Memórias das Comunidades de Paracatu
Entrevista de Maria Pereira Araújo (Dona Benzinha)
Entrevistada por Nataniel Torres
Paracatu, 9 de setembro de 2022
Código da entrevista: PCSH_HV1302
Revisor Nataniel Torres
P/1 - Qual o seu nome completo, qual sua data de nascimento e onde a senhora nasceu?
R - Maria Pereira de Araújo, 25 de Setembro de 1929.
P/1 - E qual local a senhora nasceu?
R - Nasci aqui! Sou nascida aqui! Ali no rumo daquele pé de manga ali, tinha uma casa ali.
P/1 - Aqui no Cunha mesmo?
R - É! No Cunha, eu sou nascida e criada aqui.
P/1 - E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Não! Isso não fiquei sabendo. Isso aí não falaram com a gente.
P/1 - A senhora tem uma história com os pais da senhora que eles faleceram, não é isso?
R - Tem sim!
P/1 - O que aconteceu, como é que foi essa história dona Benzinha?
R - Eu nem sei! Porque eles não me falaram, naquele tempo a gente não tinha curiosidade de perguntar aos pais, eles não explicavam a gente as coisas. Porque hoje os meninos, os filhos hoje, são muito curiosos, eles querem saber de tudo.
P/1 - E nessa época, quando a senhora cresceu um pouquinho, seus pais já tinham falecido? Quando a senhora começou a entender as coisas.
R - Quando meu pai morreu, eu tinha 11 anos. E a minha mãe, eu tinha 14.
P/1 - Mas a senhora lembra dos seus pais?
R - Lembro, lembro direitinho.
P/1 - A senhora lembra o nome deles?
R - Meu pai era açougueiro, ele matava quatro vacas por semana.
P/1 - Qual o nome do seu pai?
R - Era Camilo Coelho Guimarães.
P/1 - E o nome da sua mãe?
R - Ambrosina Pereira da Silva .
P/1 - Seu pai era açougueiro. E a sua mãe o que ela fazia?
R - Minha mãe era igual a eu, ficava fazendo de tudo, lavando roupa, trabalhando para roça, criando menino em casa. A vida nossa foi assim.
P/1 - E depois que eles faleceram, o que aconteceu com a senhora dona Benzinha?
R - Eu vim para cá, para casa do meu irmão. E aí...
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Entrevista de Maria Pereira Araújo (Dona Benzinha)
Entrevistada por Nataniel Torres
Paracatu, 9 de setembro de 2022
Código da entrevista: PCSH_HV1302
Revisor Nataniel Torres
P/1 - Qual o seu nome completo, qual sua data de nascimento e onde a senhora nasceu?
R - Maria Pereira de Araújo, 25 de Setembro de 1929.
P/1 - E qual local a senhora nasceu?
R - Nasci aqui! Sou nascida aqui! Ali no rumo daquele pé de manga ali, tinha uma casa ali.
P/1 - Aqui no Cunha mesmo?
R - É! No Cunha, eu sou nascida e criada aqui.
P/1 - E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Não! Isso não fiquei sabendo. Isso aí não falaram com a gente.
P/1 - A senhora tem uma história com os pais da senhora que eles faleceram, não é isso?
R - Tem sim!
P/1 - O que aconteceu, como é que foi essa história dona Benzinha?
R - Eu nem sei! Porque eles não me falaram, naquele tempo a gente não tinha curiosidade de perguntar aos pais, eles não explicavam a gente as coisas. Porque hoje os meninos, os filhos hoje, são muito curiosos, eles querem saber de tudo.
P/1 - E nessa época, quando a senhora cresceu um pouquinho, seus pais já tinham falecido? Quando a senhora começou a entender as coisas.
R - Quando meu pai morreu, eu tinha 11 anos. E a minha mãe, eu tinha 14.
P/1 - Mas a senhora lembra dos seus pais?
R - Lembro, lembro direitinho.
P/1 - A senhora lembra o nome deles?
R - Meu pai era açougueiro, ele matava quatro vacas por semana.
P/1 - Qual o nome do seu pai?
R - Era Camilo Coelho Guimarães.
P/1 - E o nome da sua mãe?
R - Ambrosina Pereira da Silva .
P/1 - Seu pai era açougueiro. E a sua mãe o que ela fazia?
R - Minha mãe era igual a eu, ficava fazendo de tudo, lavando roupa, trabalhando para roça, criando menino em casa. A vida nossa foi assim.
P/1 - E depois que eles faleceram, o que aconteceu com a senhora dona Benzinha?
R - Eu vim para cá, para casa do meu irmão. E aí acabei de criar com eles. E casei em poder deles.
P/1 - A senhora ficou morando com seu irmão depois que seus pais faleceram?
R - Fiquei sim.
P/1 - E o que a senhora fazia nessa época
R - Nossa, eu fazia era muita coisa, ajudava moer cana, fazia farinha, ia para a horta, lavava roupa, mexia com gado, fazia queijo, requeijão. Nossa mãe, tinha vez que eu adoecia, eu corria até para os matos, para as bananeiras, rolava lá escondido, aí quando melhorava um tiquinho, tinha que vim para casa fazer as coisas. Era desse jeito a minha vida.
P/1 - Mas aí trabalhava na casa do irmão, não trabalhava fora de casa?
R - Não! Nesse tempo não. Aí eu cozinhava, eu tinha que levar as vasilhas de comida na cabeça para roça, para tratar dos companheiros, sabe? Era almoço, merenda, eu levava, distância longe, para as pessoas que estavam trabalhando.
P/1 - Antes dos seus pais faleceram, quando a senhora era mais nova, mais criancinha, como era sua vida? A senhora conseguia brincar, estudar?
R - Brincar! Brincar eu lembro que eu brincava, tinhas as minhas, as meninas, ia lá para casa, nós fazíamos cozinhado, juntava aquele tanto de mocinha, rapazinho. Aí nós ia com as panelinhas por debaixo dos pau, fazia cozinhado, eles davam a nós as coisas, nós cozinha. Fazia batizado.(risos)
P/1 - Fazia batizado de que?
R - De boneca, bonecas de pano. (risos)
P/1 - Aí vocês brincavam no terreiro da casa?
R - Brincava, brincava.
P/1 - E juntava essas crianças de onde?
R - Daqui, vizinho mesmo.
P/1 - Aí juntava as crianças que era tudo dos vizinhos, vinha para o terreiro e ficava brincando ali no terreiro da casa mesmo?
R - É! Meu pai era festeiro, ele fazia festa todo ano. Você já ouviu falar em caretagem? Pois é! Eram 16 dias ensaiando, tocando, que só vendo. Tinha vezes que nós até dançava em volta deles dançando, ensaiando.
P/1 - Mas seu pai dançava também a caretagem?
R - Dançava! Ele era o chefe, ele era o chefe.
P/1 - E a senhora chegou a ver ele ensaiando?
R - Demais! Eu lembro, eu lembro. Pois é!
P/1 - E aí, como é que era para juntar as pessoas da região, como é que fazia para acontecer a caretagem.
R - Juntava! Fazia uma barraca grande que só vendo, aí vinha com violão, sanfona, tocando, ensaiando.
P/1 - A caretagem era aqui no Cunha mesmo?
R - Era aqui no Cunha! Isso aí eu lembro. E aí no último dia, encerrava lá na porta da igreja, levantava o mastro de São João, e tinha missa. Eu lembro, todo mês de julho tinha a missa de São João Batista. Isso eu lembro.
P/1 - E que igreja que era?
R - Lá ainda tem a igreja até hoje.
P/1 - Qual é o santo da igreja?
R - Santo Antônio.
P/1 - Lá na igreja de Santo Antônio, que é lá na Lagoa?
R - Na Lagoa. Você deve ter ouvido falar, né? Pois é! Lá!
P/1 - Aí era lá que finalizava a festa da caretagem
R - É!
P/1 - A senhora sabe por que escolheram esse nome para senhora? Por que o seu nome é dona Maria?
R - Não! Não! Isso aí…
P/1 - A senhora chegou a conhecer a família da sua mãe, ou do seu pai? Seus avós, seus tios por parte de pai, por parte de mãe.
R - Não! Por parte de pai eu não lembro não, mas a parte da minha mãe eu lembro de tudo.
P/1 - A senhora chegou a conhecer os seus avós por parte de mãe?
R - Não! Não conheci não, era irmão, parente assim, eu conheci.
P/1 - E a senhora tinha contato com eles?
R - Tinha! Tinha sim, a última tia que eu tinha da parte da minha mãe, ela faleceu dia 14 desse mês, está com dois meses que ela faleceu. Na lagoa.
P/1 - E a família da sua mãe trabalhava com o que, dona Benzinha?
R - Coitada! Era a mesma coisa, era lavando roupa para os outros, criando menino dos outros, era ajudando. Fazia sabão direto, era assim. A vida dela era assim. Ela também plantava roça, ela tinha as coisas dela, ela tinha gado, tinha. Nós todos tinha gados, depois que acabou.
P/1 - Mas o que aconteceu para acabar?
R - Uai, foi vendendo, não tinha quem olhasse. Ficar as coisas na mão dos outros, né.
P/1 - E na infância a senhora chegou a estudar, dona Benzinha?
R - Estudei muito pouco! Tinha disso, não podia ir para escola porque tinha que fazer as coisas. Mas o pouquinho que eu estudei, serve para mim.
P/1 - Em que escola a senhora estudou?
R - O povo hoje fala que é a quarta, eu estudei foi terceiro ano, o povo falava de primeiro.
P/1 - Aqui no Cunha mesmo?
R - Não! Era na Lagoa, era na Lagoa
P/1 - Era essa escola que agora é a Maria Trindade, né?
R - É!
P/1 - Mas ela tinha outro nome essa escola, não tinha?
R - Não!
P/1 - O pessoal falou que ela chamava Graciano Calcado. Aí a senhora estudou nessa escola, a senhora chegou a conhecer a dona a Dona Maria Trindade?
R - Nossa mãe, demais, demais.
P/1 - E como que ela era?
R - Era uma negra assim, igual eu, mas era agente capaz, muito boa! Costurava demais! Ela me ajudou muito quando eu casei, muito mesmo, a Maria Trindade.
P/1 - Ela dava aula do que dona Benzinha?
R - Não! Ela dava aula… Olha, eu nem lembro mais, mas eu sei que ela foi muito boa professora, muito mesmo. E era muita criança.
P/1 - Mas era só o pessoal lá da Lagoa ou vinha gente de outros lugares?
R - Vinha gente de longe, de longe.
P/1 - De onde, por exemplo?
R - De lá… agora o povo fala que é nova Lagoa Rica, mas vinha de aldeia.
P/1 - E as crianças vinham como para a escola?
R - Os pais trazia até de cavalo, sabe? Trazia.
P/1 - E quando não tinha cavalo, como é que fazia para vim para a escola?
R - Uai, eu não sei como é que… Eles pegavam ônibus, tinha o ônibus de Unaí.
P/1 - Então vinha a criança de longe.
R - Vinha de longe! Agora não, agora tem os ônibus que passa nas portas, busca. Inclusive, eu tenho uma bisneta que ela pega aqui na porta, o ônibus vem. De primeiro não tinha isso, né! Nós tinha que sair daqui de pé para ir para Lagoa.
P/1 - Vocês iam a pé até a Lagoa?
R - A pé. Hoje o prefeito ajuda muito, dá de tudo para as crianças, da mochila, da uniforme, e nós não, nós tinha que fazer, costurar embornal, punha as coisas, o material debaixo do braço e ia.
P/1 - E tinha merenda na escola na época? Prefeitura dava merenda?
R - Não dava não.
P/1 - E como é que vocês faziam quando era para comer Dona Benzinha?
R - Uai, comia em casa. Tomava café, quem tomava café tomava café, de manhã ia e no mais ficava com fome até chegar em casa.
P/1 - Mas que hora que vocês estudavam? Que hora do dia era?
R - Ela dava aula de manhã e dava de uma hora em diante. Foi muito boa professora, mas muito, muito mesmo.
P/1 - E a senhora estudava de manhã, ou eu estudava à tarde?
R - Não, eu estudava de manhã.
P/1 - E aí quando voltava para casa tinha que trabalhar, é isso?
R - Tinha que trabalhar, não fui criada com mãe, né! Fuii criada desse jeito.
P/1 - Seus pais morreram quando a senhora era mocinha, foi morar com o irmão, continuo trabalhando. E depois o que aconteceu?
R - Depois….
P/1 - A senhora continua morando aqui no Cunha, foi para outro lugar?
R - Não, não! Toda vida eu morei aqui, nunca saí daqui. Andei muito, já andei para o Rio, Espírito Santo, tudo eu já andei e trabalhei também, mas nunca saí daqui. Toda vida eu trabalhava e voltava para cá, deixava gente olhando as minhas filhas e eu voltava.
P/1 - E quando a senhora foi trabalhar no Rio, no Espírito Santo, lá trabalhava de quê?
R - Não! Lá eu ia a passeio, ia com os outros.
P/1 - Não era para trabalhar.
R - Não!
P/1 - Entendi! Trabalhar e viver sempre foi por aqui pelo Cunha?
R - É! Graças a Deus eu tenho muita amizade mesmo, muito, muito mesmo, graças a Deus eu tenho.
P/1 - Quando saiu da casa do seu irmão, foi já quando a senhora foi casar?
R - Foi
P/1 - Como é que aconteceu isso, Dona Benzinha?
R - Eu casei, sai daqui 8 anos, voltei….. O meu marido faleceu, eu voltei para cá, e aqui eu fiquei até hoje. E o que ele tinha ele dividia com nós, em quatro pessoas.
P/1 - Quando a senhora casou a senhora saiu daqui? Dessa região, como é que foi?
R - Morei dentro de casa com eles, fiquei dentro de casa com eles 8 anos.
P/1 - Mas onde era?
R - Era bem ali em cima.
P/1 - Mas aqui no Cunha mesmo
R - Sabe a casa de Rosinha? Pois é, bem para cá da casa de Rosinha, onde tem um povoadinho, assim. Eu morei lá.
P/1 - Lá é onde morava a família do seu esposo, é isso?
R - Era!
P/1 - E a senhora foi para lá depois que casou?
R - Não, mas ele tinha gente, família, Unaí.
P/1 - E como é que a senhora conheceu seu esposo?
R - Uai, aquela coisa de festa. A gente se encontrou.
P/1 - Mas festa daqui, da comunidade mesmo?
R - É, é!
P/1 - Ele frequentava essa festa também?
R - Frequentava.
P/1 - A senhora conheceu ele lá? Você lembra como é que foi, o que aconteceu?
R - Conheci ele lá, né. E aí como disse, eu agradei dele, ele também agradou de mim.
P/1 - E ele que veio falar com a senhora?
R - Ele?
P/1 - Foi ele?
R - Foi! Falou com o meu irmão, o meu irmão aceitou.
P/1 - E como foi o dia do seu casamento, a senhora lembra?
R - Lembro!
P/1 - Como é que foi, conta para mim, por favor?
R - Foi bom demais! Bom demais mesmo. Nossa, foi festa mais festa, e foi muita gente, o povo dançava na frente da casa e no fundo, foi muita gente, muito doce.
P/1 - E como montou a festa, como é que fez isso?
R - Fazia barraca grande. E engraçado, não tinha energia não, não tinha energia não.
P/1 - Não tinha energia elétrica nessa época.
R - Não!
P/1 - Toda essa festa, foi tudo sem energia?
R - Tinha lamparina grande, sabe? Com querosene.
P/1 - E teve música na sua festa?
R - Teve!
P/1 - E como é que era música, era de rádio? Porque não tinha energia elétrica, como é que fazia?.
R - Tinha sanfona, muito violão, e eles cantavam, mas foi bom demais. Muito doce que a gente fazia de muita qualidade, muita carne, foi festa mesmo.
P/1 - E quem fez esses doces para vocês?
R - Foi nós todos!
P/1 - Que doce que tinha, por exemplo?
R - Tinha de leite, tinha de ovos, tinha de canjica, tinha de mamão. Nossa, foi muito doce.
P/1 - E tinha bastante gente no casamento, teve bastante gente?
R - Só amiga minha, que eu tinha, foi 60, foi 60. E delas só tem três hoje, só. Tudo já foi.
P/1 - Só três dessas amigas que ainda estão vivas, as outras já faleceram?
R - Já faleceram.
P/1 - Mas essas todas estavam no seu casamento?
R - Todas, todas, todas, estavam aqui
P/1 - E o casamento foi lá na Santo Antônio mesmo?
R - Não, foi lá em Paracatu, lá na matriz
P/1 - E quem arranjou esse casamento lá para vocês? Como é que vocês fizeram isso, para arranjar o casamento lá na matriz?
R - Uai, a gente tem que procurar alguém da igreja, aí eles comunicam o Padre, e a gente marca o casamento.
P/1 - E aí depois que a senhora casou a senhora teve filhos logo em seguida Dona Bezinha?
R - Eu tive! A primeira eu casei 68, eu tenho uma filha, depois eu tenho essa daqui, que ela é de 63. Tem essa outra que é de 68. Minhas filhas é assim, só as últimas que foi de 6 em 6 anos.
P/1 - Mas quantos filhos a senhora teve ao todo?
R - 4
P/1 - 4 meninas?
R - 4 meninas.
P/1 - E elas estão tudo por aí em Paracatu?
R - Tá! Graças a Deus! 2 tá aqui, as outras 2 tá em Paracatu.
P/1 - Mas tá todo mundo bem? Elas são casadas já?
R - São casadas! Casei tudo, graças a Deus! Criei uma e ela mora em Uberlândia, a filha dela estudou, cada um tem sua casa, tem seus carros, tem seus apartamentos.
P/1 - Nessa época que a senhora casou que foi lá para o povoado, como que era a sua vida naquela época?
R - Nossa mãe, eu fazia a mesma… eu continuava, trabalhava, a mesma coisa, e ainda fazia parto, que eu amanhecia numa casa, anoitecia na outra.
P/1 - A senhora chegou a fazer os partos? A senhora chegou a ser parteira?
R - Na roça as coisas tudo atrasada, mas graças a Deus, eu fiz 86 partos.
P/1 - E como é que foram esses partos?
R - Tem uns que não foi fácil não. Mas é como diz, o poder de Deus é muito grande, me ajudou muito. Eu não vou falar que fui eu, que foi sabedoria minha, foi Deus…. é como diz, foi Deus que que me encaminhou, foi Deus que pegou em minha mão.
P/1 - E desses 80 partos, aconteceu alguma coisa que não deu certo? Mesmo com dificuldade…
R - Graças a Deus, todos! Não morreu uma mãe e nem um filho.
P/1 - Tem algum parto que ficou na sua cabeça Dona Benzinha? Que a senhora lembra.
R - Nossa, só duplo eu fiz 3, fiz 3. Mas não fiz nenhum por interesse, para ganhar dinheiro, não, eu fiz por amor. Eu conto para os outros, porque eu fiz foi por amor, não tem arrependimento, entendeu? Graças a Deus!
P/1 - Dessas crianças ainda tem alguém que a senhora veja? Que seja daqui, da comunidade? Que a senhora ajudou a fazer o parto e a pessoa ainda está aí por aí.
R - Tem! Ali mesmo, a dona dali, ela teve quatro, todos os quatro foi passado na minha mão.
P/1 - E tá todo mundo bem?
R - Tudo bem!
P/1 - E os filhos da senhora, foram também por parto em casa, ou foram no hospital?
R - Foi em casa.
P/1 - Também tudo em casa? Os quatro partos foram tudo tranquilo Dona
Benvinda, das quatro meninas?
R - Graças a Deus foi! Mas já andei, andei de moto, andei a cavalo sem arreio, já andei de carroça, tudo para servir os outros. Teve uma vez que teve uma reunião aqui em Paracatu, do projeto Rondon, não sei se você sabe disso. Veio para Paracatu, eu comecei a fazer o curso lá acompanhando e no dia que era para mim receber o diploma, eu estava com pessoas no hospital. Pois mesmo assim eles ainda mandaram para mim.
P/1 - A senhora chegou a receber esse diploma
R - Recebi.
P/1 - Era o parto de alguém, de alguma senhora?
R - Era.
P/1 - E quando o parto era longe, como a senhora fazia?
R - Eles me buscavam, tinha vez que me buscava, né. Teve uma vez que eu fiz um longe, aqui no Ambrósio, eles me buscaram e quando era para mim trazer, eles se esconderam, o caminhão, o motorista. E tava chovendo, eu tinha largado os filhos aqui e vim, sozinha, graças a Deus nunca aconteceu nada.
P/1 - E quando o parto era muito difícil, como é que fazia dona Benzinha?
R - Nossa mãe, era difícil mesmo!
P/1 - Quando tinha dificuldade para criança nascer.
R - Mas eu tinha os preparos, graças a Deus, eu aplicava injeção, eu já fiz muita injeção nos outros.
P/1 - Quando o parto tava difícil a senhora já aplicava injeção porque a senhora já sabia.
R - Eu já ajudava! E quando eu via que eu não dava conta, eu levava para o hospital.
P/1 - Mas chegou acontecer alguma coisa assim que você falava, esse aqui tem que ir para o hospital?
R - É! Não, ficava gritando demais, “eu morro, eu vou morrer, eu vou morrer”. Na minha mão não vai não! Aí eu chamava os patrão, eles levavam, chegava lá eu pegava o uniforme e fazia.
P/1 - E quando dava certo o parto, que a senhora pegava o bebê na mão, como é que era esse momento?
R - Aí eu arrumava tudo, deixava lá, depois eu voltava, pra mim cuidar, dava banho e tratava da mãe, cuidava da mãe e do filho, ensinava como que fazia, e vinha embora. Desse jeito, porque os meus filhos estava em casa também e na escola. Nossa mãe, eu vinha debaixo de chuva, eu já sofri demais! Graças a Deus, o que eu fiz foi com amor.
P/1 - E qual era essa sensação que a senhora tinha, quando o bebê vinha para o mundo que a senhora conseguiu ajudar, que deu tudo certo, o que a senhora sentia com isso?
R - Uai, eu ficava animada, esperando! A graça de Deus.
P/1 - E sempre vinham até a casa da senhora para te chamar para os partos, quando tinha alguém que estava na hora de parto ia lá na casa da senhora.
R - Vinha aqui atrás de mim. Engraçado, não fazia pré-natal, não me avisava, nem nada, me pegava de surpresa. Mas eu não tinha coragem de falar que não.
P/1 - Porque às vezes a senhora nem sabia que a moça estava grávida?
R - Eu nem sabia! Tinha vezes que eu estava na roça trabalhando quando eles chegavam atrás de mim.
P/1 - Aí tinha que largar tudo e sair correndo?
R - Tinha que largar tudo e vim aqui em casa, pegar as coisas, porque eu tinha a bolsa, eu tinha tudo.
P/1 - Nessa bolsa o que a senhora levava, por exemplo?
R - Eu levava….. eu tinha toalha, eu tinha… até sabonete eu tinha, eu tinha escova pra mim e para a criança usar, tudo eu tinha, graças a Deus eu tinha. Eu tinha uma vasilha assim ó, que tinha os remédios, pronto socorro, levava tudo.
P/1 - E quando vinha o nascimento da criança a senhora rezava?
R - Eu rezava sozinha. (risos)
P/1 - Rezava com a senhora mesmo?
R - É! Eu rezava sozinha.
P/1 - Nessa época que a senhora trabalhava como parteira, seu esposo trabalhava com o quê?
R - Na roça também. Mas ele achava ruim, tinha vez que ele achava ruim. Ele falava assim, “tava bom de você pegar o colchão e dormir na casa dos outros”. Eu falei, “não, meu filho, estou fazendo é para você e para as minhas filhas.” Falei com ele, “eu tô fazendo para poder achar mais adiante”. E foi mesmo!
P/1 - Mas a senhora ganhava um dinheirinho nessa época?
R - Nada, nada, nada, nada. Os meninos quando ficava grande, eles chegavam a correr para não me ver. E as mães não ensinava, não eram todas que ensinavam não. Mas tem muitos que me chamam de mãe, de vó. E é muita, muita gente que me chama de vó. No Rio de Janeiro tem umas seis pessoas que me chama de vó.
P/1 - Mas porque tinha essa coisa deles correrem, o que aconteceu?
R - É pobreza de espírito. (risos)
P/1 - Mas o que falavam para eles, para eles correrem?
R - Não sei, não sei não… para não tomar benção.
P/1 - Para não pedir a bença para a senhora?
R - Não.
P/1 - Aí eles saíram correndo.
R - Saia correndo
P/1 - Seu esposo não gostava muito que a senhora saia para ficar longe de casa?
R - Não, porque eu dormia fora. Eu dormia numa casa e amanhecia em outra, era assim.
P/1 - Tinha parte que demorava assim, dona Benzinha?
R - Nossa mãe, demorava! Quando eu resolvia numa casa, já tinha outro atrás de mim.
P/1 - E aí emendava, saía de um ia no outro?
R - Era assim, desse jeito.
P/1 - E teve algum parto que a senhora lembra que demorou muito, muito tempo?
R - Vixi, foi a maioria.
P/1 - E que parto a senhora lembra que demorou mais tempo?
R - Foi os duplos.
P/1 - Aí demorava quanto tempo mais ou menos?
R - Demorava era muito tempo.
P/1 - Mas demorava mais de dia?
R - Tinha vez que eu ficava o dia todo esperando.
P/1 - E nisso, lá na sua casa, o seu marido…. como a senhora estava contando, trabalhava na roça.
R - Mas ele olhava as meninas, arrumava as meninas para ir para a escola, graças a Deus isso ele fazia. Nós era da Igreja Presbiteriana, ele lavava a cabeça das meninas, zelava, levava na igreja, outra hora ele arranjava gente para levar.
P/1 - A igreja presbiteriana que a senhora está falando é aqui no Cunha?
R - Não, na Lagoa, lá tinha.
P/1 - Tem uma igreja presbiteriana lá na lagoa?
R - Tem.
P/1 - E a senhora frequentava lá essa igreja. A senhora frequenta essa igreja ainda?
R - Não! Eu deixei.
P/1 - Nessa época as meninas estudavam onde, dona Benzinha?
R - Lá onde eu estudei, lá no grupo.
P/1 - Elas estudaram na mesma escola.
R - É! Na mesma escola.
P/1 - E como era na época delas, era igual na sua época, ou já tinha melhorado um pouco?
R - Melhorou demais, ué!
P/1 - O que tinha melhorado na época delas?
R - Já tinha merenda para os meninos, na escola.
P/1 - Qual a diferença da sua época para a época das suas filhas?
R - Nossa, tem muita diferença, muita diferença.
P/1 - Por exemplo, o que que era diferente lá?
R - Hoje tem o carro que leva, tem monitora, elas descem as crianças, entrega mochila. E o motorista, quando a gente não vai pegar a criança lá, eles buzinavam, para ver se a gente aparece, para não soltar as crianças sozinhas. Se adoece na escola, eles ligam, outra hora pega a criança traz em casa.
P/1 - E na época das suas filhas já era assim?
R - Não, de jeito nenhum, não era não.
P/1 - Na época das suas filhas também não era assim?
R - Não era não!
P/1 - E na sua época era menos ainda?
R - Muito mais pesado.
P/1 - Da sua época, para a época das suas filhas, o que tinha de diferente?
R - Muito diferente, porque elas lá…. Nossa, as meninas brigavam, a professora vinha na minha porta, juntava as outras crianças, para poder falar comigo que as meninas fez isso, fez aquilo. E teve um dia eu peguei uma, então se você trouxe aqui foi para mim corrigir, eu vou pegar…. bati! O meu irmão chegou e falou que aquilo era muito errado, porque tinha que pegar era todos, a professora foi muito irresponsável, e achou ruim com a professora. Aí a professora foi preciso sair. Ela pegou a meninada tudo, e quando eu peguei a minha e bati, os meninos tudo pulou, correndo, gritando. Ele achou ruim, né. Ele falou, “pois aí, bateu nessa daqui….” Foi a primeira, nossa, ele tinha muita coisa com ela. “bateu nessa daqui, todos vão apanhar, todos vão apanhar, porque trouxe na porta, deve ser para você corrigir”.
P/1 - Mas explicar o que tinha acontecido?
R - Os meninos brigavam, desobedecia, porque menino toda a vida já viu, né! Eles acham que o poder é só deles, e hoje tá muito pior.
P/1 - E depois suas filhas continuaram estudando?
R - Continuaram, não podia ficar sem, não.
P/1 - A senhora falou que é que na época era só até o quarto ano, e depois, o que eles fizeram com a escola, deu seguimento ou não?
R - Deu seguimento.
P/1 - Mas as meninas continuaram estudando?
R - Continuaram, graças a Deus
P/1 - Mas elas foram para onde?
R - Para Paracatu. Não estudou mais porque não quis, porque por mim elas trabalhavam e estudavam, mas ninguém quis, queria trabalhar na casa dos outros e não quis estudar. É tanto que eu tenho esse sentimento, sofri demais criar filho sem pai, e não tem nenhuma formada.
P/1 - Por que as meninas até deram o segmento lá em Paracatu, mas depois quando elas estavam em Paracatu não quiseram mais estudar?
R - Não!
P/1 - Mas continuaram trabalhando sempre?
R - Já foram arranjados serviços nas casas para poder trabalhar, e aí largou o estudo.
P/1 - As 4 arranjaram trabalho na casa das pessoas lá?
R - De pessoas lá. A última eu ganhei até a metade da bolsa na escola.
P/1 - De uma bolsa de estudos pra ela?
R - De estudos, ganhei.
P/1 - E aí, ela continuou ou não quis mais?
R- Ficou uns tempos, depois largou. (risos)
P/1 - E aí depois as suas filhas casaram também?
R - Casaram, graças a Deus.
P/1 - A senhora já tem netos?
R - Eu tenho é tataraneto. (risos)
P/1 - E como é que foi essa época que elas estavam começando a casar?
R - Graças a Deus, até que foi bom. …..ela foi para Brasília, o casamento dela eu não dei uma agulha, não dei, ela arrumou tudo. E ainda arrumou os irmãos que tava em casa.
P/1 - Ela fez o casamento dela sozinha lá com o marido dela?
R - Sozinha, sozinha, sozinha.
P/1 - E os genros, são tudo bom dona Benzinha?
R - É, né! Como diz, nenhum separou.
P/1 - Elas estão casadas ainda, tá tudo…..
R - Não! A última, a caçula, ela separou do marido, o marido bebia demais, ficava a ponto de cair na rua, aí ela falou com ele, para ele escolher, ou ela ou a bebida, ele falou que era bebida, separou.
P/1 - Mas ela tem filhos com ele?
R - Tem, um casal. A filha já tem até um filhinho, um menino. Mas ela casou outra vez, casou. Com o último, nossa mãe, o último é um homem e tanto, nossa mãe, eu vou contar, para mim é um filho, é um filho, ele dorme aqui, vai na porta do meu quarto, pergunta como eu passei a noite, se eu dormi bem, e faz o chá, “o chá da senhora está pronto”. É desse jeito! Ele pega a tesoura, “vamos aparar a unha vó”. É desse jeito! Ele é muito legal, graças a Deus.
P/1 - E as suas filhas vem te visitar aqui, dona Benzinha?
R - Direto, direto.
P/1 - A senhora não fica sozinha aqui. Como é que elas fazem para reservar e te cuidar?
R - Umas ficam uma semanas, outras ficam mais dias. E tudo tem porco aqui, tem galinha, elas tem que ficar aqui para olhar, uai!
P/1 - Aqui é delas?
R - E o que eu tinha também, eu dei para elas, dei para elas, pus tudo no nome delas, entendeu?
P/1 - Então elas estão sempre aqui com a senhora.
R - Tá sempre! Não é só para servir de companhia para mim não, elas têm obrigação de olhar as coisas delas, não é? Desse jeito.
P/1 - Chegaram te contar como começou a comunidade aqui do Cunha? O que falavam quando contavam da comunidade do Cunha?
R - A comunidade tinha presidente, meu filho foi 9 anos.
P/1 - Presidente da associação? Qual o nome do seu filho?
R - Miguel. Depois ele deixou, mas ele arrumou o rancho lá, que era tudo de palha de coco, não tinha banheiro, ele fez dois banheiros. Aí o povo do calcário, ajudou eles, deu mesa, cadeira, era só para o santuário de lá, não era para emprestar. Aí quando ele saiu, o povo petecou, quebrou tudo, emprestou, foi festinha todo dia, todo dia, só vendo.
P/1 - E como está a associação hoje?
R - Hoje até que não tá ruim não, porque esse menino, como é que chama?
P/1 - Esse que tá agora?
R - É!
P/1 - O passarinho?
R - Tem apelido de passarinho. Pois é, mas coitado, ele tem sofrido, ele tem pelejado, ele tem corrido. Tem gente que precisa da água, quando os canos arrebentam, tem vez que precisa até pagar para poder ajudar ele.
P/1 - Mas a água chega aqui para vocês?
R - Chega, água chega.
P/1 - E o que acontece disso de arrebentar que a senhora tá contando?
R - Porque os canos são muito estreitos, fino, e não comporta a força da água, aí quebra, arrebenta.
P/1 - E para arrumar como é que faz?
R - Uai, tem que furar onde está arrebentando e tem que encanar, emendar.
P/1 - Lá nas suas épocas antigas, tinha água aqui, tinha água encanada, como é que era?
R - Não tinha não! Não tinha não!
P/1 - E vocês faziam como?
R - Tinha cisterna, cada um tinha cisterna. Inclusive eu tenho água da rua e tenho a minha cisterna. Eu tenho.
P/1 - Mas essa cisterna foi feita a bastante tempo?
R - Não! Pode ter uns 8 anos que eu fiz.
P/1 - Mas nessas épocas antigas que eu tô te perguntando, o povo tinha que ter cisterna para ter água?
R - Tinha, tinha! A primeira que tinha aqui secou, aí eu isolei, porque eu fiquei com medo de arranjar gente para furar, ela estava desbarrancando, aí eu furei outra.
P/1 - E na comunidade todo mundo tinha que ter, cada uma sua cisterna na sua casa?
R - Mas não é todo mundo que tem não, aqui não é todo mundo que tem não.
P/1 - Mas quando não tinha água encanada, como é que fazia, tinha algum lago, algum riacho, alguma coisa por aqui?
R - Buscava na casa dos outros. (risos)
P/1 - Mas as pessoas deixavam?
R - Deixavam, deixavam.
P/1 - E como é que era a comunidade naquela época, tinha bastante gente morando aqui?
R - Não, não tinha como tem hoje não. Não tinha não, hoje tem muita gente
P/1 - E como é que as famílias se relacionavam nessa época antiga? Como é que eles se davam?
R - Eles não acompanhavam dia de reunião, sabe? E vinha gente para poder ajudar, mas eles não iam, avisava eles não iam, hoje eles até acompanham.
P/1 - Mas aí essa gente que queria ajudar, eles ajudava com o quê?
R - Serviço que precisava fazer lá
P/1 - E o pessoal aqui nessas épocas antigas, aqui no Cunha, o pessoal trabalhava com que? Tudo com roça?
R - Tudo com roça.
P/1 - Roça de que o pessoal tinha por aqui?
R - De cana, arroz, feijão, amendoim, mandioca. Tudo que plantava dava!
P/1 - E aí o que vocês produziam era para vocês ou vocês vendiam?
R - Não! Quando sobrava, às vezes ainda vendia.
P/1 - Mas aí era uma parte para vocês e uma parte para vender?
R - É!
P/1 - As casas aqui da comunidade eram de vocês, ou era de algum fazendeiro?
R - Não, era nossa mesmo. Era nossa mesmo, cada um tinha sua casa.
P/1 - E quando um tinha um produto que o outro não tinha, como é que vocês faziam?
R - A gente comprava da mão de quem tinha.
P/1 - Comprava do pessoal aqui da comunidade mesmo. E quando tinha algum produto que não tinha aqui, como é que vocês faziam?
R - Procurava em Paracatu. Ia em Paracatu.
P/1 - Vocês chegaram a ter garimpo por aqui, a senhora viu o garimpo?
R - Nós garimpava.
P/1 - A senhora chegou a garimpar também?
R - Eu já garimpei, assim nos córregos, assim nos rios, eu já garimpei.
P/1 - E como é que era esse garimpo na época?
R - Era no caixote, tinha um ralo, e a gente cavava a areia e ia lavando, lavava. Depois tinha a bica assim e tinha o pano, a gente sacudia e apurava na bateia.
P/1 - Achava mesmo ouro?
R - Achava, achava assim
P/1 - E o que vocês fazia com isso?
R - Levava na cidade e trocava.
P/1 - Trocava pelos produtos que vocês precisavam?
R - É!
P/1 - E a senhora chegou achar um pouco de ouro e tal?
R - Achei, achei.
P/1 - E depois o que aconteceu?
R - Aí foi acabando, acabando. E eles foram proibindo e logo chegou esse povo da RPM. Foi proibido.
P/1 - Aí acabou, aí não podia mais fazer garimpo? O povo ganhava dinheiro com garimpo, e aí quando acabou, o que o povo fez?
R - Uai, teve de largar, ué! Procurar outro recurso.
P/1 - Que recurso que o povo procurou na época?
R - Uai, cada um tinha que ser virar da maneira que Deus tinha servido, né.
P/1 - E a senhora trabalhava com quem nessa época? Era a época que a senhora era parteira?
R - Era! Eu falei, eu fazia de tudo, eu garimpava também, trabalhava para os outros.
P/1 - A senhora estava me contando que foi lavadeira também não é isso?
R - Fui!
P/1 - Como é que foi essa época que a senhora era lavadeira?
R - Ia para a casa dos outros, lavava a roupa e vinha para casa. No outro dia tinha que voltar para passar roupa. E baratinho.
P/1 - Nessa época já passava com ferro elétrico, ou era aquele outro lá?
R - Era de ferro e Brasa
P/1 - Nossa, e como era isso na época?
R - Colocava as brasas no ferro, ele esquentava, a gente passava.
P/1 - E não queimava as roupas?
R - Não!
P/1 - E como é que fazia para não queimar?
R - A gente controlava a caloria, uai!
P/1 - E para lavar roupa a senhora estava me contando, como é que era o sabão? Como é que tinha que fazer?
R - Uai, passava o sabão assim, esfregava .
P/1 - Esfregava na mão
R - Eu já fiz foi muito sabão.
P/1 - A senhora também fazia sabão?
R - Fazia.
P/1 - Mas como faz esse sabão?
R - Hoje, agora, eu faço de limão. Até no celular tem ensinando fazer sabão.
P/1 - Mas antigamente não era com esses produtos.
R - De jeito nenhum .
P/1 - Como é que vocês faziam antigamente?
R - Sebo, gordura de gado, tinha de mais, né. E a gente punha soda. Já ouviu falar de sabão de coalhada? Pois é, eu fazia demais, eu fazia sabão de 60 litros de coalhada e não punha solda.
P/1 - Mas como é que a senhora fazia?
R - Uai, eu juntava de coalhada e punha a gordura no tambor, despejava coalhada, e aí eu punha fogo. Nossa mãe, eu já fiz foi muito.
P/1 - E a senhora tá cozinhando e mexendo essa..
R - Mexendo.
P/1 - E depois como é que ficava pronto?
R - Ele endurecia, eu despejava e cortava.
P/1 - E aí usava esse sabão.
R - Usava. E o povo comprava, comprava ele.
P/1 - Então a senhora fazia para senhora e também vendia para as pessoas?
R - Olha, aquele coco ali, eu já tirei óleo de 60 litros daquele coco, para fazer sabão.
P/1 - Para fazer sabão de coco?
R - Do óleo do coco.
P/1 - Com sabão de óleo do coco usa soda também no dele?
R - Não, esse usa.
P/1 - Esse também coloca ele no fogo com a soda, é isso?
R - É! coloca. Agora o de limão não. O de limão não põe no fogo não.
P/1 - O de limão usa o que eu uso o bagaço do limão, é isso?
R - Não, é o caldo, o caldo do limão com a soda. E a gente bate ele, bate, bate, ele engrossa, a gente despeja, querendo cortar no mesmo dia, corta, não querendo fica para outro dia. E fica é bom, o sabão de limão.
P/1 - E a senhora vende esse sabão também?
R - Não, eu faço esse só para o gasto.
P/1 - E a senhora faz até hoje ainda?
R - Até hoje! (risos)
P/1 - Como é que eram as festas antigas na época da Comunidade? A senhora lembra das festas?
R - Eu lembro!
P/1 - Como é que eram as festas, conta para mim?
R - Na festa tinha missa, né. Tinha missa, tinha procissão, aí depois da procissão que os padre iam embora, aí agora a festa era do povo, ia para as casas, para a farra, comida e bebida.
P/1 - Mas era festa do quê? Era festa de Santo?
R - De Santo.
P/1 - De que santo era a festa?
R - Nossa, mas tinha tanto Santo.
P/1 - Por exemplo, era festa de que Santo?
R - Tinha Santo Antônio, tinha São João, tinha Santa Abadia, tinha Nossa Senhora de Santana, tinha Nossa Senhora da Piedade.
P/1 - Todos esses Santos tinham festa?
R - Tinha um festeiro.
P/1 - E aí era assim como a senhora está contando, tinha procissão, tinha reza, tinha missa e depois tinha festa mesmo?
R - Tinha, tinha.
P/1 - Mas essa festa era onde, na igreja da Lagoa?
R - É, na Lagoa.
P/1 - Mas a igreja da Lagoa tem o cemitério do lado, como é que fazia festa com o cemitério?
R - O cemitério, como diz, os defuntos estão para lá, de um lado e do outro. (risos) A igreja está lá no meio.
P/1 - E aí, o povo passava no cemitério para poder chegar na igreja?
R - Passava dentro.
P/1 - E a festa era dentro do cemitério também?
R - Era na igreja, e a igreja bonita, só você vendo.
P/1 - Depois do povo ia fazer o festejo, comia, bebia, é isso?
R - É!
P/1 - E aí o que que o povo comia, o que o povo bebia, nessa época?
R - Nossa mãe, era tudo, era muito biscoito, muito, muito, muito mesmo.
P/1 - Mas quem fazia esses biscoitos?
R - Uai, era as donas, cada uma dentro de casa fazia.
P/1 - Mas o pessoal da comunidade mesmo?
R - Da comunidade.
P/1 - Quando tinha festa vinha o pessoal de outras comunidades também?
R - Vinha.
P/1 - Vinha o pessoal da Lagoa ver o pessoal de Cunha?
R - Vinha, vinha.
P/1 - Como é que o povo vinha, como é que fazia para reunir?
R - Toda vida teve o ônibus.
P/1 - Tinha comida, tinha bebida, que mais tinha?
R - Tinha comida, um monte de refrigerante, tinha muita bala, muito doce, bolo, era bom.
P/1 - E de música, o que tocava, a senhora lembra?
R - A música que eu lembro era sanfona, violão.
P/1 - E era o pessoal da comunidade mesmo que vinha tocar?
R - É! E era bonito, sabe? Era bonito, o povo era tudo unido, agora ninguém tá tendo união.
P/1 - Como é que era a comunidade antes e como é que a comunidade hoje?
R - A mocidade hoje quer saber só de coisa que não presta, e aí aproveita, é briga, rouba dos outros.
P/1 - E antigamente não era assim?
R - Não, de jeito nenhum.
P/1 - Como é que era antigamente?
R - Antigamente não tinha da mocidade aproveitar para fazer o que quer. É muita coisa que eles aproveitam, nossa mãe, não tá pagando a pena não.
P/1 - E associação, quais são as reivindicações da associação agora?
R - Acho que eles têm…. eu nem sei o quê passarinho tá querendo fazer agora.
P/1 - Mas tem algumas coisas que a associação está querendo fazer agora.
R - Tem mesmo, tem mesmo
P/1 - Mas o passarinho passa na casa das pessoas, que é o presidente hoje, para conversar sobre as coisas da associação?
R - Passa, passa. E quando chega, que eles tem ajuda da RPM, quando chega as coisas, ele avisa também, para pegar.
P/1 - Ele passa na casa de cada um e vai avisando?
R - Não, pelo telefone, ele põe no grupo.
P/1 - Vocês têm um grupo de WhatsApp, é isso?
R - É!
P/1 - Aí ele avisa. E como é que você se mobilizam para resolver?
R - Vai lá e pega, né.
P/1 - Mas lá onde?
R - No rancho.
P/1 - Que é lá na associação, na entrada do povoado?
R - É! Vem muita coisa. Agora, eles traz arroz, feijão, açúcar, traz verdura, óleo. Já tem tempo que não traz, mas tava vindo, eu mesmo já ganhei.
P/1 - Que é para ajudar o povo do povoado?
R - É, para ajudar o povo do povoado. Aí tem muita gente muito ignorante, falava
que tava vindo, que ele não tava distribuindo que era para ficar para ele, que ele estava roubando. Mas é assim, tudo que pegava tinha que assinar, para ele poder prestar contas. Mas tem gente que é muito ignorante. Ele coitado, ele tem lutado demais, mas tem sofrido também.
P/1 - E quando a briga assim dona Benzinha, como é que resolve?
R - Uai, tem que resolver, como diz, quem pode mais… Tem vez que chama até polícia.
P/1 - E aí, quando chama a polícia que que acontece?
R - Eles correm.
P/1 - Porque o passarinho tem tudo documentado para mostrar o que ele faz.
R - Tem, tem, tudo, tudo, tudo.
P/1 - Mas mesmo assim ainda tem gente que fala que ele está errado?
R - Tem gente que fala, de Deus tem gente fala, quanto mais….
P/1 - O que a senhora gostaria de deixar como legado?
R - A única coisa que eu estou pensando agora é o meu exemplo, sabe disso. (risos)
P/1 - Então me conta, como é o seu exemplo
R - Uai, se você me dever e eu não dever você, a gente passa, põe na mão de Deus. Deus é que tem poder, não é? Esse negócio de desavenças, briga, eu não gosto, eu não!
P/1 - E quando tem briga, como é que a senhora faz, como é que a senhora age?
R - Uai, tem que aconselhar, uai! Não pode fazer isso, porque não pode viver assim.
P/1 - E quando a senhora fica brava, por exemplo, quando acontece alguma coisa que fica brava, como é que a senhora resolve?
R - Brigar eu não brigo não, eu faço aconselhar, eu faço aconselhado, ensinar eles a buscar a Deus. É isso que eu declaro, que eu deixo para os meus filhos é meu exemplo, eu quero que eles peguem meu exemplo.
P/1 - Como é que foi contar a sua história de vida para gente?
R - Para mim, bom, porque eu já tô com 94 anos, tô viva até agora. Foi muito bom.
P/1 - E tá sendo ainda?
R - Graças a Deus, graças a Deus.
P/1 - Então a gente do museu lá de São Paulo, o pessoal, os meninos aqui de Paracatu, a gente agradece a sua entrevista. Muito obrigado, dona Benzinha.
R - Mas eu agradeço vocês
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