceu a minha vocação pela engenharia. Meu pai comprou uma casa, a primeira casa dele, e ele quis reformar a casa, eu tinha perto de 14 anos, e eu fui ajudar ele a reformar a casa, e nasceu a vocação pela engenharia civil, que hoje eu sou formado engenheiro civil. Então, nós reformamos a casa toda. Então, essa trajetória do meu pai, um homem brilhante, um homem maravilhoso, vi ele conversar com arquitetos ao mesmo nível de um cara de nível superior, essas coisas todas, uma coisa, uma trajetória muito bonita dos meus pais, do meu pai e da minha mãe. Minha mãe ajudava meu pai, mesmo grávida, eu vi minha mãe pegar sacos de milho, de coisa, para ajudar meu pai no comércio. Uma coisa muito bonita, uma história muito bonita dos dois, não estão mais aqui com a gente, estão com papai do céu, com certeza, mas é uma história muito bonita de vida.
P -
Você poderia contar um pouquinho, como é que era o ambiente da sua casa na sua infância? E também um outro aspecto, que acho importante, a questão da religiosidade da família? Se a gente puder rememorar um pouquinho.
R - Aí é história para 10 anos.
P - Mas, vamos lá, conta um pouquinho, que é muito bonita.
R - A minha mãe sempre foi o elo principal. Da família toda. Hoje a gente até comenta isso, porque ela gostava de reunir a família no final de semana, e não é só os filhos, genros, noras, netos, não, era tios, primos. Ela gostava de reunir, ter aquela… Entendeu? Então, ela, minha avó preparava o almoço de domingo. Aquelas comidas portuguesas, tripa lombeira, bacalhau, cabrito assado, então sempre era uma festa, virava uma festa o domingo em família, e ela deixou para gente um legado muito forte de religiosidade, minha mãe era muito devota de Nossa Senhora, ela tinha um hábito muito grande de rezar. E meu pai também, ele fechava o comércio por volta de 17h50, era aquela coisa, aí 18h00 nós sentávamos para rezar o terço e depois jantar. Então, ele deixou essa fé em todos os filhos, todos os filhos têm a mesma fé, toda mesma formação. Não é que a gente desfaça das outras religiões, a gente tem conhecimento de todas as outras religiões, mas ela deixou a fé católica na família. E ela, quando morreu, me pediu um negócio, ela falou assim: “Continue a fazer o que eu fazia”. E hoje eu permaneço com a mesma coisa, eu reúno minha família na minha casa, às vezes aos domingos, uma vez por mês. Sempre que eu posso, aí reúno, para a gente almoçar, bater papo, conversar, trocar, jogar conversa fora. Então, eu mantenho a tradição da minha mãe. A trajetória sempre de paz, de muita harmonia, eu nunca vi meus pais brigarem na vida toda de convívio com eles. Quando eles tinham que brigar, falar alguma coisa, eles iam para o quarto deles, se trancavam lá, conversavam. E foi a nossa trajetória, foi a nossa vida, ela tinha o hábito de todo final de ano. Ela pegava a família. Eu, meu pai, os 4 filhos, meu pai, minha tia,
e ela, e no último domingo do ano, ou no penúltimo domingo do ano, a gente subia a escadaria da penha para agradecer Nossa Senhora da Penha por aquele ano que a gente tinha passado, e pedir a ela a proteção para o ano seguinte. E cada um levava uma vela do tamanho da gente. Assistimos à missa, depois descíamos, almoçávamos. Então, era uma coisa assim, tradicional que ela fazia,entendeu? E isso foi se desenvolvendo na gente, claro que isso ajuda muito. A base familiar, e quando você tem família, religião, quando você tem todo esse complexo de coisa, ajuda muito a gente a crescer, a gente a progredir na vida, entendeu?
P - Bonito a história (risos). E em relação ao ambiente da casa? Quando você era criança, quais as brincadeiras? Você brincava de na rua? Quais eram os jogos? Havia alguma diferença entre a educação das meninas e dos meninos na família?
R - Muita diferença, o padrão das famílias antigamente. Era diferente a criação dos meninos para as meninas. Os meninos tinham mais liberdade, as meninas eram mais retraídas. Quando a minha irmã começou a namorar, meu pai: “Vocês dois tem que tomar conta dela, não sei o que, tal…” E foi assim a criação naquele tempo. Eu digo hoje assim, hoje as crianças, a diversão das crianças é pegar um celular, pegar um jogo eletrônico, ficar em casa jogando, naquele tempo a gente ia para escola, e tinha vontade de voltar para casa rapidinho, por quê? No final do dia a gente ia para a rua, fazer as brincadeiras tradicionais. Queimado, pique, futebol, no meio da rua, não era a rua que tem hoje. Então, a gente tinha aquela, aquela diversão de rua. Vamos.. É a hora de brincar, aí a gente ia brincar no meio da rua, com mais liberdade, menos problemas, perigos em volta da gente. Então, a gente teve uma criação normal de filhos de família tradicionalmente portuguesa.
P:
E como é que era a relação um pouco com a vizinhança? A garotada da vizinhança? Quem eram os vizinhos?
R - Muito boa, muito boa, os garotos da nossa idade. Hoje nós temos muitos amigos ainda, que a gente preserva daquele tempo. A gente, quando se encontra, é uma festa. Então, era muito boa, não tinha nenhum problema com vizinhança, briga de vizinho, nada. Quando um tinha um problema saia todo mundo atrás de socorrer aquela família. Era uma coisa assim, muito legal, que hoje a gente não vê. A gente conhece as pessoas pelo número delas “aquele ali é o morador do apartamento 202. Qual é o nome dele?”. “Não sei!”. Tu mora há 200 anos em um prédio, mas não tem conhecimento de quem são as pessoas que estão à sua volta. Então é muito diferente, a gente conhecer cada pessoa, o nome dos pais. E era aquele negócio, que eu fiz isso com a minha filha. Os pais tomavam conta de todos os filhos. Cada um: “Ah, vamos levar para o futebol". Aí ia aquela turma de pai que tomava conta dos outros que não iam. Então, é muito bom isso, eu fiz isso na criação da minha filha, eu tomei muito conta, eu levava todo mundo para sair com a minha filha, ia pegar nas festas. Não tinha horário para dormir. Ou no final de semana. Foi aquela criação realmente de uma família tradicional portuguesa.
P - Você cresceu em que bairro? Você cresceu também em Madureira?
R - Madureira, quer dizer, eu nasci na Abolição. Na Avenida Suburbana, fui criado na região de Madureira, um bairro chamado Vaz Lobo. Muita gente não conhece, mas é a região de Madureira, Vaz Lobo, Vicente de Carvalho, Irajá, adjacências, Marechal Ervas, Oswaldo Cruz, que é a região ali da área, em torno de Madureira. Mas, minha criação toda foi, desde os 6 anos de idade, eu fiquei na Abolição. Nasci na Abolição, e fui criado até os 6 anos, depois dos 6 anos nós mudamos para Vaz Lobo, e aí eu fiquei. Quase a eternidade, a minha vida toda, porque eu casei, continuei morando em Vaz Lobo, aí há 20 anos eu mudei de Vaz Lobo, fui para Jacarépagua, mas mantenho as raízes em Vaz Lobo, vivo em Vaz Lobo. Com todo o perigo que tem, mas eu adoro Vaz Lobo, se tiver “onde tu que morar?”, “Vaz lobo”, porque foi meu lugar de criação.
P - E memórias do bairro? A presença do carnaval já era uma presença no bairro forte na sua juventude? Como é que era, das escolas de samba?
R - Muito, muito…
P - Como é que era a relação um pouco da sua família?
R - Em Vaz Lobo nós tínhamos uma associação de moradores e de comerciantes que promovia o carnaval de rua, o famoso carnaval de rua. Então, o bairro era todo enfeitado, e tinha um concurso, da melhor decoração de carnaval, então disputava Madureira, Vaz Lobo, Irajá e Vicente de Carvalho. E aí a gente tem um grupo ali muito forte de carnaval em Vaz Lobo, e quase sempre a gente ganhava. E aí tinha as duas escolas de samba, o Império Serrano, por mais que esteja hoje em Madureira, a origem dela é o Quilombo da Serrinha, do Morro da Serrinha, em Vaz Lobo. Então, a casa do quilombo ainda está lá, onde foi formado, e grandes compositores, um dos maiores compositores de sambas enredos do Império Serrano, que é o mestre Silas de Oliveira morou em Vaz Lobo, a esposa dele era merendeira da escola pública onde eu estudava. Eles faziam compras no armazém do meu pai, é uma história assim, e aí depois, saíram do quilombo. Dali, e foram, montaram, o mercado saiu do galpão lá, aí eles montaram a escola em Madureira, mas na realidade a origem da escola de samba do Império Serrano é em Vaz Lobo, na Serrinha. Hoje o Império, Portela, e tinha Tradição que foi uma dissidência, um período aí da Portela, houve uma dissidência do pessoal da Portela, e montaram a Tradição, hoje já voltaram todo mundo para a Portela de novo. E as escolas saiam para desfilar em Vaz Lobo, para animar o carnaval, e tinha bloco. “O bafo da onça”, “Cacique de Ramos”, “Os Boêmios de Irajá”, então era um carnaval de rua maravilhoso.
A gente viveu uma era de ouro do carnaval. Tinha o “Bloco das Piranhas de Madureira”, onde o presidente, muitos anos foi um jogador de futebol que era Moisés do Vasco. Então, era uma coisa, carnaval de rua entre Vaz Lobo, Madureira, Irajá e Vicente de Carvalho, você tinha que escolher qual o melhor, “vamos pra onde?”. Era muito bom.
P -
Você comentou sobre a escola e a merendeira, podemos então falar um pouquinho dessas suas memórias escolares? Aonde você estudou? Você e seus irmãos? Um pouco dessa memória? Como era? Tinha um uniforme? Como é que era? Alguma professora que tenha mais marcado?
R - É, professora todas marcaram. A gente tem uma lembrança de muitas… E a trajetória foi quando a gente chegou a Vaz Lobo tinham 4 escolas. Escola América do Sul, a Irmã Zélia, Cristo Rei e o Republicano, eram 4 escolas. A América do Sul era uma escola dentro de uma igreja, que é a igreja que eu frequentei, a igreja de Cristo Rei, e ela tinha como base o ensino básico. O Pré escolar, vamos dizer assim, hoje creche, aquela coisa toda. Aí depois tinha a irmã Zélia, que era uma escola que é escola ainda, é municipal, uma escola pública. O Cristo Rei e o Republicano eram dois ginásios. Era parte do ginásio e científico. Então, eu fiz essa trajetória. Quando eu cheguei, eu fui estudar na América do Sul. Depois eu passei para a irmã Zélia, e depois eu fui para o Republicano fazer a minha parte ginasial e científica. Então, essa é minha trajetória, foi uma formação muito boa, todas as escolas tinham uma formação muito boa. Todas as escolas tinham um nível de professores excelentes, eu tenho colegas ainda da América do Sul, do início, Marilsa, Adriana, tal, que a gente se encontra até hoje.
P - Que incrível, que bacana.
R - A gente tem um grupo, um grupo que é “saudades de Vaz Lobo”, né? Então…
P - É um grupo de whatsapp?
R - Whatsapp. Então, a gente conversa muito, a gente tem muito… Pelo meu trabalho depois, que eu desenvolvi dentro da igreja lá, da Cristo Rei, então isso ficou mais amplo ainda, então o bairro de Vaz Lobo era muito conhecido. Hoje chega em Vaz Lobo, o pessoal diz assim “chegou o deputado estadual”. Mas é tudo brincadeira, então, a gente tem amizades até hoje, pessoas que vivem lá. Foi o primeiro cinema, dizem, né? Foi o primeiro cinema do estado da Guanabara, é o Cine Vaz Lobo, que está preservado historicamente. Então, quer dizer, é um bairro muito bom, muito gostoso. Por mais que hoje esteja cercado de violência, de morros, de não sei o que, como vários bairros no Rio de Janeiro, mas é um bairro muito bom, muito gostoso de viver, entendeu?
P - Alguma lembrança de algum festejo na escola? Tinha alguma, ou uma festa cívica? Ou tinha uma bandinha? Ou tinha alguma festa que era mais comemorada?
R - Era mais no ginasial. No ginasial a gente, quando o Republicano era um colégio, por mais que seja um colégio particular, era um colégio muito padrão. E a gente tinha que formar, e cantar o hino nacional todo dia, hastear a bandeira, e depois no final da tarde formar de novo, para recolher a bandeira, então tinha uma formação cívica, aí a gente lembra da formação lá. E tinha os eventos que a escola promovia, as festas, festa junina, festa da primavera. Tinham várias festas que eles promoviam. Tinha o professor de música, eu lembro até hoje. Um professor muito dedicado, era um maestro, maestro Cervante, que dava aula de música, que orquestrava toda a escola na hora do hasteamento da bandeira e do canto do hino, entendeu?
P - Tinha o dia da bandeira que se fazia?
R - Tinha, tinham vários eventos durante o ano. Era muito importante na formação nossa. Entendeu.
P - Você lembra do uniforme? Material escolar?
R - Sim, todas as escolas tinham uniforme. América do Sul era um uniforme de calça curta ainda. Vamos dizer assim, bege. A irmã Zélia, que era uma escola pública na época, era bermudazinha, calça curta azul com blusa branca, com aquele “escola pública”. E o Republicano era um uniforme verde. Calça verde, camisa verde. Então, era um uniforme verde, lembro como se fosse hoje.
P - A sua memória incrível, Fernando.
R - Todos eles tinham os uniformes. Muito bom.
P - Algum desfile no bairro? Você lembra?
R - Sim, principalmente o dia 7 de setembro, que era o desfile cívico, que reunia todas as escolas do bairro, aí tinha as bandas, tinha disputa “qual é a melhor banda”. E aí cada um tocava um instrumento que fosse qualificado para aquilo. Tinha a aula de instrumentos para isso. Então todas elas tinham suas bandas próprias, e geralmente quem não tinha, que eram as escolas públicas que desfilavam, aí o pessoal chamava a banda dos fuzileiros navais para animar, a gente chamava de fanfarra,né? Entendeu?
P - Era fanfarra…
R - Para a gente animar o desfile. Mas, era muito bom, muito bom, formação de bailarinas. Com bambolê, com várias coisas, muito legal, entendeu?
P - Em relação a passeios? A família, seu pai trabalhava muito. Pelo que você falou, e sua mãe também. Algum passeio, final de semana? Vocês, com os pais, iam para algum lugar na cidade ou vinham fazer algum passeio?
R - Geralmente meu pai programava.
P - Algum programa familiar?
R - Familiar no final de semana. Ele tinha 1 ou 2 domingos, ele fechava o comércio, não abria o comércio…
P - Domingo abria, né?
R - É, domingo abria, às vezes abria até só meio dia, e aí ele pegava a família, ia passear, nós íamos ao parque em Petrópolis. Nossa Senhora da Aparecida. A gente foi várias vezes com meu pai a Aparecida do Norte.
P - Você está falando de que época, Fernando?
R - 64, 65, por aí.
Então, meu pai tinha o hábito de levar a gente para passear. E a noite, quando era no verão, era uma coisa incrível assim, juntava toda a “portuguesada” da área, e a gente ia para Ilha do Governador para a praia ali do Galeão, que era uma praia que ainda podia-se tomar banho. E a gente ia tomar banho a noite ali. Entendeu?
P - Incrível…
R - Aí todo pessoal comerciante da área, todo mundo ia para ali, aí a noite ficava ali, depois a gente vinha para casa, para descansar, mas eles faziam, tinham esses hábitos assim, muito legal.
P - Você tem essa memória desse banho de mar?
R - Tenho
P - Vocês iam como? Se ia de carro? De bonde? Como é que era?
R - De carro, de ônibus.
Os que tinham carro levavam outros, quem não tinha ia de carona, de ônibus. Naquele tempo tinha ônibus bem… As jardineiras. A gente fala assim “a jardineira, que é isso?”. Não, a jardineira era um ônibus que tinha, antes desses ônibus que tem hoje aí, mas era, a gente ia na jardineira ou no bonde. Porque tinha o bonde ainda também. Sou do tempo do bonde. Os bondes de carnaval de Madureira para Vaz Lobo, que eram maravilhosos, entendeu?
P - Era “Bonde de Vaz Lobo”? Será?
R - Não, ele fazia Madureira, ou Irajá, ou Vicente de Carvalho, tinham duas linhas. Depois na linha do bonde nasceu o famoso chifrudo, que era o ônibus elétrico. E depois, veio esses ônibus a diesel, tal. Então, tinha toda essa gama de transporte. Foi uma época de ouro.
P - Uma curiosidade, em relação ao armazém do seu pai, qual era o nome do armazém?
R - Era conhecido como “Armazém do Correia”, tinha várias mercearias no bairro, né? Uma delas foi a que deu origem ao Supermercado Mundial, Grupo Mundial. Então, cada um tinha um nome, o “Armazém do Correia” tinha o supermercado que já era “Armazém Mundial”. Tinha o do seu leal, o “Armazém do Leal”. E todo mundo era amigo. Não tinha aquele negócio de briga, nada disso. Era todo mundo amigo, todo mundo acordava de madrugada para ir para o Mercado de Madureira, todo mundo junto, fazia os produtos todo mundo junto. Era uma coisa muito de amizade, de parceria.
P - Em relação a sua juventude, né? O seu ginásio, a vida já mudou? Como é que era um pouco baile? Festinhas? Que músicas vocês ouviam? Tinha festas de danças?
R - É, a gente promovia. Na realidade, a juventude nossa era, final de semana a gente se encontrava na igreja, ou no cinema em Vaz Lobo, ou em uma sorveteria que tinha, que era “Sorveteria do Alex”, no final de semana, a gente se encontrava ali para bater papo, a juventude, conversar, ver filme. Na igreja, a gente ia à missa, tinha um futebol depois da missa, nós tínhamos um padre, que era o padre Joaquim Marques Pascoal, que ele era um jovem da nossa idade na época, formado em padre, mas que adorava futebol. Então ele acabava a missa, e gritava “gente, vamos jogar nosso futebol”, e ele saia correndo, trocava de roupa, e ia jogar futebol com a gente. Então a gente passava os sábados e os domingos naquela coisa ali, igreja, cinema, sorveteria. Passeio ali no bairro, tudo, não tinha muito o que tem hoje de perspectiva de jovem, nem boate, essas coisas, e as festinhas eram feitas nas casas. Entendeu? Os pais abriam as portas, aí os garotos levavam as bebidas, o refrigerante, e as meninas levavam os salgados. Era o chamado “Hifi”. Aí vitrolinha com os discos de vinil, que até hoje eu tenho uma coleção de vinil muito grande, porque eu adoro música, eu sou apaixonado por música. Já fui DJ, já fui na época não era DJ, era discotecário. Então, eu tenho, tenho essa relação com a música, eu tenho necessidade de ouvir música. E não tem tipo de música, qualquer tipo, qualquer coisa me alegra. Então, aí a gente vivia nessa plataforma, crescemos juntos.
P - O que você gostava de ouvir na sua juventude? Que músicas você ouvia?
R - Na época eram os famosos conjuntos de Iê Iê Iê. Renato e seus Bluecaps, The Fever, Roberto Carlos, essa turma toda.
P - Tinha uns disquinhos pequenininhos?
R - Compactos.
P - Compactos!
R - Compactos, vários compactos, que a minha esposa, que eu conheci lá na infância, a gente, os dois, gostávamos de muita música, então os dois tinham uma coleção muito grande, quando a gente casou, juntou as coleções. Até hoje eu permaneço com essa coisa de música na minha vida, entendeu?
P - Como é o nome da esposa?
R - Maria da Conceição de Souza Correia.
P - A gente já vai falar. Bom, agora então, uma outra questão, cinema, algum filme que tenha te marcado mais na juventude? Você lembra de algum?
R - Tinha “Love Story”, esses filmes assim, tão tradicionais, antigos que a gente tem muitos que a gente já esqueceu o nome. “Ao mestre com carinho”. Um mais recente “Perfume de mulher”. São filmes que marcam a gente, são filmes românticos, filmes de história que mexem com a gente, com o cotidiano da gente. Mas tem muitos filmes…
P - Agora em relação, já no seu científico, não sei se você fez o científico como a gente falava.
R - Científico…
P - Naquele momento, como era na escola, já se definia mais ou menos uma área que você queria seguir? Você já tinha alguma expectativa do que gostaria de estudar? E também em relação ao trabalho, você começou a trabalhar jovem? Você comentou que ajudava seu pai um pouco na obra, pode contar então, um pouquinho como é que foi essa…
R - Científico eu já. Você já mais ou menos se programava para o que você desejava. E aí eu fui para área mais chegada de engenharia, que era desenho técnico…
P - Já se definia naquela época? Entendi.
R - Entendeu? E aí eu fui estudar essa parte do científico, da formação científica. Tinha um pessoal… Contabilidade. As carreiras eram muito assim, pequenas. Os grupos de carreiras, mas então eu já fui mais para a área técnica mesmo.
P - Qual foi a escola que você fez o científico?
R - Colégio Repuplicano, em Vaz Lobo. E aí me formei no científico, e aí fui fazer vestibular para engenharia civil. Então, foi uma definição mesmo de, como eu falei, que eu gostei, me identifiquei quando eu comecei a fazer obra com o meu pai. Quanto ao trabalho, eu comecei muito jovem. Com 6, 7 anos eu já ajudava meu pai no armazém, minha mãe, entregava compra na casa das clientes, eu e meu irmão. Então, eu comecei muito cedo com ele, com 6, 7 anos. Aos 14 anos eu falei para o meu pai que eu queria trabalhar, porque eu estudava à noite, fazia o científico, eu queria trabalhar, ganhar o meu dinheiro. Eu ganhava um dinheirinho com meu pai, mas aí meu pai tinha um amigo, e esse amigo me contratou para trabalhar na empresa dele, aos 17 anos eu era gerente dessa empresa…
P - Nossa…
R - Era uma empresa de distribuição de gêneros alimentícios, com 17 anos eu era gerente dessa empresa, Aí houve uma mudança na empresa que o filho do dono, que era diretor de uma grande empresa, foi demitido, ele veio trabalhar na empresa, e criou certos problemas, daí como eu não gosto de problema, eu pedi a minha demissão, aí o dono da empresa, seu Teonaz falou assim: “Não, está maluco, tu vai embora?”. “Não, vou embora, não gosto de confusão". E eu sabia o que estava acontecendo, o que o filho dele estava fazendo, junto com uma outra pessoa que trabalhava, e eu não queria envolvimento, aí fui embora da empresa, aí na “Cimento Irajá”, já ia fazer 10 anos. Naquele tempo, a condição do menor trabalhar legalmente. Eu tenho até hoje a minha carteira de trabalhador de menor, entendeu?
P - Isso depois a gente vai pedir para fazer uma cópia…
R - Tem que catar essas coisas. Então eu fui para Cimento Irajá, que era uma produtora de cimento branco, e era ligada ao Grupo Cauê, que hoje é o Grupo Votorantim. Aí trabalhei no Grupo Cauê até os 20 poucos anos, quando eu fiz prova para a área pública, para o antigo, antigo não, INSS. E aí passei, só que passou um número muito grande de pessoas, aí deram para gente escolher os órgãos que a gente queria trabalhar, como eu já pensava em engenharia civil, já estava… Aí eu vou para o DNER, com 22 anos. Aí eu estava no DNER, entendeu?
P - Então, antes então da gente entrar no DNER, porque são muitos anos, muitas décadas de envolvimento com um órgão, vamos rememorar o período da universidade, você consolida trabalho e universidade? Onde é que você foi estudar? Como é que era o ambiente da universidade?
R - A universidade…
P - Que ano era, Fernando, por favor?
R - Eu comecei aqui em 78, na universidade também em 78, se eu não me engano em 76, por aí, dois anos antes de entrar aqui. Então, é uma universidade basicamente militar. Era a Faculdade Reunidas General Nuno Lisboa, ela tinha a sede dela em Vaz Lobo mesmo, e aí eu comecei a fazer o básico, porque naquele tempo tinha, hoje não, você já começa profissionalizante, mas naquele tempo, nós tínhamos dois anos de iniciação na faculdade básica. Aí eu fui fazer o básico, e aí nesse período de dois anos a faculdade criou o campus universitário lá em Vargem Grande, perto do Pontal. E aí começou a coisa a, não a complicar, mas dificultar para quem não tinha carro. Então, o que que aconteceu? Primeiro o horário de aula era às 18h00 da tarde, a universidade começava, e era regime militar, 18h00. E a gente acabava o último horário, das matérias 23h30, 23h20. Então, tinha que sair de Vargem Grande, para vir para Vaz Lobo. E de Vaz Lobo, depois eu mudei para Vila da Penha um periodozinho, que meu pai comprou uma casa na Vila da Penha, aí eu pegava um ônibus, que aquele tempo não tinha ônibus à noite, os ônibus eram recolhidos, então a gente tinha que chegar em Vaz Lobo antes das 0h00, para pegar um ônibus para conseguir chegar na Vila da Penha, que eu não tinha carro. E aí eu chegava em casa meia noite e pouquinho, 0h10, 0h15. Minha mãe deixava um pratinho de comida para eu comer, eu comia, não acordava ela nem meu pai, porque eles acordavam muito cedo, aí comia, ia descansar até às 5 e pouco da manhã, 5h15, quando eu levantava para tomar um café, e pé na rua para ir trabalhar. Então, era uma vida…
P - Que batalha…
R - De batalha, era uma vida que hoje muito jovem não conhece. A gente trabalhava para estudar, para pagar os estudos. Eu falava “pai, até aqui o senhor ajudou, daqui para frente somos nós que temos que caminhar, com os nossos pés”. Então, dá aquela preocupação, o pai sempre ajudou a gente, sempre tinha um motivo para ajudar a gente. Mas, era uma trajetória. Foi uma trajetória dos 3 últimos anos, muito cansativa, muito desgastante. Porque, esse período, eu dormia em média 4 horas por dia, 4h30, porque tinha dia que a gente tinha que fazer trabalho da faculdade para entregar, e aí não tinha como, você trabalhando fazer o trabalho. Então, aí a gente tinha que ficar acordado um certo período para conseguir conciliar os trabalhos, para poder entregar na faculdade, mas foi, é uma coisa boa, é uma coisa que me enriqueceu muito, me engrandeceu muito esse sacrifício todo, entendeu?
P -
Mas, quer dizer, entre você acabar o seu científico, e a universidade você passou um período trabalhando, foi isso ou você foi direto?
R - Não, desde os 14 anos, eu comecei…
P - Você estava trabalhando…
R - ..Eu comecei já a trabalhar direto e não parei. São 47 anos de trabalho no serviço público, e 7 anos na iniciativa privada.
P - E na universidade, na faculdade como é que foi esses 2 anos iniciais? Como é que era a turma, como é que era o perfil dos colegas da engenharia?
R - Perfil era praticamente, nós tínhamos o mesmo nível de perfil. E aí, a parte assim de amizade, de grupo de trabalho, de estudo, de um tentar compensar o outro era muito forte. Uns tinham carro “vou te dar carona, não sei o que, tal". Quando o cara não ia, a gente ia de ônibus, e era essa coisa assim. Mas era um nível, era o mesmo, não tinha assim, uma elite, outra não, a faculdade, até a própria faculdade, o estilo de ensino dela, ela não deixava criar esses níveis diferenciais, então era tudo, e até hoje, tenho engenheiros amigos. Formados, a gente mantém contato também. Eu sou um cara muito bom de fazer amizade, de criar amizade, e manter as amizades.
P - Isso é muito importante, cultivar as amizades, é muito importante…
R - Muito, muito, muito, entendeu,
P -
Mas nesse começo de faculdade, você já começou a enveredar, tinha o que? Você poderia escolher engenharia civil, elétrica, como é que era esses dois anos?
R - É, você fazia uma opção, você fazia uma opção no início, tinha elétrica, eletrônica, civil. A faculdade só tinha esses 3 ramos. A Gama Filho, por exemplo, era uma faculdade que tinha todas, mecânica, essas coisas todas, então na época, você optava por qual era a sua preferência. E para você entender bem como o grande número de candidatos era para engenharia civil. O que que eu fiz? Qual é a faculdade que tem menos candidatos? Aí, pesquisei, eu comecei como engenharia eletrônica. Aí os primeiros 6 meses, o primeiro período, eu estava me preparando,
fazendo todas as matérias ligadas à eletrônica. Aí como a gente tinha a opção no final de 6 meses de reavaliar a nossa escolha, aí eu fui lá “quero civil”, aí eu passei para o grupo da civil. Mas as matérias eram muito idênticas. Não tinha muita diferença. Era física, era química, era computador que naquela época era Linguagem Fortran. Era tudo o mesmo nível, são 4 períodos que a gente estuda os dois anos. A partir do quinto período, a gente ia entrar na esfera profissional, em matérias mais dirigidas. Mas a base dos dois anos era muito idêntica, não tinha muita diferença não. A gente estudava, por exemplo, uma matéria, material de construção. Aí na parte de eletrônica, materiais eletrônicos, tal, mas era uma coisa muito idêntica, os dois anos básicos, onde a grade de matérias era muito parecida, não tinha muita divergência.
P - E naquele momento, na faculdade, se falava por exemplo, em obras, ou grandes obras que aconteciam ou estavam acontecendo na cidade do Rio de Janeiro? Algum professor que trabalhe em uma grande obra? Tinha tido por exemplo, a construção da Ponte Rio-Niterói, a obra do metrô ia iniciar, se falava um pouco disso, você tem essa memória?
R - Nós tínhamos professores que trabalhavam nessas empresas. Tinham professores que trabalhavam em grandes barragens, né?
P - As hidrelétricas…
R - Hidrelétricas, então a gente conversava muito sobre isso. E como meu pai já estava na área também de construção, eu tirava um tempinho para ir acompanhar ele nas obras dele. Trabalhava com ele nas obras dele de freelancer. E aí comecei a ter mais contato com obras de grande porte, prédios que ele construiu. Alguns empreendimentos de fábricas. Então eu comecei a ter esse negócio, porque na realidade foi aquilo que eu falei, a gente começou fazendo a reforma da casa do papai. Depois eu fui trabalhar com ele assim, freelancer, nada com carteira assinada. Porque eu já estava trabalhando com carteira assinada aqui fora. Mas, tive contato com muitas obras grandes, professor que trabalhou na Barragem de Itaipu, Alvarenga, ele era um dos calculistas da Itaipu, internacional. Então a gente tinha contato com essas obras. Fazia visita, inclusive, essas coisas todas.
P - Isso que eu ia perguntar, faziam visitas, ou você fez estágio, por exemplo?
R - Não, eu não fiz estágio, eu não fui estagiário, a única fase da minha vida que eu não tive. Mas, indiretamente eu fui estagiário, porque eu frequentava as obras, e fazia algo mais, dava algumas opiniões em relação a execução da obra.
P - Então, você estava comentando sobre a universidade, também havia comentado sobre o concurso que você fez e essa escolha então, pelo DNER, então eu gostaria, se pudesse, de uma forma muito sucinta, historicizar um pouquinho, sempre pensando na sua inserção no órgão. Começou em que área? Quando? Aonde?
R - Na época, 77, eu fiz concurso para o INSS, foi aberto um concurso para datilógrafo. E eu era um exímio datilógrafo, mas, daquelas máquinas. Antigamente, Facit “Carroção”, que a gente chamava, que era a máquina que era dos cartórios. E eu passei muito bem colocado. Na realidade, era assim, tinha 200 vagas para o INSS, e passaram, porque o edital não foi bem feito, não restringiu o número de vagas, então passou uma quantidade muito grande de pessoas que foram aprovadas no concurso. Aí naquela época, a secretária de planejamento, que era o órgão ligado à presidência da república que mexia com o pessoal, resolveu distribuir todo mundo que passou pros órgãos do poder executivo, e aí fizeram uma reunião com todo mundo no Fundão, e botaram lá as opções que tinham, Hospital do Fundão, Marinha, Pedro II, DNER, INSS tal, e cada um escolhia aí como eu já estava. Fazendo engenharia civil eu falei: “opa, desses órgãos aqui, DNER engenharia, tal, tô dentro da casa". Aí escolhi o DNER para ir, e graças a Deus aceitaram a minha proposta. Aí, 13 de julho de 78 eu fui admitido aqui no antigo DNER para trabalhar. E aí a minha trajetória começou no órgão.
P - O que é o órgão? O órgão DNER?
R - O DNER era o órgão que tinha…
P - Departamento Nacional…
R - Departamento Nacional de Estrada de Rodagem. E o Órgão era responsável pela implantação de todas as rodovias federais do Brasil: Rio-São Paulo, Rio-Santos, Belém-Brasília, Transamazônica. Essas obras todas que a gente tem hoje aí, principalmente a malha federal, foram feitas pelo DNER, foram implantadas pelo DNER, muita coisa está sendo implantada agora, mas a grande maioria da malha rodoviária foi implantada pelo órgão, o órgão tinha como base. O Rodoviarismo brasileiro que englobava. A construção de rodovias, a manutenção de rodovias, a operação, que a gente tem, que era polícia rodoviária federal, que era a parte de sinalização, essas coisas, educação de trânsito, que era uma área muito assim, que a gente tem um carinho muito grande. Então, englobava tudo isso. E, além disso, toda parte do transporte rodoviário de cargas e passageiros do Brasil inteiro, entendeu? E eu comecei na diretoria, que era responsável por pacificar as normas do transporte rodoviário, como datilógrafo de lá, entendeu?
P - Não foi nem como engenheiro?
R - Não, foi como datilógrafo. Eu passei por toda a história das máquinas de escrever até chegar ao computador. A máquina não elétrica, a máquina manual, depois as primeiras elétricas, Facit e IBM, né?
P - Com aquelas bolinhas…
R - A IBM são as elétricas. Aí a elétrica corretiva da IBM, que tu podia errar e consertar, porque tu errava na outra, tu tinha que fazer tudo de novo, não tinha como corrigir. Aí veio o famoso toque mágico. Aí veio esse corretorzinho líquido, aí veio a máquina que já corrigia. E aí veio a executiva, que foi anterior ao computador, que ela gravava tudo, você lia e depois você imprimia, era IBM executiva, depois passamos para o computador. Eu passei por essa história toda. Então, eu entrei como datilógrafo.
P - Mas, você foi alocado nessa diretoria ou você solicitou para trabalhar lá?
R - Tinha a diretoria de pessoal, tinha a necessidade das diretorias, e aí dentro do perfil que você tinha, o diretor de pessoal “você vai trabalhar em tal lugar…” E a gente era alocado lá. Aí quando eu fui, o grupo que estava comigo, que a gente já se conhecia do concurso, das reuniões que a gente teve, falou “você é maluco, pede para ir pra essa diretoria não, o diretor de lá é um caxias danado, tu vai se arrebentar". Aí fomos 18 datilógrafos designados para essa diretoria, realmente quando nós chegamos lá, o doutor Luiz Carlos de Urquiza Nóbrega que era o nosso diretor, ele era um diretor muito competente, era um diretor que tinha aquele trabalho muito assim, dentro da regra, e eu aprendi muito com ele. Tanto é que um ano depois de eu estar como datilógrafo, e ele sabendo que eu estava fazendo engenharia, ele me chamou e falou assim: “você vai ter que começar a se comportar como engenheiro, então você vai começar a trabalhar na área de engenharia". E me deu o primeiro cargo no órgão, eu fui chefe da área de implantação de terminais rodoviários de carga e passageiro. Fui chefe da área orçamentária da diretoria, entendeu?
P - Nossa, que responsabilidade…
R - Muito grande. Para você imaginar, obras de implantação do terminal do Tietê, rodoviária Novo Rio, Terminal de Belém. Viajava muito, além de estudar eu ainda tinha que arrumar tempo para viajar, para poder cumprir as minhas tarefas, e como ele sabia, ele falava assim: “você chega junto comigo”. Ele chegava às 6h00 da manhã, “você chega às 6h00 da manhã e vai sair às 15h00 da tarde para poder completar a sua faculdade”. E aí eu cheguei às 6h00 da manhã aqui e saí às 15h00 para poder estar às 18h00 lá em Vargem Grande. Saía daqui, pegava o trem, para ir para Madureira, de Madureira eu vinha para Vaz Lobo, pegava o ônibus da faculdade, que a faculdade tinha uns ônibus, e levava a gente para lá. Então, era um trajeto, um corre-corre, a gente não podia se atrasar um minuto, o trem não podia quebrar, porque senão a gente perdia a aula. E aí entrei na diretoria de transporte rodoviário, fiquei na diretoria durante, mais ou menos, de 78 a 82. Fiz vários trabalhos na área internacional de transporte, muita coisa que foi feita, esse registro de transportadores que você vê nos caminhões, o número na porta, foi criado por mim. Aí, por uma equipe que nós tínhamos como base. Então, tudo isso foi um desenvolvimento. Aí passei para área administrativa, fui para área de administração de material e patrimônio. Aonde eu fiquei 20 anos, cheguei a exercer o cargo até de diretor de administração, e depois fui para engenharia, estou há 22 anos na área de engenharia. Então, foi uma trajetória que eu passei por todos os níveis do órgão, tanto DNER, quanto do DNIT. Mas, a minha base toda foi transporte rodoviário, que hoje está tudo entregue à ANTT. Com a reformulação da área de transporte. Acho que a ANTT absorveu toda a parte de transporte rodoviário de cargas e passageiros. Mas, é uma vida.
P - É uma vida, né? Então, vamos tentar focar um braço dessa vida. Em relação à sua atividade no DNER, como é que era um pouco o elo, o laço, sua relação, por exemplo, com a Ponte Rio-Niterói? Como é que era assim, o trabalho do DNER, a manutenção, a vistoria? Porque a ponte é BR 101.
R - É, eu cheguei no DNER, a ponte já tinha 4 anos de inaugurada, né? Ela foi inaugurada em 74.
P - Você lembra um pouquinho da história, de ouvir no meio dos engenheiros, ou na faculdade sobre a construção da ponte, e a relevância?
R - Eu visitei as obras, porque meu irmão era também engenheiro, formação de engenheiro, e ele era do exército, ele era tenente no exército, ele foi do grupo de engenharia do exército, e o grupo de engenharia acompanhava as obras da ponte. E aí ele me convidava: “Vamos lá ver, tal". E eu também, assistindo algumas execuções da Ponte Rio-Niterói, acompanhei, como eu gostava muito, eu gosto muito até hoje de me inteirar das coisas, eu acompanho muito a construção da ponte, a evolução, a suspensão do vão central, essas coisas todas. Então, eu tenho, só para você imaginar no museu, nós temos um escafandro das pessoas que desciam dentro, na base dos pilares, né?
P - Do tubulão, né?
R - Do tubulão para fazer o escavamento do tubulão, eu tenho um escafandro lá no museu rodoviário, guardado, entendeu?
P - O museu rodoviário só para ficar registrado, é na cidade de Levy Gasparian, é Museu Rodoviário do DNER?
R - Montserrat. Então quer dizer, eu tive o primeiro contato com a ponte aí. Depois, quando eu cheguei no órgão, a ponte já tinha sido inaugurada, aí eu tive um segundo contato com a ponte quando eu fui para a área administrativa, porque eu comprava os materiais para a manutenção da Ponte Rio-Niterói, da praça de pedágio, da iluminação, então eu tive o segundo contato com a Ponte Rio-Niterói já. Toda essa parte dela construída, em operação. Todo esse desenvolvimento que já teve nesses 4 anos. A ponte foi construída em 74, para diminuir o trajeto entre Niterói, os veículos que vinham da região norte, do nordeste, que pegavam a 101 ali através do Espírito Santo, de Vitória, de Salvador, desciam a 101, até o entroncamento ali em Marília com a 493, que hoje 493, antigamente era a rodovia do contorno da Baía de Guanabara, então para você vir para o Rio, ou você pegava a balsa, ou você fazia o contorno da Baía, através da 493, 116-040, para sair na Avenida Brasil, que era no passado chamada de Avenida das Bandeiras, todo mundo conhece como Avenida Brasil, mas ela se chamou Avenida das Bandeiras, então fazia esse contorno todo para poder chegar aqui. Então a ponte veio trazer essa integração, diminuir essa distância entre Niterói e Rio de Janeiro e melhorar o tempo de percurso das pessoas. Então a ponte trouxe um desenvolvimento muito grande para isso. Para a parte principalmente do transporte de carga de passageiros, foi muito bom. Então, foi a segunda vez que eu tive contato com a ponte, foi na área administrativa. E aí a gente tinha todo esse trabalho de manter a ponte nas condições de uso, comprar material, porque naquele tempo não existia empresas, era o DNER que fazia tudo, era o DNER que tinha funcionário para tudo, então nós tínhamos essa capacidade.
P - Lembra de alguma especificidade de compra de material? Iluminação, era o que? Do cimento, da marcação, da tinta…
R - A coisa mais assim, mais específica que a gente comprava, chamava-se “tapete detectores de eixo”, que era o tapete na época, hoje são malhas, são linhas na rodovia, mas naquele tempo era um tapete, quando o carro subia no tapete, aí ele registrava o número de eixo para ser cobrado o pedágio. Então, era um negócio especificamente que a gente tinha que comprar todo ano, porque havia um desgaste, até da frenagem do carro desgastava, e aí começava a dar problema, dava problemas técnicos, e a gente, todo ano tinha que repor esses tapetes, então era coisa mais assim que a gente comprava.
O resto era normal, a compra até para todo o órgão. A parte de tinta, de placa de sinalização. Porque a gente tinha as fábricas de placas, a gente fazia a pintura das faixas, a gente tinha equipamento de pintura, então a gente comprava tudo. Então, era uma coisa que aí foi a segunda fase, depois, quando foi da concessão da ponte, que eu trabalhei nos editais de concessão e na entrega da ponte para a primeira concessionária, que foi a Ponte S.A, trabalhar no inventário, passar todos os bens para a ponte, que a ponte tem uma estrutura muito interessante. Porque todo mundo olha a ponte assim, um carro passando ali em cima “pô, legal”, mas você tem que entrar no coração da ponte, que é abaixo da pista de rolamento, onde existe toda uma estrutura técnica ali para manter a ponte ali daquele nível que tá. Nós temos um conjunto de molas, que balanceia a ponte, para a ponte não… Mesmo você passando, você para o carro, você sente que o seu carro fica balançando. Então, isso é a flexibilidade da ponte. Então, existe um coração ali por baixo da ponte, que é interessante à beça, quem não conhece, pode ir um dia para fazer uma visita lá, ter coragem de descer ali, em uma escadinha de ferro, vai chegar debaixo lá da ponte, muito interessante. Então, toda essa estrutura a gente fez a manutenção, fez o trabalho de manutenção. De compra de material de manutenção, né?
P - Você ia? Você visitava? Andava, dirigia muito na ponte? Alguma memória sua em relação a ponte?
R - Sim, várias, né? Depois eu fui para área de operações do DNER, e na área de operações, a gente tinha que fazer a parte de sinalização, de fiscalização, tudo isso, na… E aí a gente ia além de ser um usuário da ponte, porque eu tenho uma casa na região dos lagos e atravesso a ponte toda a hora. Mas tem coisas interessantes, a ponte foi fechada uma vez por causa do cachorro andando na ponte, aí nós fechamos para ninguém matar o cachorro. Tem várias histórias que a gente tem em relação a Ponte Rio-Niterói. A última aí foi dentro da concessão, aquele navio da família Mansur que se soltou e bateu contra a ponte, tem muita coisa, muita história. Muita coisa importante, né?
P - Dentro do órgão DNER, como é que era vista e qual era a “importância”, entre aspas, a manutenção e preservação da ponte, por exemplo, dentro de um contexto, se a gente pode dizer, nacional?
R - A ponte foi uma obra, na época, tida como a maior obra da região, do hemisfério, vamos dizer assim, uma ponte com 14 km sobre mar, essas coisas todas. Então, ela tinha um certo grau de importância como obra de engenharia, e obra rodoviária também. Tanto é que foi criada uma empresa específica. Para construir a ponte, ligada ao DNER, que era a ECEX, depois foi incorporada ao DNER, mas era uma obra muito, muito fora dos padrões normais que nós executamos, que o órgão executava. Então foi uma obra que foi, para o seu tempo, uma revolução. Tida assim, como a maior obra dos últimos tempos.
Não tem essa importância. E a gente, todo mundo que trabalhou na ponte, na manutenção, na fiscalização, na operação dos pedágios, hoje nós temos engenheiros aqui, trabalhando como engenheiro, que trabalharam como pedageiro. Foram na juventude pedageiro, cobravam pedágio na Ponte Rio-Niterói, e trabalham hoje como engenheiro, tem gente em Brasília na direção, que trabalhou como pedageiro da Ponte Rio-Niterói. Então, quer dizer, era um trabalho muito, muito, assim, para nós, foi um marco do rodoviarismo, foi uma vitória muito expressiva do rodoviarismo, a construção da ponte. Tem muitas histórias em relação a isso, entendeu?
P - E dentro do órgão DNER, havia setores diferenciados para cuidar ou administrar a ponte? Ou havia, por exemplo, como você falou, que você participava de uma diretoria, vocês cuidavam de várias outras rodovias, ou havia alguma coisa direcionada especificamente para a ponte? Já que a ponte era parte da BR 101, mas tem uma especificidade muito própria, né?
R - Para você entender o único trecho rodoviário, vamos dizer assim, que nem é trecho, é sub trecho rodoviário, que foi criada uma unidade lá dentro, que é a Unidade da Ponte Rio-Niterói, que tivemos vários chefes: Coutinho, Arnaldo, Bentinho, o único trabalho deles era a manutenção da Ponte Rio-Niterói. Era acompanhar o dia a dia da Ponte Rio-Niterói, que hoje é feito pela EcoPonte. É o mesmo trabalho que faz, e cada diretoria do órgão, tinha alguma coisa ligada à ponte. Então, por exemplo, a diretoria de trânsito, aí tinha o pessoal da divisão de pedágio que administrava o pedágio da ponte. O pessoal da administração, que eu fazia parte, compras dos materiais, para manter a ponte dentro daquele padrão de construção, de luminosidade, de indicações. A diretoria executiva, a executiva não, a diretoria de engenharia, a manutenção da ponte, o recapeamento, alguma coisa que se danificava, junta de dilatação, essas coisas todas… Então, cada diretoria tinha um grupo de pessoas que estavam encarregadas de manter a ponte, e unidade local da Ponte Rio-Niterói era que administrava todo esse trabalho. Essa necessidade da gente compactar “vamos fechar a ponte para fazer a manutenção”, “tem que fechar a ponte agora que está ventando, está chovendo". Então, isso era feito pela unidade local que tinha lá, da ponte, que hoje está lá a polícia rodoviária, e a Ecoponte, entendeu?
P - A unidade local era fisicamente ali, era Niterói, era na Ilha da Conceição?
R - Era ali do lado, aquele prédio que tem do lado do pedágio. E aí você descendo ali, tem uma área que nós tínhamos um posto de gasolina, tinha uma oficina, tinha tudo ali para dar suporte aos guinchos que a gente tinha operação de guincho. Quebrava um caminhão, o guincho ia lá para tirar o caminhão para não engarrafar, como é feito hoje, quebra um carro, vai lá, tira o carro. Acidente, aí tinha um pessoal que trabalhava com a gente lá, polícia rodoviária, e naquele tempo nós tínhamos aquele famoso “anjos do asfalto”, que ajudava a gente a socorrer o pessoal acidentado. Então, tinha todo um trabalho específico da ponte. A ponte foi, e é hoje ainda, um trabalho muito grande. A gente até, quando eu sento aqui às vezes, para falar com o pessoal “pô, vamos estudar outra ponte, está precisando fazer outra ponte”. Aí o pessoal “tu é maluco". Não, então, mas tem essas coisas, então a gente tinha esse trabalho específico de cada área em relação a Ponte Rio-Niterói.
P - E a década de 80, em relação a gestão da Ponte Rio-Niterói? Foi uma gestão difícil? Havia desastres? Havia alguns desafios a serem transplantados pelo DNER, no caso, maior?
R - Bom, os desafios eram os desafios de qualquer tipo de trecho de rodovia. Você conservar ela, a gente tem um pico, em termos de orçamento, para conservação, de verba de conservação, e acaba tendo que começar a dar uma rebolada para conseguir manter o nível, e a ponte a gente sempre, era aquilo assim “olha, não tem dinheiro para tudo, mas da ponte tem que ter dinheiro”. Então, não tem como não ter, a gente sempre teve esse negócio. E os desafios eram muitos, caso de acidente, que teve muitos acidentes. Falta até, hoje tem controle de velocidade. A ponte tem 80 km de velocidade média, não é que, porque assim: “ Por que 80 km?". Porque a estrutura mexe quando a gente passa a 100. A frenagem do carro em cima da estrutura é muito forte, então a gente tem que ter certos cuidados, aquilo ali é, vamos dizer assim, é um jogo de dominó. Você botar as peças de dominó em pé, e você… Depois que você empurra elas vão caindo, e a ponte é dessa forma. Os pilares da ponte, por mais que ela tenha uma ligação estrutural, ela tem esse negócio, a gente precisa ter certos cuidados para que as estruturas não se rompam, não venha a acontecer alguma coisa. Então, tudo isso, a defesa, você olhar a ponte em si, os pilares, principalmente os pilares centrais, eles são protegidos. Para impacto de navio, embarcação que possam danificar as estruturas, têm um certo cuidado, é uma estrutura de engenharia muito complexa. Me lembro na época, que eu fui assistir a elevação do vão central, eram dois macacos hidráulicos levantando o vão central das barcaças, eu tinha um grupo de engenheiros, todo mundo monitorado, todos os órgãos envolvidos estavam ali, e o negócio era subir milimetricamente, não podia dar um desequilíbrio, e em um desses lances houve, o pessoal não fala isso, mas aconteceu, houve uma parada momentânea de um lado. E aí “para, para, para”, todo mundo correu, por quê? Quando o outro lado começou a levantar, ele começou a puxar esse lado aqui todo. Então “para”, porque, aí parou, se tirou o problema e se elevou o vão central. Aí foi como se fosse uma festa de aniversário de 1 ano de uma criança porque foi muito importante isso, entendeu?
P - Você estava assistindo do mar? Estava em uma barca? Como é que você viu esse…
R - Eu estava junto com o meu irmão em uma barca do exército, em uma lancha do exército. Mas, a gente não percebeu, ninguém percebeu, isso é uma história que as pessoas que trabalharam contam, mas que ninguém percebeu, foi uma coisa muito rápida, em frações de segundos, que foi um negócio… Então é uma condição dessa, é um jogo de dominó, um tabuleiro de dominó. E como é uma ponte protendida, tem cabos de protensão para segurar a estabilização da ponte, então tem que ter um certo cuidado com a preservação. A ponte é, eu acho que foi a obra rodoviária, de todos os séculos, em relação ao órgão DNER.
P - Fernando, você aqui no seu escritório, no DNIT, você tem uma foto da ponte atrás, por quê?
R - É, eu acho que pela importância que foi essa obra em termos do órgão, do DNER/DNIT. É até uma coisa histórica, eu sou um cara que eu sou apaixonado pelas coisas históricas do órgão. E aí eu fico catando fotos, se você percorrer aqui a superintendência, tem foto de vários ângulos da Ponte Rio-Niterói, e tem de outras rodovias também, têm de algumas patologias em termos de acidente geológicos em rodovias, essas coisas todas, eu gosto disso. Então, quando o DNER, o Rio de Janeiro teve a sede do DNER até 1990, em 90, o Color transferiu a sede do DNER para Brasília. Como a gente tinha uma estrutura de órgão aqui e eu fui o responsável para transferir o órgão para Brasília, fazer essa mudança, então onde eu entrava que eu via que tinham abandonado essas coisas, eu ia, o pessoal me chamava de sucateiro. Pra quê? Deixa aí e tal. Hoje eu tenho essa aqui, como eu tenho. Ali fora tem uma da ponte. E tem outras salas que tem, são fotos que trazem para a gente o passado, esse histórico de desbravamento do órgão, que é um órgão que desbravou. Tem rodovias que eram verdadeiras picadas de burro, que se transformaram em rodovias, como a Estrada União Indústria, Belém-Brasília, essas coisas que a gente tem essa sensibilidade de guardar isso. Então é uma foto que já me acompanha há alguns anos, em todo lugar que eu vou eu levo ela, como aquela lá de fora. Então, são coisas do passado do órgão. Recordar essa estrutura maravilhosa que o órgão tinha um complexo técnico muito grande, engenheiros de renome, Walter Pfeil , Homero Pinto Caputo, que era um mestre do estudo de solos. Nós fomos berço de grandes nomes da engenharia, então, a gente guarda essas recordações e essa foto me acompanha.
P - O DNER tinha um fotógrafo que registrava as obras?
R - Nós tínhamos um setor chamado setor de relações públicas em que tinham vários fotógrafos, tinha um chefe que era, por ser meu vizinho, eu não lembro o nome dele, mas a gente tinha todos os registros fotográficos, qualquer coisa que era feita, era registrada fotograficamente. Uma inauguração, uma ampliação, sempre tinha as fotos disso. A ponte tem uma série de fotos do dia da inauguração que eu hoje vou dizer que não sei onde está. Eu guardei muitos anos e fui vencido por algumas pessoas de levar isso para Brasília, levaram e não sei onde está, entendeu?
P - Quando é que o DNER passou a ser DNIT?
R - Eu acho que foi em 92, que houve a reestruturação da área do Ministério do Transporte. E aí o DNER foi extinto, foi criado o DNIT, e criado
as duas agências, criada a Agência Nacional de Transporte Terrestre, porque até 92 nós tínhamos uma diretoria de concessões, ela administrava as concessões, então essa diretoria deu origem a ANTT, com essa reformulação do transporte, e a extinção do DNER e a criação do DNIT. Então, teve essa ______ de… Não foi uma coisa muito boa pro órgão, que a gente perdeu uma fatia muito importante de trabalho. E a partir daí a gente perdeu o corpo técnico muito grande então, mas aceitamos e continuamos trabalhando.
P - Agora eu vou te fazer então uma pergunta, é que a Ponte Rio-Niterói foi a primeira concorrência para a concessão federal de rodovias no Brasil para a iniciativa privada em 1995, você poderia comentar um pouquinho sobre isso, por favor?
R - Foram 3 grandes: a ponte, a Rodovia Presidente Dutra, Rio-São Paulo, e a Rio-Juiz de Fora, BR 040. Foram as 3 primeiras concessões. Para o órgão foi uma coisa nova. Mas, como eu te falei, tira da gente trabalho. Vamos dizer assim, dos técnicos do órgão do trabalho, mas trouxe algumas coisas boas, porque trouxe inovação tecnológicas. Uma vez que a CCR estava muito ligada a algumas empresas também europeias de concessão. Para o órgão, para o DNER na época, foi uma coisa assim, que muita gente se sentiu, vamos dizer, ferida com isso. “Tiraram meu filho de perto de mim”. Mas, para a conservação, a manutenção, é claro que foi muito melhor, as empresas concessionárias têm agilidade na contratação, o que o serviço público hoje é engessado pelas leis nas contratações, então qualquer coisa que aconteça na ponte, eles têm a mobilidade, a facilidade de contratar, o que a gente já não tem. A gente tem que cumprir os prazos determinados em lei para contratação de qualquer coisa, então isso facilitou muito ganhou alguma coisa em relação a manter a ponte nas condições que ela tem hoje de trafegabilidade, de segurança, essas coisas todas. Para o órgão, a gente, como servidor, gostaria que isso fosse feito pelo órgão.
P - E você, naquele momento, em 1995, dentro do órgão, que atividade você fazia? De que forma você participou desses processos?
R - Eu estava na fase da área patrimonial, era chefe da área de material e patrimônio do órgão, da divisão, e participei na parte, vamos dizer, transferência dos bens que estavam na ponte e não poderiam ser direitos que eram considerados patrimônio do órgão para a ponte continuar operando. Então, eu participei desse inventário, trabalhei nesse inventário, e acompanhei parte de toda concessão. Então, hoje como superintendente, eu acompanho também, nós tivemos duas concessões agora, Metropolitana e a BR 101, a Rio-Angra, então eu acompanhei todo o desenvolvimento do edital, levantamento estatístico, essas coisas todas. Na época eu estava na área de patrimônio e eu acompanhei a parte patrimonial, a transferência dos bens para a ponte, que estavam regidos em contrato, dos patrimônios do órgão, entendeu?
P - E o grupo que venceu, ele poderia explorar a Ponte Rio-Niterói por quantos anos? Eram 20 anos, alguma coisa assim?
R - Foram 25 anos de exploração inicial. Ficaram 25 anos aí o grupo CCR, que era formado por várias empresas de engenharia que trabalhavam pro DNER. Então, criou-se um consórcio dessas empresas, o grupo CCR veio para explorar essa parte aí.
P - E os pedágios? O pedágio é sempre uma parte importante ali na gestão da ponte, antes no DNER, o pedágio da ponte era considerado um pedágio mais caro, mais barato? Você lembra um pouco sobre isso?
R - O pedágio da ponte era um preço médio, dava para fazer a parte da manutenção da ponte, conservação da ponte. Hoje eu acho que é um pedágio razoavelmente bom. Não é um pedágio muito caro em relação a algumas concessões que a gente tem aí, que é um absurdo o preço do pedágio para o tipo de manutenção e conservação que é dado a rodovia. Não vou citar aqui nomes, mas é um pedágio hoje que, em termo de valor, eu acho que é um pedágio que condiz com o serviço que é oferecido na ponte. Você tem o serviço de guincho, o serviço de socorro, tem todo serviço de monitoramento e a manutenção. Você passa em uma rodovia que não tem um buraco, é bem sinalizada a noite. Então, eu acho que é um pedágio, é o valor ideal para isso, entendeu?
P - E nesse período da concessão da CCR, quer dizer, um pouco os prós e os contras? Quer dizer, foi bem gerido?
R - Eu considero que sim, acho que nesse período da CCR e agora da Eco Rodovia, a ponte foi bem gerida, está tendo melhorias. A última foi o acesso novo da ponte direto à linha vermelha. Então, tem algumas coisas, não digo assim, se você for botar hoje a ponte, se encontra em certos momentos saturada. Porque você em tempos normais, vamos dizer, fluxo de trânsito normal, você leva de 14 a 17 minutos para atravessar a ponte. Na hora do rush você leva 30 minutos, 40 minutos, 1 hora, 1h30, então nos feriadões, eu digo assim: “há a necessidade de uma nova ponte”, eu brinco aqui com o pessoal, o pessoal fala: “Pô, Fernando". Eu falei: “Há uma necessidade". Mas, isso é uma coisa séria, é uma coisa que a gente precisa começar a estudar uma nova ponte, uma nova saída do fluxo de trânsito de Niterói para cá, aumentou muito o número de veículos médios diários, então há uma necessidade da gente re-estudar isso. A Ponte S.A fez um redimensionamento das faixas, eram 3 faixas, passou para 4 faixas de cada lado de rolamento para melhorar o fluxo, mas às vezes o fluxo não está só no número de faixas, porque você tem as saídas, e as saídas são funis. Saem de 4 faixas para duas, e aí começa a complicar. E hoje tem os fluxos de trânsito, o centro da cidade, o pessoal que vai pegar para a zona oeste do Rio de Janeiro, e para outras saídas que não tem, não tem mobilidade para sair hoje. Então, na realidade eu acho que está na hora da gente começar a estudar uma outra Ponte Rio-Niterói, entendeu?
P - Nessa fotografia que está atrás de você tem uma placa que diz assim: “concessão pioneirismo de DNER”, o que significa isso, por favor, Fernando?
R - Foi o pioneirismo das concessões no DNER, no órgão. Foi um negócio que na época era tudo novo, todo mundo estava engatinhando. Hoje a gente já tem experiência, porque o número de rodovias concessionadas no Brasil é muito grande, mas na época foi aquele negócio assim, foi o chute inicial para gente começar a estudar isso. E é aquilo que eu falei lá, todas as diretorias tiveram participação nesse estudo, porque todo mundo tinha uma responsabilidade sobre a ponte. Então, foi pioneira, foi o estudo pioneiro para dar início à parte de concessões na época do DNER, onde foi criada a diretoria de concessões, para tratar só de concessões rodoviárias. Aí tratava da concessão rodoviária e do transporte de passageiros e carga. Então foi o ínicio de tudo, foi a menina dos olhos da gente. Nosso bebê, vamos dizer assim, depois as outras vieram com mais facilidade, com mais tranquilidade, hoje a gente faz concessão como a gente faz qualquer outro tipo de processo aqui dentro. Então tem essa placa significativa para o órgão, entendeu?
P - A ponte também foi a primeira concessão a ser renovada com licitação, iniciativa privada em março de 2015, você também poderia falar um pouco sobre essa operação da ponte? Ter sido leiloada mais uma vez, por favor?
R - Aí a gente já não participou muito. A única participação nossa aí foi porque tem uma reversão, coisa de 24 horas a gente faz a rescisão do contrato de uma, recebe a rodovia, o DNER, o DNIT e a ANTT recebem a rodovia Pro Forma. Assinam os documentos de reversão. E entrega de novo a rodovia a quem ganhou, entendeu?
P - E assim o processo?
R - É, o processo é muito assim, não tem, não tem, assim: “ A, eu vou receber, vou ficar com ela 2, 3 dias, depois eu passo para você”, não, é uma coisa só para a assinatura de propé. E todo o processo de renovação é desencadeado pela ANTT e pela Secretária Nacional de Transporte Terrestre do Ministério do Transporte. Então, nós só participamos assim, recebemos, demos a quitação lá para eles, o “entregamos aqui”, recebe de um lado, entrega do outro. Então, é só participação, é diferente. Por exemplo, agora que a gente está, vai receber a 393, que é a rodovia do aço, que está com a K- Infra, a K-Infra vai devolver a rodovia, o ministério não vai licitar agora essa rodovia. Nós vamos ter que fazer um trabalho nela, até a gente está fazendo um trabalho de extensão dessa rodovia, que ela acaba em Além Paraíba e a gente está querendo levar ela até o Espírito Santo, a gente já começou esse estudo, então é diferente, ela vai vir para nós, nós vamos botar empresa de manutenção, empresa de sinalização, então, vamos ter um trabalho em relação a rodovia. Agora quanto a ponte, quanto à Dutra, essas a gente não tem trabalho, é só assinar de um lado e assinar do outro, acabou. Não tem muita inserção do órgão hoje nessa rotina de renovação, tudo é feito pela ANTT e pela Secretaria Nacional de Transporte Terrestre.
P - Bom, hoje como é que você ocupa o cargo de superintendente aqui no DNIT? Pode me falar então, um pouco do seu trabalho hoje, por favor.
R - Eu trabalho aqui. Eu to como superintendente substituto, eu tenho 10 anos de superintendente substituto, passei por várias gestões. E sempre a gente tem aquela vontade de querer… Eu queria levar no meu currículo ser superintendente, sou substituto, fui na realidade, de alguns superintendentes, eu fui até o titular, porque o cara não agia, a pessoa não agia, infelizmente como é, tem muitas indicações políticas, essas coisas, a gente não fala muito sobre isso. Então, nesse período a minha plataforma foi a mesma que eu tinha. Eu não admito que uma estrada minha esteja em péssimas condições para o usuário, buracos, mato alto, sem sinalização, não. Para você imaginar, hoje a média, pela CNT, de rodovias em bons estados, rodovias federais é de 38% no Brasil todo, o resto está ruim ou péssimo. A meta para nós esse ano, foi traçada pelo ministro há 15 dias atrás, é da gente atingir 80% das rodovias em bom estado de conservação. A unidade do Rio de Janeiro, desde que eu entrei, que estava em 70%, hoje eu tenho 98% das minhas rodovias em bom estado de conservação, eu sou primeiro lugar, 24 unidades, em estado de conservação. Então, o trabalho que eu já fazia lá atrás, e que quando eu fui a superindentende, eu chamei todo mundo, falei: “Ó, não admito um buraco na rodovia, se o cara ligar para cá e falar ‘caí em um buraco’, a gente vai conversar”, que a gente tem contrato de manutenção, a gente tem contrato de sinalização para todas as rodovias, todas a malha rodoviária. E eu sou um cara assim, caiu uma barreira, no outro dia tem empresa lá consertando a barreira, estou com 3 lá em Barra Mansa, a empresa está lá fazendo, corte da barra em Teresópolis já está pronto, União Indústria, já está pronta a obra, daquela enchente que teve lá atrás que ninguém conseguia… Já fizemos todo o conserto lá, então quer dizer, eu sou um cara assim, eu sou um cara meio metódico em relação a isso, sou um cara muito amigo de todo mundo, não tenho diferença com ninguém, mas nesse ponto eu sou muito assim, gosto que as coisas estejam corretas, não gosto de ser chamado atenção, quando eu sou chamado atenção, isso vira a minha cabeça. Então, eu gosto de andar assim. Tive agora, quarta-feira, em Brasília para reunião com os diretores, sobre as diretrizes de 2024, minhas diretrizes foram todas aprovadas sem nenhuma menção. Nós estamos fazendo, eu briguei muito lá atrás para implantação de uma rodovia que vai aliviar muito esse trânsito na Ponte Rio-Niterói, que é a Rodovia 120, que vai ligar lá em Minas Gerais, a região de Arraial do Cabo. de São Pedro da Aldeia, Arraial do Cabo não, São Pedro da Aldeia, vai tirar todo esse tráfico mineiro, que desce 116-040 ali na Avenida Brasil para passar pela ponte, pra ir para Cabo Frio, vai acabar ali, vão sair direto lá, e ontem eu consegui a vitória de colocar o estudo técnico. Foi assinado o contrato para levantamento do estudo técnico para implantação da 120, e eu digo assim,hoje se eu tiver que sair daqui, hoje da superintendência eu saio feliz, porque muitas coisas que estavam represadas, eu consegui fazer em 7 meses que eu estou aqui como o superintendente titular, e a credibilidade junto a diretoria, de aprovar todo o meu planejamento, sem nenhuma menção, né?
P - Que bom, parabéns.
R - Muito bom, muito bom, entendeu?
P - O Brasil ainda é um país das rodovias.
R - É, e eu divido isso com minha equipe, né? Hoje mesmo de manhã, a primeira coisa foi “bom dia”. Aí o pessoal fica todo, porque na realidade não é uma vitória minha, é vitória da equipe, a equipe toda trabalha, e tem gente aqui que trabalha comigo há 40 anos, então é uma equipe que eu tenho confiança, se o cara chegar, para mim é o de menos. Então, tem toda essa qualificação e a confiança.
P - Você se sente muito parte do órgão DNER/DNIT?
R - Muito, minha mulher diz que minha grande amante, a concorrente dela é o DNIT, ela fala assim “eu tenho uma concorrente, o DNIT”. Ontem mesmo ela estava, eu enfarte, como eu falei para você, há 2 anos atrás, e o médico é muito meu amigo. Nós somos, eu conheço o Renato desde que ele se formou, então nós somos amigos. Meu cardiologista, aí ela falou: “Tu tem que ir no Renato, tu ainda não foi, tem que fazer revisão". Aí ela ontem falou assim: “Marquei o médico para ontem”. Aí eu falei “Tá bom". Aí fui lá no Renato, aí quando ele chegou ele falou assim: “Cara, desde novembro de 2022 que tu não vem aqui". Eu falei: “Fazer revisão da operação, me sinto bem". Ele falou: “ Se sente bem o que? Não sei o que". Aí começou a brigar comigo. Ela fala: “Tá vendo, nem para médico tu vai por causa do DNIT".
P - É isso aí, ela está certíssima.
R - Então, é um carinho, eu digo assim, eu acho que quem é rodoviario, quem foi criado dentro dessa esfera do rodoviarismo e da… Tem um amor de camisa muito forte, não é qualquer coisa. É um amor que a gente, a gente pega, eu digo assim, tem uma turma que está no órgão por amor da camisa, junto comigo há muitos anos, tivemos um aqui agora, ano passado, uma tristeza muito grande, que era um senhor que tinha aqui, estava com 50 anos de DNER/DNIT, e eu falava para ele “Claudemar, pelo amor de Deus…”. Ele tinha pressão alta, tinha diabetes… “Claudemar, pelo amor de Deus, se aposenta Claudemar, se aposenta". Ele falou: “Eu vou morrer trabalhando". Eu falei: “Claudemar, pelo amor de Deus, se aposenta, se aposenta". E um dia, eu vindo para cá, aí tocou o meu celular: “Fernando, estamos com um problema aqui". “Que foi?”. “Seu Claudemar morreu aqui na portaria". Ele morreu aqui na portaria, aqui embaixo, ele saiu daqui, ele veio, bateu o ponto, falou que ia comprar um lanche, desceu, morreu no hall do elevador nosso aqui. Aí eu falei assim: “Morreu satisfeito, como ele queria, trabalhando”. Então, tem coisas assim, eu tenho histórias do órgão maravilhosas, desse tipo, o amor a camisa, eu não quero me aposentar, eu não vou me aposentar, só vou me aposentar, que a gente tem um limite. 74 anos e 6 meses…
P - Servidor público…
R - É, 75 anos você tem que sair fora, se não perde dinheiro, então a gente tem isso. Nós temos colegas aí, pessoas que trabalham no interior, aqui do Rio de Janeiro, nas unidades locais, que se aposentaram no último momento do segundo tempo. Então eu sou assim, eu não vou fazer isso, eu já falei para minha mulher, esse ano está começando entrar na minha cabeça, porque eu fui avô agora, tô com uma netinha, né?
P - Você pode então dizer o nome da esposa, da filha e da neta, por favor?
R - Meus 3 amores. Minha esposa Maria da Conceição, né?
P - Casou em que data?
R - Aí, eu vou falar disso você vai ter que fazer conta, casei em 1982 entendeu? Eu tenho a minha trajetória com a Conceição, nós começamos a namorar ela tinha 12 anos, eu tinha 15 anos. Nós namoramos 11 anos, noivamos 1 ano, e vamos fazer 42 anos esse ano de casados, então são 54 anos de convivência. Então, é uma coisa assim, muito enraizada, e do tempo antigo. Fruto da educação dos nossos pais. A minha filha Adriana de Souza Correia, dentista, é tenente do exército, tem uma clínica de dentista muito remunerada, remunerada não, renomada hoje no estado do Rio de Janeiro, que eu dei de presente para ela, graças a Deus. E a minha netinha é a Valentina, vai fazer 5 meses amanhã, que é o meu xodó, é minha loucura. Ontem eu fiquei com ela até meia noite, brincando com ela, e a mãe dela assim “pai, para, ela vai ficar agitada, não vai dormir”. Não sei o que. Quando ela vai para minha casa, passou os 3 meses iniciais para a gente ajudar elas. Ela passou na minha casa, agora já foi para casa dela tem 2 meses, mas quase todo dia a noite ou eu estou na casa dela, ou ela está na minha casa, não adianta. “Vai para lá, não tem problema não, eu vou passar na sua casa todo dia, vou jantar na sua casa todo dia".
P - Que bom, avô presente…
R - E ela é louca pelo avô, se eu fizer uma videochamada aqui você vai ver, vamos dizer assim, como ela se transforma em ver a gente, em ver eu e minha mulher. Ao ouvir a voz da minha mulher, ela tiver no teu colo, minha mulher chegar aqui e falar, ela começa desesperada atrás da voz da avó, então um negócio de amor mesmo, então isso muda a gente, então eu falei assim: “Agora está começando a hora de começar a me aposentar, levar a Valentina pro ballet”, essas coisas todas, entendeu? Eu não vou chegar aos 75 anos trabalhando, gostaria muito. Espero ficar como consultor, talvez, alguma coisa porque eu sou um cara muito conhecedor de todos os assuntos. Não só da engenharia, como administrativo, jurídico, legislação, então eu sou consultado a nível Brasil por muita gente, por Brasília, por muita gente, por causa do meu conhecimento. Eu tenho uma caracteristica que eu guardo essas coisas na cabeça…
P - Sua memória é maravilhosa…
R - E hoje o computador. Então, mas que traz essa vontade ainda, então vamos ver aonde a gente chega, entendeu?
P - Bom, Fernando, a ponte dia 04 de março de 2024 vai comemorar 50 anos da ponte, um pouco de tudo que você viu e viveu. Como gestor, ou mesmo como usuário, como é que você prospecta a ponte daqui há 50 anos, a Ponte Rio-Niterói? É possível fazer ou pensar sobre isso?
R - Espero que sejam duas, a gente comemora 50 anos dessa, comemora 100 anos dessa, mais 50 da nova. Eu acho o seguinte, toda obra de engenharia tem uma vida útil, e essa vida útil pode ser prorrogada em virtude da boa conservação. E é o que eu falei para você, se tiver hoje gestores e técnicos para manter a ponte, daqui a 50 anos a gente vai estar falando em duas pontes, porque há evolução do transporte. Por mais que coloquem alguns projetos, túnel por baixo da Baía de Guanabara ligando Niterói ao Rio, que eu acho que seria uma coisa muito importante, como foi a ponte na sua época, e que tem vários outros túneis já funcionando no mundo, eu acho que, eu espero que, daqui há 50 anos eu não vou estar aqui, com certeza, só se a gente for biônico, aí eu espero que ela esteja nas mesmas condições que está hoje: trafegabilidade e segurança do usuário. Isso é importantíssimo. Eu prezo muito isso, não consigo ver certas coisas que vão prejudicar o usuário. Então, eu espero que a ponte tenha essa progressão de vida durante esse período aqui, e daqui há 50 anos, a gente comemore os 100 anos da ponte com a vida que ela tem hoje, com a estrutura que ela tem hoje, entendeu?
P - E qual seria um conselho que você daria para um engenheiro que está se formando, um engenheiro que tem um olhar sobre rodovias, sobre transporte, no Brasil. A gente ainda é um país de rodovias. Qual é um conselho que você daria?
R - Vou dar, vou falar aqui o que eu falo para os estagiários, ontem nós tivemos a despedida aqui de uma menina, que é estagiária em engenharia civil, que ela está se formando, e está indo já para uma empresa de engenharia civil, ela foi estagiária aqui com a gente, eu dou um conselho assim, a engenharia civil é uma cachaça. Considero, para mim, a engenharia civil uma cachaça, uma boa cachaça,né? Então, a gente tem que tomá-la em pequenos goles, para poder absorver ela bem, e degustar dela, então a engenharia também é assim”, a engenharia de rodovias. E essa cachaça, a pessoa tem que ter gosto, tem que se dedicar, tem que se aprimorar. Tem um engenheiro aqui, que é o Mauro, que é um amigo, um grande futuro do órgão, que eu converso muito com ele, ele tem essa visão, ele é um engenheiro de visão, em termos tecnológicos, em termos de modernização, de manutenção… Então o engenheiro que saí de uma faculdade, a faculdade é apenas um curso informativo, eu digo isso com toda a segurança, a gente tem certa formação, mas é mais informativo, o dia a dia te mostra que o que você aprende na faculdade, você usa? Usa, mas não usa na sua plenitude. Então, na engenharia rodoviária é a mesma coisa, você tem que ter um trabalho de persistência, de gostar da coisa e se aprimorar. Porque as tecnologias hoje avançam muito rápido. A gente acorda de um jeito, daqui a pouco você vê já está de outra forma, já mudou tudo. Estamos aí com a inteligência artificial batendo a porta de todo mundo. Então, quer dizer, são coisas que você tem que estar ali, o dia a dia. As soluções de engenharia não são aquelas só dadas no papel, são aquelas visuais.
P - O que é rodoviarismo?
R - Eu defini o rodoviarismo, eu digo assim, é definir como eram as expedições antigamente, dos bandeirantes… Então, o rodoviarismo é isso, é desbravar esse Brasil, que cada vez que eu ando por aí, principalmente no interior aí, eu digo assim: “Caramba, como tem coisa ainda para ser feita, como tem área aí para a gente ainda". E o Rodoviarismo é desbravar o Brasil, é diminuir a distância entre os estados, entre a população, com segurança para quem trafega nessas estradas. Eu já vi estradas tipo a Belém-Brasília, a Transamazônica, em que ônibus fica atolado até a porta no barro, na época de chuva, tem que vir trator para puxar o ônibus. Então, o rodoviarismo é um desbravamento do território nacional, é unir, diminuir distância, nós temos várias regiões do Brasil que foram povoadas pelos nordestinos, e diminuir essa distância entre as famílias que ficaram lá e o cara veio trabalhar aqui, veio trabalhar em Brasília, não sei o que. Então, essa é a cara do rodoviarismo. Desbravar o Brasil e diminuir a suas distâncias, entendeu?
P - Bom, então para concluir, sonhos?
R - Aposentadoria, pijama e chinelo.
P - Olha, eu te conheci hoje, mas eu duvido que vai ser dessa forma com você. Dona Conceição também não.
R - Eu já tenho uma vida profissional fora com a minha mulher, no escritório, ela é advogada e a gente trabalha junto, um escritório de 42 anos, a gente tem cliente na Europa, tem cliente em vários lugares, então nós não pretendemos parar, a gente vai diminuir que é a gente quer aproveitar um pouquinho a vida, nossa vida foi muito sacrificada em termos de algumas coisas, doença, e a gente não tem aquele aspecto assim, a pessoa está doente “ponha ela no asilo”, “não, ponha ela lá na minha casa, eu cuido". Eu estou cuidando agora da minha tia de 94 anos, então..
P - Aquela tia que você contou no começo da entrevista?
R - É, a gente precisa aproveitar um pouco a vida, passear, pegar a Valentina e sair por aí desbravando o Brasil, entendeu?
P - Não, parabéns, eu acho que você consegue mexer teus pratinhos muito bem. Bom Fernando, eu agradeço imensamente, você gostaria de comentar mais alguma coisa? O que achou de dar o depoimento?
R - Não, quero só te agradecer por essa oportunidade aí que a gente teve. Aquilo que eu te falei, aqui nas entrelinhas, a gente já tinha um projeto desse, a gente começou lá atrás, mas não conseguiu concluir, eu acho importantíssimo, porque esse registro para nós é uma forma assim, de desabafo. A gente poder botar o que a gente sente no coração para o jovem que está lá atrás, que vai assistir esse negócio, é uma forma de incentivo de trabalho, de ver que vale a pena a gente viver o que a gente vive. Eu digo se tivesse que começar tudo lá atrás, começaria tudo da mesma forma, casaria com a mesma mulher e teria a mesma vida que eu tive.
P - Começaria como datilógrafo no DNER…
R - Isso. Desbravar essas coisas dentro da nossa vida. Hoje com uma certa, mais facilidade, a tecnologia aí, mas é isso, eu quero te agradecer muito, deixar aberta a superintendência para quando você quiser vir fazer outros trabalhos, se quiser, colocar outros assuntos aí em pauta, a gente está aqui aberto para isso.
P - Está ótimo, eu agradeço imensamente muito obrigada por esse compartilhar de experiências vividas, e eu agradeço imensamente, de história de vida pessoal, e a história de um órgão como o DNER e o DNIT, então muito obrigada.
R - Obrigado vocês.Recolher