Muito bem, antes de tudo, eu quero dizer que eu finalmente aprendi a gostar de café esse ano e tudo o que eu mais quero é ser um idoso e chamar as pessoas para tomar um café da tarde no meu jardim, então eu sinto que eu já tomei o mais importante passo dessa minha jornada: gostar de café. Pró...Continuar leitura
Muito bem, antes de tudo, eu quero dizer que eu finalmente aprendi a gostar de café esse ano e tudo o que eu mais quero é ser um idoso e chamar as pessoas para tomar um café da tarde no meu jardim, então eu sinto que eu já tomei o mais importante passo dessa minha jornada: gostar de café. Próximo passo: envelhecer. Não, não, não. Pode parar de tirar tudo da vida e só enxergar o futuro, a vida não se resume e nascer e morrer, enjoy the ride bitch! Antes de envelhecer é preciso passar por muitas estações e eu vou contar um pouco do que eu vivi em cada uma.
A minha vida é extremamente influenciada pelo fluxo do verão, outono, inverno, primavera, verão, outono, inverno, primaverãoutono, inverãoutono, prinverno, primavera e verão de novo. Tudo na minha vida vai depender se vai fazer frio ou calor amanhã. Decisões muito importantes foram tomadas levando em conta isso, inclusive quando eu nasci. Em uma noite muito fria do inverno de 2004 eu nasci só para que eu pudesse ter meu primeiro trauma: frio. Mas meus pais me abraçaram e nada é mais quente e confortavel que isso.
Eu cresci na Mooca, um lugar tranquilo no meio de um completo caos que eu acho um horror (São Paulo), na minha rua tem uma praça e atrás do meu prédio tem um clube cheio de arvores, então eu tive o privilégio de crescer em um lugar onde eu pudesse olhar pela janela e não ver tantos prédios prestes a colidir entre si. No meu apartamento frio e sem sol eu cresci com meu pai pediatra e minha mãe enfermeira, o que significa que estar doente na minha casa, também já é estar no hospital. Foi com muito amor e carinho que eu cresci, nunca me faltou nada em casa, e mesmo sem saber demonstrar, e muito menos falar sobre os sentimentos, eu sei que vivo em um ambiente familiar seguro e amável.
Por volta dos 2 anos eu comecei a ter uma estranha fascinação por ficar olhando os ventiladores de teto girando. Sem contar que, quando estava na casa da minha avó no interior, eu queria sair só para ver o caminhão do gás passando, porque na minha mente de criança a música do gás só podia estar vindo do além.
Ah, um dia quando eu tinha 3 anos eu estava aproveitando um dia de verão agradável na piscina, mas tivemos que ir embora porque um bebê simplesmente saiu da minha mãe. E eu disse “ok então fds” e a primeira coisa que eu fiz foi esfregar minha cabeça na do meu irmão mais novo, não sei de onde tirei dessa ideia, eu devo ter sido um gato na minha vida passada pra fazer isso. Eu e meu irmão sempre tivemos uma relação complicada, acho que isso nos fez TOTALMENTE diferentes um do outro. Sério tanto de aparência, quanto de personalidade não temos nadmasculinidaa em comum, ou seja, um de nós deve ser adotado hahahaha. Agora depois de 15 anos sinto que tenho uma relação minimamente boa com meu querido irmão.
Lembro de passar um pouco de cada estação no meu lugar favorito: o sitio da minha avó. Era o lugar perfeito!!! Uma cidade do interior cheia de árvores, histórias e idosos se reunindo para tomar café da tarde “Esse lugar só pode ser o paraíso!!!” Quando eu era criança, toda a vez que eu ia embora de lá eu chorava... muito. Implorando para os meus pais se eu podia ficar mais, eles me colocavam no carro na promessa de que iriamos voltar logo. Nós voltamos e voltamos por muito tempo até que, em um inverno (por que tem que ser no inverno?), o sitio foi vendido para ser transformado no meu pior pesadelo: um prédio cinza e feio! Mas tudo bem, sorte das pessoas que moram lá e vivem em uma terra que já foi tão sagrada para mim.
E eu não minto quando digo que o solo é sagrado para mim. Pois era a definição da minha vida dos sonhos. Poder andar livremente pela rua, correr pelos gramados e subir árvores, sem contar do melhor de tudo: meus tios e primos e meu bisavô que moravam lá (todo mundo no sítio) e quando todos se reuniam era uma festa com muito bolo e café, é claro.
Foi lá que eu comecei a tocar piano. Sempre observando minha mãe tocar no piano que ficava no meio do salão da casa, eu me encantei perdidamente pelo som das notas desafinadas, no jardim tinha o barulho das crianças correndo com os cachorros, das conversas dos tios e das tias, e na sala os gritos em italiano dos idosos que jogavam baralho na mesa.
Me encantei por ter visto a luz do pôr do sol entrando pelas janelas, fazendo o chão de tacos brilhar e pelo cheiro da fumaça das fogueiras e as minhas mãos sujas de terra e das amoras que eu colhia.
Enfim, agora as férias acabaram e é hora de voltar pra floresta de concreto que é São Paulo. Volta às aulas!!!
Eu estudei na mesma escola minha vida inteira. A mesma escola pequena e familiar que ficava a um quarteirão de distância da minha casa. Desde maternal até o último ano do ensino médio. Toda a direção da escola que me viu crescer não só me formou academicamente, mas como ser humano também. Eu criei muitas raízes lá e esse é um problema que eu tenho, as raízes. As vezes eu as finco tão profundamente na terra que ficam difíceis de cortar depois, o lado bom é que por muito tempo na minha vida eu só precisei cortar pouquíssimas delas. Meus melhores amigos hoje são aqueles que estudaram comigo na escola deles pequeno.
Na verdade, eu menti para todos! Oh não!!! Por seis meses em 2019 eu estudei outra escola (plateia se choca). Foi um período muito difícil foi quando eu tentei mudar de escola no 1EM, fui até uma terra infértil e era impossível crescer ali, mas pelo menos conheci algumas pessoas incríveis que vou levar pra toda a vida.
Já que eu estou fazendo essa metáfora de ser uma árvore vou continuar.
Por muito tempo podaram as minhas flores, arrancavam elas de mim mesmo antes de desabrocharem. Para piorar, muitas das vezes quem podava as flores era eu mesmo.
Eu nunca gostei muito de ser um homem, principalmente pelo que é esperado de mim, pela imagem que eu tenho que seguir e se você for um pouquinho diferente, automaticamente você é visto como um erro. Odeio muito vestir roupas masculinas e minha voz que não é grave o suficiente, por um tempo, eu via até o meu jeito de andar como não masculino suficiente. É tão estranho ser um homem que usa muitos emojis de coração e que não gosta de futebol? É tão errado ser mais “”””delicado””””?? Poxa vida, será que eu não posso gesticular as minhas mãos falando, sentar de pernas cruzadas, sem ser julgado por isso?? Ou ser mais amigo de garotas, rir alto, dançar livremente e chorar??Tentar seguir a imagem “certa do que um homem deve ser” me machucou muito e me tornou uma planta podre em uma época.
Até agora eu não sofri muitos julgamentos, eu só soube de umas pessoas da escola que eu nunca vi e falavam o quão “viadinho” eu era quando tinha uns 12 anos, mas nada muito grave, era tudo pelas minhas costas e eu só soube por causa amigos que me falaram anos depois das piadinhas terem perdido a graça. Mas esse é o problema, eles podiam até ter parado de comentar, mas a visão de “aberração” continuava na cabeça deles. Realmente, a pior violência que existe é aquela que você faz com você mesmo, porque esses defeitos que a sociedade diz que você tem entram na sua mente, e você realmente acredita no que dizem. Mas aqui vai um plot twist: eu até consegui fazer uma amizade com eles no final da escola.
Por uma época pensei em ser trans, ou não binárie, mas hoje eu entendo que eu posso ser um garoto do jeito que eu quiser. A definição de masculinidade sou eu quem faço e não o resto. Crescendo como nunca antes, vivo em uma primavera muito florida.
O último verão chegou e no final dele um novo ciclo começou: a faculdade!
Eu nunca pensei como seria a faculdade, sempre me recusei a pensar em algo além do que eu já conhecia na escola. Pensar no futuro era motivo de muito pânico e incertezas, só de pensar já fico com medo. Eu acreditava que se eu não pensasse sobre o futuro eu poderia me safar, talvez o futuro me poupe de tomar decisões. Só que, desse jeito, como é que eu vou ser um velhinho que toma café da tarde? Acho que eu só tenho uma grande admiração por velhinhos que fazem isso, porque na verdade ser um idoso deve ser horrível, ninguém liga mais para você e por isso todo o café da tarde é um evento.
Enfim, vamos deixar o futuro para depois e vamos pegar o metrô até a paulista. Linha verde 6:40, metro relativamente cheio. Desço na Trianon MASP. Meu deus! Quanto barulho! Por que as pessoas estão gritando e correndo?! Não gostei, acho que vou voltar.
O primeiro dia de aula na Casper foi um choque. Eu fiquei confuso e perdido, um pouco assustado. Mas eu percebi que essa sensação se transformou em encanto, com um frio na barriga imenso, mas num sentido bom. Estar na paulista é estar no meio de tudo e, num primeiro momento, o tudo pode parecer opressor e parece te esmagar no asfalto. Dei tempo ao tempo e fui me acostumando e vendo o lado positivo de São Paulo
Além disso, como eu tinha dito, cortar raízes antigas é difícil, mas parece ser mil vezes pior ter que criar novas raízes. Apesar de ser extrovertido eu sou extremamente tímido, fazer novas amizades é um parto. Por sorte eu cai em um lugar com as pessoas mais atenciosas e simpáticas, que garantiram um ambiente seguro cheio de respeito e acolhimento.
Agora, conforme o outono chega e as folhas ficam laranjas, minhas raízes crescem vermelho e branco na Casper.
E as estações continuam passando. Verão, outono, inverno, primavera.
Eu vivo uma de cada vez, aproveitando o que cada uma tem para me oferecer e as lições que elas me ensinam.
E tudo isso foram apenas 17 anos.
Ainda falta muito para o meu plano de ser um velhinho tomando café da tarde com todos os meus amigos e familiares se concretizar. Mas talvez eu não precise esperar tanto, eu posso fazer isso agora mesmo, as 22:40.
Convido a todos a virem tomar um café comigo. Beijos com adoçante (na verdade eu odeio adoçante não me beijem) adeus.Recolher