Projeto 50 anos da Volkswagen no Brasil
Depoimento de Miguel Carlos Barone
Entrevistado por Beth Quintino e Judith Zuquim
São Paulo, 15/08/2002
Realização Museu da Pessoa
Entrevista VW_HV014
Revisado por Ana Calderaro
P/1 – Bom dia! Miguel, nós gostaríamos que o senhor desse início à nossa...Continuar leitura
Projeto 50 anos da Volkswagen no Brasil
Depoimento de Miguel Carlos Barone
Entrevistado por Beth Quintino e Judith Zuquim
São Paulo, 15/08/2002
Realização Museu da Pessoa
Entrevista VW_HV014
Revisado por Ana Calderaro
P/1 – Bom dia! Miguel, nós gostaríamos que o senhor desse início à nossa entrevista se apresentando, falando o seu nome, local e data de nascimento.
R – Bom dia! Meu nome é Miguel Carlos Barone, nasci na cidade de São Paulo, no dia vinte de abril de 1939.
P/1 – O senhor poderia falar um pouquinho dos seus pais? O nome dos seus pais, um pouquinho dos seus avós e como foi um pouco a sua infância.
R – A descendência é de italianos, como o nome sugere, tanto por parte da minha mãe, que é Pastore, como do lado do meu pai, Barone, ambos do sul da Itália. Tem aí uma boa dose mafiosa, eu diria. Do lado na minha mãe, o pessoal é de Bari, e do lado do meu pai, o pessoal é de Nápoli, do sul da Itália. Meu pai foi gráfico durante toda a sua vida, desde que eu me conheço por gente. Ele faleceu aos sessenta anos. Minha mãe foi do lar, também excelente dona de casa e excelente cozinheira. Dos avós, todos eles eram italianos que vieram para o Brasil, como muitos outros imigrantes italianos, e o que eu posso, talvez, me lembrar da infância, dos meus primórdios, eu poderia assim dizer, seriam as lembranças mais marcantes da juventude ou da criancice de todos nós, com o meu velho me levando pelo menos nos jogos de futebol para assistir o Palmeiras. Na época, como um clube de descendência italiana. E desde essa data eu fiquei apreciando e sou um fanático, eu diria, torcedor também pela Sociedade Esportiva Palmeiras. Eu diria mais. Principalmente pelo futebol. Pelo esporte. O meu pai era um apreciador de música e talvez, intuitivamente, eu comecei também a aprender piano muito jovem ainda. Com sete anos de idade eu comecei a ensaiar os meus primeiros movimentos no piano e fui pegando gosto, até porque o velho me incentivava bastante nesse sentido, na medida em que ele, apreciador do mundo operístico, do mundo lírico, me fez seguir também as mesmas preferências, os mesmos gostos dele. E cresci também num ambiente musical, eu diria. Com várias pessoas frequentando a minha casa, já que eu não podia levar o piano. Alguns cantores líricos frequentavam a minha casa e com isso eu cresci num ambiente, eu diria, musical bastante interessante. E como qualquer outra pessoa, também comecei, por conta própria, a tocar ou a tentar tocar, pelo menos, a música popular. Foi quando eu tive a chance, a oportunidade de ser convidado para tocar em uma orquestra de baile. Eu tinha esquecido também esse detalhe, que foi uma fase interessantíssima da minha vida. E ainda menor de idade eu tocava nas madrugadas. O que tem de interessante nisso tudo e algumas coisas que marcam a vida da gente, é que nessa fase não tão jovem, eu sei que tinha menos de dezoito anos, pelo fato de estar tocando à noite, principalmente no final de semana, como nessa época eu trabalhava em banco, eu entrava depois, por volta de... Só no período da tarde eu trabalhava, eu tinha condições de chegar um pouco mais tarde em casa, podia dormir um pouco mais, e com isso eu ficava pronto para trabalhar no dia seguinte no banco. Mas eu chegava um pouco mais tarde do que realmente deveria e aí vem o fato de que, quando eu estava chegando em casa, o meu pai estava saindo para o trabalho. E eu tentando colocar tranca na porta de casa… Me lembro como se fosse hoje, tinha uma tranca na porta e ele dizia: “De que adianta você colocar a tranca agora? Eu estou saindo e você está entrando. A tranca já não tem mais efeito nenhum.” Isso às seis horas da manhã, cinco e meia, seis horas da manhã. E toquei em orquestras de baile também. Então, eu acho que essa fase foi bastante interessante para mim e marcou muito. Até hoje eu tenho fortes e agradáveis lembranças de momentos que eu tive com ele. E a velha, a minha mãe, tentando administrar da melhor maneira possível, para que eu não me desviasse nesse ambiente, não desviasse demais. Eu desviei um pouco, mas não tanto.
P/1 – E essa orquestra de baile era uma só ou foram várias?
R – Uma só. Éramos vizinhos e me lembro muito bem, porque eram vizinhos que tinham vivido na Argentina, pai e filho tocavam bandoleão. Eles formaram uma orquestra de baile e ouviram falar que “o Barone tocava piano”, então foram me convidar. E o interessante é que nessa fase, nessa época, na orquestra de baile, por volta da meia noite, meia noite e meia... Porque os bailes eram de dez às quatro da manhã. Quando chegava meia noite, meia noite e meia, tinha uma hora de tango. Então, só ficavam três pessoas no palco tocando, que seriam os dois bandoleões e o piano. Aí também foi o outro lado da minha vida, que eu apreciei também a música argentina e o tango comum, algo que eu aprecio até hoje.
P/1 – Você nasceu e morou na Mooca muitos anos. Dá para contar um pouquinho como era a Mooca naquela época, se mudou muito…?
R – Eu acredito que tenha mudado, porque a imagem que você forma é a imagem do período da sua vida e do seu crescimento naquele local. Então, quando você volta, qualquer coisa que você acha diferente, você acha que houve fortes mudanças. Mas, na realidade, era um... Eu acho que qualquer outro bairro apresentava as mesmas características de uma São Paulo um pouco mais confortável, eu diria, ao nível de segurança e tudo mais, menos conforto de caráter pessoal, eu diria. Mas a segurança, a vizinhança sempre junta, o ambiente modesto em que eu nasci e vivi durante todo esse período, onde a característica maior seriam os amigos vizinhos, que não só se confidenciavam como trocavam visitas de uma maneira muito mais forte do que hoje acontece, onde você tem uma vida muito mais focada, mais doméstica, onde você fica muito mais preso na sua casa e se visitam pouco, as pessoas se visitam muito menos do que antes. Eu acho que essa fase, esse período, os jogos de crianças, a família junto, as festas juninas, em todas as épocas de festas as famílias se reuniam, e isso foi uma característica que eu acho que falta hoje, ou pelo menos marcou um pouco mais do que outras lembranças que eu tenho neste momento. Mas, de qualquer forma, é um bairro forte, de origem, como eu já disse, de classe média, média baixa, eu diria, de trabalhadores, mas que viviam de bem com a vida, todos eles. Eu vivi e praticamente cresci nesse meio. Quando eu tive a chance de trabalhar num banco, depois do banco eu aceitei um convite para fazer um teste na Ford, que foi realmente aquele primeiro emprego que marca a vida da gente. E eu recebi esse convite de um colega que tinha saído do banco também. Fui aceito e lá eu aprendi muita coisa trabalhando na área de finanças durante aproximadamente oito anos, na Ford Motors. Naquela época havia uma lei em que as pessoas que trabalhavam por mais de x anos, eu diria que por mais de dez anos, na organização, além da estabilidade, não poderiam mais sair da empresa. E quando eu completei nove anos de Ford, praticamente nove anos de Ford, então eu, junto com outros colegas, tive que sair do emprego. Ali eu tive uma boa noção da área financeira da organização e trabalhei um pouco também na área de vendas, onde eu vi que tinha muito mais aptidões nesse segmento do que propriamente na área de finanças. E aceitei um convite de um colega para fazer um teste na Volkswagen do Brasil. Esse teste visava contratar várias pessoas já com alguma experiência na indústria automobilística que pudessem viajar pelo território nacional. A Volkswagen, naquela época, estava organizando... Na época, tinha o nome de “organização de revendedores”, ou seja, pessoas que estivessem prontas e habilitadas a viajar pelo Brasil todo no sentido de fazer um trabalho de representante de vendas, verificar as organizações, nomeação de revendedores, ou seja, ampliar o sistema de distribuição dos revendedores no mercado brasileiro. Aceitei esse convite muito mais para fazer companhia para o colega e, no primeiro teste, que era o chamado psicotécnico, eu fui aprovado, até porque não tinha outra coisa para fazer. Fiz o teste junto com ele e ele não foi, por coincidência. Encontrei outros colegas da Ford na Volkswagen e aí começou a minha vida profissional na Volkswagen, ou seja, isso aconteceu em 1966, quando eu saí da Ford, no caso. Trabalhei de 1958 a 1966 na Ford e de 1966 até agora, janeiro de 2002, quando eu completei... Eu diria, se juntarmos a Ford com Volkswagen, e tem lógica para eu falar isso, porque no meio disso tudo aconteceu a Autolatina, que foi uma fusão das duas organizações. Foram somados 44 anos de indústria automobilística: 36 anos pela Volkswagen e oito anos pela Ford. E aí foi a minha relação, eu diria, de orgulho e até mesmo paixão com a Volkswagen do Brasil, porque lá foi que eu encontrei uma empresa transparente, amiga, que dá oportunidade e chance a todos aqueles que também a ela se dedicam. Lá eu pude crescer profissionalmente pelas chances que ela oferece àqueles que, como eu já disse, se dedicam a ela.
P/1 – Quando você entrou na Volkswagen, em 1966, você chegou a trabalhar na Anchieta?
R – Trabalhei na Anchieta por pouco tempo, eu diria. De 1966 a 1968, me parece. Não mais do que dois anos e, mesmo assim, viajando. Não permanecia estável no staff da organização, viajando pelo Brasil. Eu acho que deve ter sido em final de 1967 e início de 1968 que eu fui convidado a ser o representante de vendas no Rio de Janeiro, na cidade o Rio de Janeiro. O que na época já era, de certa maneira, uma promoção, entre aspas, na medida em que você não viajava mais por todo o país e ficava centrado nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Embora ainda sem residência fixa, nesta oportunidade eu ficava três, quatro semanas direto no Rio de Janeiro e passava somente uma semana em São Paulo. O que significa que a minha fixação na fábrica ocorreu muito depois, só nos anos de 1980, quando eu retornei à organização com uma outra função, mas fiquei no Rio de Janeiro, então, durante dois ou três anos, na condição de representante de vendas, viajando neste mercado. Depois fui convidado a assumir o escritório regional de Recife e, nessa época a Volkswagen, só tinha dois escritórios: um em Recife e outro no Rio Grande do Sul. E eu fui, então, para o Recife, por onde permaneci por quase dois anos. Morei em Recife durante dois anos e, exatamente na minha ida para o Recife, a organização Volkswagen entendeu que seria lógica a abertura de mais escritórios regionais pelo resto do Brasil, abrindo um escritório no Rio de Janeiro. Foi então que me convocaram, outra vez, para voltar para o Rio de Janeiro. Então, eu fiquei dois anos no Recife, onde eu tive o prazer, a satisfação de trabalhar com o nordestino. Onde eu pude aprender bastante deles, a forma pelo raciocínio, pela mentalidade que o nordestino possui e até mesmo pelo sofrimento de algumas áreas especiais do Nordeste, e aí voltei para o Rio de Janeiro. Aí, sim, já tive que providenciar residência e morei no Rio de Janeiro durante mais doze anos, aproximadamente. Foi aí que conheci minha mulher, uma carioca, carioca Neuza, e voltei para São Paulo, acho que foi em 1980, aproximadamente, já assumindo uma posição de Gerência Nacional de Vendas. Nessa oportunidade também, com muito orgulho, recebi o diploma de cidadão carioca, fui considerado também um cidadão carioca. Voltei em 1980 para cá, assumindo a Gerência Nacional de Vendas da Volkswagen do Brasil, e depois tivemos a fusão, um dos fatos mais importantes, eu diria, nessa minha passagem: a fusão da Ford com a Volkswagen e a criação da Autolatina. Uma experiência difícil, eu diria, para ambas as marcas. Talvez necessária na época e difícil pela cultura, duas culturas totalmente diferentes. Mas eu tive, nessa oportunidade, a sorte de ser convocado para assumir, em 1990, o que era chamada a Diretoria de Vendas da Volkswagen, mais pelo fato de que nesta fusão com a Ford, na criação da Autolatina, as áreas de vendas continuaram com identidades próprias, tanto a Volkswagen como a Ford. As demais organizações realmente fizeram uma fusão que caracterizou a própria Autolatina. Então, tinha uma operação Autolatina que comandava as duas marcas, mas para preservar as identidades no mercado das empresas nas marcas propriamente ditas, a Volkswagen ficava separada e a Ford também. Criou-se uma presidência para cada uma delas. E nessa oportunidade eu tive, então, o prazer e a satisfação de dizer que fui o representante máximo da marca no país, ou seja, fui o presidente da Volkswagen do Brasil. É lógico que é circunstancial, mas, de qualquer forma, foi um título que agrada e orgulha qualquer pessoa nesse país. E foi exatamente nessa fase que eu retorno aos momentos de criança, eu diria, onde brincando com a minha mãe e sempre pela fixação, no caso, do automóvel, sempre gostando do produto, do produto automóvel, catorze, quinze anos, eu pedia para a minha mãe, sabendo que era praticamente impossível... Quase não, era impossível. Eu dizia: “Mãe, eu quero um carro!” Toda hora eu perturbava a minha mãe: “Mãe, me dá um carro?” Brincando. Qualquer momento em que nós estivéssemos conversando, podia até ser uma coisa séria, eu dizia: “Mãe, eu tenho uma pergunta para fazer para a senhora.” “O que você quer?” “Me dá um carro!” Em momentos mais estranhos que poderiam parecer, estar passeando: “Manhê?” Ela olhava para mim: “O que foi?” “A senhora vai me dar um carro?” E por que eu conto isso? Porque, quando eu assumi a presidência, nós estávamos com acho que dez, doze mil carros no pátio da fábrica para vender, um momento um pouco difícil e, é claro, ela ainda viva, também orgulhosa de ver o filho que chegou numa posição interessante dentro de uma organização, até pelas manchetes. E aí eu me orgulho bastante, de ser o primeiro brasileiro a assumir a presidência da Volkswagen do Brasil. Na realidade, era de uma área, de uma perna da Autolatina, mas, de qualquer forma, o título existia. E isso, é lógico, encheu de orgulho a velha, que me disse: “E agora, você ainda quer um carro?” E eu falei: “Não, tem dez mil no pátio, pode deixar que eu não preciso mais do carro que eu pedia tanto.”
P/1 – O senhor já deu um painel bem interessante da sua trajetória, eu acho que seria interessante voltar em alguns pontos. Eu, por exemplo, fiquei com uma questão: o senhor entrou na Volkswagen já viajando. O senhor já tinha viajado pelo Brasil, o senhor já conhecia? Como é que foi viajar pela Volkswagen em 1966?
R – De qualquer forma, foi uma experiência nova. As viagens até então executadas ou viabilizadas por mim foram as viagens tradicionais, que qualquer pessoa tem, ou de férias, ou de ir conhecer algum canto do Brasil. Mas é lógico que eu não conhecia o país como eu vim a conhecer por força do trabalho. E quando eu entrei na Volkswagen do Brasil, nós tínhamos um sistema de viagem em que viajávamos em três pessoas: um era o representante da área comercial, o outro era o representante da área de assistência técnica propriamente dita, de serviços, e outro um colega da área de peças de reposição. E viajávamos com uma Kombi. E a Kombi, como até hoje, não vê dificuldades de estrada. Na época, enfrentávamos situações interessantíssimas com a Kombi para chegarmos até o local que fazia parte do roteiro de visitas com os revendedores que estavam programados naquela viagem. Então, foi bastante interessante, não só pelo local que você visitava, a necessidade de conviver com mais outros colegas, o que tornava a viagem pelo menos um pouco mais exciting, um pouco mais interessante, na medida em que todos nós temos um comportamento diferente na sua forma de ser, na sua forma de ver as coisas. E aquilo realmente se transformou numa novidade total para quem não tinha viajado com tanta frequência. Então, a minha vida passou a ser as viagens propriamente ditas. Então, eram as viagens pelo interior de São Paulo, viagens para Brasília também, o interior do Estado de Mato Grosso, cidades que você jamais poderia imaginar conhecer um dia, as características dessa cidade, o conhecimento de outras pessoas, e tudo isso foi realmente uma novidade. E, mais do que isso, que eu acho que foi ótimo para todos nós e para mim principalmente, o aprendizado que todos nós acabamos de ter e que é uma lição que você não tem nas escolas, um trabalho que possibilita você ter trato com as pessoas das mais diferentes características, não só pelo ambiente em que vivem, quer sejam nordestinos, quer sejam do sul do país, quer sejam do centro do país, com características de comportamentos diferentes, com pessoas que também pensam diferente. E, de cada um, você sempre tem uma virtude que você pode colher, você pode registrar. Eu acho que esse foi o aprendizado maior que também me ajudou bastante ao longo desses 36 anos de vida na Volkswagen. Desse crescimento, se assim eu posso chamar, profissional que todos nós acabamos tendo. Você aprende muito, essa foi a verdadeira escola que eu poderia dizer que eu tive, foi no contato com os revendedores e as pessoas com que você mantinha relacionamento comercial ao longo dessas viagens que a gente fazia. De cada um, de cada ambiente, você podia colher aprendizados fortíssimos, quer seja na área comercial, quer seja na área de comportamento, também, de valores que se dão e tudo mais. Uma das coisas que naturalmente, pelo menos eu acho que eu tenho, como virtude, é ser um bom ouvinte, e isso ajudava ainda mais os relacionamentos que eu tive. Daí a minha identificação com a rede de revendedores que veio, realmente, me ajudar bastante depois, nas futuras ações de comando que eu tive na organização, já como gerente de vendas e tudo mais. Mas mais diretamente como resposta à sua pergunta, eu acho que foi esta a grande vantagem, essa nova vida que se abria, uma expectativa totalmente nova e ainda para uma pessoa em formação, eu diria. Pelo menos com vinte anos, você, vinte, vinte e dois anos, você tem muita coisa que pensa que sabe e não sabe, então, você ainda tem muito a aprender, como todos nós ainda temos. Eu acho que esse foi o grande aprendizado. E as passagens características dessas viagens que nós fizemos. Como passagem... Uma que eu jamais vou me esquecer, eu não sei se foi no Rio de Janeiro, o local também não é importante, nós éramos chamados... O representante da área técnica era chamado numa revenda para verificar a queixa de uma consumidora de um Fusca, na época, que não havia condição do produto ser regulado, e ela, embora gostando bastante do produto, ia diversas vezes ao revendedor que não conseguia, que não acertava o carro da senhora. E eu presenciando a conversa do responsável da área técnica do revendedor com o nosso homem da Volkswagen: “Olha, ela vem aqui, deixa o carro, eu deixo o carro em ordem, ela sai e depois, no dia seguinte, ela volta, o carro está normalmente desregulado, e realmente está desregulado. Não existe outra alternativa...” Disse o meu colega: “...do que pedir para a senhora: vamos dar uma volta juntos.” Quando ela sentou no carro, ela estava toda entusiasmada: “Ah, mas eu adoro a Volkswagen, eu adoro esse carro aqui etc e tal. Eu não sei o que está acontecendo com ele, mas eu adoro.” Aí, puxou um botãozinho do painel e falou assim: “A Volkswagen pensa em tudo, até nesse porta-bolsa.” Aí ela puxou aquilo, pendurou a bolsinha e tentou sair com o carro. Era exatamente... Antes, nós tínhamos o afogador no painel, ela afogava o carro de uma vez e o carro, lógico, depois de cinco, dez minutos já não tinha mais condição de andar direito porque estava todo complicado. Então, casos de queixas de produtos, até pelo mau uso e coisa que o valha, mais jocosos, nós tivemos vários. Esse foi um daqueles que eu acho que vale para a história. (riso)
P/1 – Como é que reagiu a sua família. Você era um rapaz jovem e de repente vai viajar pelo Brasil. Como é que reagiu a família?
R – Foi bem. Eu não tive grandes problemas com isso, não. Apesar da família de origem italiana, que você quer sempre as pessoas juntas, o pai e a mãe, a mania das asas em cima dos demais familiares, assim como fazia com a minha irmã e com o meu irmão. Quando eu me predispus a fazer, acho que: “Olha, não adianta segurar, é a vontade.” E eu, como o caçula da família, provavelmente tenha até tido alguns privilégios em relação aos outros, até porque a música, como eu já disse antes, possibilitava por força de ter que tocar à noite. Eu também tinha os horários um pouco mais diferenciados do que os demais, ou seja, não era aquela rigidez de: “Não, tem que estar em casa cedo!” Aquele negócio todo. Então, eu acho que a velha ficou sem grandes problemas de me ver viajar e não sentiu grandes traumas com isso, não. Até porque entendeu que eu estava fazendo aquilo que gostava e tudo mais. Foi bom, foi sem grandes problemas de viagem.
P/1 – Você escrevia muito?
R – Não! Ao contrário. O hábito de fazer com que as pessoas, quando chegam na cidade, ligar para a casa: “Olha, foi tudo bem.” É a pior coisa que pode ser feita. Não tem que fazer isso! E fui acostumando dessa maneira, ou seja, eu ligo quando tem momento certo para ligar, para ver se está tudo... Mas a ideia era ao contrário, era eu ligar para ver se estava tudo bem em casa. Até para não se habituarem com aquele... Vai que um dia você não tem a possibilidade de ligar ou coisa que o valha, você sempre deixa o sistema preocupado. E na medida que você habitua as coisas sem aquela necessidade de você... “Ele ainda não ligou!” Então, não tinha que escrever para a casa, não tinha que telefonar, até porque não eram viagens tão longas, de pelo menos três semanas, então, não tem grandes traumas. De qualquer forma, foi uma novidade para a família ter alguém que ficasse toda hora fora de casa, mas foi bom, foi bom para todos.
P/1 – Você trabalhou na Ford e depois na Volkswagen. Era muito diferente? Quais as diferenças que você apontaria entre a Ford e a Volkswagen desse período?
R – Das empresas, eu não teria a dizer grandes diferenças. Todas elas têm o mesmo objetivo, o mesmo caminho. Talvez, como organização, pudesse separar em duas coisas. Como elas administravam, como administram até hoje, de certa maneira, o seu próprio negócio. E o que é mais importante, e que eu vejo, é a cultura dos países, que são realmente bastante diferentes. Enquanto eu diria que a Volkswagen, por exemplo, tem um foco muito voltado, até pela sua engenharia excepcional, uma prioridade absoluta no produto, na engenharia, na qualidade do produto... E quando eu digo qualidade, você tem a qualidade não na base do discurso, porque todas as automobilísticas do mundo realmente falam da qualidade como uma prioridade absoluta, mas a Volkswagen chega a ser obsessiva por isso. Não é o caso da Ford, que se preocupa com a qualidade, é claro, mas ela tem uma formação muito mais financeira, uma formação muito mais administrativa do que propriamente do produto que se trabalha. Então, esse é o grande diferencial que você encontra entre as duas organizações. O outro, eu não sei se é muito pessoal, mas que eu notei, que você nota: enquanto uma te vê como um profissional, um número, que é a Ford, você executa o seu trabalho de uma maneira mais fria, e nem por isso está errado também; na Volkswagen você tem aí um sistema um pouco mais, eu não diria paternalista, mas te vê mais como pessoa também. Você é tratado um pouco mais como gente. Muitas vezes você tem uma imagem um pouco distorcida dos alemães. Eles são extremamente paizões, eu diria, são muito... E muitas vezes até complica a própria organização. Mas eu acho que são mais... Tratam mais as pessoas como gente do que como simplesmente os elementos que estão ali para receber em troca um salário pelo seu empréstimo profissional e tudo o mais. Eu acho que isso é o que distingue uma da outra.
P/1 – E você acha que isso já estava presente nos anos 1960?
R – Ah, já, já. Já estava presente, eu acho que é cultura, e as culturas não se mudam tão rapidamente assim. E eu vejo também muito mais o aspecto técnico do administrativo, uma das dificuldades desta sociedade, desse joint venture não ter durado. Ou seja, durou um período de gestação, foram quase sete anos, me parece, quando então o divórcio teve que acontecer. Eu me senti... Algo que seria interessante até comentar, falando agora mais particularmente. Dentro da organização, o único que tinha a cabeça, na testa, a marca Volkswagen, era eu, como presidente da marca Volkswagen. E eu tive a sorte de ter um grupo de pessoas trabalhando comigo. E aí o crédito maior de tudo isso que eu vou contar são as pessoas que estão comigo. Uma imagem que todo o mercado tinha, quando houve a fusão, é de que a Ford, que tinha aproximadamente 19%, 20% de mercado, e a Volkswagen tinha algo em torno de 38% ou 39% de mercado... A Volkswagen ia descer a participação e a Ford ia aumentar, porque o comando administrativo, principalmente financeiro, estava muito mais em cima das pessoas da Ford, na organização Autolatina. E eu acho que aquele que podia brigar e defender a marca com mais liberdade era exatamente eu, porque eu tinha, como eu já disse, o VW na testa junto com a equipe. Acho que deu para eu cumprir esse papel, lógico, com algum desgaste, com algumas úlceras, mas a coisa realmente andou. Aconteceu a ponto de, quando a sociedade foi desfeita, a Volkswagen ainda manter uma posição privilegiada, eu diria, de mercado e liderança de mercado, enquanto a Ford tinha caído violentamente de participação. Não que eu tenha que me vangloriar da perda de participação da Ford, mas me vanglorio, juntamente com os colegas, de ter segurado a marca Volkswagen num patamar bastante importante e que foi fundamental para a continuidade dela na liderança após o divórcio. Então, foi um período que caracterizou, também, atuações e, como eu já disse, algum desgaste muito forte por parte daqueles que defendiam a marca Volkswagen. Assim como tinham os outros que defendiam também a marca Ford. Aí é que eu vejo um pouco da diferença, e uma das coisas que eu sempre disse, principalmente na minha fase de despedida da Ford, é que a gente aprendeu, nós aprendemos, de alguma forma, a defender com um certo orgulho a marca Volkswagen até com uma paixão, com uma emoção envolvida também. Uma emoção que te envolve nesse pacote de atuação junto ao seu trabalho. Eu, muitas vezes, digo que isso... Você tem uma certa dose de amadorismo, porque você não pode ter emoções no seu trabalho, você tem que ser muito mais racional do que emocional nas suas decisões, no seu trabalho e tudo mais. Mas, ao mesmo tempo, eu entendo que se você também não tem o tal negócio de “vestir a camisa”, se você não tem esta dose com você próprio, e se você também não consegue transferir isso para aqueles que estão do seu lado, você não consegue realizar um trabalho forte. Eu acho que foi essa qualidade profissional das pessoas que estavam comigo, mais esse “vestir a camisa”, que fez com que a Volkswagen, ao longo desse período difícil, eu diria, mantivesse uma posição bastante interessante no mercado. Não só nesta fase, como mesmo no pós-período Autolatina. Foi muito bom.
P/1 – Ouvindo você falar, eu estava pensando em revendedores, nas revendas. A parte de vendas é uma área extremamente importante, porque não adianta eu ter o produto, produzi-lo, se esse produto não é vendido. Quando você começou, você lembra, mais ou menos assim, quantas revendas tinham na época e como isso foi crescendo?
R – A quantidade eu não poderia dizer, mas eu gostaria de começar respondendo um statement que foi feito por você, que não é bem assim. A parte de vendas é importante, mas a marca, esse conceito de marca, ela se vende pela sua base de produto bom, o que facilita a condição da venda. E na Volkswagen, o que caracterizava uma boa venda era o suporte técnico que ela tinha por trás. Então, o suporte técnico é que fazia com que... Era uma das forças da marca Volkswagen, e eu acredito que ainda hoje também tem um forte destaque, ou seja, é uma história que tem que ficar registrada para a marca Volkswagen de que a área técnica é que viabiliza a venda de um outro Volkswagen. É o tal negócio do conceito da marca, onde ficaram caracterizados os valores racionais, por exemplo, que tem um Fusca, que qualquer pessoa sabe consertar, você compra qualquer peça do Fusca na farmácia da esquina, há peças em qualquer lugar e qualquer pessoa, em qualquer lugar do país, que entenda um pouco de automóvel, consegue consertar um Volkswagen ou coisa que o valha. Pelo menos ela cresceu desta maneira, desta mescla de serviço de área técnica junto com vendas. É claro que na época em que eu entrei, o número de revendedores... Eu não posso dizer exatamente quantos tinha, mas me lembro perfeitamente que um dos presidentes da... Eu acho que foi logo depois de Schultz Wenck, ou coisa assim, o Leiding... Ele quis ampliar o número de revendedores ou até mesmo de postos de assistência técnica no Brasil, e aí nós tivemos que viajar pelo país nomeando postos de assistência técnica. Aí também foi mais um trabalho interessante, porque você ia a determinadas cidades desde que tivessem determinados parâmetros de negócios, de gasto de luz elétrica, movimento bancário, habitação, o número de população, de produtos, visão de mercado, etc. Desde que ela tivesse mais ou menos esse perfil, você poderia ter ali um representante da marca. E aí a Volkswagen realmente liderou, haja vista que hoje ainda ela mantém a presença em mais de seiscentos municípios do país como a maior rede de revendedores da marca, o que não é muito importante, ser a maior, mas ser a melhor, e é com isso que ela se preocupa. Mas, de qualquer forma, ela é representada hoje em mais de seiscentos municípios. E isso aconteceu já desde aquela época em que nós entramos e tivemos a oportunidade de participar desse desenvolvimento dos revendedores, de novos revendedores, eu diria, no mercado brasileiro. E era um bom negócio, também, na época. Era um negócio, eu diria, até que procurado, porque nessa fase, que eu chamo de fase da indústria automobilística, a fase romântica ou folclórica da indústria automobilística, era um crescimento ano após ano. O Brasil se desenvolvendo e a indústria automobilística também, ajudando como a máquina, como a locomotiva da economia do país, a Volkswagen com destaque de uma participação no mercado exagerada, na ordem de mais de 50% de mercado, ou seja, todos ansiando por ter um produto automóvel, e a Volkswagen, é lógico, se colocando nesses mercados. E, para se colocar nesses mercados, você tentava ver as pessoas de maior não só prestígio, mas com condições, também, de investimento para ter uma revenda de automóveis, se quisesse construir. E assim nós tivemos muitos revendedores, muitos dos quais ainda estão atuando através da própria pessoa ou através, já, dos seus sucessores, que ainda se encontram no mercado e que tiveram muito sucesso ao longo desses anos. Acreditaram no negócio, investiram... Aí sim, também, nós temos uma história para fazer mais uns outros trinta livros de memória, eu diria, da marca Volkswagen, ou seja, a própria rede de revendedores. Foi muito bom.
P/1 – Voltando um pouquinho ao início da minha pergunta, um pouco mal formulada, e você tem toda a razão. A Volkswagen, no início, porque nós assistimos todas as campanhas que foram feitas para a TV, vimos todos os filmes. No início se trabalhava muito com assistência técnica, se dava um foco muito grande para que ela fosse mostrada. Hoje, anos depois, já não se mostra tanto, porque ela ficou sólida. Você diria que a Volkswagen conseguiu trabalhar com a questão da qualidade, do produto duradouro, da assistência técnica, da venda... Ela conseguiu essa fórmula? E que hoje essa marca já ficou sólida e não precisa mais estar trabalhando com essa questão da assistência, dando tanto foco...
R – É. As pesquisas trabalhadas... Existe uma forma também interessante de você fazer pesquisa, que acho que foi a Almap que fez. Na época ela pegou, por exemplo, um grupo de pessoas, e coloca: “Como você caracterizaria, numa pessoa, a marca Volkswagen, a marca Ford, a marca Fiat e a marca General Motors? Quem é a pessoa que você olha e que diz: ‘esse aqui é General Motors, esse aqui é Ford, esse aqui é Volkswagen?’” Eu não me lembro dos demais, mas a Ford, me parece, é uma senhora já, elegante, mas é uma senhora. Eu sei que a Volkswagen, quem era? Era um trabalhador. Era um elemento, não digo rústico, mas trabalhador. É o de macacão, você nota que é um operário forte, esse que é a Volkswagen. O que ficou caracterizado ao longo de todos esse anos, exatamente por esta imagem que foi jogada no mercado e que era verdade. A qualidade do Fusca, o carro que vai e volta, que não quebra, aquele negócio todo que foi criado em cima do Fusca propriamente dito, são os valores racionais da marca. Então, os valores racionais da marca ficaram impregnados no mundo e muito no Brasil. Então, você sabe disso, todo brasileiro sabe que a marca é uma marca que dura porque tem uma engenharia forte. Até hoje isso existe. O que está sendo trabalhado há anos, e isso cada vez mais, na medida que a empresa lança produtos, você começa a ter já uma nova visão dessa situação, são os valores emocionais do produto. Então, um acabamento um pouco mais sofisticado... Você não tem, por exemplo, já por engenharia, por definição, de uma marca como a Volkswagen, você não tem o estofamento de um produto Volkswagen igual de um Ford, por exemplo. Não é uma poltrona. Você senta num produto da concorrência, você sente que você está numa poltrona. Na Volkswagen não vai acontecer isso jamais. Por quê? Porque a engenharia indica que na medida em que você não tem algo em que você se sinta mais seguro, um pouquinho mais atento... Digamos que você pode viajar duas ou três horas que você vai sair sem dor no corpo, você não pode ter acentos extremamente confortáveis. Então, são características que, embora tenham uma dose de racional muito forte, não vão mudar. Mas, de qualquer forma, existem outros aspectos de beleza do produto, de acabamento do produto, que a Volkswagen está mudando. Internamente, a configuração dos painéis, o estilo, o acabamento interno do produto, que são os valores mais emocionais, é que fazem com que essa marca agora tenha... Comece a se distanciar, porque os racionais, que é aquilo que você falou, não precisam mais ser tão trabalhados quanto já foram. Porque o próprio produto acabou falando por si.
P/1 – É interessante isso, do valor racional e do valor emocional do produto. Nesse início, quando você começou a viajar pelo Brasil, a ampliar as revendas, como é que era vender um carro? Como é que um vendedor vendia um Fusca?
R – Eu acho que nesse início não tínhamos muito esforço para venda de automóvel. Devo confessar que a área de vendas ficava muito mais preocupada na estrutura de organizar os revendedores do que propriamente na venda do produto. Uma vez ou outra você tinha determinados momentos de mercado, por qualquer crise econômica ou qualquer crise política, em que você tinha de fazer movimentos de vendas, ações de vendas, e que hoje são feitos comumente. É o trabalho diuturno, que é o trabalho de venda, de briga de mercado mesmo. Mas, nesta fase, eu não me lembro de ter passado os momentos, por muito tempo, momentos críticos de vendas, até porque, como eu já disse, se estamos falando nesse período que nós começamos na Volkswagen, foi a época folclórica que eu chamo, particularmente, da indústria automobilística, sabe? Romântica. Porque era produzir e colocar os carros. Era criar uma melhor forma de distribuir esses carros para o sistema. E a grande discussão que nós tínhamos internamente, até com a própria rede de revendedores, é que qualquer sistema adotado no sistema de distribuição não era reconhecido porque cada revendedor achava que devia receber mais carros do que o outro. Por quê? Porque o volume, a demanda era muito forte em cima dos produtos. Assim aconteceu com o Fusca, assim aconteceu com o milagroso Brasília, na época, assim aconteceu com o próprio Gol, que também foi um momento importante na minha vida, eu poderia dizer, onde, juntamente com um colega de marketing, Werner Wolf, eu estava na gerência de vendas nessa época, quando o Gol foi criado. Eu falei Golf antes? Não. Quando o Gol foi criado, o Fusca já estava na sua linha descendente e a Volkswagen criou o Gol. E numa conversa com o Werner Wolf, o Werner falou, ele de marketing e eu de vendas, na época ele falou: “Nós precisaríamos, talvez, nos focar mais atentamente no Gol e tentar fazer desse carro um dos carros mais vendidos do mercado.” E assim trabalhamos. Fizemos ações fortíssimas em cima do produto, no sentido de viabilizar grandes volumes para ele, para a venda desse produto. E eu acho que deu mais certo do que a expectativa, porque até hoje, nós estamos falando em quinze anos, não é, o produto Gol é o carro mais vendido no Brasil. Tentamos transferir para esse produto, sem falar da antiguidade do Fusca, mas tentando transferir para esse produto os valores racionais que o Fusca tinha e que são uma característica forte da marca. E que ele realmente também tem. Assim o mercado viu o produto Gol, que começou a ter a mesma credibilidade que tinha o Fusca. E o Gol, hoje, na sua terceira geração, mantém uma posição eu diria extremamente saudável, de primeiro carro nas vendas do mercado automobilístico. A ponto de que os dois seguidos, se somados, muitas vezes ficam até atrás do próprio Gol, até hoje, isso. Então esse também foi um momento interessante, onde eu pude participar, não foi só... Mas acho que eu pude trabalhar junto com o pessoal de marketing. Eu, na época, só como vendas, no sentido de fazer um produto líder de mercado. É uma satisfação toda especial que a gente acaba tendo. E é lógico que não é só pela qualidade do nosso trabalho, e sim pela facilidade que você tem de ter um produto que viabilize esse tipo de trabalho, que é o caso do Gol. Mas as dificuldades de vendas, realmente, vieram depois. Foram acontecendo no decorrer dos anos, mas não nessa fase, quando a indústria automobilística crescia de ano para ano, com altíssimos percentuais, com aumento de produtividade e tudo o mais. Em todas as fábricas havia, em todas as marcas. A Volkswagen, pela felicidade de ter os produtos, talvez, mais reconhecidos pelo mercado brasileiro, teve uma performance muito melhor do que as demais. Você tinha o Gordini da vida, que não era um carro tão... Era o que podia competir com o Fusca, a motorização desse carro não era tão forte quanto a do Fusca, que foi sempre uma característica forte da marca Volkswagen, a sua motorização, o câmbio, o power train, que é um sistema de comando de produto, a Volkswagen era quase imbatível. Então, isso fez com que a Volkswagen crescesse nesse mercado maravilhoso, eu diria, onde vendas não tem muito trabalho.
P/1 – Para vender...
R – A venda é mais fácil de...
P/1 – Para vender a Brasília, como é que foi?
R – Também, a venda da Brasília foi... Eu me lembro que eu estava no Rio de Janeiro, eu tinha que brigar para conseguir mais Brasílias para o mercado do Rio de Janeiro. Ali a briga era ao contrário. Eu, como gerente regional, tinha que tentar viabilizar mais, trazer mais carros para o mercado do Rio de Janeiro. Acabei conseguindo, tanto é que o Rio de Janeiro, na época, teve um crescimento muito forte de participação no mercado da marca Volkswagen exatamente em cima do Brasília, que era um carro, na época, milagroso, que era pequeno por fora e grande por dentro, aquele negócio todo. Hoje, ainda, você tem algumas Brasílias. (riso) Eu diria que hoje já mais atrapalha o trânsito do que ajuda. Mas, de qualquer forma, na época foi um produto, eu diria, muito fácil de ser colocado no mercado. Tivemos alguns produtos com dificuldades, o TL foi um deles. Esse aí foi um produto que... Você tinha outras prioridades no mercado, mas mesmo assim ele acabou fazendo história. Outros produtos específicos da marca, um desenhado pelo próprio Leiding, o SP 2, um carro que até hoje é considerado de linhas arrojadas, modernas, e o próprio Karmann Ghia, considerado, até hoje, um dos maiores desenhos, designs mais perfeitos, não só de automóvel. Quer dizer, fizeram um concurso mundial. Se vocês lembram do Karmann Ghia, o Karmann Ghia antigo, ele tem um desenho que ficou famoso pela sua beleza, e aquilo era um Volkswagen, levava a marca Volkswagen, também, o Karmann Ghia. Produzido na Karmann Ghia, mas com todos os componentes Volkswagen. Então, dificilmente nós tínhamos os produtos que tínhamos certa dificuldade de vender. Um daqueles que não nasceu mal, nasceu bem, e que procurou um segmento interessante foi o famoso Zé do Caixão, um carro pequeno, aquele quadradinho. No Rio de Janeiro, tivemos a sorte, na época, que não foi bem em todos os mercados, de fazê-lo como carro táxi, também em função de seus valores racionais que nós acabamos de mencionar. Então, era um carro que podia ser trabalhado. Até hoje aparece um ou outro aqui, rodando, mas ele não viveu muitos anos, também, este carro. Mas, no geral, você tinha uma linha de produtos que atendia o aumento da demanda. E produtos bem quistos, a própria Kombi é uma história à parte. Na sua forma, como ela está até hoje, se bem que hoje ela tem uma relação de custo-benefício maravilhosa, mas a Kombi, a gente tem histórias interessantíssimas, é outro produto que por si só daria um livro. Por que eu digo isso? Porque eu não poderia, talvez se buscasse um pouco pela memória, mas vai ser difícil agora... A Kombi, eu acho que ela tem a sua própria história, eu acho. Este, sim, eu acho que é um produto que cresceu com o Brasil. Por que eu digo isso? Porque a velha senhora, como eu chamo, pela idade que ela já tem e pela manutenção de suas características, desde que ela foi criada, ela ajudou, de verdade, esse país a crescer. É um produto em que nós tivemos vários empresários, nós temos vários empresários, que começara a sua vida, a sua história com a Kombi, principalmente na área de transporte. E mesmo individualmente, porque tinha uma Kombi para durante a semana fazer seu trabalho de entrega propriamente dito, e, depois, como produto de final de semana ou coisa que o valha. Então, nós tivemos a Kombi como um elemento de crescimento da economia do país, até por se tratar de um produto de fácil trânsito nas cidades, nos centros urbanos. E sem grandes dificuldades de condições de rodagem de estradas. Um produto valente, como até hoje é, e até mesmo pelas condições das estradas brasileiras na época. Até mesmo se você for para o interior dos Estados brasileiros, você ainda tem muita dificuldade de estrada, a Kombi ainda é um produto de alta confiança do consumidor. E com isso ele participou, ele cresceu economicamente, criou, gerou riquezas, gerou empregos, gerou impostos neste Brasil. A Kombi, ainda hoje, é um produto que vende algo em torno de quinze, dezoito mil unidades por ano, nós não temos... Temos indústrias novas no mercado, marcas novas que se instalaram recentemente e que não conseguem vender dezoito mil carros. A Kombi por si só, sozinha, coloca esse produto no mercado. Mesmo no mercado difícil que nós estamos atravessando, a Kombi é um produto de demanda, exatamente porque ela oferece um custo-benefício extremamente favorável para o consumidor, quer seja no caso do perueiro, quer seja na entrega rápida, ela se presta a qualquer tipo de serviço. Outro milagre que eu poderia dizer de vida e ainda como um produto muito bem solicitado é o Santana. O Santana, que é um produto não tão atualizado tecnicamente como os atuais, mantém, ainda, uma demanda muito forte, também por essa característica racional que a marca possui, ou seja, é um carro crível aquele carro que você confia, que você pode rodar, tem uma mecânica já tradicional. O segmento de táxi, que usa e abusa do produto, é o eleito favorito desse segmento. Curiosamente você tem, em função da violência também reinante no mercado brasileiro, muitos empresários que usam o Mercedes vez por outra, o Passat vez por outra, e que estão usando o Santana como produto do dia-a-dia, porque ele não dá o destaque de riqueza, não dá o status de riqueza e, ao mesmo tempo, você tem um carro confortável e confiável para o seu dia a dia. E muitos Santanas são blindados no mercado brasileiro exatamente por isso também. Então, são produtos que ajudaram, também, a empresa a formar a imagem que ela tem hoje, da sua força no racional. É claro que ela está cada vez mais se modernizando, com uma engenharia cada vez mais especializada, haja vista o lançamento agora do Polo, que é um produto fabuloso, eu poderia dizer, na sua concepção de engenharia propriamente dita, e na sua produção também. Um produto muito forte para o mercado brasileiro.
P/1 – Você poderia falar um pouquinho, nesses anos que você está na Volkswagen, da área de exportação.
R – Na área de exportação nós tivemos fases. Até onde eu posso me lembrar, outros colegas talvez tenham uma condição um pouquinho mais específica, mas eu me lembro. Nessa época, eu estava fora da fábrica, o trabalho do Sauer, no sentido de uma operação muito forte que ele fez, e que praticamente foi o início da Volkswagen em grandes negócios de exportação, que o Sauer fez com o Iraque. Uma operação triangular muito interessante para a economia do país, porque tinha petróleo também envolvido no negócio, na troca de petróleo, e o Iraque comprou os Passats que nós produzíamos aqui. Até hoje nós falamos, até o mercado muitas vezes se lembra, dos famosos Passats Iraque. Até quando tivemos um problema de embarque dessas unidades, tivemos que permanecer com esses produtos no mercado brasileiro, que não tivemos condições de mandar os produtos que estavam encomendados para o Iraque, nós tivemos que colocar no mercado esses produtos. E eu diria que não tivemos grandes dificuldades. Mas, de qualquer forma, foi um pouco inusitado, porque o gosto desses produtos encomendados não casava bem com o gosto do brasileiro, porque nós temos um Passat vermelho e o estofamento vermelho também, então... Mas mesmo assim, era um produto quatro portas. Depois, quem comprava colocava o estofamento que melhor lhe conviesse. Mas, de qualquer forma, foi considerado um produto de qualidade na época, e vendemos muitos Passat Iraque, eu diria, quatro portas, aqui no Brasil. Eu diria, de uma maneira um pouco mais focada na indústria, na área de exportação, que vinha crescendo de uma maneira interessante, porque a Volkswagen sempre teve esse foco, mas com o advento da Autolatina, basicamente isso desapareceu. Resolveu, naquela época, a direção da Autolatina dizer que não era o foco do negócio da empresa o mercado de exportação. E, com isso, a própria Volkswagen que começava, naquela fase, com vários contatos na área de exportação, foi, também, diminuindo. Tanto a Autolatina como um todo, não exportava. Mais recentemente é que a coisa começou realmente a acontecer, na medida em que o atual presidente, o Doutor Demel entendeu que uma das alternativas era a saída para o mercado exterior. E é claro que para você ser um pouco mais ousado, dependendo dos mercados que você queira atingir, você também tem que ter os produtos para isso. Nem todos os produtos fabricados no Brasil são aceitos em mercados mais exigentes. Mas, já com uma política um pouquinho mais focada e trabalho já iniciado três, quatro anos atrás, nós hoje já estamos vendo os resultados desse trabalho que foi bem focado, bem direcionado pelo Doutor Demel, e onde eu tive, também, a oportunidade de participar. Hoje nós temos uma exportação muito forte para o México, dos produtos Gol, já que a produção do México, dos produtos Volkswagen, é exportada para os Estados Unidos, a sua grande maioria. Nós exportamos o nosso produto Gol para o México, e ali o produto Gol também tem uma participação fortíssima. Exportamos, também, o nosso Golf para o México, Estados Unidos e Canadá. Então, o produto Golf brasileiro tem hoje uma credencial muito forte, em termos de qualidade, porque nós avançamos no mercado americano e no mercado canadense, são dois mercados fortíssimos onde a Volkswagen tem uma presença, dos carros importantes, muito forte. Com um crescimento, eu diria, acentuado nos últimos anos, em função do quê? De uma qualidade de produto. Mais uma vez, aqui ,aquela obsessão pela qualidade é que tem viabilizado isso, do produto que é produzido na fábrica de São José dos Pinhais, no Paraná. Mais do que isso, se vê agora alternativas fortíssimas de lançamento de exportação do produto Polo, já que é um produto que, conceitualmente, é um produto mundial, pode ser exportado sem grandes problemas, incluindo a Europa. E existe a oportunidade de crescermos ainda mais nesse segmento. É claro que a empresa está desenvolvendo esforços nesse sentido. Hoje, a Volkswagen representa quase que 60%, 50% das exportações brasileiras. Por quê? Dado a uma política existente doméstica, na medida em que o governo pudesse favorecer ainda mais as exportações, eu acho que favorecer em função de interesses nacionais, favorecer a indústria no caso, na medida em que ficarem facilitadas as taxas, as condições de exportação, eu acredito que a indústria automobilística nacional vai ter condições de exportar ainda mais, e dentro desse quadro a Volkswagen vai ficar numa situação, eu diria, privilegiada, pela qualidade dos produtos que ela tem para exportar. Eu falo em nível de produtos. Também, eu diria, seria uma saída extremamente favorável para a indústria automobilística brasileira e para o próprio país economicamente falando, na medida em que hoje a capacidade instalada de toda a indústria automotiva tem uma utilização de apenas 50%, ou seja, nós temos praticamente a outra metade ociosa. Na medida em que nós tivermos condições de exportação e produtos para isto, eu acho que nós poderíamos preencher essa capacidade produtiva com a geração, mais uma vez, de mais empregos no país, com exportações volumosas. Daí a força que a indústria automobilística empresta sempre à economia brasileira, já que é, sempre foi e ainda será, a locomotiva, eu diria, da economia brasileira, na economia de vários países e principalmente na do Brasil.
P/1 – Barone, você passou por vários presidentes da Volkswagen. Eu queria que você falasse um pouquinho de cada um deles.
R – O que eu poderia talvez falar é das características daqueles com que eu trabalhei mais de perto. É claro que, daqueles que eu me lembro, nós tivemos Leiding, o Schultz Wenck, que foi quem praticamente começou com a Volkswagen do Brasil. Os contatos foram praticamente inexistentes nesta fase, eu nem na Volkswagen acho que estava, ou estava principiando na Volkswagen. Então, não poderia falar deles como experiência pessoal, a não ser aquilo que você tem como informações e leitura. Do Leiding, também, muito mais... Eu trabalhava fora da fábrica, mas eu acho que era um elemento que se caracterizava muito fortemente pela produção da fábrica. Então foi um elemento fortíssimo. Ele se... A figura dele fica bem focada nas mentes de muitos colegas como aquele momento difícil que a Volkswagen teve alguns anos atrás. Mais uma vez a data é difícil para mim, mas a fábrica pegou fogo na ala 13, onde tinha os pneus. Ela pegou fogo e ele, como presidente, foi um dos homens que foi lá para tentar salvar pessoas, tirando a camisa. Então, essa característica é que caracteriza esse Leiding. Esse homem voluntarioso, mas bem da área produtiva e tudo o mais. Depois nós tivemos, eu diria, um quase um Doutor, um professor nesta casa, o V.P. Schmidt, que, durante alguns anos... Eu me lembro que eu estava no Rio de Janeiro, ele comandou... Era um verdadeiro acadêmico, um mestre em marketing, uma postura extremamente elegante, o V.P. Schmidt era uma cultura fabulosa e um mestre muito didático na forma de comandar as operações da indústria, com algumas dificuldades de entender o brasileiro, eu diria, à maneira um pouco, não digo não profissional, mas um pouco despretensiosa, da forma de se colocar do brasileiro, algumas vezes parecendo até displicente com o seu negócio. E ele não conseguia entender. Eu disse parecendo displicente, não que fosse displicente. Então, ele teve realmente dificuldades de entender o brasileiro de uma maneira geral, principalmente o mercado, a sua rede de revendedores. Mas fez bons trabalhos e deu bons ensinamentos, eu diria, para os elementos da fábrica, e eu diria, também, num momento importante da Volkswagen, porque foi um elemento que ensinava realmente como se estabelecer uma plataforma da marca no mercado, a sua forma de comunicação, o estilo de comunicação desta marca que tem que obedecer determinados padrões, o que ela tem que transmitir na sua imagem, o que ela tem que ter como imagem. Então foi um verdadeiro professor e um excelente administrador. Aquele que mais tempo ficou, eu diria, do grupo que eu atravessei, foi o Sauer, sem dúvida nenhuma, o Sauer. O Sauer, eu diria, foi um elemento que não só se caracterizou pela presidência que ele teve na Volkswagen do Brasil, e ao contrário daquele que eu falei, pela facilidade de assimilar o mercado brasileiro, o povo brasileiro, até porque vive no país até hoje, pela facilidade de conversa, pela habilidade que ele tem de ser agradável e simpático às pessoas, pela sua estampa, pela sua figura. Ele acabou sendo um elemento que representou a indústria automobilística no mercado brasileiro junto ao governo, principalmente, ou junto às instituições de interesse. A figura do Sauer não era só como de presidente da Volkswagen do Brasil, era o homem que ia para o governo conversar e podia falar em nome da indústria automobilística, que as demais marcas por certo sempre avaliaram a sua posição. A figura dele representava o automóvel no Brasil, então, ele foi extremamente significativo. Tem uma característica totalmente diferenciada dos outros, esse é muito mais, entre aspas, o caixeiro-viajante. É o homem que saía para o negócio, é o homem que ficava pouco tempo com a bunda na cadeira, ou seja, a cadeira tinha algum problema. Ele saía para fazer negócio, para viabilizar negócio dentro do mercado brasileiro. Não só os negócios de exportações, mas os negócios, lógico, de interesse da companhia, bem mais ativo e menos administrador. Menos fechado, menos staff. Esse foi o Sauer que, durante muitos anos, acho que colocou a Volkswagen numa situação também de destaque no mercado brasileiro. O Sauer já também pegou o início também da fase da Autolatina. Quem o substituiu nesta fase Autolatina e teve a característica foi o Pierre-Alain De Smedt. O Pierre-Alain De Smedt teve a habilidade de um diplomata, a educação de um diplomata, um comportamento sério e agradável, porém sempre firme, sempre em direção aos seus objetivo. Como eu posso figurar o Pierre De Smedt? O Pierre De Smedt é um craque em fazer diminuírem as despesas de uma empresa, por exemplo. Então, o exemplo que eu dou é mais ou menos um elefante atravessando uma loja de cristais. Ele vai quebrar algumas peças aqui do lado, mas ele vai atravessar essa desgraça aqui, e assim aconteceu com ele. E com o Pierre era sempre interessante você dialogar, porque você falava com ele, ele ficava te ouvindo realmente com interesse, e fazia assim com a cabeça. Quantas vezes eu falei isso para ele, aí: “Tá bom, tá bom, tá bom, sim.” Ele ficava te ouvindo. “Tá tudo certo?” Ele falava: “Não!” “Pô, nós estamos conversando assim, assim, assim. Está tudo certo?” “Não, não está.” Mas foi uma pessoa muito importante, eu diria, para a marca Volkswagen, até pela habilidade que ele possuía, e obviamente possui, de negociação. E foi com ele que houve a negociação propriamente dita da separação das marcas. Essa é uma situação, um negócio difícil de ser viabilizado, de ser executado, e você precisa de homens capazes e hábeis de negociação. Essa é a característica do Pierre De Smedt. E finalmente o Doutor Demel, que veio para cá um engenheiro formado, com raciocínio bem lógico. Extremamente racional, também um pouco emocional, mas basicamente a direção dele é bem racional, tem que ter lógica em tudo o que se faz e o que se fala. Daí muitas vezes a dificuldade inicial de compreender alguns brasileiros, de você muitas vezes ter uma conversa um pouco que não tem muita objetividade, aí ele não consegue entender esse tipo de comportamento. Mas eu acho, particularmente entendo, que é um elemento de um valor extraordinário. Lastimavelmente, está saindo da organização. Eu o entendo com uma capacidade de enxergar as coisas dentro de uma organização muito rara. Visão que ele teve, e não só visão, atitude de se fazer alguma coisa grande. Fica na cabeça de poucos, você pode querer fazer, mas partir para o fato em momentos difíceis, não são poucas pessoas que se predispõem a fazê-lo. E assim aconteceu nesses anos que ele está trabalhando pela empresa. Sai da organização praticamente agora, no mês que vêm. Ele conseguiu um enxugamento da fábrica Volkswagen da Anchieta, que é uma condição um pouco difícil de ser viabilizada. Quando eu digo que nós tivemos uma fase folclórica na indústria automobilística, a Volkswagen, na Anchieta, ela foi crescendo e, à medida que precisava crescer, se construía mais uma ala. Hoje, ela estava instalada em dois milhões de metros quadrados. Então, você não tinha mais uma fábrica de automóveis, uma fábrica chamada lean, ou seja, bem justa. Você tinha um pedaço faz aqui, o outro pedaço faz lá, e com tudo isso você tem custos que oneram o produto. Com o lançamento do Polo, ele começou a fechar essas fábricas, fechar esses galpões desnecessários. E foi quando, também um pouco de folclore, entrando na história, quando se começou a se descobrir várias coisas dentro da própria fábrica, que é um mundo à parte, onde se sabia que, na hora de derrubar determinadas alas, você tinha igrejas também lá dentro. Mas igreja, igreja mesmo, com santo e tal. Você tinha pessoas, funcionários, que na hora do almoço faziam a sua reza e etc. Como se pode compreender numa fábrica de automóveis você ter essas situações? Então, coisas que antes eram utilizadas até como referencial para a grandeza da Anchieta, a maior padaria que tem o Brasil está na Volkswagen, o que se faz de pão, e não sei o quê, já não é bem assim. Não interessa ter a maior padaria, vamos tirar isso daí. Então, ele foi diminuindo essas alas a ponto de, realmente, hoje você ter uma fábrica bem justa, bem lógica na sua forma de produção. Tudo isso da cabeça do Demel, que fez isso. E não é um trabalho fácil derrubar as alas e acontecer. Tinha gente que morava na fábrica de graça, ninguém via: ele tinha uma carteirinha que passava e ficava lá, morando. O controle é falho? A grandeza dessa fábrica... E com isso é que ele começou: “Não é uma fábrica isso aqui, isso aqui é uma cidade.” Então, realmente, ele fez da Anchieta, agora, uma fábrica moderna, o que é mais importante. Uma fábrica atual, moderna, tecnologicamente falando, a produção de alta qualidade dos produtos, principalmente do Polo, que são viabilizadas lá. Então, esse homem se caracterizou exatamente por causar mudanças físicas, de estrutura, dentro da organização. Eu ainda o considero um elemento de alto valor. A saída dele, por certo... Lastimavelmente, ele pegou períodos de mercado bastante complicados, que fizeram com que ele tivesse que administrar os resultados da fábrica com a vontade de viabilizar mudanças mais fortes dentro da organização. O mercado, como eu falei, em 1997, que foi mais ou menos o período que ele veio para cá - eu acho que ele chegou em 1998 -, estava em dois milhões de unidades, todo mundo pensava que o mercado ia crescer, mas o mercado caiu. E foi exatamente na fase dele que as grandes marcas, imaginando que o mercado fosse crescer mais depois de 1997, começaram a fazer os seus investimentos. E os investimentos aconteceram e afloraram exatamente nesse período. O mercado onde estavam presentes apenas quatro grandes marcas. Hoje nós estamos falando em doze, treze marcas, por exemplo, no mercado. O mercado que era de dois milhões caiu para um milhão e 600. Então, você tinha quatro para dois milhões, e agora estamos falando de treze para um milhão e seiscentos mil, então, o mercado cai. Com mais competitividade, consequentemente, você tem uma briga maior de mercado, resultados mais sacrificados dentro do negócio para todo o sistema e para todas as marcas. Foi esse ambiente que ele pegou e, mesmo dentro de um ambiente como esse, ele lança um produto que era uma necessidade premente por parte da Volkswagen, que parou os seus investimentos desde o período Autolatina, assim como a própria Ford. A Ford começou a produzir em Camaçari para produzir o novo Fiesta, e a Volkswagen, rapidamente, eu diria, também começou já a produzir um novo produto, que culminou com o lançamento do Polo. Então, ele tem essa característica de saber o que quer e com uma qualidade ainda maior, eu diria, por ser um engenheiro. Conhece o produto, conhece o automóvel. Eu diria que são poucos os presidentes no mundo de indústria automobilística... Não necessariamente que eles tenham que conhecer, mas são pouquíssimos aqueles que conhecem o produto automóvel nos detalhes. O Demel é um que conhece. Então, ele ainda tem, eu diria, a virtude de saber como conduzir, embora você tenha os engenheiros para trabalhar nesse aspecto, ele também sabe o que os engenheiros têm que fazer ou não têm que fazer. Fez da marca Audi na Alemanha o sucesso que a marca tem hoje. Então, é um elemento fortíssimo que eu acho que realmente poderá fazer falta na Volkswagen. Mas é lógico que não faltam, não deve faltar na organização, elementos que possam dar continuidade a esse trabalho.
P/1 – Pensando um pouquinho na questão de todos os presidentes, tem duas questões que aparecem sempre. Eu vou tentar fazer uma pergunta com as duas. A Volkswagen, a gente sabe, conversando com todo mundo, sempre aparece uma cultura Volkswagen. E ligada a essa cultura Volkswagen, a Volkswagen do Brasil é vista como uma indústria, uma fábrica brasileira. Não se liga tanto à Alemanha e aos alemães. Você poderia falar um pouquinho, Barone?
R – É verdade! Mas eu acho que o marketing da Volkswagen foi muito feliz, desde os seus primórdios, eu diria. Ela teve o privilégio, eu diria, de ser uma das primeiras a se instalar no país, de acreditar, e fez do Fusca, um elemento de relação muito forte com o brasileiro. O produto Fusca, como nós tivemos a oportunidade acho que já de comentar, que se tornou até um referencial no mercado brasileiro, além do automóvel. O Fusca era uma referência. Quantos Fuscas precisam para fazer um caminho daqui até sei lá, a Cochinchina? O valor do Fusca era um valor referencial: “Vale tantos Fuscas.” O Fusca teve uma relação muito forte, muito íntima com o consumidor brasileiro. Histórias mil do Fusca. Quantos nasceram dentro de um Fusca e que acabam contando a história: “Meu filho nasceu dentro de um Fusca.” O Fusca foi quem, eu digo e é uma verdade, o Fusca foi quem ensinou o brasileiro a dirigir, é uma verdade isto. A grande maioria do mercado hoje aprendeu a dirigir num Fusca. E por quê o Fusca? Porque é um carro que poderia fazer o que você achava, que ele estava inteiro ainda, ele funcionava, era durável. A durabilidade do produto e tal. Então, era o produto que ajuda. Com campanhas extremamente favoráveis que o Fusca teve e memoráveis, eu poderia dizer, na época do Alex Periscinoto, com a Almap, que realmente fizeram, pela campanha premiada. Foram peças que deram ainda mais essa relação de intimidade com esse produto. Então você confundia, muitas vezes, Fusca e Volkswagen. Volkswagen é Fusca, e Fusca é Volkswagen. Daí você tem aquelas peças de primeiro de abril, onde está o motor? Você não encontrava o motor... O carro que não precisava de água... Então, tinha várias brincadeiras com esse produto. O carro do padre, o padre gosta, adora o Fusca, porque ele viaja toda a paróquia dele, toda região dele. O carro da autoescola, aquelas mulheres tentando engatar a marcha que faziam misérias com o produto e o produto não quebrando, ou seja, foi a venda da imagem do produto, e essa simpatia foi gerada entre o consumidor brasileiro e o Fusca. Então, com base nisso, você acaba tendo que a Volkswagen é uma empresa que conhece o nosso chão, e o nosso chão é o Brasil. Então, isso realmente gerou uma afinidade, ela não é uma empresa alemã, não, ela é brasileira. Realmente, assim que ela é vista pelo mercado, pelo consumidor interno, pelo consumidor brasileiro, o que é mais importante, apesar de ser uma empresa entre aspas brasileira, quem faz o carro é um engenheiro alemão. E aí é que há uma outra vantagem da Volkswagen. No conceito, pelo menos brasileiro, e você pode considerar isso também uma verdade absoluta, não é só conceitual, não é só imaginativa, quando você fala em engenharia, você pensa que o alemão é um bom engenheiro. Quem é melhor engenheiro? O alemão. O alemão sabe fazer, aliás, é um engenheiro por natureza. Então, se eu tenho um produto feito por um engenheiro alemão, é porque realmente é um negócio bom. Então, essa combinação de imagem que o brasileiro fez da marca Volkswagen também, é lógico, é a razão do sucesso, muito bem explorada pelo marketing e pelas propagandas, na época do início da indústria automobilística, eu diria.
P/1 – E como você vê a cultura Volkswagen?
R – O que é a cultura de uma organização? Ela acaba sendo formada pela vontade dos homens que a dirigem, mas ela tem uma base. Ela tem uma base que origina a marca não aqui, mas mundialmente. Eu tive já a oportunidade de comentar, rapidamente, que você tem primeiro uma empresa com propósitos sociais fortíssimos, ou seja, você tem o resultado em benefício de todo um sistema para que ela trabalha. Que basicamente é a finalidade de qualquer empresa que se instala: com um resultado de lucros você tem o benefício social disso tudo, geração de riqueza, do emprego e das benesses consequentes disso tudo. Se você entrar no foco do negócio propriamente, que cultura que nós temos? É a cultura de termos um bom produto. Quando eu falo que a qualidade de um produto Volkswagen não é a qualidade dos discursos, é quase uma obsessão, essa é uma característica de cultura da marca. Você não pode menosprezar a qualidade. Eu, como vendas e como brasileiro, devo dizer que muitas vezes uma... Eles nunca publicaram, até porque não era muito elegante, mas, de qualquer forma... Você tem um americano produzindo automóvel, o italiano e o alemão. Você tem aqui as marcas bem identificadas. Mas eu faço a configuração. Se você vai pendurar um quadro na parede e precisa de um prego, o americano coloca um prego para dez quilos, que é quanto pesa o quadro. O quadro pesa dez quilos, o americano coloca dez quilos e prega lá. O italiano, eu também posso até falar com uma certa tranquilidade, um pouco confortável, ele olha lá um prego para oito quilos, vai dar para segurar isso aí. Eu vou dar um jeito. Ele prega ali e está lá o quadro, isso daí, se um dia vai cair, deixa pra lá. O alemão é ao contrário. Ele coloca um prego para doze quilos para segurar o quadro de dez. É o que a gente chama no over engineering, ou seja, o excesso da engenharia no produto. E eu, como homem de vendas, acho, é claro que aquilo é um custo. E, se tem um custo, tem que ser cobrado, se paga por isso. E sempre foi uma briga de vendas, no caso, de fazer com que esse custo não ficasse só embaixo da bunda do consumidor, porque ele não está vendo. Muitas coisas são técnicas, são mecânicas que ele não enxerga. E no visual, muitas vezes nós faltávamos. E não deixou de ser uma cultura da empresa ter a qualidade do produto não necessariamente visual. Você tem a qualidade técnica, a qualidade do motor, a qualidade das peças, o chicote de um automóvel, que eu posso dizer. O que é um chicote do automóvel? Você tem um chicote com vários fios lá dentro em que você faz toda a ligação elétrica. Você pega o da concorrência, que também funciona, você vê um chicote, os fios lá são finos e não sei o quê. O da Volkswagen é incrível. É uma peça de arte o carro da Volkswagen. Você pega o chicote, em volta do fio você tem que ter x de espessura, de cobertura, o fio tem que ser tamanho tal, aquilo é uma peça de arte, aquilo é lindo. O escapamento, que é o exemplo que eu usava lá e vou ter que usar aqui agora, e quem assistir isso depois eu acho que vai até rir outra vez, de tanto exemplo que eu usei disso. O escapamento é uma peça que, depois de três, quatro anos, sei lá eu, acaba. Ele acaba. O escapamento que se escolhe na Volkswagen é para durar mais que o carro, então não tem... Isso tem um custo. Por isso que eu digo que é uma cultura e até quase uma obsessão da marca Volkswagen. Muitas vezes você tem um preço também, porque você tem uma qualidade superior, uma cultura da empresa é a qualidade daquilo que ela faz. Já disse também que não deixa de ser uma forma de você caracterizar o comportamento de uma empresa, o relacionamento com os seus próprios empregados, a forma como ela se relaciona com os seus empregados, que para mim sempre foi séria, foi transparente, muito boa. Você não tem comportamentos repentinos, de mudanças repentinas. Ela tem um padrão de comportamento, de remuneração, de atenção, de saúde para com os funcionários e tudo o mais. Ou seja, é uma empresa maravilhosa, eu poderia dizer. E mais, eu diria que é uma cultura voltada ao produto, voltadas às pessoas, com força, com intensidade. Não só faz parte das dez missões da empresa, dos dez regulamentos. Isso, em algumas outras empresas só está escrito, mas na prática você não vê. E na Volkswagen você sente isso.
P/1 – Nós já estamos no fim, Barone, vamos para o final. Nesses anos todos que você passou na Volkswagen, se você tivesse que escolher um momento que foi o mais significativo para você, pessoa Barone, qual seria esse momento?
R – Significativo eu não sei, mas momentos que mais marcaram, eu tive dois. Destacar qual é o principal vai ser difícil. Então, aqueles dois que me vêm à cabeça agora eu acho que possivelmente devem ser os dois mais importantes. Primeiro, como eu já disse, quando eu fui convidado a assumir, entre aspas, a presidência da Volkswagen do Brasil. Quando que digo entre aspas é porque eu estava muito mais representando a marca aqui, mas de qualquer forma tinha uma responsabilidade forte. E na época eu comecei a me questionar se eu tinha essa condição de representar a marca. E foram momentos um pouco difíceis que eu tive. E daí você tira alguns exemplos que eu procuro transferir para todos. Você jamais tem que se subestimar. Se você tem o desejo e a vontade, você faz. Então, tudo aquilo que eu pensava que ia ter dificuldades de conseguir, eu de certa maneira ultrapassei, não digo que com facilidade, mas ultrapassei os obstáculos e consegui ficar numa posição muito interessante junto com uma equipe. Como ensinamento desse momento que foi altamente significativo para mim, como você perguntou, eu também contei com as pessoas, do meu lado. Então, esses são os ensinamentos e, ao mesmo tempo, um momento altamente significativo para mim, ou seja, eu cheguei ao título de primeiro presidente da Volkswagen, então, para mim, isso foi bastante... Eu não imaginava, na minha vida, quando eu entrei na indústria automobilística, que eu ia conseguir chegar a essa posição. O segundo momento, que para mim foi provavelmente surpreendente a forma pela qual foi feito, foi a minha saída da empresa. Festejaram de uma maneira que me emocionou fortemente. Um momento... Tiveram que alugar uma casa noturna, nunca aconteceu isso quando uma pessoa sai da fábrica. Você tem os amigos que se juntam e fazem um bota-fora para ele e tal. Comigo, fizeram mais de trezentas, quatrocentas pessoas, fizeram numa casa noturna um evento, prepararam um show, prepararam um espetáculo, se preparam durante dias, fizeram gravação em couro, fizeram camisas com o meu nome, usando meu nome de “delinquente”, que é como eu chamo todos: “um delinquente de sucesso!” Fizeram fotos enormes, decoraram todo o evento com fotos minhas desde moleque, fizeram esse negócio “A história de sua vida”, mais ou menos isso, que eu, particularmente, acho chatérrimo para quem está ouvindo. Mas, de qualquer forma, foi um momento muito forte, extremamente marcante para mim, com a presença de centenas, como eu já disse, trezentas, quatrocentas pessoas. A diretoria em peso também presente e, depois a diretoria, também o próprio Doutor Demel, me fez uma homenagem junto com os demais diretores que ficaram também na memória. Então, foram momentos agradabilíssimos que eu tive e que marcaram a minha vida de uma forma muito intensa, eu diria.
P/1 – E da onde que vem essa história de delinquente de sucesso’?
R – Eu acho que vem do meu pai. Ele falava brincando comigo, quando eu fazia qualquer coisa errada, que eu não sabia, ele me falava: “Olha, você é um burro com quatro “érres”. Com dois “érres” qualquer um é, você tem quatro “érres”.” E qualquer coisa que eu fazia, mas também jocosamente, ele batia na cabeça: “Oh, delinquente, pára de fazer isso.” Acho que aquilo entrou na minha cabeça e daí eu comecei a chamar os outros de delinquentes. Acontece que eu chamo aqueles que eu gosto. E daí ficou a própria chamada nessa festa aqui para mim preparada, foi “o delinquente de sucesso”. Agora imagina você, lá no Tom Brasil, aquele luminoso correndo lá, “Barone, um delinquente de sucesso”, uma foto e um flash back enorme com a minha foto de criança, a foto do Palmeiras, a foto da Volkswagen, a minha foto do lado, “um delinquente”. Tinha pessoas que passavam na portal e não sabiam o que estava acontecendo: “Que artista é esse? Eu quero comprar ingresso.” Daí nasceu o delinquente que acabou virando um termo quase comum também na diretoria da Volkswagen e tal. Mas, de qualquer forma, daí saiu o delinquente que vos fala.
P/1 – Barone, você acha que o Brasil seria outro sem a Volkswagen?
R – Opa! Provavelmente. Outro eu não sei, mas talvez tivesse o seu progresso nesse segmento não tão adiantado como ele está hoje. Ou, se não fosse a Volkswagen, poderia ter sido outra talvez, na indústria, mas é difícil querer ver como as coisas caminhariam se não fosse, eu não tenho essa pretensão. Mas, de qualquer forma, tem que se fazer o registro do que esta empresa representou para a economia brasileira no mercado nacional. Talvez a sua pergunta seja até um pouco mais profunda, não só economicamente, mas até mesmo da forma como ela atingiu as pessoas. Como eu disse, talvez muitas crianças talvez nem tivessem nascido se não fosse o Fusca. (riso) A relação que as pessoas tinham com o Fusca, não sei se eles teriam tido com outro produto. Gostar do automóvel, usar o automóvel da maneira que usaram, quer seja como diversão, como lazer e até mesmo como trabalho. Pessoas que trabalhavam com o Fusca e criaram, geraram riquezas para o país e para eles próprios, um instrumento de trabalho que ficou na mão de muitas pessoas, eu falei da Kombi e do próprio Fusca, que viajavam e que fizeram essa riqueza em cima desses produtos, nós temos vários produtos. Talvez, a contribuição que essa marca deu para o país tenha sido até mais significativa do que as outras, do que a gente possa imaginar. Quase a gente não pensa nisso, mas foi muito forte. E é claro que a Volkswagen também deve muito a este país, na medida em que encontrou, aqui, uma sintonia perfeita entre o que ela é e os consumidores brasileiros.
P/1 – E aquele carro que você pedia para sua mãe, qual era?
R – Qualquer um deles que tivesse quatro rodas. Na época, eu não estava tão aficionado assim em qualquer produto. Eu queria ter um automóvel. Mas eu fiquei fanático pelo automóvel na medida em que o meu irmão mais velho, ele primeiro comprou um carro importado, porque só tinha carro importado, era um carro caindo aos pedaços que depois passou para mim. E em seguida ele comprou um Volkswagen. O que eu tinha na minha mão, toda hora quebrando, foi por isso que ele me deu. E o Fusca… Aí eu comecei a ficar aficionado pelo Fusca, não tinha, nem podia dirigir, tinha dezesseis, dezessete anos, e daí o meu interesse por automóvel desde cedo, pela marca. Nesta fase o meu irmão tinha um Fusca e na época os consumidores faziam do Fusca uma verdadeira jóia, faziam de tudo. Esse tinha barzinho, tinha estofamento todo cheio de... Devia ser uma cafonice horrível para hoje, mas, de todo jeito, aquilo ficava todo... O carro preparado, todo brilhando, e aquilo, é lógico, também me impressionou, de tal sorte eu falei: “Eu vou ter que ter um Fusca. Esse é o meu desejo. O objetivo de desejo, o sonho de desejo é um Fusca.” E aí é que começou o desejo de um Fusca, mas na época da velha lá: “Eu quero um carro.” Era realmente para perturbar. (riso)
P/1 – E qual foi o primeiro Fusca?
R – Foi o que eu comprei do meu irmão. Ele passou para mim e comprou outro. Esse foi o primeiro Fusca. E, eu diria, o que eu mais usei foi o Fusca da própria empresa, porque, como eu viajava, eu trabalhava com o Fusca, com o próprio Volkswagen, e viajava com o Volkswagen. E fiz não sei lá eu quantos quilômetros de estrada com o Fusca pelo Brasil inteiro.
P/1 – E aquela Kombi, você dirigia também?
R – Bastante. No início, nós nos revezávamos. Como eu falei, éramos em três, e na viagem nós nos revezávamos. Determinado trecho fazia um, na volta fazia outro, a briga era no final de semana para ver quem ficava com a Kombi, tudo o mais. Na segunda-feira todos nós estávamos juntos outra vez. E dirigi muitos anos a Kombi. Muitos anos. Foi muito bom.
P/1 – E, para a gente encerrar mesmo, não sei se você quer falar mais alguma coisa.
R – Eu, quando saí da Volkswagen, fiz um registro meu falando de um momento especial, que eu trabalhei durante muitos anos com muito orgulho. Eu procurei retribuir, acho que consegui fazê-lo, mas trabalhei com muito orgulho e com muita emoção. Dediquei muitos anos, eu diria, da minha vida e do meu tempo, melhor dizendo, à marca Volkswagen, para essa fábrica que eu trabalhei. E, obviamente, essa fábrica é feita por pessoas, por gente. E eu me identifiquei em demasia não só com os superiores, mas com toda a equipe com quem eu trabalhei. Então, foram anos de dedicação, onde eu não tive férias, a qualidade de vida talvez um pouco prejudicada, mas sem mágoas. Eu fazia isso com uma satisfação, uma emoção e até mesmo com uma paixão acima daquilo, que eu acho que as pessoas deveriam ter quando trabalham. Então, é um registro especial que eu faço a essa marca, pela defesa e pela oportunidade de defesa da marca que eu tive que fazer durante algumas fases da minha existência, no trabalho dela e que, graças a Deus, junto com essa equipe, eu acho que nós conseguimos. E isso que me deixa satisfeito de poder também ter retribuído de uma maneira interessante para a própria marca, a vida que ela teve aqui neste país.
P/1 – E o que você achou de dar o seu depoimento no projeto de cinquenta anos da Volkswagen?
R – É, muito bom. Inicialmente você tem, quando você é convidado: “Ô, Barone, vamos fazer um depoimento de três horas, duas horas de depoimento.” Eu falei: “Escuta! É brincadeira. Isso não existe. Eu dou um depoimento em cinco minutos. Em cinco minutos eu falo tudo o que eu tenho para falar e está resolvido, não há o que falar. É muito tempo para nada.” E quando me falaram: “Não é bem assim.” Eu falei: “Bom.” Não acreditei realmente em quem falou comigo. E o que eu estou achando é exatamente isso. O quanto você tem de história para contar, embora algumas possam não parecer significativas para quem está ouvindo, ou para a constituição, para a composição desse livro, mas para mim foram. Se eu conto é porque eu acho que foi interessante, e não poderia imaginar que eu ficaria falando pelo período que eu falei, que eu sei se... Já são duas horas de conversa?
P/1 – Quase!
R – Praticamente duas horas de conversa, de depoimento, falando da marca Volkswagen. E por certo, eu, saindo daqui, vou me lembrar de muita coisa que eu deixei de falar. Mas por que eu não contei isso, por que eu não falei aquilo? Então, achei formidável. Vocês conseguem, realmente, quase que em um milagre à primeira vista, arrancar das pessoas os sentimentos que elas possuem em relação ao que elas fizeram e o que elas fazem na vida. Muito bom, estão de parabéns.
P/1 – Então, nós agradecemos, a Volkswagen e o Museu da Pessoa. Obrigado.
R – Eu é que agradeço.Recolher