Programa Conte Sua História
Depoimento de Valter Marques Silva
Entrevistado por Denise Cooke e Carol Margiotte
São Paulo, 11 de abril de 2018.
Entrevista número PCSH_HV648
Realização: Museu da Pessoa
Revisado e editado por Bruno Pinho
P1 - Bom dia, bem-vindo a entrevista do Museu da Pessoa, você fala para a gente o seu nome, o local e data de nascimento?
R - Bom dia, Valter Marques Silva, São Paulo, 20 de dezembro de 1974.
P1 - E conta um pouco para a gente sobre os seus pais, qual é o nome deles, o que eles faziam.
R - Meu pai é o Joaquim Venâncio da Silva, ele era supervisor de injetora plástica, e minha mãe Delmira Marques da Silva, atual diretora de escola do estado.
P1 - E você lembra, ou você sabe alguma coisa sobre o dia do seu nascimento?
R - Não, nunca me foi contado não.
P1 - E você tem irmãos?
R - Tenho, Marlene, 45 anos, Joaquim, chamamos ele de Jonas, 35 anos.
P1 - Você é o irmão mais velho?
R - Eu sou o do meio, 43.
P1 - Conta um pouco para a gente da sua infância, o que você se lembra?
R - Eu lembro que era muito bom, minha infância sempre foi maravilhosa.
P1 - Onde é que você passou a infância?
R - Em São Paulo mesmo, a gente morava no Jardim Monte Azul, meu pai sempre trabalhou e minha mãe sempre cuidou muito bem da gente, e eu lembro de me carregar muito no colo, e dela ser supermãe.
P1 - E onde você passou a infância, em uma casa?
R - Casa.
P1 - O que você lembra dessa casa?
R - Então, nos mudamos muito, morávamos de aluguel e então no Jardim Monte Azul eu me lembro que eu estudava em escola estadual, minha mãe sempre levava eu e minha irmã para a escola na segunda série eu repeti, foi muito pesado para mim. E sempre passeávamos com os meus pais e a gente ia para a casa da minha avó, sempre muito e para a casa dos meus tios, era sempre muito bacana.
P1 - E os seus avós eram muito presentes na sua infância?
R - Sim, da parte da minha mãe sim, muito. Minha avó é até hoje, uma pessoa sensacional.
P1 - Como eram essas idas para a casa da sua avó? O que você se lembra?
R - Sempre muito bom e divertido, o almoço da minha avó sempre muito bom, eu sempre amei a comida dela, sempre me diverti muito, meus primos que tinham a mesma idade que eu aproximadamente, sempre foi bem bacana.
P1 - E do que vocês gostavam de brincar?
R - Desde polícia e ladrão, de esconde-esconde, futebol, jogava muita bola, pipa eu nunca gostei, nunca fui bom nisso, para falar bem a verdade eu nunca fui muito bom nessas coisas de rua, porque eu sempre fui muito preso, muito caseiro, e então essas coisas de rua eu nunca fui muito bom, mas eu sempre gostei. Carrinho de rolimã eu sempre me machucava porque não tinha experiência e passava o rolimã em cima dos dedos, mas era legal.
P2 - Quem construía esses carrinhos de rolimã?
R - Sempre os vizinhos e amigos, meu pai sempre achava o material e os amigos construíam.
P2 - Tem algum tombo que foi memorável?
R - Não, só as mãos, sempre passava em cima dos dedos, era de lei, na hora de pegar o impulso e o embalo e dói muito, mas era divertido.
P2 - E você estava falando seus avôs, você pode falar o nome deles, tanto do lado paterno quanto do materno.
R - Você pode não acreditar, mas eu não sei o nome dos meus avôs por parte do meu pai. Te juro.
P2 - Você não conheceu eles?
R - Conheci meu avô, mas eu acho que tinha quatro anos de idade, talvez, no máximo. Não tenho lembranças. Uma única lembrança que eu tenho é de uma vez que fomos para a Bahia, para o nordeste e que ele tinha plantação de melancia, e a gente ia colher as melancias e eu sempre pegava as menores porque era criança e ele brigava comigo, e isso é memorável porque meu pai sempre falava antes dos 14 anos em que ele faleceu, então isso é muito presente. Mas, nem a fisionomia dele eu não tenho.
P1 - E dessa viagem da Bahia você tem mais alguma lembrança?
R - Pouco, porque a comida é horrível, nessa época eu era pior ainda porque eu só comia a comida da minha mãe, de mais ninguém, da minha mãe e da minha avó e só. E então se tinha algum lugar para comer eu não comia. E então não tem muita recordação dessa viagem.
P2 - Mas, como era colher melancia? Conta para a gente como era esse preparativo, a ida no campo, aonde é que ficava.
R - Não, ficava no mesmo quintal aonde meu avô morava. Mas, foi uma ou duas vezes só, não tenho tanta... Mas, agora dos meus avôs por parte da minha mãe sim, desde os aniversários, festas, natal em família, aquela família monstruosa que hoje não tem mais, fazendo amigo secreto. E lembro até de um presente que eu ganhei da minha tia que foi um bagulho dos Chips, aquela série policial, que vinha algema, arma, capacete, vinha um monte de coisa, bem bacana e que eu quebrei no mesmo dia a algema porque era de plástico, e eu lembro até hoje. Tem algumas coisas que são bem bacanas de serem recordadas.
P1 - E o que você se lembra da escola quando você era pequeno?
R - Eu lembro que eu nunca fui muito bom. Eu repeti a segunda série.
P1 - Você falou que foi muito pesado repetir a segunda série, por que?
R - Porque foi a primeira vez que eu repeti, primeira de várias. Mas, isso não creio que seja uma burrice, eu acho que é falta de atenção, mais desencanado, porque inteligência eu acho que eu tenho um pouquinho.
P1 - Você não gostava da escola?
R - Nunca fui... Nunca gostei muito para falar a verdade.
P2 - Posso voltar um pouquinho antes, Dê?
R - Agora, na época da faculdade eu ainda gostava, eu tenho o superior incompleto, mas, eu gostava de quinta-feira, sexta-feira, tanto quanto eu estudava de manhã, quanto quando eu estudava a noite, círculos de amizade, o pessoal era bem bacana. O segundo grau também, quinta série eu odiei porque eu repeti umas oito vezes, o primeiro colegial eu repeti umas 15. Sempre fui muito relaxado.
P2 - Posso voltar um pouquinho antes da escola?
P1 - Claro.
P2 - Eu queria entender um pouco da origem da sua família, você falou que tem os avôs paternos da Bahia, se você puder falar para a gente...
R - ... os da minha mãe também.
P2 - Também? Então se você puder contar a origem da família, de onde são seus pais, onde seus pais se conheceram, o que você sabe dessa história?
R - Para falar a verdade eu não sei se minha mãe é piauiense, meu pai é baiano, moravam juntos em Jaguaré, próximo, eu acho, se eu não me engano em parque continental, e se conheceram dali. Eu nunca fui atrás. Nessa época não se comentava muito isso, não se conversava muito em relação a isso: “a gente se conheceu assim, foi legal”. Era mais viver cada dia.
P2 - Mas, você sabe como foi essa vinda deles para São Paulo? Os avôs vieram junto?
R - Não sei, na verdade não sei.
P2 - Mas, os avôs da sua mãe vieram para São Paulo?
R - Vieram. Eles moram aqui, minha avó mora ainda.
P2 - Aonde?
R - Jandira.
P2 - Jandira. E vocês moravam?
R - Jardim São Luiz.
P2 - Era perto?
R - Não, são 42 quilômetros.
P2 - E como era essa visita na casa dos avôs?
R - Meu pai sempre teve carro, e mesmo quando não tinha, muitas vezes a gente ia de trem, eu, minha mãe e minha irmã. Minha mãe comigo no colo, e porque eu não andava a pé de jeito nenhum.
P2 - Por que?
R - Não gostava eu acho, sei lá. Para falar a verdade eu não sei, eu sei que era muito manhoso, minha mãe sempre me carregava no colo, não ficava com ninguém, independente de se precisasse, eu lembro de uma vez que eu acho que meu pai teve tuberculose ou pneumonia que ele ficou internado em Campos de Jordão e minha mãe tinha que visitá-lo, e para me deixar com alguém era uma tortura, porque eu não ficava e eu já era grande. Eu tinha uns seis anos eu acho. E a minha a mãe tinha que ir visitá-lo, eu lembro que o aniversário dele foi feito lá um bolinho dentro da clínica em que ele estava internado.
P1 - A sua mãe cuidava de vocês? Ela ficava o dia todo em casa?
R - O dia todo. Minha mãe começou a trabalhar eu já era grande.
P2 - Você chegou a visitar o seu pai nesse hospital?
R - No aniversário dele.
P2 - Você pode contar para a gente como foi essa viagem até lá? Como foi chegar no hospital?
R - Não lembro da viagem, eu lembro da gente lá, cantando parabéns, um pouco do caminho, que tem aquelas plantas que eu não sei o nome.
P1 - Hortência.
R - Isso, em Campos de Jordão pelo caminho que já se tinha uma clínica que era bem bacana.
P1 - Quanto tempo ele ficou nessa clínica?
R - Não sei. Um mês eu acho, não me lembro muito bem.
P2 - E como foi a festinha para ele?
R - Foi só um bolinho, mas foi legal pelo clima, eu, minha mãe e minha irmã com ele, foi bem bacana.
P2 - E aí quando ele saiu desse hospital, Valter?
R - Aí já estava bem, já estava recuperado, aí já foi tranquilo.
P1 - E como era a relação com o seu pai, o que você lembra dele?
R - Era boa. Muito bom. Meus pais, minha família eu sempre tive um bom relacionamento.
P1 - Você lembra de alguma coisa especial do seu pai, algum momento especial?
R - Lembro quando ele sempre chegava do trabalho e trazia bala para a gente, doce, e a gente ficava ansioso esperando, já conhecia o barulho do carro dele de longe. Sempre tratava a gente com muito carinho, e não brigava, não batia. E era bem bacana, eu apanhei bastante, viu? Mas, eu acho que se eu não tivesse apanhado tanto, eu não seria a pessoa que eu sou hoje. E ainda mesmo apanhando eu sempre dei trabalho, eu sempre soube que as surras que eu tomei sempre foram com motivo. Ou por brigar com vizinho: “então já que eu vou apanhar, vai comigo mesmo”, e então vai reclamar para a minha mãe que eu estou jogando bola, então eu vou jogar pedra também, já que eu vou apanhar, vou dar motivo.
P1 - Você era levado?
R - Um pouco.
P1 - O que você aprontava?
R - Desde jogar bola na casa do vizinho e ele vinha reclamar, e eu ia lá e jogava pedra. Pegar spray e pichar o carro dos outros que ficava na rua. Só uns pintinhos, mas depois de grande eu continuei, até os meus 30 anos eu continuei aprontando.
P2 - Você não falou o nome dos seus avôs maternos, que você tem contato.
R - Geraldo e Cesária.
P2 - Em que momento em que vocês iam para a casa deles?
R - Quase todo o final de semana, praticamente, dificilmente se eu meu pai não estivesse trabalhando nós íamos. E às vezes dias de semana também, de férias escolares, minha mãe pegava eu e minha irmã e nos colocava no trem, ônibus, trem, ônibus de novo, porque antigamente não se tinha o trem até Santo Amaro, era até o Pinheiros. Então eu nem me lembro, mas, acho que eram dois ou três ônibus até o Pinheiros e de lá pegava o trem até Jandira, e ainda tinha que fazer outra baldeação e aí em Jandira descia no centro, o ônibus até a metade do caminho e depois outro. E minha mãe ia que ia. Era guerreira.
P2 - E quando chegava na casa dos avôs, qual era a sensação o que tinha pronto? Como você (inint) [00:14:40]...
R - ...chegava na avó, aquela rua de terra, barro, se tivesse chovido já virava... E aí minha mãe já começava a gritaR - “vai se sujar” e a gente já saia correndo para beijá-los e abraça-los e começar a brincar. Era muito bom.
P2 - E a volta para casa, como era no domingo?
R - Cansado, destruído, dormindo geralmente. Mas, bem bacana. Eram dias legais.
P1 - E como era com os seus irmãos? Vocês se davam bem?
R - Com o meu irmão me dava. Com a minha irmã como somos os Primeiros, então a gente brigava um pouco, coisa de irmãos, mas, com o meu irmão como eu cuidava dele, minha irmã já trabalhava, e já estudava. Minha mãe já estava trabalhando, e então era o do meio que ficava com ele, levava na escola e buscava. E com o meu irmão sempre foi legal. Era um moleque gente boa.
P1 - E como era cuidar do seu irmão, como você se sentia?
R - Era legal, eu gostava muito mesmo. Minha mãe trabalhava e quantas vezes colocava o arroz no fogo e ia jogar bola e queimava porque tinha sei lá, 14 ou 15 anos, e então eu queria fazer e agradar os meus pais, para eles chegarem e ter a comidinha pronta e tal, mas até eu aprender várias vezes queimava porque acabava me distraindo e daqui a pouco só a fumaça subindo. Mas, não era coisa que minha mãe exigia, era coisa que eu fazia espontaneamente para que eu pudesse agradar as pessoas que eu amo.
P1 - E esse período na escola, tem alguma coisa que você lembra, você alguma vez aprontou muito na escola, foi parar na diretoria.
R - Vivia na diretoria.
P1 - O que você aprontava?
R - Desde não fazer... Xingar e brigar com professor. Guerrinhas de giz, de papel, essas coisas que moleque apronta. Brigar, gritar, xingar os professores não fazia tanto assim, era mais coisa com outros alunos, de puxar cadeira, bater na carteira, porque eu sempre sentei perto da porta, e então batia na carteira para a professora pensar que tinha alguém na porta. E isso até no primeiro ou segundo ano do colegial, duas vezes foi a sala inteira para a diretoria. Uma vez eu estudava no primeiro colegial e eu acho que minha mãe estava no segundo, na mesma escola e eu comecei a aprontar e o professor chamou o diretor. E ele falou: “ninguém vai assumir? Vai todo mundo para a diretoria”, e aí ele levou todos os homens para a diretoria. E aí chega lá, os caras: “Valter, foi você”. Mas, todo mundo dava risada. Eu chorava de dar risada e eu falava: “relaxa”, e aí o professor começou a chamar um por um e eu falei: “não, fui eu”, e ele disse: “você não tem vergonha, sua mãe aí e você aprontando, sua mãe é da hora”, bem legal. E eu chorava de dar risada quando a minha mãe chegava: “filho, mamãe está indo”, porque às vezes ela saia mais cedo da escola e que era supletivo, só que estávamos em salas separadas, e ela batia porque saia cedo por algum motivo: “mamãe está indo, e eu com 18 anos”, e todo mundo ria, e eu nem ligava, eu achava sensacional, eu sempre gostei da forma carinhosa de ser tratado.
P2 - Como era ser aluno em uma escola em que sua mãe também estudava e era aluna?
R - Era legal. São histórias boas que eu tenho para contar, bem bacanas. De ver a superação dela, a luta. Porque meu pai ainda era vivo, mas, mesmo assim ela começou a trabalhar, estudar, começou a se dedicar em outras vertentes para que pudesse ter um futuro melhor, tanta para ela quanto nos servir como exemplo, como espelho.
P1 - Quantos anos você tinha quando a sua mãe começou a fazer isso?
R - Minha mãe começou a estudar quando ela voltou, porque ela já era... Não sei até que série ela estudou, não sei. Mas, eu acho que até uns 16. Nós estudávamos juntos eu acho que eu já tinha uns 18.
P1 - Que bacana.
P2 - Conta para a gente como é que foi essa decisão em casa da sua mãe estudar, como era o seu pensamento, como ela chegou contando.
R - Então, eu lembro quando ela começou a trabalhar, para falar a verdade, ela trabalhava na Semp Toshiba, na linha de produção e meu pai era supervisor de injeção plástica só que em outra empresa. Mas, eu achava legal, sempre achei legais as iniciativas.
P1 - E foi nesse período em que você começou a cuidar do seu irmão?
R - É, mas não cuidava tanto porque ela trabalhava só meio período, e então metade do período ele ficava na escola, era mais o trabalho de levar e buscar, só. E fim de semana que cuidava e tentava proteger um pouco.
P1 - E além de ir na escola, o que você gostava de fazer nessa época?
R - Jogar bola. E eu já morava no Jardim São Luiz, na Guimarães Tavares onde ela vai voltar a morar futuramente, e tinha um campo lá em cima, mas era só terra, barro mesmo. E então a gente jogava bola na rua, e depois com o tempo é que veio a quadra que os próprios moradores da associação fizeram. E sempre joguei bola. E era a coisa que eu mais gostava de fazer, mas tinha um pouco de habilidade.
P2 - Em que posição?
R - Sempre fui zagueiro, cada enxadada uma minhoca, até no cimento, até no futsal, parecia uma britadeira de tão duro.
P2 - Teve algum jogo memorável?
R - Nossos jogos, quando tinha contra ou valendo chaveiro, Itubaína, refrigerante era sempre os mesmos times, o time dos craques e os caneludos, do qual eu participava. E então na hora de escolher os goleiros que escolhiam como se faz até hoje na periferia, só que o cara que escolhia geralmente escolhia os mais... Para mostrar que não é só habilidade que ganhava, era garra e técnica, e então era bem legal. Mas, apostando chaveiro, de Pepsi, Coca-Cola, de refrigerante em geral, e, valendo Itubaína, mas, depois independente de quem ganhasse todo mundo sentava e tomava junto. Para mim isso é diversão até hoje, vou jogar um truco, bilhar ou dominó, não quero apostar dinheiro, não quero perder amigo e dinheiro, eu quero somar, eu quero estar ali para me divertir e dar risada: “seu trouxa, seu mané, você é ruim”, “maluco, aqui quem manda sou eu, está ligado, tio?”, “dar carta está trucado”. Essas coisas, então mais para a diversão mesmo, sentar e trocar uma ideia, tomar uma breja, que hoje eu já não tomo mais tanto, até porque eu fico mais em casa isolado.
P2 - Tinha um melhor amigo no futebol?
R - No futebol não, mas eu tenho alguns amigos que eu gosto muito ainda até hoje.
P1 - Desde aquela época são seus amigos?
R - Desde aquela época.
P2 - Pode contar para a gente quem são eles.
R - Tem o Ney, que é um brother, super, hiper brother, crescemos juntos, eu morei onde eu saí agora, há 33 anos, e então eu me mudei para lá e eu tinha 10 anos, 11 anos. Crescemos juntos, chicote estralava a gente estava sempre junto, ele não estudava na mesma escola que eu, mas, toda sexta-feira ele estava lá e saíamos sexta, sábado, domingo, dia de semana estávamos sempre juntos e íamos em festas juntos, era bem legal, e até hoje: “e aí Ney, está fazendo o que? Vou colar aí”, aí eu colo na casa dele, vou para almoçar, a mãe dele me trata como se fosse um filho. Tinha uma época até que minha irmã tinha ciúmes da irmã dele: “vai lá com a sua irmãzinha Sandra, vai lá que ela está fazendo o almoço”, está mesmo, ela fazia, era bem bacana. E o Rodrigo, que eu fui padrinho de casamento dele com a minha ex-namorada, o Luiz Felipe já tinha nascido e ele trata... Adora o Luiz Felipe, a gente vai na casa dele: “pai, e o seu Rodrigo?”, a gente fala seu Rodrigo, mas ele é 10 anos mais novo do que eu. Ele é seu Rodrigo porque ele foi morar na Bahia um tempo e quando ele voltou, voltou com sotaque e a gente ficava zoando com ele, então ficou seu Rodrigo, e até a mãe dele chama ele assim. É verdade, e a gente se fala até hoje, sempre mesmo antes do WhatsApp, dessas coisas, de pegar o telefone fixo e um ligar para o outro e aí ele mora no Horto. “Está tudo bem? Vai fazer o que esse fim de semana?”, “Vamos viajar?”, uma vez eu até havia me separado de uma namorada e ele: “vai fazer o que?”, “não vou fazer nada”, “vamos para a praia”, e eu falei: “vamos aí” e eu peguei a mochilinha e falei: “mãe, vou para a praia”, e então beleza. E ao invés dele pegar a marginal para pegar a imigrantes, ele pegou a ponte João Dias, estrada de Itapecerica, e encontramos um pessoal, e ele falou: “vamos em Floripa”, e eu falei: “mentira”, e ele disse: “sério”. E a gente foi para a Floripa, eu falei para a minha mãe que ia para a praia e liguei para ela de Floripa. E eu falei: “mãe, estou em Floripa”. Era um feriado de quatro dias se eu não me engano, fomos em cinco carros, e que sempre viajamos em uma galera, só que tudo pessoal do bem, pessoal sempre responsa. Ele sempre selecionou muito bem as amizades dele, porque ele trabalha no Fórum aqui de Santo Amaro, e a maioria trabalha lá no Fórum. Não sei os namorados e amigos, mas, tudo pessoal super gente boa, super responsa e do bem. E a gente chegou lá em Floripa sem lugar para dormir, a gente foi no escuro, chegamos lá e fomos arrumar casa para em 20 pessoas... Imagina a briga.
P2 - E aí aonde é que vocês ficaram?
R - Acabamos arrumando uma casa, mas, o pessoal não queria, porque tudo jovem, molecada de 25 ou 30 anos, tudo solteiro, um monte de mulher, um monte de moleque, e o pessoal não queria alugar a casa e aí falaram: “calma aí, vamos resolver esse negócio”. Aí dois ou três pegaram e foram conversar com uma pessoa: “a gente é de São Paulo, funcionário público, trabalhamos no Fórum, não vamos arrumar confusão”, assim e assado, e era em um condomínio fechado. E a mulher falou: “beleza, mas, olha, é assim e assado”, mas a gente mal ficava na casa, ia para tomar banho e depois saia, a gente nunca foi de fazer bagunça e de criar criaca, era jogar truco que fazia um pouco de barulho, mas, nesse caso a gente não jogou para respeitar a exceção que a pessoa havia dado. Um, pela quantidade de pessoas em uma casa tão pequena e isso sempre tivemos muito respeito com os outros, eu também.
P1 - Teve algum momento engraçado nessa viagem com esse bando de gente?
R - Sempre tem. Viagens sempre são memoráveis, neguinho querendo descer de escuna e caindo. Um querendo ir para a praia dos Ingleses só que estávamos do outro lado da Ilha da Conceição. E não queríamos sair de carro para não ficar gastando e preso em trânsito: “vamos em lugar perto, estamos do lado sul da ilha, praia brava, praia mole, vamos ficar por aqui” e aí neguinho ia lá e se separa, “não sabe o que você perdeu na praia dos Ingleses”. Mas, para fazer o inverso, sendo que aqui tem a mesma coisa, tem dunas, muda só o clima, tem as mesmas pessoas lindas, educadas, gente boa. Sempre legal essas coisas. E aí neguinho sempre quer contar vantagem, mas é vantagem do bem, sempre bacana.
P1 - Fala um pouco da sua adolescência, como foi virar adolescente?
R - Pesado. A minha adolescência foi boa, bem namorador, estudava, quinta, sexta série, sétima, oitava, primeiro, foi bem legal, a adolescência foi legal.
P2 - O que você queria ser quando crescesse?
R - Sempre sonhei em ser policial, sempre. Mas, depois, comecei a me inspirar no meu pai: “legal essa área”, trabalhei com o meu pai uma época. Trabalhei como motorista, eu com 14 ou 15 anos comecei a trabalhar como office boy, naquela época podia, era uma das melhores coisas da minha vida porque eu nunca ajudei em casa, meus pais nunca pediram, e então eu me vestia super bem, sempre roupas de marca, tênis não passava vontade para nada: “os tênis saiu ali, puta, aqueles Reebok Pump, top”. E então eu sempre fui top dos tops, de onde eu morava, os caras sempre falavam: “super playboy”, mas eu era um dos poucos que trabalhava.
P1 - Como era esse trabalho? Você ficava rodando pela cidade?
R - É, office boy, uma empresa de química primeiro, e depois fui contratado em um escritório de contabilidade e trabalhava bastante.
P1 - E como foi quando você comprou a sua primeira roupa de marca com o seu primeiro salário?
R - Sempre foi sensacional. Bom, hoje eu saio para comprar tal coisa, mas não saia e ficava: “ah, vou comprar alguma coisa, não sei, vou sair”, sempre saia com tal objetivo de: “vou no shopping comprar tal coisa”, ou na época do shopping Morumbi que tinha patinação no gelo e íamos lá tomar sorvete e comer fast food, McDonald’s. E nem sempre tinha dinheiro, mas ia lá na patinação no gelo e ficava vendo a menininha, trocava telefone, ia no cinema, era bem bacana, o Morumbi tem bastante história, de ser assaltado também várias vezes, porque a gente ia de ônibus e lá era uma área superperigosa. A gente descia a avenida Santo Amaro e descia até o shopping Morumbi a pé o que dá uns dois quilômetros, mas ali era assalto direto, e fomos assaltados algumas vezes. Tinha um amigo nosso o Juruna, todo bonitinho e de roupa branca, e ele era todo atrapalhado, pensa num cara atrapalhado e multiplica por três, tudo acontecia com ele, se era para comprar pizza arrumava briga e vinha com a pizza igual a um caderno, para os caras não pegarem a pizza dele. Aí chegava a mussarela, a gente ia para o shopping e o ônibus passava na poça de água, ele estava atrás de todo mundo e só sujava ele, impressionante, coisas que só aconteciam com o Juruna. Era legal. E eu tenho alguns amigos bacanas e histórias legais.
P2 - E a primeira paixão?
R - Tive a Rosa, que era a filha de um amigo do meu pai, morena, linda dos olhos verdes, era legal, namorei com ela um bom tempo. Mas, eu sempre gostei de competir com os meus amigos, sempre falava: “aquela mina é muito gata”, e eu falava: “eu vou pegar ela” e eu nunca tive problema com mulher, eu sempre peguei a mina que eu quisesse. Se ela me desse atenção de meia hora ou uma hora, saia comigo duas vezes, como diz o Chorão, Charlie Brown: “já é mané”.
P2 - Teve mais alguma paixão de conhecer e ser a paixão?
R - A minha última ex, eu ainda gosto muito dela, bem bacana, ela é ex professora do meu filho, eu conheci ela na escolinha, dois anos de idade, levando ele para a escola, e até com a mãe dele, nem estamos mais juntos, mas é um negócio que estamos sempre juntos, por ele, tinha sempre carro, e então tenho o carro e sempre que precisava ia levar ele, buscar. E eu ficava com o Luiz Felipe, eu estou avançando...
P2 - ... não tem problema, depois a gente volta.
R - Eu ficava com o Luiz Felipe porque ela trabalhava, e eu trabalha da 13h30 às 22 horas. E então de manhã eu pegava o Luiz Felipe na casa dele, às 09 horas, e levava para a minha casa, ficava comigo desde pequeno, e então dava banho, dava mamadeira, e antes de ir para a escola, ele almoçava lá. Mas, dava banho e levava ele, e a conheci. E aí um dia em uma festa: “estou toda feia”, “você não fica feia nem nascendo de novo, minha linda”, e ela ficou toda assim. E em uma apresentação que teve na escola a gente estava todo dolorido, e ela falou: “eu sou ótima em massagem”, e aí começamos a sair, e eu gosto dela até hoje. Mas, a gente é muito difícil de lidar. Mas, paixão mesmo eu tive a Úrsula que eu namorei uns sete anos, foi legal também, que era vizinha, que mudou para o Embu, mas era legal.
P1 - E voltando um pouquinho, depois que você trabalhou de office boy, o que é que você fez?
R - Nossa, eu trabalhei em oficina como funileiro, ajudante para falar a verdade, porque eu não sabia nem o que era um parafuso. E eu trabalhei de motorista, garçom, como supervisor de extrusora, que foi a época em que eu fui trabalhar com o meu pai. E até eu ir para essa área de informática em que eu entrei em uma empresa como ajudante de cabista, fiquei dois anos e depois eu prestava serviço para uma empresa na qual eu era prestador para a outra, não era nem terceirizado, era quarteirizado. E aí eu tive o convite para trabalhar na Atento e fui para lá e fiquei dois anos, e depois fiquei nessa última por 11 anos e aí lá dentro é que eu realmente segui uma carreira. Porque antes disso, o que eu não queria era ficar parado, sempre gostei de ter meu trampo, meu dinheiro e eu nunca gostei de ficar parado: “então vamos ali, de motoqueiro, motorista ou ajudante”, “paga quanto?”, “estou pagando pouco”, “beleza, não posso ficar sem”, então eu estou sempre me virando.
P1 - E por que você nunca tentou virar policial que era o seu sonho?
R - Porque depois logo passou, são coisinhas de moleque de falaR - “da hora”, o poder, aquele agente poderoso.
P2 - Teve alguma história na adolescência?
R - Não tenho frustração de não ter sido, porque nunca foi meu sonho. Eu acho que era um desejo intuitivo de ter alguma coisa para falar só, igual hoje que a criançada fala que quer ser jogador de futebol. Mas, às vezes não é um sonho, é um desejo que você fala antes de conhecer todas as vertentes e possibilidades.
P2 - Mas, tinha algum personagem de filme ou alguém que você conhecia que era policial?
R - Tinha os Chips, que era aquele seriado que era sensacional, e só. De proximidade de polícia era só, porque Chips era muito legal, muito da hora.
P1 - Me fala uma coisa, quando você foi a primeira vez que você ouviu falar na dermatite atópica?
R - Bom, eu sempre tive problemas respiratórios, sempre tive bronquite, crises de ficar internado, punk. Quando era criança e até os meus 16 e quando diz que foi substituído, porque dizem que se substitui, não sei se é verídico ou não, porque até hoje eu tenho crises de bronquite, e então começaram a aparecer manchas pequenas aquelas irritações de suor como criança.
P2 - Vamos voltar a pergunta toda.
R - Mãe, vem aqui no hall do elevador.
P1 - Quando foi a primeira vez que você ouviu falar em dermatite atópica.
R - Quando eu era pequeno eu tinha crises de bronquite. Umas crises monstras de ficar internado e eu acho que é por isso que minha mãe tanto me carregava no colo. E eu falava que eu não queria, mas, é talvez porque eu sabia que se andasse daqui ali ia ficar mal. E desde a escola, não podia nem jogar bola e correr no pátio que a minha mãe tinha que ir lá depois para me socorrer. E então eu tinha crises, aquelas irritações pequenas de suor, que toda criança praticamente tem, e depois foi meio que espalhando. Aí uma época sumiu. E aí com os meus 16 anos começaram a aparecer mais coisas, irritando muito. E aí começam os tratamentos: “é uma alergia”. E então a dermatite atópica em si eu descobri quando eu fui diagnosticado depois de milhões de testes e médicos, tratamentos de dois anos no HC e nunca foi me falado isso: “dermatite atópica”, isso eu ouvi agora, dez anos atrás, 12 anos. E antes disso era só uma alergia: “vamos fazer testes”, aqueles testes de contato nas costas aqueles negócios com várias substâncias: “ele é alérgico a tudo”, eu sou alérgico até a vida quase. E então, poeira, pó, emocional, tudo. Refrigerante, água, luz, escuridão, cobertor, frio, calor, tudo, alergia a absolutamente tudo, até o momento em que fui diagnosticado com dermatite atópica. E, teve uma época em que eu descobri o tal do Diprospan, que foi quando eu comecei a me automedicar em relação a isso, tomava uma ou duas por ano, três, uma a cada seis meses, uma a cada três meses, uma a cada dois meses, uma a cada 15 dias, uma por semana. E assim foi.
P1 - E quando você era criança, como é que foi conviver com a dermatite atópica?
R - Quando eu era criança eu praticamente não tinha, só a bronquite. E então, depois que eu comecei a desenvolver mesmo que já era adolescente para adulto foi pesado, porque incomoda. Mas, até eu cheguei nesse estágio em que eu estou, um tempo atrás eu era um pouco pior ainda, porque a gente... Eu gosto muito de esconder, de chegar em casa, eu gosto desse tempo de outono que está calor, mas está frio, então eu meto minha touca e meu óculos escuros, e minha blusa. E ninguém vê minha cara ou como eu estou.
P1 - Mas, isso afetou a sua adolescência, sua vida?
R - Não, não chegou a afetar muito não. Na fase adulta que aí você está... Porque na adolescência eu praticamente não tive, era bem escondido e não era sempre, mas, na fase adulta foi bem pesado.
P1 - E qual foi o tratamento indicado?
R - Isso que mata, não tem tratamento indicado, tem tentativas de tratamento: “vamos tentar isso”, e eu sou, não resultadista, mas eu espero, vamos fazer um tratamento, eu sei que qualquer tratamento para a pele dura no mínimo seis meses para que você possa começar a ter algum resultado, e então eu fiquei com aquele médico um ano e ele não moveu uma palha e então dali eu já tentei outro. A minha última médica antes desse tratamento, foi a Dra. Marli, eu esqueci o nome dela, acho isso tão injusto porque ela foi tão amorosa comigo. E eu tenho certeza que se eu ligar na casa dela ela vai lembrar de mim como se fosse hoje, foi uma pessoa sensacional na minha vida. Foram nove ou dez anos de tratamento com ela, mas até eu chegar nela e encontra-la, foi muito difícil, com hospitais, internações, com tentativas de tudo, limão, pólvora, só faltou enterrar na água e deixar só a cabeça do lado de fora para ver o que resta, e agora depois que eu perdi o meu convênio, depois que eu saí da empresa, e então eu tive que procurar outras soluções. Que, foi agora que eu achei a fundação de Santo André, na qual foi um pessoal super, hiper, mega sensacional.
P2 - Eu queria voltar nessa primeira crise que você teve, eu queria que você descrevesse no seu corpo o que estava acontecendo com você e qual foi a gota da água que fez te procurar a primeira ajuda médica. Deu para entender a pergunta Valter?
R - É que eu não me lembro muito bem, para falar a verdade, depois das primeiras crises, eu lembro de começar a ficar ruim, de coçar, ficar vermelho porque na realidade, quando começou e sempre tive pequenas crises com a bronquite, então até desencadear um processo avançado a minha vida desde criança sempre foi ir ao hospital, por causa da bronquite, são inacreditáveis as crises que eu tinha. E então sempre foi um tratamento de muito aparelho, em conjunto para falar bem a verdade, em conjunto com a bronquite. Minha vida sempre foi ir a hospitais e médicos, essas coisas.
P1 - E como é que isso afetou a sua vida adulta, quando começou, quais foram os desafios, e as restrições?
R - Desafios eu tenho até hoje, porque eu vou fazer uma entrevista de emprego e a primeira coisa que o cara olha é a minha aparência e aí esse negócio cinza, caindo casca, primeira coisa que o cara faz é cruzar os braços e ir para trás. E sempre tem que estar falando: “o bagulho não é contagioso”, quem conhece sabe que não é, mas, eu dentro da minha ignorância se eu visse uma pessoa assim eu também teria receio por falta de conhecimento em relação a doença. E então o desafio é matar um leão por dia, porque hoje eu faço freelance, eu estou montando móveis de drogarias, drogaria São Paulo, Droga Raia, Drogasil, e justo os dermocosméticos, parece que uma coisa chama a outra. E comecei nessa agência de publicidade por indicação de um amigo meu, mas, na empresa em que eu trabalhava, na última empresa, e antes de sair eu tinha que varrer a minha sala, a minha mesa, limpava tudo e passava um pano, já varria e catava as cascas, porque o bagulho é inacreditável. É 200 gramas de casca por varrida.
P2 - O que você sentia quando nesse trabalho...
R - ...triste. Ficava arrasado, destruído.
P1 - E isso fez com que você se recolhesse, que você se isolasse, como tem sido a sua vida social também.
R - Um lixo, péssimo. Se eu puder, quando eu não tenho o que fazer eu fico dentro de casa fechado.
P1 - E os seus amigos, você não sai com os seus amigos mais?
R - Não, porque quando eu estou em casa eu fico lá, eu desligo o celular e minha mãe fica puta comigo, porque nem ela eu entendo. Eu desligo o celular, na páscoa mesmo eu desliguei o celular na quarta-feira, e, fui ligar no domingo, eu fico em casa, eu não falei com o meu filho e nem com a minha mãe, não falei com ninguém. E todo mundo, os amigos ficam: “caralho, cadê você?”, dois deles sabem onde eu moro atualmente porque eu moro lá há pouco tempo e que vão lá e me chamam, mas como não tem campainha não dá para ouvir. E então não adianta. E mesmo quando eu morava na Guimarães Tavares, se me chamar eu não saio, eu fico entocado mesmo. E não gosto. Eu tenho vergonha de mim mesmo.
P1 - Você não sabe por que você tem vergonha, não porque você não quer sair é porque você tem vergonha de sair em público?
R - Não tenho ânimo para nada, eu fico triste, eu prefiro ficar na minha casa, sentadinho.
P2 - Até o diagnóstico de dermatite atópica, quais outros diagnósticos você já recebeu?
R - Sempre foi como alérgico, antes dessa Dra. Marli era sempre uma alergia e vai tratar com alergista, com dermatologista e não chegam resultados satisfatórios com nenhum deles, até que a Dra. Marli me deu um jeito e quando eu fiz terapia também, ajudou bastante.
P1 - O que a Dra. Marli fez para te ajudar?
R - Não sei, todo mundo pergunta isso e eu não sei responder, porque mesmo depois que eu perdi o convênio, uma vez eu tive uma crise, eu fui na internet e procurei o telefone dela e liguei na casa dela. E eu falei: “Dra. Marli eu preciso” e ela disse: “vai no meu consultório amanhã, não vou cobrar a consulta”, e então ela para mim... Preciso achar o sobrenome dela.
P1 - Mas, ela te receitou algum remédio, o que é ela fez para...
R - Sempre, amostras grátis e bem realista eu acho: “vamos tentar isso, mas você está afim de tentar? Vamos testar isso?” e então sempre havia melhora, era uma coisa inacreditável. E podia não ser aquela dos deuses, mas aquela atenção uma ver por semana ou a cada 15 dias quando estava em crise, ou uma vez por mês, isso era sempre. E eu não sei, sinceramente não sei se era atenção, disposição dela.
P1 - E durante essas crises, como é, você tem problema para dormir, como é a rotina de uma crise?
R - A rotina é horrível, primeiro porque eu vivo em crise, eu não tenho mais problema. Não, hoje eu estou crise, não minha crise agora é constante, eu tenho que me manter assim porque eu estou bem e nessa crise que eu estou, eu estou bem, nesse estado horrível. Olha o braço por exemplo, todo destruído e coça. Eu não durmo direito, nem de dia e nem de noite, essa noite e a passada eu dormi, mas, tirando essas últimas duas noites, fazia umas três noites em que eu não dormia, desde sábado. E sem dormir mesmo, sem pregar o olho.
P1 - Por causa da coceira?
R - Também, apesar de não estar coçando tanto, mas...
P1 - ...que outros motivos tiram o sono?
R - Não sei, não fico pensando em nada, eu fico deitado e pensando em nada. Não sei.
P1 - E você sente que o teu emocional às vezes agrava as crises?
R - Agrava e muito, comportamento. A minha mãe, e eu cheguei aqui na casa da minha mãe e já começa: “já vai começar”, parece um bagulho incrível, no domingo de páscoa eu estava na casa dela e eu estava quase me acabando de coçar e ela pediu para eu levar minha avó em Jandira, porque ela estava aqui. E eu entrei no carro, comecei a dirigir, deu dois minutos e parou de coçar, e eu falei: “caraca vó, eu saí da casa da minha mãe, a minha mãe parou de falar e parou de coçar”, e olha eu fui daqui até lá e eu não coloquei a mão, eu parei no posto, abasteci, parei no pedágio, parei na casa dela, eu não levei a mão uma vez para coçar.
P1 - E você tem estratégias, coisas que ao longo do tempo você percebeu que te ajudam a lidar com os sintomas, a atenuar os sintomas?.
R - Eu tento. Eu tento evitar suar, correr, e tem coisas que me fazem bem, eu estou com o Luiz Felipe e é da hora, eu gosto de pegar ele quando eu estou bem, quando eu não estou em crise, é da hora, uma porque o moleque é firmeza, ele é sensacional. Quando estamos jogando videogame eu chego: “Luiz Felipe, vai jogar duas horas de videogame”, beleza e desliga. E “papai...”, “o que a gente combinou, brother? Vamos ver um filme”, “papai...”, “de novo? Então vamos assistir um filminho”, “coloca Croods, coloca Carros”, “mas a gente já assistiu milhões de vezes”, “mas eu gosto”, “então está bom Luiz Felipe, pelo menos saiu do videogame”, “vamos jogar bola ou fazer um rolê de carro”, “vamos no parque”. Porque eu sempre fiz isso com ele de ir em parques, desde que eu fico com ele de manhã, eu sempre levava ele, acordava e ia para o parque quando ele começou a ficar um pouco maior. E antes de ir para a escola.
P1 - E como a dermatite afetou a sua relação com o seu filho? Você diria que houve um impacto?
R - Há um impacto porque ele tem também.
P1 - Ele também tem?
R - Ele também tem. E aí dentre tantas coisas boas que eu tenho, o moleque vai herdar justo isso, eu sou inteligente, sou bonito, sou bacana, engraçado. Estou brincando, sou modesto. E justo isso que ele vai herdar, brother?
P1 - Mas, fora esse fator genético na interação entre vocês dois no dia a dia isso afeta, você já sentiu que por causa da dermatite você deixou de fazer coisas com ele ao longo dos anos?
R - Deixo, porque às vezes eu estou muito irritado, ele quer fazer alguma coisa e eu falo: “isso aqui eu não vou fazer”, “papai”, “caraca, moleque, eu já falei”, e então o meu humor muda. E eu estou mal, não posso tomar sol, deveria tomar, mas eu odeio ficar no sol porque eu odeio me expor, eu gosto de ficar dentro da minha casa embaixo de três edredons igual eu dormi essa noite e muitas vezes até com ele, porque se eu estou irritado, eu estou no extremo, aquele oito ou 80 que eu havia falado, no doce e no sal é a mesma coisa. E então não tem meio termo, ou sou um amor de pessoa ou uma pilha do F10.
P1 - E como é que o Luiz Felipe lida com a dermatite, essas questões?
R - Irrita ele também, várias vezes: “papai, tudo que eu queria era não ter essa doença”, porque ele está jogando bola e ele não sabe se corre ou se coça, e então eu falei já para ele: “Lu, seguinte: você tem e você tem que lidar com isso”, a mãe dele cuida bem dele, e é: “seguinte brother, se neguinho ficar tirando onda com você, diz que não quer brincadeira, fala uma ou duas vezes e é ferro na boneca, é porrada. Porque ninguém é bobo, você não é do MMA? Brinca, aceita a brincadeira, tira onda também, mas não deixa ninguém pisar na sua cabeça não”. Eu tento dar um incentivo nele, outro dia ele: “papai, eu não consigo fazer isso”, e eu disse: “você consegue fazer tudo na sua vida, absolutamente tudo, você pode ter dificuldade e então se você tiver dificuldade, papai me ajuda a fazer isso, vovó Delmira, vovó Cecê, mamãe, titia, titio, amiguinho me ajuda, mas você consegue fazer tudo, não vai falar que você não consegue porque você é foda, nós somos”.
P2 - Eu queria que você contasse para a gente, no seu tempo Valter, se você quiser fazer uma pausa, porque está linda essa história.
R - Desculpa o palavreado.
P2 - Imagina, fica à vontade. Eu queria que você contasse como foi o diagnóstico do Luiz Felipe, qual foi o momento.
R - ...ele tem pouquinho, aquela pele seca desde bebê, e desde sei lá um ano, eu sempre fui muito presente desde que ele nasceu, de ir ao pediatra todo mês, eu ia junto e acompanhava. E porque na minha empresa só podia ter uma ausência ou duas por ano por causa de acompanhamento médico, mas, como eu trabalhava em horário da 13 hora às 22, era diferente e eu marcava tudo sempre de manhã para que eu sempre pudesse estar presente o máximo possível. Então a pele ressecada: “puta merda, não acredito, fodeu”, e aí começa, a médica pergunta: “tem histórico?” “doutora, olha aqui não está me vendo”, “então ele vai ter também e temos que cuidar desde agora”. E enquanto eu trabalhava eu sempre ajudei muito, pagava 800 reais de pensão e agora eu pago 100, mas, 800 não dá para cuidar de uma criança com dermatite, um creme custa 180 conto. Mais a pomada para misturar, 200 reais que dura 15 dias. E um mês se não passar duas vezes por dia, mas se pode tem que se cuidar para que não vire isso que eu sou, porque eu não sou uma pessoa, eu sou isso e é triste.
P1 - E como é a reação das pessoas quando você conta que você tem dermatite atópica?
R - Varia muito no estado em que eu estou, porque tem dias que até eu me assusto com a forma que eu estou: “caraca, mano”. E aí que eu me isolo mesmo e não saio de casa para nada. Então é muito relativo aonde eu estou, porque no meu círculo de amizades todos eles sabem e então ninguém tem o menor constrangimento em chegar e me dar um beijo, um abraço, mas eu tenho constrangimento dependendo do estado em que eu estou. E então a esposa do Rodrigo que é super... Eu chego e não vou dar um beijo nela, mas ela vem e me beijar - “caraca, que saudade de você”, mas se eu não estou bem eu nem vou na casa dela, já para evitar de sair da casa dela com aquele monte de casca, assim como eu evito vir na casa da minha mãe e na casa de qualquer um. E eu pego o meu carro, quantas vezes quando eu tinha dinheiro para fazer um rolê e pegava o carro para pôr gasolina e eu pensava: “o que eu estou fazendo? Não quero ficar dentro de casa, quero fazer um rolê”, e eu pegava o carro, a marginal, imigrantes ou Anchieta e ou só a marginal mesmo e ia até a final e voltava e parava, comprava um refrigerante, e que para mim um de 600 ml não dá para nada, e então um de 2 litros, e fico ali passado pensando na vida e se tem alguém eu chamo: “mano, vamos fazer um rolê ali”. Parar no posto e sentar trocar uma ideia, dez minutinhos conversando.
P1 - E você já passou por alguma situação de preconceito explícito, alguma situação desagradável de reação de outras pessoas?
R - É porque assim, eu não me apego muito a isso, porque eu sei que eu não estou bem eu sei que vai ter essa reação das pessoas, mas depende muito do meu estado de humor, então uma vez eu estava no hospital quatro horas para ser atendido, e a mulher chegou para mim: “você tem alergia?”, e eu falei: “se eu estou com alegria?”, para não ser grosso. “Você quer que eu sorria?” e eu virei as costas e falei: “bom dia para a senhora também”, porque as pessoas não tem nada a ver com isso, mas, para você diferenciar, para você medir e se policiar com relação a isso é muito difícil, preconceito vai ter uma porção, se eu fosse só preto e não tivesse problema nenhum já haveria preconceito, um monte de coisas, mas eu não me apego a isso, porque eu sempre fui bem resolvido, eu sempre trabalhei, sempre peguei mulher bonita, sempre namorei com pessoas bacanas, sempre estive ao redor de pessoas bacanas. E, de pessoas más também, lógico, mas eu sempre soube lidar muito bem com isso, com todas as situações. Então o preconceito, isso não me afeta. E eu fico triste por mim mesmo, por eu não saber lidar comigo, e por eu preferir me isolar, do que: “vai ter festa na casa do brother”, “não vou colar”, “eu vou ficar na minha casa mesmo”.
P1 - E como foi a sua relação com a mãe do Luiz Felipe, isso afetou a relação com ela, quanto tempo vocês ficaram juntos?
R - Sei lá, não sei porque foram poucas vezes, a gente ficou junto um bom tempo, mas, poucas vezes, era mais amigo e ela foi morar na rua em que eu morava e aí a gente saiu um dia e começamos a ficar, mas, a minha pele estava bacana, era um cara bonitão. Eu era inchado por causa do corticoide, não passava nessa porta quase, tem uma foto minha ali e depois você dá uma olhada. Irreconhecível, eu era bonitão, então não tinha tanto problema. Eu acho que depois que eu comecei a tratar direito é que desandou tudo, porque aí para o corticoide, e, se tem as quedas de imunidade, mas, tem que cuidar.
P1 - E você falou que estava se automedicando com Diprospan?
R - Isso, sempre.
P1 - E isso teve alguma consequência negativa?
R - Teve, diversas. Eu tive catarata medicamentosa, em que eu operei e hoje eu não enxergo absolutamente nada, antes eu enxergava super bem, tinha olho de águia. E memória fotográfica até hoje eu tenho, então se eu bater o olho naqueles caça-palavras eu enxergo todas porque eu tenho memória fotográfica, tipo o moleque daquele filme que... Eu esqueci o nome do filme e não vem ao caso também. E então eu perdi visão, eu tenho ácido úrico alto, dor nas juntas, tenho perda de musculatura, baixa imunidade.
P1 - Durante quanto tempo você se medicou?
R - Sei lá, 20 anos, 15, por aí. Porque mesmo enquanto eu fazia o tratamento com a Dra. Marli a qual eu citei, quando eu tinha as minhas crises eu ainda ia e tomava algumas escondidas. Porque nem sempre eu era leal com os médicos, então eu paguei por isso.
P2 - Valter, eu tenho algumas perguntas, um exercício de voltar bem naquele começo de quando você começou a sentir que tinha alguma cosia acontecendo com você, primeiro eu queria que você falasse da participação da sua família nesse começo, de não saber o que está acontecendo com você. Como era a ida no médico e voltar com o mesmo diagnóstico de alergia, como a sua família foi acompanhando esse processo bem no início?
R - Meus pais sempre muito presentes, e minha mãe excepcional porque era quem mais me acompanhava e meu pai sempre trabalhou, mas, sempre que possível ia junto também. É muito difícil a procura sempre de um milagre: “fulano ali falou que tem um remédio bom”, se me vier com chá eu falo que não adianta: “Valter você vai nascer de novo sem esse bagulho”, “não vem com chá que eu não tomo nem para ficar louco e nem bom”, e então não vem com isso. “Tem um farmacêutico que benze”, “uma benzedeira ali”, “um macumbeiro ali”, “vamos na igreja ali, o cara vai orar para você”. E então a busca sempre foi incessante, e minha mãe sempre guerreira, ela é foda, sem palavras. Mas, sempre foi difícil, triste, traumático, sempre frustrante, a palavra, porque você vai sempre esperançoso e quanto maior a esperança, maior a frustração. E quem tem, está sempre a espera: “dessa vez vai ser”, o “maluco ali é ferro na boneca”, “pedra na vidraça”, então vamos que vamos, que o cara é bom, vamos com fé. Mas, hoje eu já sou homem de pouca fé, tanto no café líquido, quanto na fé, pouca fé literalmente.
P2 - Você podia contar alguma dessas experiências de tratamento que vocês buscaram?
R - Olha, eu lembro que eu saí de uma que a minha única vontade era de matar, eu saí de lá puto, a médica falou: “procura um alergista para a gente fazer o tratamento junto”, aí eu fui lá e marquei, fui lá sozinho porque eu já estava tentando caminhar com as próprias pernas e então eu fui lá e marquei todo ansioso, porque falaram que o cara era milagroso, foi ali em Campo Belo, e eu lembro até hoje o consultório do maluco, que o cara falou: “bom dia Valter, o que você quer?”, “a médica dermatologista me indicou para vir aqui e o que o senhor é super bem conceituado para fazer o tratamento com ela”, e ele disse: “você quer o que, um milagre? A gente não faz, você não tem cura”, e eu falei: “o que?”, “é isso mesmo”, e eu falei: “vai tomar no seu cu, como é que você me fala isso?”, “eu estou mandando a real”, aí eu falei: “beleza, muito obrigado”, saí de lá chorando e liguei para a minha irmã e disse: “mana...” e aí a minha mãe: “como é que foi?”, “traumatizado, triste”, saí dirigindo mal, fechei um carro da polícia e eu já xinguei o cara, louco para arrumar uma criaca para ver se dava um finish. E então foi uma das piores experiências que eu tive. Teve a que eu fui ao HC também, só que os tratamentos do HC são muito complicados, porque são todos de terça-feira à tarde, e se você tem vida social, como é que eu vou parar toda terça-feira à tarde sair da minha empresa, e “vou lá” não tem como. E então são coisas que te minam, e que vão te minando aos poucos, o caminho é muito estreito, o caminho é igual àquela trava de ginástica olímpica, de dez centímetros, meu caminho é muito estreito e difícil de percorrer.
P1 - E você falou que a terapia ajudou, como?
R - A terapia é sempre boa, a relação com um psicólogo bacana foi difícil também, porque eu fui pelo convênio... Primeiro eu fui com a minha mãe, minha mulher fazia acupuntura e falava: “Valter e aí?”, “e aí o que doutor?”, “se você não falar vamos ficar aqui um olhando para a cara do outro”, e eu falei: “me libera que eu tenho um churrasco para ir e que eu estou louco para ir embora”, era sábado de manhã. E, sempre tinha um churrasquinho para ir nos clubes, e então eu já chegava lá contra a minha vontade. E aquelas agulhas não dói, mas dá aquela agonia nas costas, e beleza ficamos lá uns três meses, minha mãe pagava porque era particular, e depois disso eu tentei no convênio porque eu cheguei lá e o cara disse: “assina aqui”, e eu disse: “o que é isso?” eu sempre fui questionadoR - “não, são as fichas que você já está vindo nas consultas”, “não, eu estou vindo na primeira”, “não, porque o convênio exige isso” e eu falei: “não, senhor, não pode”, “porque se você desistir no meio do caminho eu deixo de receber”. E eu falei: “então você vai deixar de receber até a primeira, desculpa, obrigado”, e fui embora. E aí teve uma palestra na empresa em que eu trabalhava do Sipat, e fui um delegado do Denarc, e aí começou e deu a palestra dele e um dia eu peguei o telefone, e depois mandei e-mail para ele, e eu falei: “doutor, é o seguinte, eu precisava de uma terapia assim e assado, eu sou usuário e eu quero o caminho das pedras, mas não dá ruim, o caminho das pedras literalmente para me livrar disso”, eu não fumava pedra, era só para... eu falei para ele que eu trabalhava na empresa e que eu havia visto a palestra dele. E ele me indicou no Denarc e eu fui lá um dia, com o Dr. Valdemar, e aí que cara sensacional, e eu cheguei lá com aquela cara de mal, de maloqueiro, os policiais já com medo porque eu estava com jaqueta de motoqueiro, estava calor, e eu de touca, óculos escuro, e os caras: “onde você vai?”, “no Dipe”. E aí os caras ficavam olhando, mas eu cheguei lá e tirei a blusa porque estava calor mesmo, e aí ele meio assim: “o que está acontecendo?”, aí eu fui explicar para ele dos meus problemas de relacionamento e do meu humor sem controle, do meu vício e aí eu comecei. Aí eu ia três vezes por semana, e na outra eu ia duas, e aí eu me transformei para de usar as drogas, porque eu nunca fui usuário, todo dia, e então eu já me distanciei mais e melhorei como pessoa, me deu um equilíbrio bom para lidar com a minha ex-namorada, com a minha mãe, com a minha família, com a empresa. Na empresa eu sempre tive um bom relacionamento e comportamento como profissional sempre foi exemplar, de verdade, não querendo me gabar, mas para mediar conflitos sempre fui bom, e então na época em que eu fiz, eu acho que fiz dois anos. E eu ia de busão, eu levava duas horas da minha casa até a estação Tiradentes de ônibus, eu saia de casa às 07 horas e meia da manhã para ser o primeiro a ser atendido para dar tempo de chegar na empresa 13 horas da tarde. E então foi muito legal mesmo. E eu sempre gostei muito de ler o Dr. Augusto Cury, Paulo Coelho, agora tem o Leandro Karnal e o Cortella, e então são pessoas que eu estou sempre... Quando eu morava na (gibe) [01:08:36] que tinha, que eu usava a Wi-Fi do vizinho e então era o dia inteiro ou vendo séries ou vendo palestras dele, que eu acho sensacionais. E o Leandro Karnal é sensacional. E essas coisas me fazem bem, me dão um certo equilíbrio, muitas vezes eu consigo absorver muitas coisas, e eu falo: “caraca, o que esse maluco está falando é verdade, e então deixa eu tentar administrar, exercitar isso”.
P2 - E as outras alternativas que vocês buscavam, igual que você chegou a frequentar macumba, quem ia atrás e como eram esses espaços, o que fizeram com você já?
R - Benzer e rezar por mim, não me lembro de nada traumático em cima. Já tomei banho de pólvora, passar limão, essas coisas, mas nada que eu falei: “puta merda, isso me arrebentou”, e eu acho que foi válido e isso me fez menos mal do que esses médicos que eu citei, por exemplo, porque foi uma tentativa que foi frustrante, mas, foi uma tentativa não foi uma busca sem sentido. Foi sem resultado, mas não sem sentido.
P2 - E quem buscava essas alternativas?
R - Minha mãe, minha irmã, e então vai aparecendo: “puta merda, o filho da Delmira tem isso, o maluco ali eu acho que ele vai acender umas velas com um frango”, apesar de eu prefiro que pusesse o frango no meu prato.
P2 - E como é que elas traziam para você?
R - Valter, vamos ali, tem um tratamento novo, vamos tentar, e tem um pai de santo, tem uma alternativa, vamos buscar essa alternativa? Vamos, eu estou sempre aberto. Apesar de que é difícil, muito: “de novo mãe? Esse bagulho não vai funcionar” e então muitas vezes eu já sou negativista, essa vez que fomos para Santo André, foi o médico dela que indicou: “vai lá”, e eu já cheguei lá em um mau humor dos infernos.
P1 - O que tinha em Santo André?
R - A espera, chegamos lá às 07 da manhã para sermos atendidos às 22, porque é essa fundação Santo André. Então eu já cheguei lá em um mau humor, saímos daqui às cinco da manhã sem saber onde era: “tudo bem com ele?” e aí chega lá com aquele monte de gente, 07h30, 08 horas, eu disse, “mãe, esse bagulho não vai funcionar”, “calma, Valter, paciência”, eu já estava em uma crise bem nervosa da dermatite. E “esse bagulho não vai adiantar, não vou nessa porra não”, “vamos filho, tem que ter paciência, tem que ter calma”, “mãe”, aí eu já falo uma sessão para ela e depois fico remoendo sozinho.
P1 - Agora, ao longo dos anos você sentiu que ajuda a conhecer outros pacientes de dermatite, você busca outras pessoas para trocar experiências, você acha que isso te ajuda?
R - Então, lá nessa fundação Santo André uma vez por mês tem uma reunião dessas, e eu não me espelho assim no pior das pessoas, porque eu vejo pessoas e eu penso: “caralho, eu não estou tão ruim”, mas, isso não me deixa menos triste ou mais feliz, como preferir, o que me deixa frustrado é que eu não vejo um estudo que fala: “vamos estudar esse negócio a fundo”, igual falam: “olha, ela é feia, vamos fazer uma plástica”. E ninguém na estética estuda dermatite igual estudam estética porque não dá dinheiro. Pelo menos eu não vejo, eu não sinto assim, e então isso me deixa triste e agora em relação à pessoa, eu não gosto, porque história triste todo mundo tem para contar, e então, eu vejo as pessoas e eu falo: “caraca”. Uma vez eu estava lá e um molequinho, a mãe tentando distrair ele, e ele tinha uns seis anos, sei lá, e ele colocava uns negócios no chão, lata de refrigerante que a mãe tinha dado para ele jogar no lixo e para ver se ele se distraia, e coçando. E eu meu Deus, cuida dessa criança, esquece um pouco de mim, um moleque numa situação e isso não me deixa mais feliz porque ele está pior do que eu, eu falo: “até que eu não estou tão ruim, não devo ficar mal”, eu devo ficar mal, sim, porque esse é meu jeito de ser, eu devo ser emotivo com as pessoas, compartilhar, não devo ficar menos: “eu tenho que ficar bem, porque tem pessoas piores”, não. Não fico feliz com a desgraça dos outros, não fico feliz com a felicidade dos outros.
P2 - Você poderia contar para a gente Valter, pode ser no seu tempo, como é que veio o diagnóstico dermatite, porque até então era uma alergia...
R - Então, com a Dra. Marli por aí, uns 15 anos, mas eu nunca me atentei a isso, ao diagnóstico em si, eu sempre fui contestador, mas eu não me recordo desses detalhes, porque se não me agregou a nada, eu não vou falaR - “nessa época, foi essa médica quem falou isso”, “não quero saber o que eu tenho”, eu quero saber da cura, eu quero saber do tratamento. Hoje eu sei que eu tenho dermatite, mas eu não pesquiso, eu não vou lá em “dermatite atópica” porque ali eu vou ver coisas que me deixariam muito piores, assim como eu não vejo ácido úrico porque uma vez fui olhar e vieram umas imagens: “você é louco, brother?”, eu não quero isso para mim. Não quero nem mentalizar isso, não quero ter uma imagem dessa, “posso ficar assim”, porque eu não sei se isso vai me atrair ou não, se vai me atrair ou me afastar, uma porque eu não sei que tipo de tratamento que vai ter e se vai ter, e então eu não quero pesquisar a fundo essas coisas.
P2 - Mas, desde que você teve o diagnóstico, um tratamento, alguma solução, não melhorou?
R - Eu só acho que fica melhor para que eu possa falar para as pessoas em relação a isso: “caraca o que você tem na pele?”, “tenho dermatite atópica e assim e assado, não é contagioso, meio que hereditário”, meu pai nunca teve, e nem minha mãe, meu pai tinha a pele seca apenas. E aí desencadeou, e agora: “é genético?”, “não sei”. “É emocional?”, dizem que é, 50% emocional e 50% fatores externos. Fatores externos? O que é? É comida? Comida não é, porque eu só como arroz, minha alimentação é arroz, tomate, um filé de frango, se tiver um atum, uma carne, que é raro, o básico é arroz, tomate e frango.
P1 - Mas, isso por causa da alergia, ou por que é o que você gosta?
R - Porque é o que eu como mesmo, é o que eu gosto, uma batata frita, no mais é uma carne, churrasco, uma linguiça e então que fatores externos, poluição, sol, frio, não sei. Ninguém consegue me convencer de que sejam fatores externos, porque alimentação não é, vai me falar que é o arroz? Então se você me mostrar estudos de que isso realmente faz mal, aí beleza eu deixo de comer arroz e vou comer só o frango e o tomate que eu já não posso por causa do ácido úrico. E aí já vai me atacar outra coisa. E eu uso como justificativa: “tenho dermatite atópica, não é contagioso, 50% é emocional e 50% fatores externos”, e eu sou uma pilha, meu emocional é muito instável.
P1 - Você não usa nada para te relaxar, já que tem esses 50% emocional, você não busca técnicas de relaxamento para te ajudar?
R - Então, eu acho que a terapia ajudou, tirando isso. Não consegui, não tenho o dom de sentar e meditar sozinho, e de, sabe, porque eu não consigo me desligar, eu já tentei, eu fui em um psiquiatra que tentou me hipnotizar três vezes e não conseguiu. E ele disse: “meu, você tem que relaxar” e eu falei: “maluco, eu estou aqui para isso”. E não conseguiu e então eu não consigo relaxar, não consigo me desligar, não consigo o emocional parar para pensar.
P2 - Eu tenho mais duas perguntas de dermatite, a primeira é: as vezes as pessoas te perguntam o que você tem, mas, e quando não acontece essa pergunta espontânea das pessoas, em que situações ou para quem você toma essa iniciativa de contar o que você tem, em que circunstâncias?
R - Bom eu geralmente em entrevistas de emprego sempre deixo claro que é um problema de pele que tem tratamento, mas não tem cura, de que não é contagioso e só. No mais só se a pessoa me perguntar, porque se eu for falar para todo mundo que é estranho para mim é mais fácil eu colocar uma placa, tipo aquela do falcão que vai passando o letreiro: “tenho dermatite atópica”, senão eu só vou falar disso na minha vida. E eu tenho mais conteúdo do que isso.
P2 - E a segunda pergunta é: eu queria que você falasse um pouco dos cuidados que você tem hoje com o seu corpo.
R - Tenho só os cuidados que os médicos passam, é banho morno, quase frio, alimentação que não tem restrição nenhuma, não me passam restrição a não ser aos embutidos, mas eu como porque eu acho que nada... Eu acho que faz mais mal passar vontade do que não passar, então ao invés de comer um pacote de salsicha, comer duas, não vou comer um pacote enorme de salgadinho, vou comer o de 25 gramas. Porque é a mesma coisa de falar ao meu filho que ele não pode em excesso, porque em excesso vai fazer mal para qualquer um, o que eu não posso é passar vontade, e eu já não tenho dinheiro, não tenho emprego, não tenho nada na vida quase. Eu ainda vou passar vontade de comer alguma coisa que eu posso comer? Não vou. Ao invés de tomar uma caixa de cerveja eu vou tomar uma.
P2 - Uma terceira pergunta que não tinha, mas que veio, tudo bem?
R - Sem novidade.
P2 - Só para encerrar esse bloco da dermatite, mas, existe alguma expectativa de lançamento de produtos, não para a cura, mas talvez para o tratamento?
R - Então, me foi informado de que há na Europa um medicamento que já foi autorizado e que lá está indo super bem e que viria para o Brasil. E aí me indicaram na Sanofi para que fizessem alguns testes, porém a doutora já me informou de que foi autorizado na Anvisa no Brasil, e então não vão mais haver esses testes na Sanofi, o que me deixou muito triste. Apesar de já ter aberto as portas para outras coisas.
P2 - Não vem, não foi autorizado?
R - Vai, o tratamento. Porque haveriam alguns testes, algumas pessoas seriam cobaias, e na qual eu me candidatei, porém, como já foi autorizado na Anvisa não vai mais haver o teste.
P1 - Mas, você teria acesso ao medicamento de qualquer forma, se ele vier para o Brasil?
R - Agora só em junho ou julho.
P1 - E você usaria ele como cobaia, entendi, nesse meio tempo.
R - Isso, exatamente, se não fosse autorizado pela Anvisa haveria algum tempo de teste. E vai vir com um custo super alto no qual eu não vou ter condições, já falei para a doutora que nem precisa me medicar, porque se for de custo alto e não vai ser cedido pelo governo eu não quero nem saber que chegou.
P2 - Como é que você pesquisa essas alternativas ao redor do mundo para tratamento?
R - Não pesquiso porque eu não gosto de criar falsas expectativas. Eu sei igual a doutora falou para mim, que lá na Europa e nos Estados Unidos é muito comum o pessoal ficar submerso em água sanitária, e uma quantidade de água e água sanitária, porque são germes, bactérias e isso ajuda a controlar. Mas, aqui não temos banheira, então não temos esse tipo de alternativa, porque não é a mesma coisa de passar, tem que ficar 30 ou 40 minutos submerso em uma forma de água sanitária. E que lá isso é muito comum, assim como esse medicamento que já está lá há quatro anos. Mas, eu não procuro, porque eu não vou para os Estados Unidos, ou para Europa, eu não tenho condição de ir ali em Santo Amaro. Tem porque eu estou com um bilhete único e acho que eu tenho gasolina para chegar até o posto, e então... Mas, tirando isso, eu não pesquiso porque é muito difícil. E tanto na área médica, laboratorial: “vai ter isso”, vai aparecer um milhão de coisas, mas dentro da minha ignorância eu não sei se vai servir ou não. Se vai chegar ou não vai, se o que está dito lá é certo ou não é, porque cada conto aumenta um ponto.
P2 - Posso refazer mais uma, você pode até ter um tempo de pensar antes de responder porque você falou uma coisa muito bonita de como você instruiu o Luiz a seguir, e se quiser ficar pensando um pouquinho, pode ser a mesma coisa que você falou, mas eu queria que você falasse de novo como você apoia o Luiz.
R - Sem palavras.
P2 - Pode pensar, que discurso você monta para ele seguir.
R - Eu sempre falo para ele pensar antes de agir, porque eu já fiz um monte de merda, e com raiva e mesmo estando com ele, um dia ele estava em casa e eu estava puto, injuriado, cheio de raiva e ódio, e aí ele estava tomando banho, e ele disse: “papai, tem umas formiguinhas aqui” e eu fui lá, peguei o inseticida e meti e o moleque quase morreu asfixiado, e eu falei: “Luiz Felipe, me perdoa, está vendo, a gente não pode agir com raiva, sente aqui, a gente age com raiva e a gente magoa todas as pessoas ao nosso redor e as pessoas que estão ao nosso redor são as pessoas que nos amam, que é minha mãe, sua mãe, e então antes de você discutir com a sua mãe pare e pense, não xinga, não briga, porque agir com raiva é uma das piores coisas que tem e muitas delas a gente não pode voltar atrás”. E a vez em que ele falou que não conseguia: “papai, eu não consigo fazer isso”. E eu falei: “Luiz Felipe, você consegue fazer tudo na sua vida, você pode fazer absolutamente tudo, você pode ter dificuldades e se você tiver, diga: papai, me ajuda; mamãe, me ajuda; vovó, titia e titio”. Porque eu não falo só da minha família, primeiro porque ele está mais presente com a família dele, e então eu sempre faço que ele peça ajuda para alguém, para que ele possa superar, seja ele qual for o obstáculo que está para ser ultrapassado e não barrado. Não nos barrar.
P2 - E falando no Luiz, quando você soube que seria pai?
R - Eu fiquei doido, alucinado de raiva. Porque eu não queria, não estava nos meus planos, eu sempre falei que se engravidasse, a primeira coisa que eu faria seria deixa-la, e foi uma das coisas que aconteceu mesmo, nos afastou bastante. Não sei se eu devo falar.
P2 - Pode pensar.
R - A primeira coisa que eu fiz, foi ir na farmácia comprar um Cytotec para ela, e ainda bem ela não tomou, mas eu perdi 300 reais. Mas, ainda bem foi uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida.
P1 - Ela insistiu?
R - Não, eu falei: “se você quiser toma, se não quiser, estamos aí, tio”. Mas eu sempre cuidei como se fosse da minha vida, o moleque é minha vida.
P1 - Você acompanhou a gravidez dela?
R - Desde o começo. Eu não ia nos exames do pré-natal, mas eu estava sempre junto, e a gente sempre ficou junto mesmo afastados, mas juntos, porque saiamos com os mesmos amigos, íamos para os mesmos lugares, mesmas festas, então eu acompanhei direitinho, sempre comprei tudo, nunca deixei faltar nada.
P1 - E como é que foi quando ele nasceu, conta para a gente como foi essa sensação?
R - Sensacional, indescritível.
P1 - Você estava lá no parto?
R - Eu levei ela, estávamos em casa, eu estava de folga esse dia porque eu trabalhei seis por dois, trabalhava seis dias e folgava dois e então estávamos em casa, minha irmã tinha deixado a chave do carro dela porque eu ainda não tinha carro e ela começou a sentir. E aí eu peguei ela e fomos para o hospital. Eu já deixei ela na recepção com a mãe dela e fui no posto e comprei uma caixa de cerveja. Eu fiquei tomando e esperando.
P1 - Como foi o parto?
R - Foi fórceps. Mas, foi bacana, foi legal, ocorreu tudo bem, no outro dia eu pude visita-lo, foi sensacional.
P1 - E como foi quando você pegou ele pela primeira vez?
R - Tremi um pouco. Medo de machucar a criança, mas foi muito bom, mas desde sempre dando mamadeira, alimentação, trocando, dando banho. E quando fomos comprar um enxoval, e berço, foi muito louco, compramos tudo, e não compramos nada baratinho, sempre coisas boas, esse berço americano que vai virar cama, e não vai perder, vai ficar até a adolescência, madeira boa. E então eu sempre estava ali disposto a acompanhar e ainda estou, mesmo à distância, não falo com a mãe dele. Mas, tento falar com ele sempre.
P2 - Quando vocês souberam que ia ser menino?
R - Só quando nasceu.
P2 - E aí?
R - Foi sensacional, a gente não sabia, não sei se não foi falado ou se não perguntamos, porque o pré-natal dela sempre foi de graça, esses pela rede pública e então não foi falado. Mas, foi bom, a gente comprou muita coisa azul e amarelo, não tinha nada rosa que eu me lembre.
P2 - E por que Luiz Felipe?
R - Na realidade, porque minha família insistiu, porque eu não queria Luiz Felipe, eu queria Luiz, mas, com Louis, mas com O, U, I e S, e Philipi, eu queria bem diferente e aí colocou Luiz Felipe porque disse que o moleque ia crescer e nem ia saber escrever o nome. E então firmeza, vamos para um negócio simples e abrasileirado. Mas, o nome duplo todo mundo sempre quis, nome composto.
P2 - E quais foram os primeiros desafios em ser pai?
R - Os primeiros é cuidar. Pegar no colo, dar um banho, e fazer um planejamento que não se sabe se vai ser alcançado, e fazer a criança sorrir, e comer, de fazer a criança ficar em pé, e pegar e pôr no bebê conforto e ir no shopping e colocar em um brinquedo. Tudo é um desafio, é pegar na mão, olhar. É uma escalada constante, e a gente não sabe se vai chegar ao cume, porque não sabemos qual é o cume dessa escalada, dessa montanha, é sensacional.
P1 - E como é quando você vai visitar ele, o que vocês fazem?
R - Fomos lá uma vez só, porque ele se mudou agora. E então a gente foi no Horto, a gente foi na casa, na chácara de uma outra diretora e amiga da minha mãe, e então andou a cavalo, ele adora animais, ele é o meu oposto, ele agora cachorro. E ele ama. E adora animais. E então andou a cavalo, colhemos frutas no pé, e ele não queria ir. Andamos de bicicleta, foi a primeira vez que fizemos isso juntos. “Papai, vamos andar de bicicleta?”, “vamos”, então pegamos e andamos de bike pela cidade, a gente se perdeu: “papai, você está perdido?”, “não, Luiz Felipe, não estou não, deixa só eu usar meu GPS”, “papai, você é muito inteligente”, ele é da hora. E comigo ele fala que eu sou superinteligente: “papai, você é mais inteligente do que a professora”. Porque eu ensinei para ele o que era terremoto antes da professora falar para ele e então quando foram perguntar para ele, ele já sabia. “Papai, aprendi aquele negócio que você já me ensinou e a professora foi falar”, e aí ele no hospital porque ficou com o ouvido inflamado, e: “papai, quero ir embora”, “calma Luiz Felipe, é o último soro”, porque a doutora falou: “vocês vão comprar o remédio, então vamos liberar vocês, vamos dar mais dois medicamentos”, “mas, papai, vai demorar”, “Luiz Felipe, não vai, está caindo três gostar por segundo, fiz uma conta doida, mas zoando, vai dar nove minutos e 12 segundos e vai acabar”, e em nove minutos acabou. “Papai, você é muito inteligente”, pergunta do horário de verão: “papai, que horas você acha que é no nordeste agora?”, “uma hora a menos, mano, duas horas a menos porque lá não tem horário de verão”, “não acredito”, e a mãe dele quando perguntou: “eu vou saber, não moro lá”. Então: “papai, você fala comigo, a mamãe só grita”, e eu falei: “Luiz Felipe, eu não só grito com você porque eu te vejo de vez em quando, a paciência é diferente, a sua mãe está lá com você o dia inteiro, você está aprontando com ela o dia inteiro, ela já falou com você quantas vezes antes de dar o primeiro grito, então vamos ver as coisas boas, hoje ela falou bom dia e me deu um beijo. Não ficar olhando só o dia que ela te deu um tapa”. E eu tento algumas coisas para ele assim. Um dia que a gente estava em casa: “papai, está chovendo”, e eu falei: “Felipe, vamos abrir a janela, Deus obrigado pela chuva, vai nascer flor, ontem não teve sol? Então você tem que agradecer por tudo. Furou o pneu do meu carro, mas, graças a Deus que eu tenho um pneu para furar, então não vamos olhar só o lado ruim”, mas, que é difícil exercitar essas coisas. Muito difícil: “morando naquele inferno, mas eu tenho uma casa, tenho uma cama, durmo com 80 edredons, não passo frio e nem calor”. Mas, não, na hora de falar a merda a gente só vê o lado ruim.
P2 - E quando a saudade dele aperta, o que você faz?
R - Eu fico vendo foto dele, vídeo, porque eu não falo com a mãe dele, aí eu mando mensagem, e ele não responde, e ele só manda mensagem quando ela manda alguma coisa. Saudade sempre.
P1 - Faz muito tempo que você não fala com a mãe dele?
R - Falar de conversar, ou falar de falar?
P1 - Vocês têm relações cortadas? É isso?
R - Ela fala, liga, manda mensagem: “Valter, eu preciso de dinheiro”, “caraca, não tenho mano, não tenho brother”, aí começa. Mas, a gente já teve uma relação pior, hoje ainda que nos falamos, já foi mais punk, já foi muito complicado, e nunca de agressão física, mas, de chegar a quase, mais por ela me desafiar, ela saber que eu sou meio loucão, e ela fica me tirando.
P2 - Vamos para a avaliação, Dê?
P1 - Vamos.
P2 - Acho até que a gente pode pular essas duas próximas. Valter, a gente vai começar uma... Já estamos no fim da nossa conversa.
R - Rapidinho.
P2 - Achou? Mas, está bom?
R - Está ótimo.
P2 - Então ok. A primeira coisa que eu queria te perguntar, é como você se sentiu contando a sua história para a gente?
R - Fico feliz em poder participar de um projeto diferente, de poder compartilhar a minha experiência de vida, de doença. Eu acho que pode agregar para outras pessoas, talvez, espero que agregue, eu espero que eu tenha falado coisas positivas, e me dá um certo alento de desabafar e de conversar com pessoas que não são do meu círculo, de poder passar alguma coisa positiva ou negativa, de passar o que eu sou, porque esse sou eu.
P2 - Tem alguma coisa que você queria falar para a gente e não te estimulamos?
R - Queria ter falado menos, menos palavrão. Falei muito, brother. Mas, foi divertido, eu gostei, a gente sorriu, brincou, chorou.
P1 - E qual é o seu sonho...
R - ...eu sou muito emotivo.
P1 - ...agora, o que você diria, com o que você sonha nesse momento?
R - Eu queria um trampo, queria recomeçar, para mim é isso. Para o Luiz Felipe que ele alcance os objetivos dele, que ele seja feliz, que ele seja um moleque do bem, que faça as estripulias, mas que seja pé no chão e não a cabeça na lua, penso nele e o meu objetivo de vida, se eu não arrumar um trampo para mim eu posso empacotar, eu posso dobrar (inint) [01:35:45] a qualquer momento para mim, para o finish. Não estou satisfeito. Estou satisfeito com a minha vida, não estou feliz, mas estou satisfeito, fiz tudo que eu queria, fiz bem para um monte de gente, fiz mal para um monte de gente, aprontei para caramba, fiz muita coisa, e vamos aí, vamos colhendo os frutos, sejam eles quais forem, e se forem os ruins, vamos deixar apodrecerem para virar adubo, para virar alguma coisa boa.
P2 - E para finalizar, como que você avalia esse projeto que a gente está fazendo de contar histórias de vida dos portadores de dermatite atópica?
R - Então, eu não vi nenhum, se eu tivesse visto algum eu teria uma base melhor.
P2 - Você é o segundo.
R - Eu acho bacana, tudo que vem para agregar eu acho que vai agregar para um monte de gente, sejam pessoas portadoras ou não, vai ser uma coisa que vai se espalhar, e todo mundo vai ter uma visão do que realmente é, assim as pessoas podem ter menos preconceito, ter conhecimento, mesmo quem não tem preconceito, porque tem um monte de gente que não sabe o que é, mas não tem preconceito: “que estranho, mas isso não deve ser contagioso, senão, não estava por aí andando”, e então é uma coisa que vai ser bem bacana, é um projeto do bem, sensacional.
P2 - Então, Valter, em nome do Museu da Pessoa, muito obrigada pela sua história, a gente te agradece demais, foi lindo esse momento com você e qualquer coisa que precisar, estamos aí.
P1 - Com certeza.
R - Eu agradeço de verdade pela oportunidade, e espero mesmo ter contribuído.
P1 - Com certeza.
R - Ter alcançado alguma expectativa que foi criada e não frustração. Eu espero ter podido ajudar de verdade.
P1 - Com certeza.
R - E vocês se precisarem de outros depoimentos de outras pessoas, ou qualquer outro projeto fiquem à vontade para chamar.
P2 - Obrigada.
P1 - Obrigada, Valter.
R - Vou passar meu currículo para vocês.
P1 - Claro.
R - Que vocês dentro do ciclo de amizade de vocês podem me ajudar de alguma forma também.
P2 - Passa sim.
P1 - Com certeza.
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