IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Gonçalo Santos de Melo. Nasci em 11 de setembro de 1938, na cidade de Rosário do Catete, Sergipe. INGRESSO NA PETROBRAS Entrei na Petrobras, porque em 1958, 1959, ela passou a recrutar empregados lá em Sergipe. Tinha até um carro de propaganda com som, na...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Gonçalo Santos de Melo. Nasci em 11 de setembro de 1938, na cidade de Rosário do Catete, Sergipe.
INGRESSO NA PETROBRAS Entrei na Petrobras, porque em 1958, 1959, ela passou a recrutar empregados lá em Sergipe. Tinha até um carro de propaganda com som, na rua, anunciando aos jovens que terminam o ginásio, o curso científico: “Aproveitem a oportunidade de ingressar na Petrobras” E nós, não só eu, mas outros jovens que tinham acabado de terminar o ginásio, o clássico, o científico, naquela época, fizemos o teste lá mesmo na Petrobras. Quando chegamos aqui na Bahia, já fomos empregados. Viemos só para ser admitidos na empresa, mas o concurso, o teste, foi feito lá em Aracaju. Eu entrei para trabalhar na Refinaria Landulfo Alves, em Mataripe.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Inicialmente, fiz um concurso para operador de transferência e estocagem. Logo em seguida, esse curso foi considerado desnecessário e eles consideraram a turma toda demitida. Isso tinha 12 dias. Inclusive eles nos indenizaram, nos pagaram esses 12 dias por ter ocupado o tempo da gente. Logo em seguida, um mês depois, eles fizeram um novo teste para operador de processamento e eu tornei a fazer, já aqui na Bahia. Aí fiquei até 1995, ano que me aposentei. Eu sempre trabalhei na Rlam, 36 anos, de 1959 a abril de 1995.
Na época era muito difícil em Mataripe, condições muito adversas. Inclusive, a empresa lutou com muito sacrifício para construir as suas unidades, porque não havia via de acesso, os equipamentos eram transportados via marítima. Nós também não tínhamos transporte, o transporte da gente era, de Salvador a Candeias, trem. Em Candeias a gente pegava um transporte que já era da empresa, vinha com um vigilante. Era aquele caminhão baú com os bancos, a gente sentava e era conduzido até Mataripe. Não havia ainda o asfalto nem na BR 324, nem tão pouco na via que vai da BR 324 a Mataripe.
Nessa época, para você sentir que havia uma divisão muito forte e marcante na vida dos empregados da Petrobras, a gente tinha dois clubes: o Clube de Engenheiros e o Clube de Operários. Precisou de anos para que essa mentalidade caísse. Essa mesma mentalidade existia também na cabeça dos técnicos. O certo é que aprendemos com eles a técnica de trabalhar e eles aprenderam com a gente, não técnica, mas um aspecto de convivência social, até que, com o tempo, houve uma integração muito forte entre técnicos e operários.
DITADURA MILITAR Também foi muito marcante na vida dos trabalhadores de Mataripe, em 1964, quando houve o golpe militar. Nessa época, a gente teve a infelicidade de ver muitos companheiros serem presos, presos em navios no Terminal de Madre de Deus. Chegamos a conhecer até depoimento de alguns deles. Uma vez, um preso nesses navios, teve que ser transportado para Salvador, o que podia ser feito pela estrada comum de rodagem, mas preferiram levar através do mar. No navio eles faziam aquelas ameaças psicológicas, onde dizia: “Ah, eu acredito que essa rapaziada vai dar o último passeio da vida deles”. E por incrível que pareça, os marinheiros chegavam para confortar o pessoal, diziam: “É turma, agüente firme que essa partida ainda pode ser nossa” Então a gente presenciou todo esse tipo de arbítrio. As futuras administrações que vieram para Mataripe, vieram com essa marca também, do arbítrio. Porque era a marca do regime na época. Mas dentro das suas organizações sindicais os trabalhadores sempre procuraram, apesar da adversidade, dar a sua contribuição no sentido de dar fim à ditadura implantada no país, mais cedo ou mais tarde. A nossa participação foi através dos sindicatos. Em 1964, tivemos uma diretoria que caiu toda, inclusive os suplentes e todo o pessoal que tinha militância política na época. Todos foram demitidos de uma maneira tão arbitrária, que em 1969, quando veio a Anistia, o pessoal poderia ter sido readmitido na Petrobras sem o prejuízo. Hoje se comenta tanto que o governo vai ter que anistiar esse pessoal todo e pagar somas fabulosas pelo fato da Petrobras, na época, não ter aceito o retorno deles. Se aceita, o pessoal seria reintegrado e, conseqüentemente, teriam retornado aos seus postos de trabalho. Hoje é o governo quem está pagando o ônus por um capricho de dirigentes da empresa daquela época.
Em 1968, com o advento do AI-5, houve novamente um grupo de companheiros que, dirigindo o sindicato, teve a sua demissão sumária. O mesmo fato se repetiu em 1983, quando foram demitidos em Mataripe 198 empregados,e mais outro tanto, não lembro quanto, mas acredito que mais de 100, em Paulínia, Campinas. Esses empregados de 1983, a Petrobras demitiu e quando veio a anistia em 1988, ela também se recusou a aceitar os empregados em sua totalidade. Não aceitou, por exemplo, os empregados que já tinham se aposentado. Então, para ela a anistia não tinha valor nenhum.
Também aceitou em parte alguns empregados, mas já como empregados novos, ou seja, os empregados que tinham a estabilidade na época, eles aceitaram mas como empregados pelo sistema do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. O empregado teve que assinar um novo contrato de trabalho, porque ela não aceitou readmiti-lo e pagar o seu tempo. Isso também veio acarretar, agora no momento, um grande ônus para o Governo que, por conta do arbítrio da Petrobras, vai ter que pagar também a esses que foram beneficiados com a anistia em 1988, na Constituinte. Hoje essa Lei de Anistia já foi regulamentada através da Lei 10559, que garante plenos direitos aos anistiados até novembro de 2002, como se estivessem trabalhando. Fica bem patente aí, que tudo isso aconteceu pelo arbítrio que a empresa, incentivada pelo regime militar, aplicou: não aceitou o retorno dos empregados. Queria livrar o governo, nesse atual momento, do ônus, mas no dizer do então deputado Hélio Bicudo essas coisas é bom que aconteçam para que novos governantes saibam respeitar o direito do trabalhador.
SINDICATO - SINDIPETRO BAHIA Sou um dos fundadores do Sindipetro e a partir de 1976, dirigente. Eu dirigi o sindicato de 1976 a 1982. Durante esse período fui secretário, tesoureiro, presidente do sindicato. Em 1995, me aposentei ainda fazendo parte de uma diretoria já colegiada - onde havia vários departamentos e não havia mais a figura do presidente - com uma participação bem mais ampla. Aí já sob a égide da CUT. Eu fui um dos demitidos em 1983. Fui demitido em 1983 e tive o meu retorno em 1985.
GREVE 1983 A participação do Sindipetro, havia inicialmente um acordo entre os sindicatos de se fazer uma greve geral, mas a falta de coordenação levou os sindicatos - que entendiam que era uma greve política, contra os atos do governo - a fazer a greve. Nesse bojo, ficou somente o pessoal do Sindipetro da refinaria de Mataripe e o pessoal da refinaria de Paulínia. Foi justamente as duas refinarias que sofreram a punição com a demissão dos seus empregados. Em 1985 houve o retorno, como eu falei anteriormente, de parte desses empregados, como empregado novo. Eu, por exemplo, quando eu fui demitido, tinha imunidade sindical. Tinha sido o presidente anterior, tinha 24 anos de empresa, e nada disso a empresa respeitou, me colocou para fora. Quando ela me readmitiu em 1985, foi como empregado novo, já obedecendo o regime de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Em 1988, veio a anistia, e, inclusive, foi reparado o prejuízo do pessoal que havia sido demitido. Houve a reparação disso, mas só de promoções; salários atrasados não foram pagos.
GREVE 1960 Teve muitas histórias, histórias mais jocosas, que chamam mais atenção. Por exemplo: nós fizemos uma greve em 1960, foi a primeira greve da Petrobras nas unidades da Petrobras. Nessa greve o objetivo da gente era equiparar salários com o pessoal de São Paulo. Até o pessoal do Rio de Janeiro ganhava menos do que o pessoal de São Paulo, mas já ganhava mais do que a gente aqui. E a greve tinha o slogan: “Equipara, ou aqui pára” E nós levamos essa greve, mas durante o período de negociação, para se evitar a greve, houve uma concentração em Candeias, na praça de Candeias, a praça principal da cidade, em que veio um diretor da Petrobras, por sinal um baiano. Era o doutor Pinto de Aguiar, na época, ele era o diretor financeiro da empresa e veio para convencer o pessoal de que a Petrobras naquele momento não tinha condições de fazer equiparação, chegando até a falar que a empresa poderia falir, se assim procedesse.
Quando ele começou a dizer isso o pessoal, aquela turma jovem, mais eufórica, começou a vaiar ele. E como era o diretor da empresa que estava falando, também ia falar o pessoal do sindicato, o nosso advogado, que na época era o doutor Valter da Silveira, nome que marcou o Direito Trabalhista no estado da Bahia. Então na hora que o doutor Pinto foi falar, a turma começou a vaiar ele. Nisso, um grupo de engenheiros ligados à chefia estava do lado, e veio um deles a pedido do superintendente para pedir que não se vaiassem o doutor Pinto, mas nesses termos: “O doutor Pinto é um diretor da empresa, merece o respeito de todos” Nisso saltou um cara que estava com umas duas na cabeça e disse assim: “Ah doutor, agora não tem mais jeito não. A gente está comendo galo-de-briga, imagine pinto” Foram histórias que surgiram no meio da gente.
Havia também na época, aí já foi uma transformação social que se passou na vida do pessoal. Quando essa equiparação veio, me lembro que na época eu ganhava 8 mil reais e passei a ganhar 24 mil, coisa assim de 200% de aumento. Isso era uma coisa inesperada. Aí valorizou demais os sindicatos, se valorizou o que tinha que se valorizar. Houve os chamados exageros. Essa transformação social que houve no meio da gente, motivada pelo fator econômico, levou também alguns momentos de desacerto na vida de muita gente. Tinha aquele pessoal que era casado com aquela mocinha simples, do interior, que de uma hora para outra se viu cheio de dinheiro, carro na mão - naquela época poucas pessoas podiam ter um carro - e aí passou a ter outra vida, diferente. Chegava nos bordéis e até jogava dinheiro no ventilador para as garotas pegarem. São histórias que se conta, que o cara fez até cortina de dinheiro. Mas muita coisa fica até por conta do folclore.
ENTREVISTA Isso é importante sob vários aspectos: primeiro porque acredito que hoje nós temos uma direção de empresa que está muito preocupada também com a vida do seu trabalhador. Eu falei, anteriormente, que no início havia até uma divisão. O chefe da gente se considerava um ser supremo e isso criava uma rivalidade. Então, hoje eu observo, apesar de eu já estar fora da empresa desde 1995, 8 anos está fazendo este mês, eu acredito que é muito positivo a posição da empresa, quando ela opta por traçar a trajetória da sua história com a participação dos seus empregados, principalmente porque envolve os sindicatos que são, na realidade, os órgãos representativos da classe trabalhadora. Para mim é algo altamente positivo.
IMAGEM PETROBRAS Quando eu entrei na Petrobras, dizia-se que ela tinha sido construída com um capital inicial e já se falava em dólar naquele tempo, quatro milhões de dólares. Logo em seguida, para formar esse patrimônio, eles anexaram as duas refinarias que tinham em Mataripe, que pertenciam ao Conselho Nacional de Petróleo e passaram a fazer parte do patrimônio da Petrobras, com a Lei 2004. Isso já em 1954. Eu entrei na empresa em 1959, a empresa tinha apenas 5 anos de vida. Eu peguei a empresa como uma menina, ainda, na primeira idade da vida. Daí, essa participação nossa ao ver esse gigante complexo industrial, que existe hoje com o nome de Petrobrás. A gente só sente orgulho.
Orgulho por vários motivos: primeiro porque o brasileiro deu uma prova de competência. Para se ter uma idéia, as refinarias de Mataripe eram operadas por americanos. Quando eu cheguei lá já estava numa fase final, mas ainda alcancei americanos como operadores das refinarias, porque não tínhamos ainda uma mão-de-obra especializada. Hoje, a gente sente com muito orgulho que a nossa participação formou esse gigante, esse complexo industrial. Hoje, o seu capital inicial está multiplicado milhões de vezes. Nós trabalhadores também crescemos com a Petrobras.
Eu me lembro que entrei na Petrobras com o curso de ginásio e consegui me formar em Ciências Econômicas. Trabalhando na Petrobras, consegui me casar, ter uma família, criar meus filhos, hoje todos formados. Acredito que com a força, não só do meu esforço como um pai de família, mas por causa dessa força que o país conheceu, esse crescimento econômico que a Petrobras contribuiu. Seu trabalho teve uma grande participação de todos os seus empregados, em todas as linhas. Do empregado mais simples, do SG ao diretor da empresa, todos tiveram participação muito grande na formação desse grande patrimônio.Recolher