P/1 – Fala pra mim o seu nome completo, só pra registrar.
R – É Gines Perez Neto.
P/1 – E você nasceu em que cidade?
R – Nasci em São Paulo.
P/1 – Que dia e que ano você nasceu?
R – Nasci 14 de janeiro de 65.
P/1 – Você nasceu em hospital?
R – Nasci em maternidade.
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P/1 – Fala pra mim o seu nome completo, só pra registrar.
R – É Gines Perez Neto.
P/1 – E você nasceu em que cidade?
R – Nasci em São Paulo.
P/1 – Que dia e que ano você nasceu?
R – Nasci 14 de janeiro de 65.
P/1 – Você nasceu em hospital?
R – Nasci em maternidade.
P/1 – Que maternidade foi?
R – Bom Jesus do Brás, aqui na Celso Garcia, aqui no Brás.
P/1 – Ah, aqui do lado então!
R – É.
P/1 – E qual é o nome do seu pai?
R – Francisco Perez Marques.
P/1 – Perez Marques.
R – Isso.
P/1 – Ele nasceu em que cidade?
R – São Paulo.
P/1 – Que ano que ele nasceu?
R – Nasceu em 1932.
P/1 – E o seu avô, o pai dele, qual o nome dele?
R – O meu avô chamava Gines Perez Gonzales.
P/1 – Ele é de onde?
R – Da Espanha.
P/1 – Da Espanha. E nasceu onde na Espanha?
R – Eu acho que ele nasceu na cidade de Cuevas de Vera.
P/1 – Onde que fica lá na Espanha?
R – Fica no deserto da Espanha.
P/1 – No deserto?
R – No deserto da Espanha.
P/1 – E a sua avó, qual o nome dela? A mãe do seu pai.
R – Mãe do meu pai? É Maria Perez Gonzales.
P/1 – Ela é da mesma região do seu avô?
R – Também. E são primos.
P/1 – São primos?!
R – Eles eram primos, eles vieram pro Brasil e se casaram no navio.
P/1 – Ah, é? Como é essa história? Conta mais o que você sabe.
R – O meu avô tinha que servir o exército lá na Espanha. E pra servir o exército na Espanha é cinco anos, não é como no Brasil que é um ano. E a situação estava ruim lá, tal, ele falou: “Não vou ficar cinco anos na Espanha servindo”. Então ele veio pra cá.
P/1 – E o que a família dele fazia lá, você sabe?
R – Eu não sei, mas deve ser comércio. Essa parte da história eu não sei.
P/1 – E aí ele pegou um navio junto com a família inteira, foi isso?
R – Não, ele veio sozinho com a minha avó, que eram primos e eles se casaram no navio e tiveram meu pai, meus tios (risos).
P/1 – E eles chegaram a falar, alguém falou pra você como é que foi esse casamento, o que aconteceu?
R – Não, foi assim muito simples. Eles casaram dentro da cabine mesmo do navio e foi uma coisa muito simples porque eles eram muito simples. Eles eram muito pobres.
P/1 – E eles chegaram aqui onde? Santos? Eles foram pra São Paulo direto?
R – Para eles terem o visto pra vir pro Brasil eles tinham que trabalhar pelo menos dois ou três anos na lavoura. Então eles chegaram no porto e foram pra Catanduva, onde a colônia espanhola é muito grande.
P/1 – Ah, é?
R – É. E ele ficou trabalhando na fazenda. Só que o dono da fazenda praticamente fazia uma escravidão deles. O próprio mercado era do dono da fazenda, então eles trabalhavam e ficavam devendo, eles não ganhavam nada. Aí um dia no meio da madrugada ele pegou a minha avó e fugiu pra Campinas.
P/1 – Nossa!
R – De Campinas eles vieram pra cá. Aí ele chegou aqui no Mercado Municipal.
P/1 – No Mercado Municipal? Eles vieram trabalhar no Mercado, então?
R – É, o meu avô veio procurar serviço. No meio do caminho ele achou uns sacos jogados no chão, ele pegou e passou atrás do Mercado Municipal, o cara falou assim: “Ô, quer vender esses sacos?”, aí o meu avô: “Vendo”. Aí meu avô vendeu e teve a ideia: “Vou comprar e vender saco”. Ele começou a pegar sacaria, voltava e vendia sacaria lá no Mercado Municipal.
P/1 – Foi assim que começou?
R – Foi assim que começou.
P/1 – E quem contou essa história pra você?
R – Meu pai.
P/1 – Então ele estava lá, pegou um saco no chão e começou.
R – Isso. Ele mexia, ele saía pelas ruas em São Paulo, os bairros que tinham mercearia, mercadinhos pequenos, ele pegava os sacos e revendia lá no Mercadão. Aí ele conseguiu comprar um carrinho de mão. Com o carrinho de mão ele começou a carregar mais sacaria e depois ele foi indo, foi indo, foi indo e só foi subindo.
P/1 – E a sua mãe, qual o nome dela?
R – Rafaela Rodrigues Perez.
P/1 – E ela nasceu onde?
R – Nasceu aqui no Brás também.
P/1 – Os avós, os pais dela?
R – Não, a minha mãe nasceu em Jaú. Que a outra colônia espanhola foi pra lá. Depois de lá ela veio muito pequena, com dois anos de idade, ela veio pra cá.
P/1 – E os pais dela, quais os nomes deles?
R – Meu avô chamava José Rodrigues e a minha outra avó se chamava Maria.
P/1 – E eles são da Espanha também?
R – Também são da Espanha. Mas eu não sei o nome da cidade.
P/1 – Entendi. E eles vieram pro Brasil também.
R – Vieram pro Brasil, trabalharam na lavoura e depois vieram pra São Paulo.
P/1 – E você acha que é uma história muito parecida com a dos pais do seu pai?
R – Semelhante, bem semelhante.
P/1 – E eles fizeram o que aqui em São Paulo? Os pais da sua mãe?
R – Ele trabalhava muito com alimentos, com roça. E depois ele chegou a ter um cinema, teve um pequeno cinema. Mas depois acho que não deu certo.
P/1 – E ele teve muito tempo esse cinema?
R – Acho que foi uns dez anos.
P/1 – Nossa.
R – E até a minha mãe dançava. Antes do filme começar sempre tinha uma apresentação de piano, antigamente era assim. E minha mãe até dançava, tocava castanholas, fazia esses shows.
P/1 – Antes do filme começar.
R – Antes de começar o filme.
P/1 – E qual era o nome desse cinema?
R – Eu não sei dizer mas era aqui na rua Piratininga. Que tinha o famoso Cinema Piratininga, né, que é famoso. E o do meu avô era um pouquinho mais pra frente na Piratininga. Não era tão...
P/1 – Não era tão grande assim.
R – Ele não era tão grande e conhecido quanto o Piratininga.
P/1 – E você sabe de que ano a que ano existiu esse cinema?
R – Não faço ideia, mas deve ser nos anos 50, mais ou menos.
P/1 – O que mais o pessoal fala sobre esse cinema, o que você sabe mais?
R – Muito pouco, não tive muitas histórias. Minha mãe não passou tantas informações que nem meu pai passou das histórias dos pais dele.
P/1 – E o seu pai ou a sua mãe contaram como eles se conheceram?
R – Eles se conheceram num baile.
P/1 – Aqui no Brás?
R – Aqui no Brás. O amigo do meu pai que apresentou a minha mãe e começaram a namorar. E a minha mãe trabalhava na Souza Cruz, que era lá na Piratininga, perto do cinema que era do meu avô.
P/1 – A Souza Cruz de cigarro?
R – De cigarros.
P/1 – O que ela fazia lá?
R – Ela tomava conta da seção de produção, essas coisas.
P/1 – E a família do seu pai morava aqui no Brás quando eles chegaram?
R – Sim. Todos eles, todos os meus avós vieram pro Brás.
P/1 – E onde é que o pessoal morava no Brás nessa época?
R – Aqui é assim, as colônias eram um pouco divididas, né? Da rua do Gasômetro pra lá era a colônia espanhola. Do Gasômetro pra cá, mais pro centro, era a colônia italiana.
P/1 – Ah, é?
R – É. Era um pouco dividido, mas todo mundo se dava bem.
P/1 – Todos se davam bem.
R – Todos se davam bem.
P/1 – Não tinha briga ou rivalidade?
R – Muito pouco, né? A rivalidade que tinha acho que era futebol, essas coisas, que Corinthians e Palmeiras, né? Colônia italiana, Palmeiras e colônia espanhola, Corinthians (risos).
P/1 – A gente vai falar um pouquinho disso mais tarde. Mas quais são as ruas que a colônia espanhola ocupa então aqui embaixo, você sabe?
R – Que ocupava mais, né?
P/1 – É.
R – Era rua Piratininga, rua Carneiro Leão, era bem mais frequentada. Rangel Pestana.
P/1 – E seu pai morava em que rua?
R – Morou aqui na rua Assunção, que é próximo à travessa daqui. E meu avô comprou várias propriedades aqui, meu pai foi morar na Professor Eurípedes, travessa da Santa Rosa.
P/1 – Então fala um pouquinho do trabalho do seu avô. Ele começou, pegou o saco no chão lá, começou a crescer. O que ele fez? Ele abriu uma firma?
R – Abriu firma. Abriu a firma e foi indo. Ele comprava sacaria, depois ele começou a comprar várias propriedades também e cresceu.
P/1 – Aqui na região?
R – Aqui na região.
P/1 – E como é esse trabalho de sacaria? Que sacaria é essa, como é isso aí?
R – Antigamente era bastante sacaria de juta, ou estopa que a turma fala. Então pegava o saco vazio usado e revendia pro pessoal que tinha pequenos sítios, que iam plantar de novo e precisavam de sacos pra colocar a colheita. Então meu avô revendia pra eles. Aí vinha pra São Paulo aquela sacaria toda cheia, ia vazia e voltava cheia, e os mercados, as mercearias compravam lá e vendia por quilo esses sacos. E depois de vazio meu avô pegava deles e revendia de novo. Dava até cinco revendas, vendia aqui em São Paulo e voltava pro interior, enchia, voltava de novo pra São Paulo, esvaziava e assim fazia esse processo. Até a sacaria não aguentar mais a quantidade de viagens.
P/1 – Estourava e...
R – É. E depois por último vendia também pra embalar plantas, que é pra fazer aqueles bulbos e enterrar na terra.
P/1 – Então sempre tem um uso.
R – Sempre teve. O final da vida da sacaria era pra planta e apodrecia na terra e virava árvore.
P/1 – Esse material, você sabe um pouco como funciona? Juta?
R – Sim. Como que é a juta?
P/1 – É.
R – Ela é plantada na beira do rio lá em Manaus, em Belém do Pará, e é plantada na baixa da chuva, na época de seca, onde os rios abaixam, então é plantada na beira dos rios. E a colheita da juta, da fibra, é na alta da chuva, quando o rio sobe, que é até perigoso isso, muita gente morre. A turma fala que é natural, que é ecológico, mas muitas vidas se perdem.
P/1 – Na colheita.
R – Na colheita. Porque pra colher a fibra ele tem que mergulhar dentro do rio e cortar a raiz. E muitos se enroscavam nas fibras.
P/1 – Nossa! Isso quem te contava?
R – Isso foram os fabricantes das indústrias de sacaria. Quando eu comecei a mexer mais com sacaria eu comecei a frequentar as indústrias.
P/1 – Mas como essa juta chega da Amazônia pra cá? Onde ela chega aqui?
R – Hoje só tem três fábricas. Ela vem fibra, entra num processo numa máquina que desfibra toda ela e faz até virar um tecido. Aí forma aqueles fios, vai pra tecelagem e vai batendo a juta, forma aquela tela.
P/1 – E vocês compravam juta nova também ou só vendia?
R – Eu peguei uma atividade diferente do meu pai. O meu pai era comércio de sacos vazios usados, né? E eu já parti para o lado do novo, eu pegava sacaria nova da fábrica e revendia.
P/1 – E onde você comprava? Onde é que são essas fábricas aqui em São Paulo?
R – Em São Paulo não tem, é tudo no Norte.
P/1 – Então você ia até lá.
R – É. Belém do Pará, cidade de Castanhal, Manaus. E boa parte vem de Bangladesh, as fibras, que a produção brasileira não é tão grande quanto a de Bangladesh. Aí vem pra cá.
P/1 – Você viaja muito pro Norte, então?
R – Não, não. Eu cheguei a ganhar várias viagens, mas era corrido, eu não podia viajar para ir poder conhecer uma fábrica.
P/1 – Você comprava de lá então?
R – Veio até passagem pra Bangladesh, mas eu não cheguei a ir, não quis ir (risos).
P/1 – E tem alguma relação desse negócio com a rua da Juta aqui no Brás também ou é só o nome?
R – Eu não sei o porquê da rua da Juta, nunca pesquisei. Mas eu sei que aqui no Brás, e até a parte de tecidos, né? Ali é mais confecções e tem o nome de rua da Juta.
P/1 – Agora, qual foi o nome da primeira firma do seu avô, você sabe? Ou que ano que foi fundada?
R – Sempre foi Sacaria Perez, o nome fantasia. E até hoje o meu pai ainda tem Sacaria Perez.
P/1 – E onde que foi fundada a primeira sede, você sabe?
R – A primeira sacaria? Foi aqui na rua Assunção.
P/1 – Que ano que foi? Mais ou menos a década, pelo menos.
R – Eu acho que foi na década de 20, de 30, não posso te informar, mas faz muito tempo (risos).
P/1 – Por aí, mais ou menos. Bastante tempo, né?
R – Bastante tempo.
P/1 – E o seu avô falava... você já falou bem como era o negócio. Agora, quais eram os clientes do seu avô? É que eu estou fazendo cronologicamente, né?
R – Sim.
P/1 – Quais eram os clientes do seu avô, o que era colocado dentro do saco?
R – Eram os pequenos fazendeiros da região de todo o interior do Brasil, de outros Estados, que o comércio de alimentos era tudo centralizado aqui em São Paulo, né? Por isso que aqui se chama Zona Cerealista, que é primeiro vinha tudo pra cá e depois distribuía para o Brasil inteiro.
P/1 – Então essa sacaria ensacava os produtos do interior de São Paulo, é isso?
R – Isso. Interior e de outros estados.
P/1 – E o que pode ser ensacado?
R – Era tudo. Era cebola, batata, café, arroz, feijão, soja, milho, tudo.
P/1 – E como é que isso ficava na Zona Cerealista? Vinha aqui mesmo?
R – Sim. E aqui a região da Zona Cerealista cada rua tinha um tipo de mercado. Uma rua era só arroz e feijão. A outra rua mais pra frente era só cebola, cebola e alho. E assim, era tudo setorizado.
P/1 – E qual rua era de quê?
R – A rua que o meu pai ficou mais tempo, a rua Professor Eurípedes, antiga Américo Brasiliense, era rua da cebola e da batata e um pouco de alho, que era tudo ensacado também.
P/1 – E as outras? Santa Rosa, Benjamim.
R – A Santa Rosa sempre foi mais laticínios, que é queijo, enlatado, essas coisas. Depois a rua Benjamim era mais especializada em feijão, milho e soja.
P/1 – E a rua Mendes Caldeira existia já?
R – A Mendes Caldeira era alpiste, bastante alpiste, farinha, todos os cereais.
P/1 – E a sacaria do seu pai todo mundo usava então?
R – É. E a sacaria era quase estratégica a rua Américo Brasiliense porque pegava todos os setores: feijão, batata, pegava todos, então era quase central, na parte de distribuição de comércio de sacaria.
P/1 – Entendi. Então todo mundo precisava do seu pai, falar com ele.
R – Sim, sim.
P/1 – O seu avô também.
R – É.
P/1 – E como era isso? Ele sempre tinha um negócio pra fazer?
R – Ah, isso direto. E da época do meu pai tinha assim, uma série de costureiras que era pra restaurar a sacaria que comprava da primeira viagem, da segunda viagem sempre rasgava. E até o costume, por exemplo, o saco de feijão era furado. Quando está descarregando fura um saco e eles vão colocando aqueles quadriculados, eu não sei se você chegou a ver. Depois eles faziam lá a conferência de produto. E aquele furo que era feito, o meu pai remendava, costurava e revendia.
P/1 – Então sempre tinha um furo assim.
R – Sempre tinha um furo. E era por escalas. A primeira sacaria, quando ela era zero quilômetro, ela ia com café ou arroz, que não podia ter furo nenhum. Quando vinha pra cá rasgava, tinha que remendar, depois de remendado era classificado saco para feijão, então a gente vendia para quem plantava feijão. Voltava de novo, era furado na conferência, rasgado, aí a gente vendia pra classificação pra milho, que era uma sacaria mais judiada. E como o grão do milho era maior, então ele não escapava dos rasgos que tinha, entendeu?
P/1 – E depois era pra quê?
R – O milho era o que acabava mesmo com o saco, então a gente vendia pra turma da flora que fazia mudas de árvores, então envolvia aqueles bulbos e se decompunha na terra. Era um material ecológico, né?
P/1 – Sim. E a batata e a cebola estavam lá também.
R – Também, a batata e a cebola.
P/1 – Eram as últimas?
R – A batata era uma sacaria mais aberta porque ela precisa de respiro, a batata e a cebola. No começo a cebola era ensacada na juta. Mas como a juta era cara, nos anos 70 entrou o plástico, aí o meu pai acabou levantando um pouco mais porque ninguém queria sacaria de plástico e era novidade. E o meu pai era audacioso e comprou uma carga de uma fábrica chamada (Pit? _0:21:56_) Suzuki, em Suzano. Meu pai comprou e aquilo fez um tremendo sucesso e aí alavancou a carreira dele.
P/1 – Ele comprou uma carga de plástico?
R – É, sacos de plástico. Aí introduziu na venda de cebola. E até hoje não se usa mais juta na revenda de cebola, é tudo plástico, aqueles sacos vermelhos.
P/1 – Nossa, entendi! Então ele viu tudo isso acontecer.
R – Viu tudo isso. E a batata também.
P/1 – A batata é a mesma coisa?
R – A batata tem dois segmentos. Tem uma batata que quando ela é suja, chamam batata escovada, ela tem que ser ensacada na juta porque a juta protege a batata. E quando ela é lavada, que a turma fala batata lavada, ela tem que ser no plástico, porque quando ela é ensacada ela vem molhada e se estiver molhada a juta apodrece. E o nylon não estragava a batata lavada. É interessante.
P/1 – É bem interessante mesmo. Ninguém imagina que tenha essa complicação toda.
R – Não sabe, né?
P/1 – Que por trás desse trabalho tem todo um...
R – Sim, tem todo um esquema de adaptação do produto. Não é assim, vai colocando qualquer coisa, é específico.
P/1 – E você acha que o seu avô foi ganhando conhecimento com o tempo, passou pro seu pai, como é que foi isso aí?
R – Sim. O meu pai perdeu o meu avô, pai dele, muito novo, ele perdeu com 15 anos. E o que ele aprendeu um pouco foi com o meu tio, que o meu tio era o mais velho da família. Mas ele trabalhava em sacaria junto e deixou. Mas desde pequeno. Eu também trabalhei, eu vinha da escola e ficava no armazém de sacaria brincando. Com dez anos eu comprava e vendia sacaria.
P/1 – Já?
R – Já, com dez anos (risos).
P/1 – Como era isso aí? Você ficava na bancada.
R – É, ficava descarregando. Tinha os catadores de saco, aí começou a progredir então a gente pagava o pessoal para ir pegar sacaria de feirantes, tinha bastante feira antigamente, não é como agora, tem feiras mas não é como antigamente. Era muita feira antigamente. Então colocava os catadores, eles rodavam São Paulo inteira e vinham com as peruas carregadas, a gente descarregava, pagava o dia, pagava por saco e no dia seguinte era a mesma coisa. Então todo dia era caminhão, perua.
P/1 – E vamos voltar um pouquinho pro seu pai e pra sua mãe. Eles se casaram e vieram morar no Brás na colônia espanhola.
R – Isso.
P/1 – Eles falavam pra você como era o Brás na época deles?
R – Sim, falavam. Era bem diferente. Antigamente tinha o costume dos imigrantes, eles vinham pra cá, compravam uma propriedade e embaixo eles faziam o galpão onde trabalhavam e em cima eles moravam. Você pode ver que tem bastante propriedades assim aqui no Brás. Então eles moravam em cima de onde trabalhavam.
P/1 – E você nasceu. Como é que é, você tem irmãos?
R – Eu tenho só duas irmãs.
P/1 – Duas irmãs. Como é que é você nessa escadinha?
R – Eu sou o segundo.
P/1 – Você é o do meio.
R – Eu sou o do meio (risos).
P/1 – Quem são suas irmãs, qual o nome delas?
R – A mais velha é a Margareth, Margareth Perez e a mais nova, Maria Carmem Perez.
P/1 – E quantos anos separam vocês?
R – Minha irmã mais velha é seis anos mais velha do que eu. E eu sou dois anos mais velho que a minha irmã mais nova.
P/1 – E quando você nasceu como é que estavam os negócios? Seu pai já trabalhava.
R – Sim, já. Eu praticamente fui criado dentro do armazém de sacaria (risos). Mesma coisa que meu pai.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – Seu pai brincava na sacaria?
R – Brincava, brincava.
P/1 – Ele falou pra você como é que foi ir aprendendo a mexer no negócio?
R – Foi do mesmo jeito que eu: brincando, quando foi ver já estava. E ele até brincava que ele era o melhor saqueiro porque ele era filho de saqueiro. Aí eu rebatia em cima dele: eu sou melhor ainda porque eu sou filho e neto de saqueiro (risos).
P/1 – E quais são suas primeiras lembranças da sacaria do seu pai?
R – Como assim?
P/1 – Os
primeiros flashes ou qual é a sua primeira lembrança do armazém.
R – Ah, eu lembrava que era muito agitado, era um comércio muito ativo, uma rotatividade muito grande. Qualquer hora do dia que chegava estava atrasado, chegava cinco horas da manhã já estava atrasado e já tinha gente querendo comprar sacaria. Acordava às quatro da manhã e também estava atrasado, era uma loucura. E era assim, fervia muita gente. Era totalmente diferente de agora, não tem nada a ver com o movimento de hoje.
P/1 – E você cresceu aqui no Brás então.
R – Sim.
P/1 – Como é que foi crescer aqui nesse bairro? Como era o Brás na sua infância?
R – Praticamente eu não tive infância, né? Porque como eram poucas residências aqui eu não tinha colegas da minha idade, então eu brincava com os comerciantes, que eram tudo da idade do meu pai. Mas foi uma infância bacana.
P/1 – Você brincava de quê nessa época?
R – Ah, brincava de carrinho de rolimã, corrida de saco, tudo, fazia tudo isso (risos), tudo o que uma criança normal faz.
P/1 – Nessa corrida de saco você pegava saco da onde?
R – Do meu pai mesmo, da sacaria do meu pai (risos).
P/1 – Ah, é? E ele não brigava com você?
R – Não, não. Ele entrava também na brincadeira, era mais... ele era quase da minha idade assim (risos), ele rebaixava a idade dele e brincava junto, era muito bacana.
P/1 – E você ficava muito com a sua irmã também?
R – Sim ,a gente foi criado tudo junto. Mas eu que ficava mais com meu pai por atividade mesmo de trabalho, de afinidade de comércio, essas coisas.
P/1 – E quando você nasceu vocês moravam onde, em cima da loja do seu pai?
R – Em cima da loja do meu pai.
P/1 – Na Professor Eurípedes.
R – Isso.
P/1 – E como era a casa de vocês, me descreve.
R – Minha mãe ainda mora lá. É uma casa comprida, grande, quatro quartos, dois banheiros, uma casa boa.
P/1 – É um apartamento, mais ou menos?
R – É uma casa sobrada, né? É um apartamento quase. Mas é muito bacana.
P/1 – E quem morava na sua casa nessa época?
R – Foi o meu avô que construiu. Ele comprou o terreno e construiu.
P/1 – E morava só sua família, você, suas irmãs.
R – Só, minhas irmãs, meu pai e minha mãe.
P/1 – E como é que era a comunidade espanhola? Como é isso? Vocês faziam festas, tinham costumes?
R – Não, a gente não era muito ligado a festas de bairro, essas coisas. A gente fazia muita festa, a minha família fazia muita festa, mas não festa de bairro, fazia festa só pra família. Primos, tios.
P/1 – Vocês comemoravam mais o quê, aniversário ou tinha...
R – Aniversários, tinha bastante aniversário.
P/1 – E como era? Vocês faziam comida, o que vocês faziam?
R – Ah, minha mãe gostava de fazer bastante comida, ela fazia uns bolos gigantes. As festas nossas eram de 70, 80 pessoas dentro de casa.
P/1 – Dentro de casa?!
R – Dentro
de casa. Você vê como a casa era grande. É grande (risos).
P/1 – E o que vocês faziam? Cantavam, bebiam?
R – Tudo, tudo. Cantavam, tinha uns primos meus que cantavam, tocavam violão. Era bastante divertido.
P/1 – E nessa sua infância vocês ouviam muito rádio?
R – Não, não ouvia muito. Já era televisão mesmo.
P/1 – Já era televisão mesmo. E o que você assistia quando você era criança, você lembra?
R – Ah, gostava dos Três Patetas, Mundo Animal, gostava bastante de entrevista, apesar de pequeno gostava bastante de entrevista.
P/1 – Ah, é? Por que, como é isso aí?
R – Afinidade, eu sempre gostei de ver entrevistas, saber de outros assuntos, sempre me interessei por isso.
P/1 – E você se lembra de quê quando você fala de entrevistas nessa época?
R – Ah eu gostava muita coisa...
P/1 – Jornalismo?
R – Jornalismo, mundo animal, essas coisas eu gostava. Eu gostava de entrevistas de empresários, me interessava bastante.
P/1 – Já pequeno já?
R – Já pequeno. Histórias de outros países eu achava bacana.
P/1 – E você sempre teve um time de futebol, sempre gostou ou não?
R – O meu pai era corintiano e passou isso pra mim (risos). Tinha que ser corintiano (risos). Mas eu não sou fanático.
P/1 – Nunca foi muito assim ou era mais antigamente?
R – Eu fui muito fanático até o Corinthians ser campeão. Ele ficou muito tempo sem ser campeão, em 77 ele foi campeão e aí depois eu mudei o meu esporte, eu passei pro automobilismo.
P/1 – Ah, é?
R – É. Aí eu fiquei apaixonado por corridas de carro, tanto é que meu pai me patrocinou com um kart de corrida. Eu corri com kart, tudo.
P/1 – Sério, que ano você começou?
R – Eu comecei nos anos 80. O Ayrton Senna já estava saindo do Brasil e indo pro campeonato sulamericano, a gente se cruzava um pouco, de vez em quando.
P/1 – No kart?
R – No kart.
P/1 – Você tinha quantos anos?
R – Eu tinha 15 anos.
P/1 – E você se lembra a primeira vez que você viu um carro e falou: “Nossa, isso é legal”, que você se apaixonou?
R – A primeira vez que eu fui em Interlagos eu fui pra ver uma fábrica de mini buggy que a gente viu um anúncio: “Ah pai, vamos ver um mini buggy?”, aí nós entramos no autódromo de Interlagos. E eu nem sabia que existia corrida de carro. E a primeira vez nós entramos no box, era um Opala de corrida. E eu era moleque, muito pequeno e comecei a falar com um senhor lá. E ele me dava toda a atenção, eu brincava, eu nem sabia com quem eu estava falando. E o meu pai, quando ele viu eu falando: “Você sabe com quem você está falando? Você está falando com o Chico Landi, o primeiro piloto de Fórmula 1 do Brasil”. E o Landi falou assim:
“Eu estou preparando esse carro, vem domingo que vem assistir a corrida”. Aí eu peguei e fui louco. A primeira corrida que eu vi de torneio Passat na época. Eu vi aquela coisa e fiquei louco. Aí, mesmo que não tinha corrida em Interlagos eu estava todos os domingos lá. Eu fiquei muito apaixonado pelo automobilismo.
P/1 – E como é que começou o kart?
R – O kart, eu queria correr de carro. Eu já tinha carro, com 15 anos meu pai me incentivou a comprar e eu comprei, com meu próprio dinheiro, trabalhando na sacaria. Graças a Deus naquela época a gente era bem posicionado, agora mudou bem, a parte de dinheiro acabou (risos).
P/1 – E você comprou que carro?
E – Eu comprei um Opala 4100, seis cilindros, era bom pra correr (risos). E meu pai chegou a ir até na Federação de Automobilismo, que ele até me emancipava para poder correr e eles não davam a carteira assim, não deixavam. Hoje um moleque de 15 anos pode correr. Nós lutamos, tudo, e meu pai falou: “Olha, você não pode correr, mas de kart você pode”, então comecei a correr de kart.
P/1 – Como é que foi? Você treinou antes de começar a andar?
R – Sim. Eu treinei e tive até, meu melhor professor de kart foi o Wilson Fittipaldi.
P/1 – Nossa!
R – Foi muito bacana. Ele estava ensinando o Christian Fittipaldi. O Christian tinha três anos de idade. Eu peguei algumas aulinhas, ele me deu uma aulinha de graça pra mim mas foi super legal. Mas eu não tive muito sucesso não (risos).
P/1 – Ah, é? Em que ano foi isso?
R – Eu comecei e praticamente parei porque minha mãe começou a brigar muito com meu pai e eles iam até se separar por minha causa porque minha mãe não queria que eu corresse. Aí eu falei: “Eu vou parar”, parei. Mas eu frequentava corridas direto.
P/1 – Você disputou quantas corridas?
R – Foi muito pouco, foram três corridas mas era muito desgastante pra mim por causa da minha mãe e do meu pai, eles brigavam muito, então resolvi parar.
P/1 – Mas como era a sensação de disputar?
R – Ah, isso aí...
PAUSA
P/1 – Como é que foi a sensação de correr? A primeira vez que você estava lá no kart?
R – Nossa, é coisa do outro mundo, não dá pra explicar. É um sonho que em segundos virou realidade e é muito bacana.
P/1 – É muita adrenalina?
R – Muita, muita. E é uma realização de sonho, né?
P/1 – E como é que foi? Não teve acidente, foi bem, como é que foram essas corridas?
R – Acidente faz parte da vida do piloto, né? Mas era coisa assim, uma derrapagem, uma entrada errada, uma rodada, não teve nada sério, coisa simples. Nem deu tempo de ter acidente (risos).
P/1 – Mas foi bom?
R – Foi muito bom. E ainda tenho o capacete, tudo guardado.
P/1 – Tem foto disso aí?
R – Eu tenho um filme Super 8, mas eu preciso restaurar ele porque muitos anos, deve ter criado fungo, essas coisas. Mas acho que dá pra restaurar.
P/1 – Entendi. Isso foi com 15 anos então?
R – Quinze anos.
P/1 – Vamos voltar um pouco então e me fala uma coisa: você começou a trabalhar com seu pai com dez anos ou foi antes?
R – Com três anos, quatro anos eu já estava lá. Com dez anos eu me lembro bem que eu já andava com um monte de dinheiro no bolso pra comprar sacaria à vista, comprava e vendia, comprava e vendia. E no final do dia fazia o caixa e entregava pro meu pai. De manhã ele dava um pacote de dinheiro, que era pra... passava alguém com sacaria eu puft, comprava na hora.
P/1 – Como é que as pessoas passavam? Você ia pra onde comprar sacaria?
R – Nessa época eu já peguei muita coisa mastigada, então eu não precisava sair muito pra pegar sacaria, o pessoal já vinha e trazia sacaria pra gente. Mas o trabalho de desvendar o mercado foi mais do meu pai que saía, divulgava, falava que tinha comércio de sacaria, aí o pessoal trazia pra gente.
P/1 – Então todo mundo já conhecia.
R – Isso.
P/1 – Era uma referência.
R – Sim, já sabia. Já tinha destino certo. O pessoal vinha pro Brás, quem tinha mercado na Vila Prudente, Vila Matilde, outros bairros afastados também, eles falavam: “Eu vou pro Brás comprar mercadoria” e já levava a sacaria, que pra eles era vantagem porque aquilo ele ia jogar fora. Então era um dinheiro que ele pagava o combustível, o almoço dele.
P/1 – E qual era o custo mais ou menos de um saco na época, um novo e um usado, como é que deprecisava esse preço?
R – Vamos falar, sacaria usada na época era 20 centavos, a gente comprava por 20 e vendia por 50 centavos. E a sacaria nova era sempre dobro, custava 50 na fábrica e vendia por um, era sempre o dobro ou o triplo.
P/1 – Qual era o tamanho desses sacos, variava?
R – Sim. Cada um tinha sua especificação de peso. Sacaria de cebola é 20 quilos.
PAUSA
P/1 – Fala então o preço do usado e do novo.
R – Sacaria usada custava 20 centavos, a gente comprava por 20 e vendia por 50 centavos. E a sacaria nova você comprava por 50 centavos e vendia por um real, ou às vezes até o triplo.
PAUSA
P/1 – Você falou dos preços, né?
R – Isso.
P/1 – Agora eu queria saber dos tamanhos dos sacos, como que era a divisão?
R – Mais ou menos eu lembro, né? Normalmente saco de arroz e feijão era 60 por 80, chamava de 80 litros. E a sacaria de cebola era mais ou menos 35 por 65, 35 de boca. Laranja era 40 por 80, que era para uma caixa de laranja. Cada mercadoria tinha um tipo de tamanho de sacaria.
P/1 – E você se lembra quando você era pequeno, quem eram os comerciantes famosos ou os maiores comerciantes aqui da região?
R – Comerciantes de sacaria?
P/1 – De sacaria e também de cereais no geral.
R – Na época tinha os Irmãos _0:43:20_, que era os maiores de batata. Cerealista Benavides, ainda tem alguns deles aí, que era da batata e de cebola. Daqui a pouco eu vou lembrando e vou falar.
P/1 – E de sacaria quem eram os competidores?
R – Era praticamente a família inteira do meu pai (risos). Era o meu pai, meus tios e tinha Sacaria Marcosian, que já não existe mais. Sacaria Herrerias.
P/1 – Todos sacos de juta?
R – Todos o mesmo segmento. Tem o Macotera, também muito tradicional na rua Paula Souza. Bastante. Eram poucos, mas eram fortes.
P/1 – Vocês vendiam muitos sacos? Você se lembra mais ou menos a dimensão da quantidade?
R – Mais ou menos dez milhões, 20 milhões de sacos por mês.
P/1 – Por mês?
R – É.
P/1 – Nossa.
R – Quando estava época ruim a gente vendia 50 mil sacos por dia (risos). A gente falava: “Tá ruim, 50 mil sacos” (risos). A coisa era muito grande, era muito grande.
P/1 – E quantas pessoas trabalhavam pro seu pai nessa época que você era pequeno?
R – Pro meu pai na época ele tinha mais ou menos 30, 35 costureiras. Ele só precisava de costureiras, venda era nós, não precisava de vendedor.
P/1 – E não tinha ninguém pra carregar, nem nada, um chapa de repente?
R – Tinha alguns carregadores e tinha os que classificavam a sacaria. A gente comprava aquele monte, aí tinha que selecionar o que era batata, o que era cebola, ia classificando. E mesmo na juta ele tinha que classificar o que era milho, feijão, aí tirava o primeiro, o segundo e o terceiro.
P/1 – Pegava um por um?
R – Era um a um. E eu comecei assim. Meu pai ensinou: “Você vai ter que aprender desde o começo”. E eu comecei assim, classificando sacaria. Depois eu comecei a comprar, comprar e vender.
P/1 – E como é essa técnica? Você pegava na mão, olhava.
R – É. Você virava, é que nem um saco de ráfia, né? Você virava, ele vinha todo esticado, a gente virava ele desse lado já olhava, do outro lado já via se estava bom. Se estivesse ruim, já passava para o outro lado e já ia pra costura. Aí já ia pras costureiras.
P/1 – E você ficava quanto tempo fazendo isso em geral?
R – O dia inteiro.
P/1 – O dia inteiro?
R – O dia inteiro.
P/1 – Nossa.
R – Desde manhã até a tarde.
P/1 – Então o seu cotidiano mais ou menos nessa época era assim, você ia pra escola e depois...
R – É, de manhã eu estudava e à tarde ficava com meu pai e à noite a gente fechava a sacaria, subia no caminhão e ia nas mercearias pegar sacarias que eles esvaziavam os produtos que eles vendiam por quilo.
P/1 – E que horas você chegava em casa?
R – Chegava dez horas, onze horas.
P/1 – Nossa. E vocês jantavam onde?
R – Jantava na rua com meu pai. E tem uma história até bacana, eu tenho até hoje. Eu tenho uma coleção de matchbox, carrinho, eu tenho 193 carros, então toda sexta-feira ele ia comigo na loja e comprava um carrinho matchbox, eu tenho todos eles na caixinha até hoje, coleção zero quilômetro, nunca foi brincado.
P/1 – Nunca nem abriu.
R – Não, está na caixa, todos eles, tudo guardado.
P/1 – Dos anos 70, mais ou menos?
R – A coleção de 75, eu tinha dez, 11 anos. Eu tenho eles até hoje, intactos.
P/1 – E por que você não quis abrir? Quis colecionar mesmo.
R – Pra coleção mesmo.
P/1 – Agora, vocês comiam onde fora? Iam no restaurante ou comiam...
R – Meu pai gostava muito na época, aqui na região central, Salada Paulista. Era famoso, você já ouviu falar?
P/1 – Me falaram já. Mas como era?
R – Eu adorava comer um, eu e meu pai, a gente comia um croquete de carne com purê, era uma delícia, diferente, era bacana.
P/1 – Você sempre comeu lá, mais ou menos?
R – Geralmente a gente ia comer lá. Ou senão comer pizza, ou churrasco grego na época, que era bom de comer (risos). Agora é meio perigoso comer um churrasco grego na rua.
P/1 – Mudou, é?
R – É.
P/1 – Como é que era na época?
R – Ah, a carne era mais selecionada, era bacana (risos).
P/1 – Mas o processo basicamente é o mesmo.
R – É o mesmo, a mesma coisa.
P/1 – Ele cortava a carne lá.
R – É, cortava aquela carne girando, fazia aquele lanche. Era uma delícia! (risos)
P/1 – E onde é que vocês comiam grego aqui geralmente?
R – A gente comia no Parque Dom Pedro. Antes da gente descarregar o caminhão, que vinha carregado, né? A gente parava, já comia, aí encostava o caminhão da nossa casa, que era a firma, descarregava, chegava em casa, tomava um banho, ia dormir e acordava. Naquela época não podia assistir televisão também, depois das dez não tinha mais programação, acabava tudo.
P/1 – Ah, é?
R – Quase não tinha programação.
P/1 – E o que tinha pra fazer no Brás de lazer nessa época? Ir no parque, mercado?
R – Tinha o Parque Shangai, era muito famoso. Era como se fosse o Playcenter, que agora não existe mais o Playcenter, mas chegou a ser o melhor parque da região.
P/1 – Vocês iam muito lá?
R – Ia, de vez em quando ia.
P/1 – Como era essa parque?
R – Ah, tinha de tudo, mas não tinha essas atrações grandes. Mas era muito divertido, era gostoso. Eu gostava de ir, mas não lembro muito bem, eu era muito pequeno. E eu brincava muito aqui no Palácio das Indústrias, tinha um pátio grande lá, a gente brincava muito lá. Que agora é o Museu Catavento.
P/1 – Vocês brincavam de quê lá?
R – Meu pai levava a gente pra andar de bicicleta. Tinha uma praça muito grande lá, então a gente ficava brincando de bicicleta, essas coisas.
P/1 – Vocês iam nos armazéns de outros comerciantes aqui também na região, conheciam os outros?
R – Sim, conhecia, conhecia.
P/1 – E como eram as ruas do Brás nessa época?
R – Nossa, era lotado de caminhão. Que antigamente, por exemplo, a cebola. A cebola saía da roça, eles faziam um processo de trança, então a cebola vinha toda em trança, o caminhão inteiro carregado de trança de cebola. E a gente vendia a sacaria e eles tiravam da trança a cebola uma a uma, era um trabalho muito artesanal. E ficava um tapete na calçada, um tapete só de casca de cebola. O pessoal andava escorregando, era uma loucura. E época de chuva inundava tudo aqui o Brás por causa dessas coisas, né?
P/1 – Sério?
R – É, inundava. A inundação era de um metro e meio, dois metros de altura de água.
P/1 – Sério?
R – Sério.
P/1 – Você chegou a ver isso acontecer?
R – Sim. Meu pai tinha... na época a gente morava na casa do meu pai e ele tinha um armazém na esquina. A gente tinha as pranchas que a gente ia pra praia, então ele colocava as coisas, comida que ele ia comer, e colocava em cima da prancha na enchente e ia pra salvar o que tinha lá, que era na esquina.
P/1 – Ele ia surfando então?
R – É, ele colocava as coisas que ia comer, alguma coisa a mais, roupa, ele colocava em cima da prancha e ia levando, eu lembro muito bem disso.
P/1 – Ele já chegou a perder muita coisa lá?
R – Cada enchente que tinha perdia tudo. E era praticamente a cada um ano, dois anos, dava aquelas enchentes e era assim de cobrir o caminhão, perdia tudo. Mas a rotatividade do comércio era tão grande que se recompunha rápido, o prejuízo não era assim, perdia naquele momento, mas depois ganhava de novo, rapidinho.
P/1 – Chegou a perder caminhão também ou só a juta?
R – Perdia a mercadoria toda.
P/1 – Que estava no momento ali.
R – É.
P/1 – E você sabe se alguém chegou a morrer ou pegar doença com isso?
R – Não, nunca soube. Tão perigosa a leptospirose, eu nunca soube que alguém pegou leptospirose na enchente.
P/1 – Ou afogado.
R – Não.
P/1 – Nunca soube.
R – Nunca soube.
P/1 – E você estudou onde? Qual foi sua primeira escola, Gines?
R – Eu estudei, foi a única escola, no Liceu Acadêmico São Paulo na rua Oriente, aqui no Brás.
P/1 – Primeira e única.
R – É.
P/1 – Você se lembra como foi o primeiro ano de aula?
R – Eu era pequeno demais (risos). Era jardim. Mas eu lembro que tinha uniforme e eu lutava porque tinha que usar avental e eu achava que aquilo era saia e eu não colocava aquele avental de jeito nenhum e era uma briga, as professoras vinham, eu batia na professora. Até que depois de uns dois anos eles trocaram o uniforme, era um tipo de avental que era meio esquisito aquele avental (risos).
P/1 – E como era essa escola? Ela existe ainda, né?
R – Não.
P/1 – Não mais.
R – Virou uma loja de confecção agora.
P/1 – E como era lá?
R – Era super bacana. Era muito bonita essa escola.
P/1 – É? Prédio antigo?
R – Prédio antigo, tinha um jardim na frente, os coqueiros altos, era muito bacana.
P/1 – Tinha muita sala, muitos alunos?
R – Tinha bastante sala. Eu acho, mais ou menos, devia ter umas 30, 40 salas. E era impecável, tudo super, muito limpinho, era bacana.
P/1 – E como era o espaço de recreio e de intervalo? Tinha quadra?
R – Tinha quadra, tinha duas quadras e era separado no começo. No primário os meninos eram separados das meninas, os meninos ficavam no pátio e as meninas em outro pátio. Depois começaram a misturar tudo, mas era super bacana.
P/1 – E você se lembra de alguma professora ou professor que te marcou?
R – Sim, vários professores. Professora de Matemática, Geografia, Ciências, Português, eu lembro todas.
P/1 – De todos?
R – Todos. No primário era a tia Isabel que era a professora de Português e Matemática. Depois a professora de Matemática no ginásio, que era da quinta série em diante era a dona Pola, era professora rígida, boa (risos).
P/1 – Ah, é? Você tinha quantos professores no ginásio?
R – Nós tínhamos mais ou menos uns seis professores, cada matéria tinha um professor.
P/1 – E deles qual que te marcou mais? Dessa época. Ou não teve isso?
R – Ah, todos marcaram, eu lembro deles todos. Ontem mesmo veio uma cliente aqui e falou que era professora, eu lembrei direto da minha professora, dona Pola.
P/1 – Como é que era ela, dona Pola?
R – a dona Pola era meio rígida, mas super bacana, ensinava direitinho, a gente gostava dela. Mas ela era professora brava (risos).
P/1 – E como era você na escola?
R – Eu não fui um excelente aluno, também não era ruim, eu ficava ali no meio termo, sempre pendurado nas notas (risos).
P/1 – Mas você bagunçava muito ou era mais comportado?
R – A minha escola era muito rígida, então uma arte que você fazia você era um capeta (risos). Mas é uma criança normal, aprontava, normal.
P/1 – Sei. E depois do ginásio você foi pro científico?
R – Não, eu terminei o colegial, aí eu prestei até na faculdade, cheguei a entrar e não fiz a matrícula.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – Você passou em quê?
R – Eu passei em Direito e Administração. Mas eu parei, não quis. Porque no dia que eu entrei nessas duas faculdades, que eu entrei no Mackenzie, nesse dia o meu pai mandou ir num leilão e no mesmo dia eu comprei 26 picapes. E eu ganhei muito dinheiro. Dinheiro de hoje, vamos falar um exemplo, comprei por 500 reais as 26 caminhonetes, em média, e acabei vendendo todas elas por 4 mil e 500, na época. Aí eu falei assim pro meu pai: “Eu acho que o comércio é melhor pra mim do que eu me formar”. Hoje pesou pra mim, se eu tivesse formado, hoje o comércio acabou.
P/1 – Mas na época estava...
R – Nossa, comércio era muito grande.
P/1 – Agora tinha alguma matéria na escola que você gostava mais?
R – Que eu gostava?
P/1 – É.
R – Pra falar a verdade eu gostava de ir pra escola (risos). Porque é como eu falei, não tinha colegas da minha idade aqui, então eu só encontrava pessoas da minha idade na escola. Então eu gostava de ir pra escola mas eu não tinha essa... gostava muito de Geometria, essas coisas eu gostava bastante.
P/1 – E você tem alguma memória da escola, alguma história que você passou na escola e que você gosta de lembrar, por qualquer motivo que seja?
R – Ah sim, tem uma coisa que marcou, que foi muito bacana. Eu era um aluno de médio pra baixo, era sempre na média sempre pendurado na nota, mas de vez em quando tirava uns dez. E eu precisava tirar dez em redação porque senão eu ia ficar de recuperação. Aí eu peguei e a professora Abenildes, de Português, ela deu o título assim, pra fazer uma redação: o homem olhando o mar. Eu falei: “Puta, o que eu vou fazer uma redação dessa aqui?”. Aí eu peguei, me concentrei. Tinha que tirar dez, levar esse dez pra ficar de recuperação. Aí eu peguei e eu já tinha ido várias vezes pra diretoria por bagunça. Nesse dia eu fiz a redação assim, que um homem de cadeira de rodas foi pro mar de cadeira e ficou olhando o mar e dormiu. E nesse sonho ele sonho com Deus e falou com Deus e quando ele acordou ele levantou da cadeira. Aí a professora, acho que era espírita, e eu nem sabia muito de Espiritismo, essas coisas, ela pegou e já deu dez. Ela falou assim: “Se contar os erros de português você não ia tirar dez, mas pela redação e pela história você tirou dez. Aí você vai mostrar pra dona Cecília”, que era a diretora, e eu fui parar na diretoria com esse: “Puta merda”. Quando cheguei na diretoria a dona Cecilia falou assim: “De novo, Gines, você aprontou?” “Não, a professora Abenildes mandou entregar isso pra senhora”. Aí a dona Cecilia olhou, praticamente quase chorou com a história: “Puxa, você que fez isso aí?” “Foi”. Aí ficou pendurado essa redação por um bom tempo na diretoria. Aí eu fui parar na diretoria porque eu tirei dez (risos). Foi isso que marcou bem.
P/1 – Agora nesse período inteiro você ficou trabalhando com seu pai.
R – Sempre trabalhei com meu pai.
P/1 – E você se lembra de alguma historia que você passou no comércio que você se lembra até hoje?
R – Histórias marcantes?
P/1 – Marcantes ou curiosas, alguma coisa engraçada? O que te vem à cabeça?
R – Olha, sempre foi divertido trabalhar com meu pai. Meu pai era muito espirituoso, era uma alegria trabalhar com ele. Então era difícil, não tinha, mesmo com algumas dificuldades a gente, com o meu pai era diferente, ele fazia.
P/1 – Ele fazia graça?
R – Sim.
P/1 – Como é que ele era?
R – Ele era muito espirituoso, ele tirava sarro de tudo, até de coisas que dava errado ele dava muita risada. Era diferente trabalhar com meu pai (risos).
P/1 – Não tinha tempo ruim?
R – Não tinha, não tinha, era sempre bola pra cima.
P/1 – Agora você acha que o ramo foi mudando?
R – É, infelizmente o ramo foi acabando pela modernidade do mundo, né? As redes de supermercados dos anos 80 pra cá cresceram demais, essas redes grandes, Carrefour, Extra, Pão de Açúcar. E eles começaram a comprar também direto da lavoura, então o produtor já está com a plantação totalmente vendida pro supermercado, então já vai direto pra eles. Então tudo isso daí foi acabando o nosso ganha pão.
P/1 – Mas a sacaria vocês não podiam vender pros supermercados?
R – A gente comprava dos supermercados.
P/1 – Sacaria?
R – É. E os supermercados adotaram, essas redes grandes, uma regra deles, rasgar o saco no meio mesmo pra não aproveitar mais. Isso aí foi acabando, desgastando todo o comércio.
PAUSA
P/1 – Mas por que eles rasgavam? Só pra você não aproveitar mesmo?
R – É. Era norma deles. Porque eles não queriam nenhum catador de sacaria no mercado, porque eles achavam que as pessoas entravam dentro do mercado pra pegar coisas a mais, colocava dentro, assim, algum desvio de mercadoria deles, né? Então eles achavam, normas de segurança deles. Então rasgavam e inutilizavam a sacaria.
P/1 – E se rasgar não tem como.
R – Não. Rasgar no meio acabou, não tinha mais jeito.
P/1 – Mas eles usam o mesmo tipo de saco que vocês revendiam?
R – Sim. Nos anos 2000 o arroz já vem empacotado, aquelas almofadas de um quilo, cinco quilos, dez quilos, até eles também mudou tudo.
P/1 – E eles pegam os sacos deles de onde agora, onde eles compram?
R – Não, porque a agroindústria já vem pronta, já sai da indústria até empacotada em almofadas, então acabou de liquidar mesmo o comércio de sacarias.
P/1 – E engraçado você falar porque os comerciantes atacadistas aqui também falam que o supermercado mudou completamente o atacado deles, né, de cereais, de batata.
R – Sim, mudou tudo. Não tem mais o atravessador, agora já é direto com os supermercados. Antigamente tinha até os corretores de cereais, né? Agora não tem mais, acabou. É muito pouco.
P/1 – Então o supermercado meio que mudou pra todo mundo, né?
R – Mudou pra todos. Eles absorveram tudo, né? Ficou tudo na mão deles. A compra e a venda é tudo deles.
P/1 – Você já falou um pouquinho, mas me fala mais ou menos como foi ao longo do tempo esse processo dos supermercados. Começou nos anos 80 e foi descendo então o comércio?
R – É, eles foram se modernizando, eles foram ficando cada vez mais fortes e a necessidade deles, né? Eles vão crescendo, então eles vão enxugando. Eles querem resultado, né? Então o resultado bom pra eles é negativo pra nós (risos).
P/1 – E a partir de que momento ficou muito difícil trabalhar nesse ramo?
R – Eu lembro que já em 95 a gente já começou a ter a dificuldade comercial, a gente começou a entrar no vermelho. A gente foi insistindo, vai melhorar, melhorar e a gente foi comendo o nosso próprio estoque. Foi indo, foi indo, quando a gente percebeu já não tinha mais nada.
P/1 – Foi mais ou menos que ano? Vocês pararam com isso, sacaria?
R – Eu insisti até o ano 2000, mas já não dava mais, parei.
P/1 – E a família como é que ficou? Parou também, todo mundo? Os tios?
R – Todos. O meu pai foi o último. O meu pai morreu trabalhando em sacaria, mas os meus tios já tinham parado faz tempo, eles migraram pra outros segmentos. Tradicionalmente quem ficou mesmo foi só meu pai. E foi o meu erro, né? A gente quis seguir a tradição e eu acabei insistindo num mercado que acabou.
P/1 – E o seu pai foi até que ano? Que ano que ele morreu?
R – Meu pai morreu no ano 2000.
P/1 – Então ele morreu e...
R – Ele morreu trabalhando, teve infarto na porta do armazém.
P/1 – Sério? Você estava nesse dia?
R – Eu falei tchau pro meu pai, fui pra minha casa. Quando eu cheguei em casa a minha mulher esperou no elevador e me deu a notícia. Eu dei um beijo no meu pai (emocionado).
P/1 – Quantos anos ele tinha, Gines?
R – Sessenta e nove anos.
P/1 – E foi na hora que aconteceu, foi fulminante?
R – Foi fulminante (emocionado).
P/1 – E você pensa muito nisso, pensa muito nele?
R – Todos os dias.
P/1 – É? Agora, o que mudou, o que aconteceu depois? Você teve que continuar nesse negócio, você fechou de vez?
R – Eu continuei mais uns cinco anos, depois eu vi que não dava. E dava certo porque era eu e meu pai (emocionado).
P/1 – Você ficou quantos anos com ele, você tem ideia mais ou menos quantos anos foram?
R – A vida inteira, até ele morrer.
PAUSA
P/1 – Só me conta então, pra gente passar essa história do seu pai, ele falou pra você, você falou agora pra mim.
R – O meu pai chegou pra mim e falou assim: “Você tem capacidade pra trabalhar em qualquer atividade, qualquer ramo”, ele mesmo se desprendeu da tradição de sacaria. “Vai, procura outro ramo que esse aqui já não dá mais”.
P/1 – E você achava que você precisava de ouvir isso ou se ele não te falasse você não iria ter como fazer isso?
R – Isso marcou pra mim e quando eu vi que a situação estava muito ruim eu comecei a procurar outros meios. E aí eu parti pra tapeçaria e depois migrei agora pra marcenaria.
P/1 – Tapeçaria começou em que ano?
R – Foi no ano 2000 também (risos).
P/1 – Também 2000!?
R – 2000. E começou numa piada, foi até muito engraçado que começou numa piada.
P/1 – Como é que foi?
R – Como eu fiquei muito ruim de dinheiro eu perdi tudo, dinheiro, não perdi propriedade,
só perdi parte de dinheiro e fiquei muito endividado. E com isso também perdi a namorada, perdi tudo e aí eu conheci minha atual mulher. E ela tinha um chalé em Atibaia. E eu não sabia fazer nada, eu só sabia comprar e vender sacaria. E alguma coisa em comércio. E estava contando piada, eu gostava de contar piada e estava só eu de homem no chalé. Estava minha sogra, as tias, só eu de homem. E era um dia de chuva e eu estava contando uma piada, o nome do filme, eu posso até falar um palavrãozinho? Tinha que descobrir o nome do filme. Qual o nome do filme? A mulher estava andando na rua, escorrega na chuva e cai sentada no chão. Qual o nome do filme, né? A resposta é “Acusada” (risos). Quando eu falei “a cuzada”, o chalé era de madeira, o assoalho estava meio podre e as velhinhas deram risada e o assoalho brum, caiu no chão, foi todo mundo pro chão. Minha sogra ficou com as pernas pra cima. E eu só sabia costurar sacaria, né? Aí eu falei: “Pô, eu vou ter que arrumar isso aí”. Peguei um prego, não sabia martelar, martelei ele ao chão para os bichos não subirem, sapo, essas coisas. Como rasgou o sofá eu peguei a capa de um tecido, fiz uma capa lá, tal, bolei um sofá. Aí era um condomínio e os vizinhos falaram: “Pô, que bacana, você não pode fazer um sofá pra mim?”. Eu vim aqui na rua do Gasômetro, passei em frente ao Senai e vi: Curso de Tapeceiro. Peguei, me inscrevi e comecei uma profissão de tapeceiro.
P/1 – Legal.
R – Aí depois começou a turma falar: “Ah, faz uma mesinha de centro, faz uma estante”, aí eu peguei e entrei na marcenaria e acabei ficando na marcenaria. Mas começou por uma piada (risos).
P/1 – E como é a tapeçaria? É difícil? Como é que foi?
R – É difícil. É difícil, mas é um ramo bacana. Mas é muito difícil porque você concorre,
uma reforma é o preço de um sofá novo que a Casas Bahia, Magazine Luiza anunciam na televisão. Só uma reforma fica o preço de um sofá novo, então fica difícil. Mas apesar que a qualidade do nosso serviço é melhor do que um sofá da Casas Bahia. Mas a turma vê preço.
P/1 – Mas tapeçaria é o quê, reforma de sofá? Tapete também?
R – Não, reformas de sofá. Ou até fazer um sofá novo, a gente fazia isso.
P/1 – Que já é um pouco de marcenaria, imagino.
R – É, a estrutura é marcenaria. E eu fazia mais ou menos, meio mal, deixava bonito por fora só (risos). Depois eu fui aprimorando e entrei na marcenaria.
P/1 – E como é o trabalho? O que você aprendeu nesse curso, o que você tem que aprender.
R – Tapeçaria? Ah, você aprende tudo, até a história de tecido, essas coisas, que é tudo francês, as técnicas, faz aqueles sofás capitone, que é feito com crina de cavalo. Depois tem a crina vegetal que é fibra de vegetais, que os primeiros sofás eram feitos assim.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – E como é que foi evoluindo isso aí?
R – Aí eu já não sei muito bem a história (risos). Mas a modernidade veio a espuma, essas coisas e entrou a espuma e se deu bem no mercado de sofá.
P/1 – E você tem que saber o quê, Geometria?
R – Ah, tudo, geometria, tudo. Principalmente Geometria, né?
P/1 – O que mais?
R – A base mesmo é Geometria.
P/1 – Voltando um pouquinho, o que você acha que precisa ter pra ser um bom comerciante?
R – Pra ser um bom comerciante?
P/1 – É.
R – Ah... tem que ter vários fatores. Tem que ter o tino comercial, tem que ter a sorte também, que é importante e ser honesto, né? Comprar, vender, explicar tudo certinho o que está vendendo, o que vai comprar, tudo.
P/1 – O que é esse tino comercial?
R – Ah, isso...
P/1 – É difícil de explicar, né?
R – É difícil de explicar porque isso já nasce dentro de cada um. Ninguém entra numa faculdade: “Quero ser comerciante”, não tem. É o jeito mesmo. Aqui na marcenaria eu uso muito umas técnicas que não sei da onde que veio, mas a venda praticamente é do tino comercial. Eu sou mais comerciante do que praticamente um marceneiro (risos).
P/1 – E o que você faz geralmente pra vender alguma coisa? Como é que você fala com as pessoas, com o cliente? Tem alguma técnica ou você acha que?
R – Olha, todo mundo que faz negócio comigo, os amigos meus que veem eu fazer, eles falam que eu tenho o dom de convencer. Agora eu não sei como eu faço isso, mas é natural meu, não sei como é.
P/1 – Você acha que nasce com isso então?
R – Eu acho que nasce com isso. Isso foi passado provavelmente pelo meu pai, estava no DNA do meu pai e passou pra mim, foi assim (risos).
P/1 – Agora, como é o trabalho de marcenaria?
R – Ah, é um serviço gostoso porque primeiro você tem que vender, depois você tem que explicar a parte técnica de tudo o que você vai fazer. Depois você tem que executar o serviço, tem que projetar. E depois tem que fazer instalação. Tudo, desde que o cliente procurou você, você já tem várias tarefas a serem cumpridas. A primeira é vender, depois executar o serviço, depois entregar.
P/1 – E você aprendeu no Senac também essa questão da madeira?
R – Eu aprendi no Senai. Eu fiz o curso de marcenaria no Senai, depois a demanda foi muito grande, eu fui começando a conversar com vários profissionais, aí já comecei a cair na mão de engenheiros e arquitetos, então eu tive que aprender a falar na linguagem de escala, tudo. Aí eu tive que entrar no Liceu de Artes e Ofícios, fiz o curso de projetista e fui. Agora eu converso com engenheiro, com arquiteto naturalmente. Antigamente eu fugia, agora eu converso normal (risos).
P/1 – E teve algum trabalho que você teve que fazer nesses anos todos desde 2000 que você se lembra até hoje que você achou interessante ou que você leva com você?
R – Como assim?
P/1 – Algum trabalho que você fez que foi desafiador?
R – Ah sim, o primeiro serviço que eu tive aqui foi muito bacana, eu lembrei da minha história da escola, que a professora de Geometria falou que é pra gravar que um dia no futuro eu iria precisar dessa matéria. Era a respeito da regra do pi, que é a circunferência, 3,14. Aí veio um arquiteto aqui, ele veio de Portugal, estava há um mês aqui no Brasil e pegou um projeto de fazer um catavento de exposição. Aí ele pegou, veio com a planta assim: "Você faz isso?”, e eu estava praticamente começando a marcenaria. Eu olhei assim, tinha diâmetro. Aí o cara falou pra mim, o Jairo: “Mas olha, tem muito cálculo aqui”. Eu sempre fui, gostava de desafio, eu falei: “Não, pode deixar comigo”. Eu peguei e fiz. Peguei o pi, calculei o pi certinho, tudo certinho. E ele mesmo falou: “Po, isso nem em Portugal eu pegava um cara pra fazer igual esse”. Foi o primeiro elogio na marcenaria. Foi bacana (risos).
P/1 – E você está há quantos anos trabalhando com isso, mais ou menos?
R – Estou mais ou menos uns dez anos.
P/1 – Você está se aperfeiçoando com esse tempo?
R – Até uns dois, três anos atrás eu me aperfeiçoei bastante, aí eu dou uma paradinha. Mas eu estou precisando fazer mais uns cursos aí (risos).
P/1 – E como é que está andando esse negócio hoje?
R – Hoje o mercado está um pouco fraco, mas eu não tenho muita dificuldade em vender. Eu só tenho problema, um pouco, de mão de obra, que não consigo achar a mão de obra pra me ajudar a trabalhar.
P/1 – Você acha que precisa de mais alguma pessoa aqui?
R – Preciso... é o que eu falei, eu sou um vendedor nato, se eu sair hoje eu venho com dez, 15 pedidos tranquilamente, não tenho dificuldade nenhuma em vender, tenho problema de entregar (risos).
P/1 – E de ter como fazer tudo, né?
R – Sim. Como fazer. E eu preciso de gente pra trabalhar, mas eu não consigo achar.
P/1 – Por que?
R – O mercado é ruim de mão de obra, é muito fraco. E deixo de ganhar porque não tem como entregar, a gente acaba perdendo por causa disso.
P/1 – É um problema curioso, né?
R – É, deixa de ganhar. Enquanto todo mundo tem dificuldade em vender, nós não temos dificuldade nenhuma, nós temos dificuldade em entregar. Gozado, né?
P/1 – Vamos voltar um pouquinho no tempo, me fala como é que foi que você conheceu sua esposa atual.
R – Eu conheci (risos), foi até histórico. Porque eu tinha minha namorada, quando eu tava legal e eu sempre gostei muito de carro. E eu tinha uma turma de amigos e a gente ia na feira de carros antigos no Pacaembu. Então quando a gente saía da feira do Pacaembu à noite, toda terça-feira a gente ia num café, pode falar o nome?
P/1 – Pode.
R – No Café France ali na avenida Sumaré e tipo parava lá, se reunia, ficava tomando cafezinho e ia embora pra casa. A gente era uma turma de homens,de amigos e do lado sentava sempre uma turma de mulheres. E eu ficava sempre paquerando uma loira porque era bonita, tal e ficava assim.
P/1 – Era sempre a mesma turma de mulheres.
R – Era. Sentava aqui a turma de homens e a turma de mulher lá. Aí a gente ficava só olhando e nada, ninguém chegava em ninguém. E nessa a dona do café era nossa amiga. Aí eu falava pra garçonete: “Manda uma trufa praquela loira lá”. E nada. Na outra semana mandava outra trufa e foi assim, várias semanas, que foi indo, foi indo, foi indo. E eu ajudava a minha amiga, ficava trabalhando até, às vezes. Aí um dia meus amigos não foram e as amigas dela também não foram. E eu fui, ela parou o carro do lado e eu falei assim: “Pô, qual o seu nome?”, ela falou:
“Inês”. Ela perguntou: “Qual o seu nome?”, eu falei: “É só colocar o g no seu nome, Gines”. Aí comecei a namorar com ela, tal. Eu falei assim: “Pô, você é muito orgulhosa, eu sempre te mandei trufa, mandava vinho e você nunca agradeceu”. Ela falou assim: “Mas nunca recebi nada” (risos). A minha amiga dona do café não deixava entregar. E eu pensava que entregava e não entregava. Até que um dia deu certo e estou há 16 anos casado (risos).
P/1 – Vocês casaram em que ano?
R – Eu não casei assim, eu juntei. Casei dia 29 de abril, agora 29 de abril fez 16 anos.
P/1 – E quando vocês se juntaram vocês foram morar onde?
R – A minha mulher é da Casa Verde, aí fui morar no apartamento dela e agora eu estou morando na Mooca.
P/1 – Onde?
R – Na Mooca.
P/1 – Com ela?
R – Com ela.
P/1 – Vocês têm filhos?
R – Não, ela tem uma filha. Ela ficou viúva do primeiro casamento e depois de um tempo eu casei com ela.
P/1 – Então é a sua filha então hoje.
R – Isso.
P/1 – Qual é o nome dela?
R – Karine.
P/1 – Karine?
R – Karine.
P/1 – Quantos anos ela tem hoje?
R – Tem 32 anos. Já é uma moça (risos).
P/1 – E o que ela faz?
R – Ela é enfermeira, enfermeira padrão.
P/1 – E ela mora junto com vocês ou ela saiu já?
R – Não, ela não mora.
P/1 – Mora só vocês dois então.
R – Só. Só eu e minha esposa.
P/1 – Eu queria perguntar pra você agora como é que você acha que está hoje a Zona Cerealista?
R – Como está a Zona Cerealista?
P/1 – É. O que você consegue ver, você enxerga?
R – Não é nada daquilo que eu falei pra você, não é nada. Mudou totalmente. É outra visão. Eu acho que está muito decadente.
P/1 – É?
R – É. E não vejo ninguém praticar comércio. Aquelas histórias de comerciantes você não vê mais ninguém falar.
P/1 – Que histórias?
R – Ah, as técnicas que eles faziam, às vezes até uma esperteza que eles faziam para entregar um produto. Você não vê mais nada disso.
P/1 – Você podia contar pra gente alguma história dessas que você ouvia ou que você ouve ou você viu?
R – Tem uma história que marcou bastante que não tem nada a ver com o nosso ramo, mas faz parte do Brás. Tinha um comerciante de roupa, ele até é acho que sírio-libanês, dessa região aí. E ele era muito esperto, um bom conversador e ele tinha um espelho todo torto na loja dele de roupa e ele vendia aquelas roupas todas tortas. Aí ele vestia o cara e falava assim: “Ó, você tá bonito” e aquele espelho todo torto e o cara acabava comprando a roupa dele (risos). São essas pequenas espertezas que era a alma do comércio daqui do Brás.
P/1 – E tinha alguma coisa em relação à batata, à cebola ou aos cereais que você ouviu?
R – Ah, sim. Às vezes, que nem os comerciantes de batata carregavam um caminhão, chegava no supermercado o comprador do supermercado reprovava o lote. Então, por exemplo, um caminhão azul. Então o comerciante tinha que mandar um caminhão vermelho e a equipe toda trocava, fazia baldeação, jogava a carga do azul no vermelho, mudava e acabou (risos). E o comprador comprava a mesma mercadoria que ele tinha reprovado.
P/1 – Mas assim, você falou de hoje, como é que está aqui e tal. Por que você acha que aconteceu, por que você acha que está assim do jeito que você está falando pra mim?
R – Eu acho que a modernidade, né? O supermercado abraçou tudo, pegou todos os segmentos de todos os comércios. O comércio de roupa o supermercado tem, tem comércio de eletrodoméstico, tem tudo. Agora é hipermercado mesmo, realmente ficou tudo na mão deles, canalizou tudo pra eles.
P/1 – E você vê algum futuro pro comércio da Zona Cerealista? Você acha que pode se reinventar ou não?
R – Pelo que eu estou vendo aqui, eu vejo que está caminhando pro estilo 25 de março: bastante camelô, eu acho que isso não é legal.
P/1 – Ah, é?
R – É. Eu acho que não é legal.
P/1 – Mas camelô de roupa ou de comida mesmo?
R – De tudo. Já tem até camelô de, tem um tipo de um entreposto no final da rua Santa Rosa que tem até muitos ajudantes, carregadores de batata, que descarregava batata e acabou virando comerciante, né? E com tudo isso, quem tinha um estabelecimento também caiu, caiu tudo.
P/1 – Então você acha que o futuro vai ser mais ou menos esse, talvez, a 25 tomar aqui.
R – É, eu acho que está ficando com cara de 25 de março.
P/1 – Agora, pra você, você tem algum sonho para o seu futuro, algum plano? Como é que está isso aí?
R – Hoje o meu sonho é me defender da crise (risos). Mas bater um pouquinho na minha marcenaria. Eu vejo assim, o momento agora não é arriscar pra nada, mas se desse pra virar uma indústria, tudo bem (risos).
P/1 – E como é que está sua paixão por carro hoje?
R – Depois que o Senna morreu praticamente pra mim acabou, a minha paixão por automobilismo baixou bem. Mas normalmente em casa eu pego o celular e vejo sempre assunto de corrida, mas não perco um domingo para assistir uma corrida. Eu sempre vejo alguma coisa mas aquela paixão total acabou.
P/1 – E você assiste corrida de quê, Fórmula 1? De tudo?
R – Eu gosto de tudo que tem motor.
P/1 – Tudo.
R – É, corrida de moto, de lancha, tudo.
P/1 – E como é que era assistir o Ayrton Senna pilotar, como era essa época?
R – Era gostoso, a gente já sabia que ele ia ganhar (risos). Mesmo com a dificuldade dele, que ele tinha dificuldades, praticamente era que nem meu pai, não tinha crise, ele superava tudo. Mesmo em desvantagem ele conseguia superar, nesse sentido era bacana. E eu lembrava um pouco meu pai, que não tinha crise. “Vamos lá, vamos lá. Não é nada disso, vamos lá”. Era isso aí.
P/1 – E você se lembra de alguma corrida que te marcou, que você viu dele? Ou algum lance, alguma coisa assim em relação ao Ayrton Senna?
R – O Grande Prêmio do Brasil, a primeira vez que ele ganhou aqui foi marcante. Todas as corridas dele, se você puxa na internet, todo dia tem um acontecimento da vida dele, se você puxar hoje na internet vai aparecer uma coisa que: “Hoje, em 1983 Senna fez a primeira pole dele”, sempre teve um acontecimento, todos os dias no ano (risos).
P/1 – Mas como é que foi o dia da morte dele? Você se lembra onde você estava, como é que foi isso aí?
R – Putz, pra mim foi muito triste. E gozado que todos os meus amigos e até ex-namoradas ligaram pra mim dizendo: “Meus pêsames” (risos). E foi triste pra mim. Foi muito marcante, viu? E eu nunca fui, eu vejo o pessoal quando morre um cantor os caras vão, né, eu pensava como são bobos. Quando o Senna morreu eu fui lá. Puxa, o que faz um ídolo, né?
P/1 – Você foi no velório que saiu na rua?
R – Fui. Quando ele passou aqui no Brás, aqui na avenida Tiradentes, eu fui lá.
P/1 – Teve um cortejo assim?
R – É, foi um cortejo. Depois eu fui ali no Ibirapuera, onde estava o corpo dele.
P/1 – Entendi. Como é que foi contar um pouquinho da sua história?
R – Ah, foi bacana, parece que em cinco minutos eu contei tudo (risos).
P/1 – Nunca é tudo, né?
R – Nunca é tudo. Daqui a pouco a minha cabeça começa: “Devia ter falado isso, isso e isso”.
P/1 – Tem alguma coisa que você queria falar ou que eu não te perguntei?
R – Não. É que nem eu falei, né, depois que a gente encerrar, eu vou: “Poderia ter falado isso, isso e isso”.
P/1 – Entendi.
R – Mas a essência foi essa aí (risos).
P/1 – Foi bom, foi ruim, como é que foi?
R – O quê?
P/1 – Falar um pouco.
R – Foi bom, foi bom. É difícil falar do meu pai, sempre me emociono muito, mas foi bacana.
P/1 – Tá certo, pra gente foi ótimo também.
R – Foi bom?
P/1 – Foi bom. Obrigado, Gines.
R – Que bom, bacana, foi um prazer.Recolher