P/1 – Vamos começar, seu Cleusadir. Boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Primeiramente, agradeço a sua presença e o senhor ter aceitado ser entrevistado por nós. Vou começar a entrevista com a primeira pergunta, que é a nossa pergunta básica. Qual o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Cleusadir José Pacholski. Nasci no dia 23 de agosto de 1957, no distrito de Ijucapirama. Esse é um distrito da cidade de Jaguari, no Rio Grande do Sul. Eu nasci no sítio, na colônia.
P/1 – Certo. Qual o nome dos seus pais?
R – O nome do meu pai é Gentil Pacholski e minha mãe se chama Regina Meri Veraldo Pacholski.
P/1 – Qual era a atividade dos seus pais?
R – O meu pai trabalhava no campo. Ele tinha terra na colônia, então ele plantava, era colono. Plantava soja, grãos. Depois, ele teve a profissão de caminhoneiro, trabalhou o resto da vida como caminhoneiro.
P/1 – E a sua mãe permaneceu como dona de casa?
R – Sim, a minha mãe sempre foi dona de casa.
P/1 – O senhor tem irmãos?
R – Eu tenho três irmãos.
P/1 – Quais os nomes deles?
R – Uma das irmãs é Cleonice Luiza Pacholski. Depois, tem o meu irmão que se chama Valderir Pacholski. E aí veio a caçula, que se chama Iraci Pacholski.
P/1 – O senhor é o do meio, o segundo… Onde o senhor está?
R – Bom, eu estou inserido aí no primeiro [lugar].
P/1 – Ah, o senhor é o mais velho?
R – Eu sou o mais velho.
P/1 – Eu queria que o senhor voltasse um pouco na sua infância. O senhor disse que nasceu em uma região de colônia, sítio. O senhor chegou a passar parte da sua infância nesse sítio, nessa região?
R – Eu fiquei lá até os meus seis anos de idade. Com seis anos de idade, meu pai migrou do campo para a cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Até essa idade dos seis anos, eu me lembro muito bem das coisas que...
Continuar leituraP/1 – Vamos começar, seu Cleusadir. Boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Primeiramente, agradeço a sua presença e o senhor ter aceitado ser entrevistado por nós. Vou começar a entrevista com a primeira pergunta, que é a nossa pergunta básica. Qual o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Cleusadir José Pacholski. Nasci no dia 23 de agosto de 1957, no distrito de Ijucapirama. Esse é um distrito da cidade de Jaguari, no Rio Grande do Sul. Eu nasci no sítio, na colônia.
P/1 – Certo. Qual o nome dos seus pais?
R – O nome do meu pai é Gentil Pacholski e minha mãe se chama Regina Meri Veraldo Pacholski.
P/1 – Qual era a atividade dos seus pais?
R – O meu pai trabalhava no campo. Ele tinha terra na colônia, então ele plantava, era colono. Plantava soja, grãos. Depois, ele teve a profissão de caminhoneiro, trabalhou o resto da vida como caminhoneiro.
P/1 – E a sua mãe permaneceu como dona de casa?
R – Sim, a minha mãe sempre foi dona de casa.
P/1 – O senhor tem irmãos?
R – Eu tenho três irmãos.
P/1 – Quais os nomes deles?
R – Uma das irmãs é Cleonice Luiza Pacholski. Depois, tem o meu irmão que se chama Valderir Pacholski. E aí veio a caçula, que se chama Iraci Pacholski.
P/1 – O senhor é o do meio, o segundo… Onde o senhor está?
R – Bom, eu estou inserido aí no primeiro [lugar].
P/1 – Ah, o senhor é o mais velho?
R – Eu sou o mais velho.
P/1 – Eu queria que o senhor voltasse um pouco na sua infância. O senhor disse que nasceu em uma região de colônia, sítio. O senhor chegou a passar parte da sua infância nesse sítio, nessa região?
R – Eu fiquei lá até os meus seis anos de idade. Com seis anos de idade, meu pai migrou do campo para a cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Até essa idade dos seis anos, eu me lembro muito bem das coisas que aconteciam naquela época na colônia. O que a gente fazia lá? O trabalho com os animais, cuidar dos animais, colocar as vacas no lugar de tirar o leite, cuidar dos bezerros, levar… Naquela época, a gente pegava o grão, vamos dizer, o milho e o trigo, e tinha que levar nos moinhos para moer e fazer a farinha, fazer o pão, fazer a polenta. Eu lembro muito bem que meu pai colocava esse material em cima do cavalo e lá a gente percorria uma distância até o moinho para fazer essa farinha e trazer para casa. Depois, íamos para a lavoura, a gente capinava.
Também tinha os finais de semana onde era o lazer, vamos dizer assim, da sociedade que tinha. Tinha a igreja, o clubinho onde o pessoal se reunia todos os domingos para ir à missa e ficar lá curtindo o domingo, contando história e brincando com a criançada na época. Essa foi mais a minha infância.
Os meus avós… A gente participava muito, íamos na casa deles, escutávamos eles contando histórias do tempo deles. Foi muito gratificante. Era pesado, com tarefas árduas, mas era o que a gente tinha e era gratificante. Eu adorei esse tipo de infância, adorei.
P/1 – E a sua família, tinha vindo de algum outro lugar? Seus avós ou mesmo seus pais não eram naturais da cidade onde o senhor nasceu?
R – Não. Os meus avós não eram naturais… Eles migraram da Europa, minha avó da Itália e o meu avô da Polônia. Já os meus pais, esses sim, nasceram na cidade onde eu nasci, lá em Jaguari.
P/1 – O senhor sabe como os seus pais se conheceram?
R – Pois é, como eu acabei de falar, a gente se encontrava aos finais de semana no clube e na igreja no domingo, para rezar o terço. Pois a história deles foi por aí, nesses encontros de final de domingo, quando tinha alguma matinê, algum bailinho durante o dia. Foi aí que começou a história deles, foi dessa forma.
P/1 – O senhor tinha falado sobre as brincadeiras. Que tipo de brincadeiras… Do que o senhor brincava quando estava na infância, quando ia a esse clube?
R – Eu estou falando aí até os meus seis anos de idade. Depois, a história é diferente. O que a gente fazia quando ia para a igreja? Jogava uma bolinha, essa era nossa principal atividade de brincadeira lá. Brincar de se esconder, brincar de pega-pega, esse era o nosso afazer na época.
P/1 – O senhor comentou que os seus avós contavam histórias e nem sempre histórias muito alegres. O senhor tem alguma dessas histórias que se recorde para nos contar?
R – Pois é. Eu sou uma pessoa assim, que não me recordo… Ah, tinha uma história que o meu avô contava; na realidade, quem passava para gente era a minha avó, porque o meu avô eu não cheguei a conhecer, não tenho lembrança dele, mas a minha avó contava histórias que hoje podem não ser engraçadas. Ela contava a história de uma irmã dele, que tinha as pernas muito grossas. Esse tipo de história, tiravam sarro dela por ter a perna grossa. Era com essas histórias que eles divertiam a gente, contando causos que aconteciam no dia a dia deles. Era esse tipo de coisa, não me recordo de uma… Era sempre esse tipo de brincadeira, sempre puxando histórias de pessoas, causos que teriam acontecido com pessoas.
P/1 – Vamos passar então para essa segunda fase, quando vocês vão para Santa Maria. É uma infância que o senhor vai conseguir recordar provavelmente um pouco mais. O senhor tinha seis anos quando foi para Santa Maria com a sua família?
R – Sim, eu tinha seis anos.
P/1 – O senhor se lembra como foram as coisas lá, para onde vocês foram?
R – Sim. Nessa época, meu pai estava à procura de melhoria de situação de vida. Ele vendeu as terras dele e nós fomos morar em Santa Maria. Com a venda da terra, ele comprou e foi trabalhar com um caminhão.
Chegando em Santa Maria - na verdade, antes de chegar lá - ele construiu uma casinha. Comprou um terreno e construiu uma casinha. A gente não conhecia energia elétrica ainda na época, e chegando lá, já tinha energia elétrica. Eu lembro que a gente não alcançava nem o interruptor para ligar a luz. Começou nossa infância lá, começamos a estudar e ir para a escola.
Ele estava trabalhando com o caminhão, e para ajudar, como a gente já tinha a atividade da colônia, ele comprou a vaquinha de leite. Naquela época, tinha espaço também na cidade onde fomos morar, no bairro. A gente criava até umas galinhas ali, uns frangos, tinha vaquinha de leite. A minha mãe tirava o leite.
Nós saíamos, eu e meus irmãos, para entregar esse leite nas casas das pessoas. O calçado que a gente usava naquela época a gente chamava de "tamanca" lá no Rio Grande do Sul - era um solado de madeira com um pedaço de cor por cima, fechado na frente. Saía batendo aquela tamanquinha na rua para entregar o leite. Quando estava chovendo, colocava uma capa. E claro, sempre na escola, esses eram os afazeres depois da escola.
As brincadeiras naquela época, do que a gente brincava, quais eram os brinquedos da época? Eu venho de uma família bem humilde, a gente era pobre, como estou falando, então a gente chegava a fazer o carrinho para brincar. Eu lembro que nosso pai fazia para gente; pegava uma lata de Leite Ninho, fazia um furinho em cada lado, enchia de areia, colocava uma corda ou arame e a gente saía puxando aquilo, brincando com os colegas, com os amiguinhos. Carregando, vamos dizer assim, a forragem para as vaquinhas, ajudando a mãe nesse sentido… Subíamos muito nos pés de árvore para comer fruta, brincávamos de subir em árvores.
A vida foi assim, essa foi a infância. Eu gostava muito da cidade mesmo.
O meu pai tinha… Como vou explicar? Cavalos de hípica, de carreira. Ele tinha uns cavalos lindos. Eu montava esses cavalos dele com oito, nove, dez anos, fui até jóquei de cavalo de corrida. Depois, ele acabou vendendo esses cavalos de corrida para o pessoal de hipismo. Estes cavalos foram para o Rio de Janeiro de avião. Até os meus doze anos, eu fazia muito isso.
Outra coisa que hoje digo que é uma tremenda irresponsabilidade e nós fazíamos muito na infância, foi que meu pai me ensinou a dirigir. Com doze anos, eu dirigia o caminhão dele.
Foi uma vida mais de lutas e trabalho do que de brincar. Eu sempre fui muito profissional.
Nas horas de brincadeira, o que eu gostava de fazer? Era futebol e mais futebol com os amigos, nas quadras, nos campinhos de pelada próximos de casa. Andar na bicicleta dos amigos, porque a gente não tinha. Aprendemos a andar de bicicleta com a bicicleta dos nossos amigos, porque nós não tínhamos. A vida foi crescendo, foi subindo.
P/1 – Eu queria perguntar para o senhor agora a respeito da escola. Qual a sua primeira lembrança da escola, como foi começar a estudar?
R – Nossa, a primeira lembrança...
P/1 – A primeira lembrança que o senhor tiver.
R – A minha primeira lembrança foi lá em Santa Maria já, porque a gente chegou ali com essa idade. Foi eu chegar na escola, ver aquela escola com as classes. Um monte de pessoas, aquele monte de criançada, aquela turma toda entrando em uma sala e sentando ali… Naquela época, as carteiras em que se sentava tinham três alunos, na mesma carteira. Banco de madeira…
No primeiro momento… Aquilo me assustou no primeiro dia. Depois, quando começamos a dar os primeiros passos, começamos a escrever aquela primeira letrinha, aquilo foi mostrando outra coisa, motivando, mostrando que você estava conhecendo e fazendo algo diferente, conhecendo aquela criançada diferente, vendo e admirando o professor e pensando: "Como ele aprendeu isso para estar transmitindo para gente agora?"
A minha irmã, que tem um ano e meio… Na verdade, nem isso de diferença de mim, a gente começou junto, até pela nossa transferência lá do interior para Santa Maria. Ela sentava na mesma classe que eu, e eu não gostava. Essa é uma lembrança muito boa.
Eu lembro muito bem da escola, era uma escola municipal, mas eram escolas muito boas naquela época. Chamava-se Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, quem cuidava dessa escola eram freiras. Eu me lembro muito bem das freiras, do que elas nos passavam, da educação que elas passavam, e a gente começou a ver aquilo ali diferente de casa, claro. Você traz uma educação de berço e começa a ver outras coisas muito boas e que nos auxiliam muito lá na frente.
P/1 – O senhor estudou nessa escola por quanto tempo?
R – Eu estudei nessa escola por cinco anos. Naquela época, era do primário até o quinto ano. Ali eu fiz até o quinto ano e depois saí para outra escola, uma estadual. Para passar naquela época tinha que fazer um exame de admissão, porque primeiro era o primário e depois vinha o curso ginasial, ou ginásio - hoje é o ensino fundamental. A gente tinha que prestar um exame de admissão, tipo o que é um vestibular hoje para entrar em uma universidade, para ser aceito nessa nova modalidade escolar, que era o ginásio.
Eu me inscrevi em três escolas estaduais, e para minha sorte… Até pelos estudos, porque sempre fui um batalhador, sempre gostei, desde pequeno, de estudar… E em tudo aquilo que eu fosse fazer, pensava assim: "Tenho que ser o melhor nisso." Eu nunca repeti um ano, passei nesse primeiro exame de admissão e fui para essa escola, que se chamava Cilon Rosa Escola Estadual. Eu não sei se você quer que eu fale a história da escola, como eu ia para a escola.
(PAUSA)
P/1 – A gente estava falando dessa passagem pelo quinto ano. O senhor fez exame de admissão em várias escolas, e tinha dito em qual entrou. Eu peço que o senhor comente os detalhes e queria saber sim também tanto nessa escola quanto da outra. Como o senhor se deslocava, se era perto, se era longe...
R – Bom, na primeira escola só tinha até essa série, o quinto ano primário. Como ela… Nós íamos a pé e voltávamos a pé. A gente levava aproximadamente trinta minutos para chegar na escola. Depois, na escola onde eu fiz o exame de admissão e passei, essa sim era longe, tinha que atravessar praticamente toda a cidade, e aí era de ônibus, de transporte coletivo. E como era longe, eu tinha que levantar muito cedo.
Desde essa época, com dez, onze, doze anos, eu já tinha que levantar por volta de cinco e meia da manhã para pegar um ônibus às seis e quinze da manhã, para às sete horas estar na escola. E a volta também era dessa mesma forma. O ônibus ainda nos deixava a uns quinze quilômetros da escola, porque onde morávamos não tinha uma linha de ônibus que passasse bem próxima da escola. Era puxado.
A escola era uma das boas escolas estaduais que tinham lá. Eles ensinavam confecção de artesanato, essas coisas assim. Junto com o conteúdo didático, a gente tinha uma aula prática, onde trabalhava com cerâmica, trabalhava com madeira, com papéis, inventando e fazendo coisas. Eu lembro muito bem que eu gostava de trabalhar com cerâmica. Nós fazíamos bonecos, macaquinho mudo, surdo e cego, vasos, uma série de coisas. A gente tinha esse programa também na escola naquela época, além da matéria normal, que era Matemática, coisas assim.
Eu gostava muito de Matemática, sempre fui fascinado por Matemática. Se você pegar o meu boletim e ver notas daquela época, você vai ver que eu não tirava menos de 9,5 em Matemática no conteúdo escolar.
Depois, eu chegava em casa e repetia aquela rotina da qual falei anteriormente.
P/1 – Então o senhor voltava para casa e continuava ajudando seus pais?
R – Isso. Fazia os temas, estudava na época de provas e continuava ajudando meus pais, essa era nossa rotina.
Outra coisa da qual eu me lembro também dessa época, é que eu gostava muito de criar... Como eu falei, a gente cresceu lá na colônia. Eu gostava muito de criar aves, animais. Eu gostava muito de criar pássaros, brincar com pintinho… A coisa que eu mais gostava era de ver as galinhas com aqueles pintinhos todos em volta, dar comida para os pintinhos, essa coisa toda, criá-los.
P/1 – O senhor também se divertia, não é?
R – Sim, diversão sempre teve. Tinha bastante estudo e trabalho, mas a gente sempre encontrava tempo para tudo.
P/1 – Eu gostaria que o senhor comentasse algum episódio marcante que teve na escola. Alguma festa, alguma coisa que aconteceu. Mesmo que não tenha sido uma festa, pode ser também alguma coisa que tenha acontecido dentro da sala de aula, uma lembrança que o senhor guarde até hoje desse período da escola, uma história...
R – Tá, uma história. Uma coisa que aconteceu dentro da sala de aula foi assim: eu te falei que eu sentava junto com a minha irmã, na mesma classe. A minha irmã fez algo que eu não gostei, a professora me chamou atenção dentro da sala de aula e mesmo assim eu meio que continuei chamando atenção e xingando a minha irmã. Ela pegou uma régua que eu tinha, que estava em cima da classe, e quebrou a régua na minha cabeça. Ela bateu com a régua na minha cabeça, quebrou a régua e mandou um bilhete escrito no caderno para casa, que era para eu mostrar para os meus pais. Essa foi uma das histórias dentro da sala de aula.
P/1 – Os seus pais reclamaram muito?
R – Pelo contrário. Eles não reclamaram da professora, reclamaram de mim, porque eu não deveria fazer aquilo. Eles deram apoio à professora. E daí a gente já traz aquela formação de respeitar.
P/1 – E a sua relação com a cidade nesse período? O senhor ia e voltava de ônibus para escola. Tinha alguma outra coisa na cidade que o senhor frequentava? Por exemplo, uma biblioteca, ou ia para algum lugar no final de semana com os seus pais, ou em geral, vocês não tinham tempo? Era da casa para escola, porque vocês tinham outros afazeres?
R – Não, não. No tempo da escola, é claro que a gente tinha a hora do lazer, sim. Por exemplo, [para] pesquisas, a gente frequentava muito as bibliotecas naquela época. A gente ia para a biblioteca para ler, fazer pesquisas, para trabalhos. Aos finais de semana, também saíamos com os pais. Meu pai sempre gostou de sair, de passear, de visitar, então em alguns finais de semana meu pai saía, ia para a casa dos tios no sítio e nos levava, nós íamos juntos. Também aos finais de semana, muitas vezes eu saía com meu pai, eu saía muito com ele.
Eu falei que ele trabalhava com caminhão. No sábado, ele puxava muitos suínos, porcos, para pequenos frigoríficos que existiam naquela época. Nos finais de semana, ele também saía para fazer isso e eu era o companheiro dele. A gente saía sábado de manhã, ia para a colônia nos criadouros buscar, e chegava à noite na cidade, para entregar aos pequenos frigoríficos que existiam na cidade naquela época.
A minha relação era essa, eu saía para passear no centro da cidade… Nessa época de escola, de infância, e até um pouco da adolescência, era o futebol que rolava, bastante futebolzinho nos campinhos de pelada lá. E eu ia muito nos tios, porque nessa época que estou falando, meu pai não tinha televisão em casa. Depois do trabalho, quase todas as noites a gente ia na casa dos tios, visitá-los para ver televisão. Ficávamos lá até uma certa hora, não muito tarde, e depois íamos para casa dormir, porque tínhamos que nos preparar no outro dia para a escola de novo. Eu gostava muito de fazer isso, a gente tinha uma amizade muito grande com os primos, então era na casa dos primos. A amizade deles era muito forte, sabe? Era disso que a gente se ocupava.
P/1 – Vamos passar então um pouco para a parte posterior. O senhor terminou o segundo ciclo da escola, e como o senhor prosseguiu? Vocês permaneceram na mesma cidade?
R – Na mesma cidade, meus pais permaneceram lá para sempre. Depois desse segundo ciclo, onde eu estava na escola estadual, surgiu o seguinte… Eu não sei se posso voltar atrás para falar algo que deixei escapar e lembrei agora.
P/1 – Pode falar sim.
R – De quando você estava falando do que a gente fazia fora do trabalho. O que a gente fazia muito na época de férias também da escola? Como eu tinha meus tios todos que ficaram lá no interior, no sítio, na época de férias escolares, a gente ia para lá. Sempre tivemos esse costume de passar as férias lá no interior, na casa dos tios.
Como a gente ia para lá para a casa dos tios? Ônibus, naquela época, além de difícil, era caro. O meu pai fazer uma viagem de caminhão para nos levar, era inviável. Ele nos colocava em um trem. Existia um trem passageiro, que passava em Santa Maria e ia até Uruguaiana. Nós éramos, claro, menores, e menores não podiam viajar sozinhos, então ele nos colocava no trem, falava com o chefe de trem na época, e eles eram os responsáveis até chegarmos na cidade de Jaguari. Essa cidade fica a 120 quilômetros de Santa Maria. Lá sempre tinha um tio, um parente aguardando, "lá vai estar o fulano aguardando eles". Demorava quase meio dia para chegar lá, saíamos às sete horas da manhã e chegávamos às três ou quatro horas da tarde.
Aquilo ali me fascinou demais, andar de trem… Não tinha coisa mais linda e que chamasse mais atenção da gente, sentados naquele banquinho de madeira do trem. Acho que aquilo ali me marcou.
Na minha segunda fase escolar, de ginásio, abriu uma escola em Santa Maria onde foi minha terceira fase. Fundaram uma escola profissional lá, que era a escola da Rede Ferroviária Federal, em convênio com o Senai. Como era uma escola profissional, lá você aprendia uma profissão, e tinha também a parte didática com disciplinas educacionais - Matemática, Português, Inglês, tudo normal para você continuar os estudos. Um período era dessa parte escolar e o outro período era de aula técnica profissional.
Lá tinha várias profissões: eletricista, mecânica, tornearia mecânica, desenho técnico… Para entrar nessa escola também tinha que fazer um exame, como o vestibular hoje. Eram vários candidatos, você se inscrevia e ia lá prestar o concurso para ingressar nessa escola.
Essa escola iria iniciar, estava sendo fundada. Como era voltada para a área ferroviária e era convênio com a ferrovia, eu acho que andar de trem, naquela infância, com doze ou treze anos… Aquilo me chamou atenção. Você também ganhava um salário de menor, nós entrávamos como menor aprendiz e tudo isso foi divulgado. Isso me chamou atenção, até a parte financeira também, que já era para começar a pegar, começar a ajudar, se defender um pouco e ter o seu troquinho para fazer uma coisa a mais.
Fiz o exame para a escola, prestei o concurso, e para minha felicidade, eu passei. Comecei a estudar e a ter uma profissão ali. Ali a gente tinha a carteira profissional de trabalho assinada. Isso foi em 1973, com treze anos eu tive minha carteira de trabalho assinada como aluno aprendiz da escola.
Ali eu fiz o meu curso técnico de Eletricidade, parte elétrica, eletrônica. A gente passava também lá por fazer a fase da mecânica, a fase da elétrica, a fase da tornearia mecânica. Você era classificado. Na área que você se destacasse você iria fazer o curso técnico; eu me destaquei na parte elétrica e fui fazer essa parte.
P/1 – Deixa só eu voltar um pouquinho. O senhor tinha dito sobre essa fascinação que lhe causou o senhor viajar de trem. Eu queria saber mais detalhes de como era essa viagem.
O senhor disse que levava mais ou menos meio dia para conseguir chegar na cidade dos seus tios. Eu queria que o senhor me contasse um pouco como eram os detalhes da viagem, se o senhor se lembra do que acontecia para que isso tivesse ficado tão marcado ao ponto do senhor ter interesse de trabalhar com isso quando surgiu essa oportunidade.
R – Primeiro, é ver uma locomotiva andar sobre um trilho, tinha uma curiosidade imensa. Depois, o vagão também me chamava muita atenção. Você dentro daquele vagão, como ele se equilibrava em cima dos trilhos, que nada mais é do que o pneu em cima do asfalto. Ver a paisagem, olhar para fora e para tudo aquilo que vai passando; era um monte de vagões, uns engatados nos outros, e uma máquina lá na frente, puxando.
O que me chamava atenção também era aquela fumaça que saía da máquina, olhar aquilo ali; me chamava atenção também como é que podia, quem conduzia aquilo, como funcionava. Outra coisa também era o que existiam dentro dos vagões naquela época, porque existia tudo, e aquilo me chamava atenção - existia cozinha, você almoçava dentro dos vagões. Aquele pessoal dos trens que comandavam, que eram os chefes de trens responsáveis de pegar as passagens, vender a comida para as pessoas, verificar a sua passagem, se você tinha ou não passagem na mão, fiscalizando ali… Naquela época nem se falava a palavra "segurança", mas fiscalizavam a segurança das pessoas, orientando como deveriam fazer; me chamava muito atenção a maneira como eles eram e se vestiam, eu achava aquilo assim, bonito demais.
Foi uma coisa que eu fui pegando, acho que fui pegando o gosto por aquilo ali. Fui conhecendo lugares novos, porque o trem passava por vários lugares, e o trem transportava muita coisa naquela época, coisas que hoje você nem imagina. Na realidade, eram trens mistos, eles levavam até transporte de boi junto. Tinha vagão que tinha transporte de galinha, e porco também naquela época (risos), sério. Tudo isso chama atenção.
Uma vez eu vi, também em uma dessas viagens - quando estava voltando, no retorno das férias, para Santa Maria - que ocorreu um acidente. Eu falei do porco e da galinha; foi um acidente onde descarrilou um dos vagões que estavam na frente dos vagões de passageiros e saiu um monte de galinha lá de dentro, andando. Chamou muita atenção isso. São histórias que a gente vê, e acontecia muito isso.
P/1 – Como isso se resolveu? As galinhas saíram e aí pararam? Conte mais como isso aconteceu.
R – Houve um descarrilamento. Aconteceu lá… A linha estava irregular, a linha aberta. Veio a roda do vagão, e ali pode quebrar. Saltou fora, descarrilou… Tombou um vagão, disso eu me lembro bem, e descarrilaram dois. Eles não saem muito fora da linha. Ele parou, porque quem vem lá atrás sente alguma coisa, uma pancada; é como uma batida de carro hoje. Parou o trem e a gente foi ver o que era, colocando a cabeça para fora daquela janela, vendo o que era.
Nossa, tinham caído aqueles três vagões fora dos trilhos. A gente avistou aquelas galinhas todas, andando. Aquilo se perde, vai embora, vai para o mato.
Como eles resolveram aquilo? Nós ficamos parados lá, até resolver. Foi uma turma que cuidava da linha, com equipamentos para puxar os vagões, para colocar para cima da linha de volta, tipo um guincho. Enquanto eles não fizeram aquilo, a gente ficou lá parado. Ficamos mais de doze horas parados no local até resolverem aquilo, para seguirmos viagem.
P/1 – Foi bastante tempo, então.
R – Fica, fica. Quando aconteciam essas coisas na época você tinha que esperar socorro, porque o trem passava no meio do mato. Não tinha um ônibus que fosse lá buscar, não tinha esse tipo de coisa, então era demorado.
P/1 – Antes de comentar essa história do trem… Depois que o senhor terminou esse curso, como começou a sua vida profissional em relação às ferrovias?
R – Bom, aí começa a história. Depois que eu terminei essa escola técnica e profissional, eu não tinha a maioridade ainda. Então eu saí, continuei estudando, ajudando o pai, e com a formação profissional, até comecei a trabalhar na minha área.
Eu não tinha como ingressar na rede ferroviária na época, por ser menor. Quem já tinha a maior idade naquela época, já ingressou direto. Eu, como era menor e não tinha idade ainda, não tive como; você fica lá, tipo em um cadastro.
Nesse meio tempo, até atingir a maioridade, eu tive que servir ao Exército. Até ali, eu não tinha tido a oportunidade de ingressar na rede ferroviária. Ingressei no exército como soldado e tive que cumprir um ano de serviço. Nesse ano, logo no início, fiz curso de cabo do Exército e passei muito bem, com uma média muito boa. Como premiação, eu recebi a oportunidade de fazer um curso para sargento, na época.
Isso foi em 1976. Em novembro de 1976, quando a turma que ingressou comigo estava indo para casa, eu fui promovido. Concluí o curso, fui promovido e formado como primeiro sargento do Exército.
No ano seguinte, em 1977, a ferrovia começou a me chamar. Teve ano em que chegou a me chamar duas vezes, para ingressar na ferrovia. Eu tinha feito um histórico bom lá, eu estava no Exército e fui levando, até que chegou o ano de 1983 e eu recebi um novo chamado para ingressar na rede ferroviária.
Eu pensei bastante. "Quantas vezes já me chamaram? Onde estou a minha vida inteira vai ser essa, e eu gosto de desafios, de coisas novas." Em 1983, quando me chamaram, eu aceitei. "Agora eu vou." Pedi para sair do Exército, fiz todos os meus exames na rede ferroviária e ingressei lá em junho de 1983.
Aí começa a minha história ferroviária. Nesse ano, eu ingressei na rede ferroviária na cidade de Rio Grande, lá no Porto de Rio Grande. Lá existia uma oficina da rede ferroviária federal e eu ingressei ainda como aprendiz… Aprendiz não, mas como… Em caráter de experiência que entrei lá, em 1983. Lá sim eu comecei a desenvolver minha paixão ferroviária, comecei a conhecer locomotiva mesmo, trabalhava na locomotiva. Mudei de cidade, fui de Santa Maria para Rio Grande, na rede ferroviária.
P/1 – Como isso foi se desenvolvendo? Em que linha o senhor trabalhava, ou o senhor trabalhava em uma área mais administrativa, não diretamente com os trens?
R – Eu trabalhei como mecânico. Era uma oficina ou, como a gente chama, posto de manutenção de locomotiva. Como eu era eletricista mecânico, eu trabalhava mais fixo, em um prédio fixo, mas em oficina. Eu fazia a manutenção das locomotivas para puxar o trem. Isso englobava a linha de Rio Grande, Bagé e Santa Maria, englobava aquela linha, todo aquele trecho. Eu não trabalhava no trecho, fazendo manutenção da linha, mas trabalhava nas locomotivas que iam andar sobre a linha, puxando a carga.
P/1 – O senhor mudou de cidade para poder começar a realizar esse trabalho. Como foi sua adaptação em outra cidade, conhecendo um novo lugar, desenvolvendo outra atividade? Como foi essa sua adaptação, saindo de Santa Maria?
R – Olha, Genivaldo, saindo de Santa Maria, a experiência foi muito grande, porque você chega em um lugar totalmente desconhecido. Eu nunca tinha ido à cidade de Rio Grande. Era uma cidade portuária, com hábitos e costumes totalmente diferentes. Chega lá, e você não sabe qual direção vai tomar. Você procura onde morar, não sabe onde você vai se adaptar, o que é melhor, o que não é. "Será que esse local aqui é bom? Será que está ou não está de acordo comigo?"
As pessoas também, embora no mesmo estado, são diferentes de um lugar para outro. Comecei a morar com amigos lá, porque fui sozinho. Na própria viagem também, você vai conhecendo coisas diferentes. "Nossa, para onde estou indo? É longe demais"... Mas com o passar dos dias, você vai fazendo amizades. Amizade do trabalho, fora do trabalho, vai conhecendo as pessoas, vai conversando, pedindo informações; quando vai ver, passou aquilo e você já está extremamente adaptado. No início, você sente um pouco, mas depois passa que você nem percebe.
Aí começa minha história. Teve a adaptação e depois dali eu fui para vários, vários lugares. Eu tenho uma história muito grande.
P/1 – Como começou essa história? Quanto tempo o senhor passou nessa função, nessa cidade? O que veio depois?
R – Na cidade do Rio Grande eu passei de 1983 a 1990, sete anos. Lá eu entrei, trabalhei e comecei a minha carreira. Comecei a fazer a minha manutenção, comecei a crescer lá e com três anos de empresa passei a supervisor auxiliar.
Até passar a supervisor auxiliar da oficina responsável pela manutenção eu tive uma oportunidade também, e isso me marcou muito, eu me apaixonei. Dali em diante, eu não parei mais de viajar por trilhos. Foi em 1985, quando o Ministro do Transporte, o senhor Mário Andreazza, foi fazer uma visita na ferrovia - que era a segunda ferrovia mais importante do Rio Grande do Sul, de Rio Grande a Bagé. Eu tive a oportunidade de conhecer uma maria-fumaça e a gente fez a manutenção dela. Ela iria conduzir a comitiva do ministro de Rio Grande até Bagé e eu teria que acompanhar esse trem para caso acontecesse algo com as locomotivas, para tentar reparar, porque esse trem não podia parar no caminho.
Aquilo me marcou muito. Eu estava recém começando a trabalhar na ferrovia e com tamanha responsabilidade.
Fui crescendo e passei a supervisor auxiliar. Surgiu um outro concurso dentro da ferrovia mesmo, porque naquela época era tudo por concurso. Em 1989 surgiu esse concurso para supervisor de manutenção, só que não teria vaga para o local onde eu trabalhava, em Rio Grande; teria vaga para outros locais. Nós fizemos o concurso, sete candidatos, e existiam três vagas. Nesse concurso todo, só conseguiu chegar no final… Quem passou fui eu somente, até a parte final dele. Eram três vagas, ainda que em locais diferentes, e eu pude escolher o local para onde ir. Escolhi ir para Cruz Alta, também em uma oficina de locomotivas como supervisor, onde eu me aproximei do ramal de Santo Ângelo. Ali eu tenho outra história, também cruzada. E depois dali fui para outros lugares também. A história é grande, não sei se você vai querer ouvir toda.
P/1 – A gente vai conversando, mas queremos saber sim sobre os detalhes dos lugares por onde o senhor passou, fica tranquilo. (risos) A gente vai perguntando e chegando lá.
Então em Cruz Alta o senhor chegou a trabalhar em uma linha que passa por Santo Ângelo.
R – Correto. Em Cruz Alta, eu trabalhei na oficina e era o responsável direto pela supervisão das manutenções das locomotivas que faziam o ramal de Santo Ângelo, que tiravam o produto de Santo Ângelo. Ali tinha muito produto para sair.
Eu fazia a manutenção, era responsável pela manutenção, e conheci todo aquele trecho, conheci toda a história daquele trecho durante a temporada que estive lá. Viajei muitas vezes naquele trecho, fazendo teste nas locomotivas, para ver o desempenho delas, então eu tive um contato muito grande, viajava muito na linha. Tive a oportunidade também de viajar junto com os trens, até descendo da locomotiva quando dava algum problema. Chegava a colocar pedrinha em cima do trilho para a locomotiva não patinar, para vencer aquela linha, porque é uma linha muito acentuada, cheia de curvas, com rampas fortes.
Eu conheço bem aquela história, como se criou aquele ramal, mas a minha ligação direta mesmo era na manutenção das máquinas que faziam aquele transporte ali.
P/1 – Quanto tempo o senhor passou nesse trecho da Cruz Alta?
R – Eu fiquei nesse trecho de 1990 a 1997, foram sete anos também. Eu conheço etapa por etapa daquele trecho, como foi construído, quando foi inaugurado. É bem complexo, um ramal muito forte na parte de produção, tanto que esse ramal de Santo Ângelo tinha o apelido na época de “Ramal de Ouro”. Por que "Ramal de Ouro"? Devido à quantidade de produto que tinha para ser transportado dali.
P/1 – A gente sabe que nesse período esse ramal já não transportava mais passageiros, só carga. No anterior, já estava assim? Também já não tinha mais trens de passageiros?
R – Qual anterior?
P/1 – O anterior… O senhor começou em Rio Grande.
R – Nessa época, lá já não tinha mais passageiros. Eu conheci muitos passageiros na época de jovem, mas na época que ingressei na ferrovia já não tinha mais.
Os passageiros devem ter parado de rodar dentro desse ramal lá nos anos de 1980, 1982 no máximo. Eu creio que em 1980 já parou de rodar passageiro. O passageiro ali era muito forte, era um transporte muito grande de pessoas. Isso eu sei, porque meus colegas da ferrovia de Santo Ângelo me falavam isso. Não só ali no ramal de Santo Ângelo, como na parte de Santa Maria x Uruguaiana, era uma enormidade o que se transportava de passageiros, porque era praticamente só de trem.
P/1 – Depois desse período de sete anos, em 1987, que o senhor ficou nesse ramal de Santo Ângelo, qual foi o próximo passo, tanto profissional quanto de deslocamento também?
R – Genivaldo, depois de 1997… 1997 foi quando houve a concessão da Rede Ferroviária para a iniciativa privada.
P/1 – Ah, então conte um pouquinho como foi isso.
R – Foi o seguinte. Eu, lá em Cruz Alta… Vamos lá. Era uma incerteza muito grande do que iria acontecer. As pessoas, inclusive eu, não sabiam o que viria pela frente. Eu estava preparado para isso, porque lá atrás eu tive uma outra história. Eu mais ou menos sabia, mas estava preparado para isso.
Continuei lá depois dessa concessão, por uns dois ou três meses continuei na cidade de Cruz Alta. Foi quando começaram as visitas da chefia, dos gerentes que estavam conduzindo a ferrovia. A FSA começou a fazer visitas. Chegaram dois engenheiros lá, conversei e recebi eles. Eles ficaram dois dias lá, comigo.
Quando eles saíram para retornar para sua sede, me chamaram e falaram: "Tal dia nós precisamos que você esteja em Curitiba." Fiz a seguinte pergunta: "O que eu vou fazer?" Eu não fazia nem ideia de como era Curitiba. "Você vai ficar uns dias com a gente e ver o que estamos fazendo lá".
Bom, eu vim para Curitiba através da empresa, ficando em hotel por quinze dias. "Agora você volta para Cruz Alta, fica com a família e em quatro dias você retorna para tirar mais uns dez dias aqui com a gente." Eu fui para casa, passei uns dias com a família e retornei para Curitiba.
Do meu retorno para Curitiba passaram-se alguns dias, e recebi um convite para me transferir para Curitiba, onde era a sede da empresa, onde temos a maior oficina ferroviária. Bom, comuniquei à minha família que eu estaria sendo transferido para cá e não teria muita escolha. A minha família foi normal, aceitou: "Vamos embora." Voltei para Cruz Alta, preparei a mudança, vendi meu imóvel e a gente veio para Curitiba.
Chegando aqui foi a mesma história, cidade grande. Com a família, você passa pelos mesmos problemas, não conhece o local. Vai pegando informações com colegas de trabalho, fazendo amizade fora. Aqui é totalmente diferente, já era fora do estado. Curitiba é uma cidade assim, onde o povo é bastante reservado, e o gaúcho é totalmente diferente, mais solto, mais hospitaleiro. A escola, para os filhos se adaptarem era um problema. Aluga imóvel, vende lá, constrói aqui… Foi o que aconteceu comigo.
O negócio engrenou e eu me fixei em Curitiba, me dei super bem tanto profissionalmente, quanto fora da empresa e dentro da cidade. É uma cidade totalmente diferente, mas que oferece muitas opções, lazer à vontade. A gente criou raízes aqui. Minha família não saiu mais daqui, mas eu saí várias vezes daqui também.
P/1 – Vamos aproveitar essa pausa, digamos assim. O senhor comentou sobre a sua família. A gente ainda não tinha entrado nesse assunto, depois voltamos para a ferrovia. Nessa época, o senhor já tinha se casado e já tinha filhos?
R – Sim, eu me casei quando morava em Rio Grande ainda. Meus filhos nasceram lá em Rio Grande. Eu tenho dois filhos, como falei… Não, não falei. Eu tenho dois filhos, um é o Alexandre, o outro é Alessandro, e eles são gêmeos. Nessa altura, eu já tinha filhos. Já era um pouco diferente, quando você constitui uma família a responsabilidade é maior.
P/1 – E como o senhor conheceu a sua esposa lá em Rio Grande?
R – Na realidade, a minha esposa é de Santa Maria. Eu a conheci em Santa Maria. Quando eu fui para Rio Grande eu já a conhecia, já namorava com ela, e acabei me casando depois que fui para lá.
É até um fato interessante, conheci a minha esposa andando na rua, passeando no centro da cidade. Ela estava em uma parada de ônibus, eu passei por aquela menina e ela me chamou atenção. Eu dei dois passos para frente, voltei e puxei assunto, mas ela não me deu muita conversa.
A gente foi levando, conheci a casa dela… Aliás, naquele dia… Ela estava com uma amiga dela e eu falei: "Posso levar vocês até em casa?" e fui. Depois, marcamos de nos encontrar e ali começou.
Foi uma coisa que deu certo. Quando é para ser, quando as coisas se atraem, é aquilo ali.
P/1 – Então depois o senhor se mudou para Rio Grande e trouxe ela para morar com o senhor?
R – Sim, exatamente. Eu já tinha ido para o Rio Grande. A gente se casou em Santa Maria e imediatamente ela foi morar comigo no Rio Grande. Dois dias depois, a gente já estava em Rio Grande. Nem lua de mel deu para ter naquela época, não tinha nem férias. (risos)
P/1 – Muito trabalho, né?
R – É.
P/1 – Então voltando para esse período em que o senhor já chegou em Curitiba. O senhor já tinha seus filhos, precisava fazer toda essa adaptação, não só sua, mas da família também, das crianças. Conte então como as coisas foram prosseguindo em Curitiba, que trabalho o senhor começou a realizar na sede, como isso aconteceu.
R – Quando eu vim para Curitiba, foi o seguinte: cheguei aqui e vim para trabalhar em um setor… Tudo ligado à mecânica, mas um setor responsável pelo licenciamento de trens, para a circulação desses trens. Esse setor precisava de mão de obra técnica e profissional para fazer atendimento em toda a ferrovia, do Paraná até o Rio Grande do Sul, de locomotivas e vagões que porventura tivessem alguma quebra, algum tipo de avaria no trecho, no meio da linha. Eu vim para cá para fazer esse tipo de trabalho.
É um trabalho fascinante. Você tem que ter um conhecimento técnico, conhecimento de funcionamento de uma máquina… Qual era a nossa função? Tentar resolver o problema dessa máquina, lá no trecho, com ela avariada. Ela não acelera, não anda para nenhum lado, não tem força, não tem potência para puxar o trem… Então você tinha que ter conhecimento para tentar resolver esse tipo de problema, para não ter que ir um socorro, uma outra locomotiva lá para puxar o trem, ou deixar a matéria da carga no trecho e seguir só com uma locomotiva funcionando.
Era um trabalho extremamente técnico para tirar a avaria da máquina. É como um carro quando quebra no meio da sua viagem - você reboca, ou tem que ir atrás do mecânico. A gente fazia isso com o maquinista lá no trecho, orientando a fazer certas operações na máquina para tentar restabelecer o problema. Você tinha que falar uma linguagem que o maquinista entendesse e mostrar a localização do equipamento lá dentro da locomotiva para ele mexer.
Nesse tempo, também, eu fui instrutor de maquinista. Eu dava treinamento mecânico, elétrico e de freio para os maquinistas que conduziam as locomotivas. Por três anos eu fiz isso. Depois, aqui em Curitiba mesmo, eu saí dessa área e retornei para a oficina de manutenção, de onde saí. Fui para dentro da oficina como analista de manutenção e ali me tornei coordenador de manutenção. Foi o que aconteceu aqui em Curitiba.
P/1 – Eu queria que o senhor comentasse se tem alguma história interessante desse período. Por exemplo, nesse período em que o senhor fazia esse contato remoto, à distância com o maquinista que estava com algum problema. Teve algum caso interessante que aconteceu e que o senhor possa contar para gente desse atendimento a distância e de tentar fazer a pessoa entender o que ela podia fazer ali para prosseguir a viagem?
R – Eu vou te contar dois casos. Você começa a conversar com o maquinista e começa a falar o nome dos componentes que têm na locomotiva. Foi um caso interessante, eu tenho essa mensagem até hoje guardada comigo.
A máquina deu um problema, ela não andava. Eu comecei a conversar com ele e disse: "Olha, você vai na parte traseira do armário elétrico da locomotiva, abra a tampa da direita, e na sua frente você vai encontrar dois release que estão identificados com as letras tal, tal e tal. Ws12, Ws14 e Ws16. Você vai lá, mexe, e eles têm que estar soltos, porque são de atuação, então têm que estar soltos. Se ele estiver preso, é porque ele atuou e é isso que está causando problema na locomotiva.”
O maquinista foi lá, voltou e passou a seguinte mensagem: "Professor…" Isso porque eles tinham aula prática comigo, eu sempre gostei de dar muita aula prática. Ele voltou e disse: "Professor, o problema era lá onde você falou, era lá onde você me orientou. Mais uma vez você é o meu mestre." O trem prosseguiu. Eu respondi para ele: "Estamos aqui para ajudar e o meu prazer é ver o trem andando e você chegando em casa no horário certo, para estar próximo da sua família."
A outra história que me marcou aqui também foi que nessa época a gente trabalhava por turno, por escala. Faziam os horários da manhã, da tarde e da noite. O meu colega estava fazendo o horário da noite, da madrugada, e eu cheguei às sete horas para assumir o trabalho dele, porque um passava para o outro. Eu iria a assumir o meu turno, e o pessoal do licenciamento de trens falou: "Agora chegou o cara que vai resolver os nossos problemas". Meu colega falou assim: "Olha, eu estou lutando com uma locomotiva aqui desde as duas horas da manhã” - nisso, já eram sete horas - “e não tenho alternativa para tirar esse trem de lá, porque não tenho outra máquina próxima para tirar esse trem."
Eu perguntei qual problema estava acontecendo. "Qual tipo de pergunta e entrevista você fez com o maquinista?" Ele me passou: "Fiz isso, isso e isso." "Tá bom, cara, tu fez praticamente o que tinha que ser feito, mas deixa eu falar com esse maquinista."
Falei com o maquinista, conversei com ele por telefone. "Olha, o meu colega já te fez uma série de questionamentos; me desculpe, mas eu vou fazer uma pergunta muito banal, que você já deve ter feito." A locomotiva não ligava, o motor a diesel apagou e não ligava mais. Eu falei para ele: "Você testou o fusível da partida desta máquina?" "Testei." "Você chegou a substituir o fusível?" "Eu testei, estava funcionando e coloquei de volta."
Um fusível é nada mais, nada menos do que a lâmina que tem dentro dele para proteger o circuito. Esse fusível se rompeu, abriu por dentro, mas como a lâmpada puxa uma corrente muita fraquinha, você testa e ele não acusa o defeito. O maquinista disse que não trocou e eu falei: "Você tem outro aí?" "Tenho." "Então troque o fusível." O cara trocou o fusível, ligou a máquina e o trem partiu, depois de sete horas parado.
Veio aquele negócio: "Eu sabia, só estava esperando você chegar."
São essas as histórias que a gente tem. Dentro do contexto em que estamos, é isso aí.
P/1 – Ficou bem claro que tipo de trabalho o senhor fazia. O senhor acabava salvando as locomotivas e os maquinistas com esses procedimentos, que às vezes eram simples, mas que eles não tinham pensado e nem tentado ainda.
Depois desse período, o senhor chegou a dizer que saiu de Curitiba. Para onde foi e o que o senhor foi fazer em outro local?
R – Bom, eu saí de Curitiba para Porto Alegre, retornei para o Rio Grande do Sul, também em uma oficina de manutenção que temos lá, também como coordenador da área de manutenção de locomotivas. Qual era o trabalho? Você tinha toda a coordenação da equipe de manutenção, fazer o planejamento da manutenção, fazer o número adequado de manutenção, controlar os estoque que você tem de materiais, pensamento financeiro, é responsável pelo atendimento dos trechos nas linhas quando ocorriam acidentes. Era essa a função, tudo ligado com a manutenção. Execução da manutenção, planejamento, atendimento dos acidentes, coordenar a equipe de manutenção, fazer todo o planejamento da manutenção...
P/1 – E quanto tempo o senhor permaneceu em Porto Alegre?
R – Em Porto Alegre permaneci por um ano e meio, mas a minha família, depois que veio para Curitiba, não saiu mais daqui. Sempre retornei para esses locais sozinho. Eu permaneci um ano e meio lá e meu chefe me trouxe de volta.
A gente teve que diminuir o contingente lá por conta da quebra da safra do Rio Grande do Sul por causa da seca. Houve algumas fusões de áreas para diminuir o efetivo e eu voltei a Curitiba.
Eu fui parar lá em Porto Alegre… Eu questionei na época: "Por que voltar para o Rio Grande do Sul se saí de lá?” Tinha outro local para ir, que era mais para o Norte do Paraná. Eu tive a seguinte resposta: "Perfil." Estive lá, retornei a Curitiba e… Não sei se você quer que eu prolongue toda a história.
P/1 – A gente vai resumir um pouquinho essa parte porque quero chegar em uma pergunta para o senhor, mas acho que é uma questão mais próxima de hoje em dia, que seria o prêmio que o senhor recebeu. Mas eu quero que o senhor continue. O senhor voltou para Curitiba e depois disso permaneceu, ou chegou a sair mais alguma vez?
R – Eu saí mais. Vou contar bem rápido então, muito rápido para não demorar. No meu retorno à Curitiba, estive aqui por mais um ano mais ou menos e voltei para a oficina.
Durante esse ano houve a aquisição, ou seja, a concessão da Malha Paulista. A LL assumiu a concessão da Malha Paulista. Assim que a LL assume a Malha, eu sou a primeira pessoa da mecânica a ser transferida para São Paulo, na cidade de Araraquara, e lá atuei também na mesma função, como coordenador da área de manutenção. Por lá, eu permaneci por três anos e retornei à Curitiba, sempre na oficina de manutenção.
Não chegou a dar um ano aqui e recebi um chamado, um convite para ir para o Mato Grosso… Não é o Mato Grosso do Sul. Mato Grosso, lá no Alto Araguaia, próximo de Rondonópolis. Lá fui eu para Rondonópolis, aliás, Alto Araguaia, introduzindo a cultura da LL. É um local bastante difícil, a cultura lá é totalmente diferente. Permaneci lá por um ano e meio e conquistei muitas vitórias na produção. A gente bateu recordes de produção, de transporte.
Depois desse ano e meio, eu retornei para Curitiba na função de coordenador ainda. Não passou muito tempo e passei para a área de especialista de manutenção. É daí em diante que começou a história de como ganhei esse prêmio. Não sei se você quer fazer as perguntas do que eu fiz depois para chegar lá.
P/1 – Sim, com certeza, quero saber sim, e também tentar… Eu vou fazer uma pergunta breve nesse aspecto. Nesses lugares pelos quais o senhor passou, em vários estados, qual foi o mais difícil de chegar e pensar: "O que tenho que fazer aqui agora? Está complicado"? O senhor se adaptou em vários lugares, é claro, mas qual foi o mais difícil?
P/1 – Foi no Mato Grosso. Como eu vou… Voltando lá para a minha infância, onde você não tem quase nenhuma instrução e quase nenhuma visão do que a empresa quer, do que a ferrovia quer, qual a cultura da empresa e a filosofia da empresa. Chegar lá e introduzir isso não é fácil, mas como eu sempre trabalhei e acho que deu para perceber ao longo da minha história que sempre trabalhei com pessoas, sempre fui um líder de pessoas, você tem que ser muitas vezes um psicólogo. Cada pessoa é diferente da outra e você começa a trabalhar isso, começa a trazer as pessoas junto contigo, começa a fazer com que elas entendam aquilo que você quer. Muitas vezes tem pessoas que não entendem e você tem que encontrar uma forma de fazer entenderem isso.
Lá era totalmente diferente uma manutenção do que a gente fazia aqui. A visão da manutenção, visando a segurança, visando a confiabilidade daquilo que você está fazendo e do trabalho que está realizando era totalmente diferente, porque o pessoal não olhava para esse lado. Eu cheguei e pensei assim: "O que eu vim fazer neste lugar?"
Olha, com trabalho, e tendo as pessoas do seu lado, você vira montanhas, porque sozinho você não chega a lugar nenhum. Você tem que trazer as pessoas para o seu lado e fazer elas entenderem aquilo que você quer. As pessoas vêm, jogam junto e você se torna um grande vencedor. É um sucesso, é um orgulho ter estado lá, ter revertido uma situação, ter conquistado aquele pessoal e deixar recordações, lembranças como você deixa. Até hoje as pessoas não esquecem e me ligam, ligam sempre que podem para uma coisa ou outra, uma dúvida… É assim, mas lá foi o local mais fácil.
P/1 – Então vamos nessa questão do prêmio. O senhor disse que teve algumas etapas ainda, depois que o Senhor voltou para Curitiba do Mato Grosso, para que chegasse nesse prêmio. Eu peço que o senhor conte um pouco o que foi esse prêmio e o que aconteceu antes para chegar nesse prêmio.
R – Sim. Chegando do Mato Grosso em Curitiba novamente, eu passei por uma nova função, que era fincado e especialista. Eu já não tinha mais pessoas sob o meu comando, passo a olhar a mecânica mais por cima, como um todo, dando assistência técnica, planejamento… Surge a Rumo, que assume a LL. Primeiro tem uma fusão, e depois dessa fusão, a Rumo assume a parte que era da LL.
(PAUSA)
P/1 – Vou pedir para o senhor retornar só um pouquinho. O senhor estava como especialista e chegou a Rumo.
R – Eu me tornei especialista de manutenção e a Rumo assumiu. E veio com outra visão, outra cultura, totalmente diferente. Começa o crescimento, começa a aumentar a produção, a gente começa a ter necessidade de ter mais ativos para pegar e colocar na circulação, compra de equipamentos novos, e também ver soluções que temos dentro de casa e que podemos fazer, podemos executar.
Chega todo o pessoal, toda a diretoria e gerência, e a pessoa que foi nos comandar… Nós começamos a conversar e eu dei algumas ideias, mostrei para ele toda a nossa situação de como a gente se encontrava. Visitamos toda a parte da oficina e falei para ele: "Temos esse bens, que são locomotivas que estão aqui há mais de dez anos paradas. Está só o esqueleto, a carcaça da máquina. A minha vontade é pegar e voltar para circulação, remodelar e reformar totalmente uma máquina dessa e colocar na circulação. São locomotivas que têm 37 anos e a gente não renova uma máquina dessa há mais de 37 anos." Ele perguntou: "Tem condições?" E eu disse: "Tem." "Do que precisamos para isso?" "Precisamos orçar para ver quanto vamos gastar e ir atrás de equipamentos" - porque não tinha nada, só o esqueleto, estava nascendo mato em cima das máquinas, de tantos anos que estavam paradas.
Eu montei todo o orçamento e deu um valor x. A gente foi levando esse orçamento para frente, ele foi demorado para aprovar, mas esse chefe nunca desistiu, sempre me deu apoio. A gente levou quase dois anos para aprovar esse orçamento. E para aprovar, eu tive que fazer um novo projeto para abaixar esse custo.
Como a Rumo havia adquirido e comprado locomotivas novas, ela estava tirando outro modelo de locomotiva. Esse modelo que estava saindo de circulação era um modelo mais moderno do que o que eu queria reformar. Ela é uma máquina moderna, mas pelo tamanho dela não tem condições de atuar nos trechos, ou seja, nos ramais, que essa locomotiva que eu estava prevendo reformar, projetando, colocando como projeto de reforma andaria. Essa máquina não roda nesses trechos, porque é muito grande. Como essa máquina estava saindo de circulação, a gente estava desmontando ela e era uma máquina própria da Rumo, eu pensei: "Mas se eu tirar o equipamento dessa máquina que é mais moderna e colocar nessa máquina que quero reformar, acho que dá certo e vou abaixar o curso desse projeto."
A gente fez todo o planejamento e eu peguei um colega meu para montar para mim o projeto do desenho elétrico. Esse engenheiro montou para mim o projeto elétrico. Eu peguei todos os equipamentos dessa máquina, abaixei o custo em quase R$500.00,00, retornei e deixei essa máquina nova. Eu entre aspas, porque fui eu e a minha equipe. Volto a falar, sem a… Eu fui o mentor e liderei esse projeto do início ao fim, acompanhei do início ao fim, mas foram várias pessoas que participaram desse projeto. Consegui deixar essa máquina nova, em condições, com um quinto do valor de mercado de uma locomotiva nova daquele modelo.
Bom, essa máquina entrou para circulação, e é uma máquina que vai rodar na nossa linha… Eu quero estar vivo para ver… Ela vai rodar no mínimo uns quarenta anos.
Nesse projeto, com essa economia e por aumentar a capacidade de transporte da companhia, eu fui agraciado dentro da Rumo… A Rumo tem esses prêmios. Eu participei de um processo onde a Rumo premia as pessoas. Eu conquistei essa premiação na Rumo como "Ferroviário Padrão da Rumo em 2018" pela minha dedicação a esse projeto focado na empresa. Eu conquistei esse projeto dentro da empresa.
Mediante isso, todo ano, cada empresa ferroviária do Brasil escolhe o seu ferroviário padrão. Essas empresas que são… Aliás, as pessoas que são indicadas por cada ferrovia compõem um evento que a Revista Ferroviária promove… A Revista Ferroviária de São Paulo é uma revista que tem oitenta anos dedicados exclusivamente aos serviços ferroviários, ou entidades ferroviárias, empresas que trabalham no ramo ferroviário. Ela promove um evento anualmente, onde é escolhido e premiado o ferroviário padrão em nível do Brasil. Como eu ganhei como ferroviário padrão na Rumo, fui indicado para participar desse evento e premiação, onde todas as ferrovias estavam presentes, e todos nós, ferroviários indicados, estivemos lá.
Eu tive a honra e o privilégio de ser agraciado como o ferroviário padrão em nível Brasil no ano de 2019. Esse foi o meu marco na história ferroviária, acho que por todo esse tempo e o trabalho que fiz, claro, com a ajuda de todas as pessoas que sempre tive ao meu lado.
P/1 – Meus parabéns, porque o senhor ganhou, na verdade, dois prêmios. Não foi um só, foi um interno e outro nacional.
Continuando então, a gente já vai se encaminhar para o bloco final da entrevista. Em que ano exatamente a Rumo assumiu?
R – A Rumo assumiu em 2015.
P/1 – Certo. De lá para cá, quando o senhor tocou esse projeto, o senhor continuou como este analista que olha um pouco mais de cima em relação a projetos e inovações internas ou externas?
R – Sim, eu continuo na mesma função, como especialista. Agora eu passei também para a parte do planejamento e controle da manutenção. Planejamento e controle da manutenção de toda a malha - retificando, da Métrica Sul. Eu faço parte da área de planejamento e controle da manutenção da Métrica Sul.
P/1 – Essa Métrica Sul compreende quais regiões?
R – Compreende o estado do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul.
P/1 – Então, essa é sua função atual. Dentro dessa região, o senhor faz esse planejamento e a manutenção.
R – Eu sou a pessoa que dá sustentação para isso aí, na área técnica.
P/1 – E nisso, permanece em Curitiba. Depois disso, o senhor não saiu mais de Curitiba?
R – Sim, permaneço em Curitiba. Depois disso, não saí mais de Curitiba.
P/1 – Eu vou encaminhar para o bloco final da nossa entrevista, para começarmos a pensar um pouco mais nos dias de hoje. O que o senhor faz hoje - não profissionalmente, mas digo fora. Como funciona a sua vida neste momento fora do trabalho já que o senhor está estabelecido em Curitiba há um tempinho e está um pouco mais tranquilo?
R – Minha vida social, fora do trabalho?
P/1 – Isso. O que o senhor gosta de fazer? Lazer, atividades fora do trabalho.
R – Excluindo a época da pandemia, o que gosto de fazer? Eu sou um verdadeiro apaixonado por ferrovia. Ser ferroviário é uma coisa assim, contagiante. Só quem está nesse contexto para saber o que é, para sentir o que é isso. Onde corre sangue nas nossas veias, aqui parece que corre ferro. Então, muitas vezes, o que eu faço em casa? Procuro me atualizar sobre ferrovias.
Saindo para a área pessoal e de lazer, eu gosto muito de futebol, gosto muito de ir a campo de futebol, gosto de curtir um bom passeio, parques… Gosto muito de viajar, conhecer lugares novos, praias, essas coisas. Gosto muito, muito mesmo. Agora mesmo, antes da pandemia, eu já estava com viagem marcada nas minhas férias para o exterior e não deu para ir. Eu me atenho a isso. Curtir bastante os netos, porque agora vieram os netos. Neto é uma coisa maravilhosa, nunca vista. É muito bom isso, bom demais, a gente se renova.
Faço planos também para o futuro, porque eu não penso em parar de trabalhar e me acomodar, então faço planos para quando não precisarem mais dos meus trabalhos ou quando meu ciclo se encerrar na Rumo. Estou me preparando para talvez ser um consultor no ramo ferroviário, prestar consultorias para o ramo ferroviário. É a isso que me atenho, curtir a família.
P/1 – Falando em planos, uma última pergunta sobre seu trabalho, que não perguntei antes. Eu queria que o senhor falasse um pouco sobre os planos da Rumo. O senhor tem informação? Claro, algo que possa falar, que já esteja confirmado. Qual o trabalho que vocês estão fazendo agora e os planos mais próximos da realização?
R – Sim. A Rumo tem muitos planos, inclusive a longo prazo.
Antes de eu falar do planos da Rumo, acho que minha visão e acho que a visão geral é de que a ferrovia é desenvolvimento, é o futuro de qualquer país. Ferrovia é desenvolvimento e crescimento. A Rumo não fica para trás, investe, vai investir, tem planos agressivos, e isso a longo prazo também, planos até para 2040. Mas eu vou me ater aos que estão mais próximos.
Alguns a gente até está vivendo no momento, que é a Ferrovia Norte Sul, a ferrovia central, uma ferrovia que não estava terminada a sua construção. A Rumo há pouquíssimo tempo atrás ganhou o leilão da concessão e começou a atuar muito forte, com um investimento muito grande nas obras para concluir. Nós já temos um trecho que começa a operar e produzir já no ano de 2021. Vai ligar o Tocantins, começando lá no final de Tocantins, descer por Goiás, entrar por São Paulo e vir até o porto de Santos.
São vários investimentos: modernização de pátios da ferrovia para dar uma sustentabilidade maior para o desenvolvimento, crescer o transporte, aumentar a demanda de transporte, aumentar a quantidade de produto transportado… Os trens ficam maiores, então a gente tem que ir se desenvolvendo para evitar barrar o trem e ele ficar muito tempo parado no trecho, pelo pátio de cruzamento ser pequeno. Investe-se muito nisso, na dimensão de tamanho dos pátios.
Outro plano que a Rumo já projeta e começa a trabalhar forte em cima é a renovação da concessão da Métrica Sul, englobando esses estados que falei há pouco, que são o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. Trabalhar muito forte para renovar a concessão e aí sim começar a trabalhar em cima de projetos de aumento de capacidade, de estrutura, de vias férreas.
Eu vou falar aqui até palavras do ministro Tarcísio de Freitas. Ele fala muito no crescimento na região do Rio Grande do Sul, onde a gente pode reativar algumas malhas, alguns ramais que hoje não estão em operação. A gente tem como captar produtos, e se fala em trabalhar muito forte nisso. Também se fala de um novo projeto de construção de uma nova via férrea, um novo traço de ferrovia ligando o Mato Grosso do Sul, de Jacaraú a Cascavel, no Paraná, Guarapuava. Daqui para o litoral, exportando matérias pelo Porto de Santos. É um projeto que já está em discussão, está em andamento e até já foram abertos estudos para ser viável. Isso é mais a longo prazo, para frente.
A Rumo investe muito em tecnologia, em projetos de tecnologia, buscando o que vai ser uma ferrovia lá no ano de 2040, vendo as oportunidades que vai ter de desenvolvimento nesse sentido. Sempre desenvolvendo técnicas novas para aumento da produção.
Outra coisa são os projetos de investimento de bens ativos, como locomotivas, modernização de vagões, fazendo uma frota mais moderna, modernização de locomotivas. Por exemplo, você pega uma locomotiva mais antiga, transforma e faz um microprocessamento da locomotiva. Você aumenta a aderência dela, o peso por eixo, você tem todos os controles eletrônicos e com isso dá uma capacidade maior de potência dessa máquina, então ela vai puxar uma carga bem maior, um volume maior, um peso mais amplo. A gente tem todo esse desenvolvimento.
P/1 – Voltando para as suas questões pessoais e sua vida pessoal, como está sendo esse momento de pandemia e isolamento pessoal para o senhor? O que mudou no seu dia a dia com esse isolamento?
R – Genivaldo, por tudo aquilo que já passei, isso está sendo uma experiência única para mim. No início… A Rumo tomou todos os cuidados apontados pela saúde, inclusive eu me encontro em home office pela minha idade, mas eu não queria… Na época, eu não queria me afastar e trabalhar em home office, porque eu me sinto bem e o meu lugar é aqui, mas a gente não tem escolha, é saúde e vamos lá. É para o nosso bem. Fui para casa, estou trabalhando em casa, mas os primeiros dias foram dias de muita angústia, ansiedade, um nervosismo muito grande, sem saber o que iria acontecer com tudo isso, o que viria pela frente, afastado das pessoas, de tudo, da família, dos netos…
A gente se vê, mas sem entrar, ter aquela convivência. Fazer aquele nosso churrasquinho de final de semana, curtir a família. Isso parou na pandemia e me dói muito, me machuca muito.
No meu caso também, o meu dia a dia é mais de contato, vamos dizer assim, então eu preciso muito disso. Dificulta bastante, mas a gente acaba se adaptando.
Hoje estou bem adaptado mesmo, não tenho mais aquela ansiedade que eu tinha antes. Montei meu escritoriozinho em casa e estou trabalhando de lá feliz e satisfeito, mas com uma vontade imensa e não vendo a hora de que isso tudo acabe e que a gente volte com as atividades normais.
A mudança foi muito grande, acho que vai demorar a ser aquilo que era, se voltar um dia. Aquela vida social que a gente tinha, os cuidados com a saúde… Embora eu ache que isso tenha vindo para mostrar muita coisa para gente, muita coisa que a gente não estava acostumado a conviver… Isso mostrou coisas sobre a nossa saúde que temos que levar mais a sério; nos cuidarmos mais, não praticar certas coisas que praticávamos. Acho que foi mais uma experiência e história de vida que vamos ter para contar para os nossos netos depois.
P/1 – Quais são seus sonhos atualmente?
R – Olha, Genivaldo, meu sonho… Meu sonho como profissional é continuar nessa ferrovia, ver essa ferrovia crescer como deve - e ela está no caminho - ver o desenvolvimento com esse potencial que a gente tem para desenvolver… Oxalá! Que eu consiga ainda ver o meu neto como um engenheiro ferroviário engajado dentro de uma ferrovia. Formá-los, vê-los crescer e curtir muito, muito a minha família, meus filhos, meus netos.
P/1 – Por fim, a última pergunta: como foi para o senhor passar por essa entrevista e contar a sua história para gente?
R – Foi um momento prazeroso, uma satisfação enorme. Um orgulho de ter sido lembrado, ter participado disso, ter conversado com você, contado toda essa história para você. Foi um prazer imenso ter lhe conhecido, embora dessa forma virtual.
Para mim, é um orgulho resgatar o passado que tive, orgulho de ter conquistado amigos por esse Brasil por onde temos ferrovias, ter deixado um legado para as pessoas que me acompanham… Eu fico muito satisfeito e orgulhoso de ter revivido… Você me fez reviver coisas do passado que nem estavam mais na minha memória. Ter resgatado meu pai, minha mãe e o que a gente fazia na infância. Cara, isso é uma história única, vamos dizer assim. Eu acho que é isso.
P/1 – Foi muito interessante, incrivelmente interessante a sua história. Agradeço em nome do Museu também.
R – E lá de Santo Ângelo, você quer alguma coisa a mais? Se você tiver alguma coisa..
P/1 – Então vamos fazer uma coisa, como última pergunta. Se o senhor tiver alguma lembrança de algo que aconteceu enquanto o senhor trabalhava nesse período, nesse ramal de Santo Ângelo… O senhor tem alguma coisa que vem à mente que eu não perguntei, algum detalhe de alguma história que tenha acontecido por lá?
R – De história depois que eu trabalhei lá, não. Quando cheguei lá, aquelas fases de construção da ferrovia de trecho a trecho, a estação de Santo Ângelo lá e até a estação nova que tem lá já tinham sido construídas; até os ramais já estavam na sua extensão final, que é o ramal até Santa Rosa. O que mais me tocou naquela ferrovia foi que teve uma parte daquele trecho onde se instalou o batalhão ferroviário lá em Santo Ângelo, e uma parte daquela ferrovia foi tocada por um militar, capitão do Exército, sob comando e supervisão dele, que foi o Luís Carlos Prestes.
Eu vou até falar do que ele deixou de relevante para a ferrovia. Ele construiu aquele trecho… De 1921 até 1928, sob o comando dele, foi construído aquele trecho de Santo Ângelo e Giruá. Isso foi o que me chamou atenção, por eu ter vivido mais tempo lá e por ter estudado a história da ferrovia, embora a gente tenha ferrovias bem importantes lá.
P/1 – E tem alguma outra história pitoresca que o senhor tenha para contar a respeito das suas viagens, ou até mesmo do trem de passageiros quando o senhor circulou, ou alguma história que o senhor tenha para contar a respeito? Alguma história que o senhor queira contar, mas não contou.
R – Eu até tenho, mas é da ferrovia também.
Uma é bem pitoresca mesmo, de quando vim para Curitiba. Eu nunca tinha andado de avião na minha vida. Foi a minha primeira vez de avião, em 1997, quando fui convidado para vir a Curitiba. Quando cheguei no aeroporto sozinho, sem saber como funcionava um aeroporto, totalmente perdido e com um medo lascado. Um medo lascado assim, eu digo… Nossa, o pessoal contava história daquelas quedas bruscas de avião, e eu louco de medo. Depois, quando entrei no avião, eu disse: "Meu Deus do céu, que chegue logo." Mas foi muito legal. Depois você vê que é uma viagem sensacional.
P/1 – O senhor acabou se acostumando.
R – Depois sim. Não acabou mais.
E a outra história bem… Não é pitoresca, mas outra história que vivi que não é… Foi bastante complicada e ruim. Não sei se vocês vão querer colocar isso. Mas foi um acidente ferroviário que eu não vivenciei com os próprios olhos, mas estive no local. Foi uma história muito triste, muito chocante. Foi lá no Rio Grande do Sul, nos anos 80, 90… Em 1993, por aí. Chocaram-se dois trens de frente, dentro de um túnel, lá na linha que liga Roca Sales a Passo Fundo. Foi um pânico, desespero total, e o pessoal do controle de trens com helicóptero, tentando ver se conseguia se comunicar, porque perdeu a comunicação. Saiu um trem de encontro ao outro… Aquilo foi muito triste, muito marcante e me marcou.
Depois eu até estive no local, quase no final, ajudando a tirar o resto do material que sobrou lá dentro. Foi um incêndio imenso dentro do túnel, queimou a locomotiva… Tudo que tinha queimou. Perdemos vidas lá, então foi uma história… Foi isso que me marcou.
Ferrovias têm disso. São todas coisas pesadas e a segurança que precisa ter é muito grande. Todo dia é preciso falar em segurança, pensar em tecnologia nova… Foram essas duas coisas que me marcaram.
P/1 – Eu agradeço pessoalmente e também em nome do Museu da Pessoa o seu depoimento. Foi um depoimento fantástico, foi muito bom. Obrigado!
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